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Da solução de conflitos da administração pública por meio da arbitragem

Da solução de conflitos da administração pública por meio da arbitragem

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Para a fruição máxima dos benefícios sociais decorrentes da arbitragem, é preciso que se reconheça à Administração Pública, a maior litigante nacional, a possibilidade de lançar mão desse meio alternativo de solução de conflitos.

Resumo: São notórios e largamente propalados os benefícios à sociedade decorrentes das soluções alternativas de conflitos, sendo abordada neste ensaio, em especial, a arbitragem. Dessa forma, a fim de maximizar tais benefícios, é necessário que se possibilite à administração pública, a maior litigante do país, o uso da arbitragem. São apontados, porém, empecilhos a esse uso, quais sejam, a afronta aos princípios da legalidade e da inafastabilidade do Judiciário, bem assim a indisponibilidade do interesse público. Esses argumentos, porém, não se sustentam. É possível, e necessário, que se valham as pessoas jurídicas de direito público do instituto da arbitragem.

Palavras-chave: arbitragem; administração pública.


1)      Considerações PRELIMINARES

Os conflitos interpessoais que se assomam na vida em sociedade podem ser levados a cabo pela pessoa, em linhas gerais, de três maneiras: pela autotulela, pela autocomposição ou pela heterocomposição.

A autotutela, método em que o indivíduo se vale de sua própria força para, subjugando o outro, fazer valer sua pretensão, foi execrada com o advento dos Estados de Direito, que monopolizam o uso da força, não obstante a existência, no Brasil, dos institutos da legítima defesa (art. 23, inciso II, do Código Penal) e do desforço imediato da posse (art. 1.210, §1°, do Código Civil).

Por exclusão, os conflitos são atualmente solucionados por intermédio da autocomposição (realizada pelos próprios litigantes, assistidos [mediação[1]] ou não [negociação/conciliação[2]]) ou da heterocomposição (empreendida por terceiro alheio aos conflitantes em sede judicial [jurisdição estatal] ou privada [jurisdição não estatal]).

Não se tem dúvida de que é a jurisdição estatal a mais utilizada forma de solução de conflitos, o que, não obstante, revelou-se uma das maiores chagas do direito brasileiro, notadamente em razão de nossa cultura de acentuada litigância. Um Judiciário abarrotado de incontáveis processos se afigura ineficiente, moroso e, nessa medida, incapaz de realizar a efetiva justiça.

Nesse contexto exsurge a necessidade de se adotarem formas de solução de conflitos que não dependam da função judiciária do Estado. Portanto, muito se estimula hoje a autocomposição, além de estar em voga o uso da jurisdição privada, é dizer, da arbitragem, o objeto de estudo do presente ensaio.

[A arbitragem] É técnica de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa, se sua confiança, a solução amigável e “imparcial” (porque não feita pelas partes diretamente) do litígio. É, portanto, heterocomposição. (...)

A decisão arbitral fica imutável pela coisa julgada material. Poderá ser invalidada a decisão, mas, ultrapassado o prazo nonagesimal, a coisa julgada torna-se soberana. É por conta dessa circunstância que se pode afirmar que a arbitragem, no Brasil, não é equivalente jurisdicional: é propriamente jurisdição, exercida por particulares, com autorização do Estado e como consequência do exercício do direito fundamental de auto-regramento (autonomia privada).[3] – (destacamos)

E considerando, nesse cenário, que é a administração pública – relativa a todos os entes federados – a maior litigante do país, compondo o polo ativo ou passivo da imensa maioria dos processos judiciais, tal qual é notório, inclusive existindo varas judiciais dedicadas exclusivamente às Fazendas Públicas, ganha acentuado relevo a discussão acerca da arbitragem com o fito de solucionar demandas das pessoas jurídicas de direito público.


2)       DA SUPOSTA IMPOSSIBILIDADE DO USO DA ARBITRAGEM PELA ADMINISTRAÇÃO pública

Sustenta-se que a utilização da arbitragem como método de resolução de conflitos em relação às pessoas jurídicas de direito público violaria o princípio da legalidade (i), o princípio da inafastabilidade do judiciário (ii) e o princípio da indisponibilidade do interesse público (iii), de modo que as demandas que envolvam a Administração só poderiam ser solucionadas pelo Judiciário[4].

É possível, no entanto, colher argumentos que levam a uma conclusão diversa.

Com efeito, nada obstante seja a Administração submetida ao princípio da legalidade estrita, é dizer, embora não possa ela proceder de maneira não prevista expressamente em lei[5], não se pode ignorar que há sim leis que autorizam a utilização da arbitragem pelas pessoas jurídicas de direito público, ainda que, em alguns casos, de forma genérica.

É o caso do art. 54[6] da Lei n°. 8.666/93, do art. 23, XV[7], da Lei n°. 8.987/95, do art. 1º[8] da própria Lei n°. 9.307/96, do art. 5°, parágrafo único[9], da Lei n° 5.662/71, do art. 11[10] do Decreto-lei n° 1.312/74, do art. 1°, §8°[11], da Lei n° 8.693/93, do art. 93, inciso XV[12], da Lei n° 9.472/97, do art. 43, inciso X[13], da Lei n° 9.478/97, do art. 11[14] da Lei n°11.079/04.

A par disso, há municípios e estados positivando em seu âmbito de competência a possibilidade de utilização da arbitragem por si próprios, a exemplo da Lei Estadual n° 19.477/11/MG[15].

Esse plexo legislativo, contudo, não parecer ser o bastante para alguns, tal qual evidencia a seguinte decisão do Tribunal de Contas de União:

(...) a aplicação aqui da cláusula de compromisso arbitral encontra um óbice intransponível, qual seja a ausência de autorização legal. O fato de a outras modalidades de contratos administrativos ser possibilitada a inclusão de cláusula de arbitragem, tal como previsto no inciso X do art. 43 da Lei n° 9.478/1997126, não permite a extensão por analogia desses dispositivos às avenças aqui tratadas. A Administração é regida pelo princípio da legalidade e a arbitragem é cláusula de exceção a regra de submissão dos conflitos ao Poder Judiciário, somente podendo ser aplicada com expressa autorização legal. (Tribunal de Contas da União, Processo n° 005/250/2002-2, Acórdão n° 584/2003) – (destacamos).

A despeito dessa linha de intelecção, entendemos ser despiciendos, porquanto redundantes, todos os dispositivos de lei que autorizam o uso da arbitragem pela administração, à exceção do art. 54 da Lei n° 8.666/93 e do art. 1° da Lei n° 9.307/96. São esses os fundamentos legais necessários e suficientes ao uso da arbitragem na hipótese em debate. O primeiro dispositivo, veiculado em lei de abrangência nacional, autoriza a utilização supletiva nos contratos administrativos de disposições de direito privado, sendo o segundo autorizador do uso da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Ora, se é possível à Administração o emprego de institutos de direito privado em suas avenças, e sendo legalmente prevista a arbitragem para dirimir questões desse jaez, não é possível outra conclusão afora a de que podem as pessoas jurídicas de direito público, sob o enfoque da legalidade, lançarem mão da arbitragem para solução de seus conflitos, sem se valer de qualquer analogia ou interpretação extensiva para tanto.

E essa ideia ganha ainda mais robustez com a leitura pós-moderna do princípio da legalidade, denominada “princípio da juridicidade”. De acordo com o princípio da juridicidade, mais amplo em relação ao da legalidade, a administração pública não esta subordinada cega e mecanicamente à lei em sentido estrito, mas deve obedecer ao ordenamento jurídico como um todo, sistemática e constitucionalmente interpretado. O princípio foi criado a partir da constatação da impossibilidade da inteira programação legal dos atos da Administração, e dispensa, na hipótese aqui abordada, que haja lei que específica e expressamente autorize, verbo ad verbum, que as pessoas jurídicas de direito público se utilizem da arbitragem. 

O princípio da juridicidade corresponde ao que se enunciava como um “princípio da legalidade”, se tomado em sentido amplo, ou seja, não se o restringindo à mera submissão à lei, como produto das fontes legislativas, mas de reverência a toda a ordem jurídica.[16]

A idéia de juridicidade administrativa, elaborada a partir da interpretação dos princípios e regras constitucionais, passa, destarte, a englobar o campo da legalidade administrativa, como um de seus princípios internos, mas não mais altaneiro e soberano como outrora. Isso significa que a atividade administrativa continua a realizar-se, via de regra, (i) segundo a lei, quando esta for constitucional (atividade secundum legem), (ii) mas pode encontrar fundamento direto na Constituição, independentemente ou para além da lei (atividade praeter legem), ou, eventualmente, (iii) legitimar-se perante o direito, ainda que contra a lei, porém com fulcro numa ponderação da legalidade com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas com fundamento numa otimizada aplicação da Constituição).[17]

Dessarte, não se vislumbra, sequer de forma remota, a possibilidade de mácula ao princípio da legalidade com o uso da arbitragem pela administração pública (i).

De outra parte, no que toca à aventada afronta ao princípio da inafastabilidade do Judiciário (ii), deve-se, inicialmente, explorar o conteúdo do princípio para, ao depois, verificar se é ele afrontado na hipótese ora trabalhada.

Com efeito, o inciso XXXV do art. 5° da Constituição Federal é peremptório ao afirmar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Resta claro, pois, que o dispositivo constitucional veda que a lei, ou qualquer ato a ela inferior, impeça o acesso ao Judiciário. Noutros termos, proíbe-se que se criem empecilhos àquele que pretende ter a sua demanda solucionada por meio da jurisdição estatal.

Diante disso, não é necessário muito esforço para notar que o fato de as pessoas, por sua vontade e deliberação, preferirem a arbitragem ao processo judicial não vai de encontro ao princípio constitucional. Nessa hipótese, não se está criando embaraços para que os indivíduos façam valer seu direito de ação, apenas se oferece alternativa facultativa ao exercício desse direito.

Entender que a opção pela arbitragem configura violação à inafastabilidade do Judiciário é o mesmo que impedir que os indivíduos elejam quaisquer formas de solução alternativa de conflitos, já que, ordinariamente, em todas elas, pretende-se escapar do Judiciário, buscando-se decisão igualmente efetiva e, no mais das vezes, mais célere.

Este princípio [da inafastabilidade do judiciário] não se dirige apenas ao Legislativo – impedindo de suprimir ou restringir o direito à apreciação jurisdicional –, mas também a todos quantos desejem assim proceder (...). Ressalve-se a situação da arbitragem, na qual os próprios contendores optam por retirar do Poder Judiciário o poder de solucionar os conflitos que advenham de determinado negócio jurídico[18]. – (destacamos)

De remate, tem-se o argumento de maior força contra a utilização da arbitragem pela administra pública, mas que não se sustenta plenamente. Trata-se da indisponibilidade do interesse público (iii).

Consoante exegese do art. 1° da Lei n° 9.307/96, as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Entretanto, como é notório, o regime jurídico administrativo é fundado em dois princípios, quais sejam, o da supremacia do interesse público sobre o privado e o da indisponibilidade do interesse público. Nessa linha, sendo a arbitragem aplicável apenas para dirimir conflitos relativos a interesses disponíveis, e estando a administração pública imersa em regime jurídico que possui como pressuposto a indisponibilidade do interesse público, poder-se-ia concluir que esse aparente paradoxo impede que as pessoas jurídicas de direito público se valham da arbitragem.

Em suma, o necessário – parece-nos – é encarecer que na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela.[19]

Contudo, a noção de indisponibilidade do interesse público não é absoluta. É inequívoco que, em regra, está a administração pública jungida à indisponibilidade dos interesses que tutela. Mas não sempre. É possível considerar a existência de interesse público disponível e, portanto, sujeito à arbitragem.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ladeado pela doutrina majoritária, bem diferencia duas espécies de interesse público: o primário e o secundário. Para o autor, em linhas muito gerais, quando a atuação da administração possui como fim primeiro o bem-estar da coletividade, está-se diante do interesse público propriamente dito, ou primário; quando a atuação do Estado está adstrita à satisfação do interesse da pessoa jurídica de direito público, tem-se o interesse público secundário[20].

Nesse diapasão, extraí-se a conclusão de que, quando a administração atua no interesse da coletividade, os interesses estão “fora do mercado” e, portanto, falar-se-ia em uma indisponibilidade absoluta das condutas para operacionalizar esses interesses públicos primários[21], de sorte que, nessa hipótese, a adoção da arbitragem pela administração encontraria efetivo e intransponível óbice no art. 1° da Lei n° 9.307/96, in fine.

Entretanto, os interesses públicos secundários, é dizer, da pessoa jurídica de direito público, têm expressão eminentemente patrimonial. São, pois, derivados, disponíveis e suscetíveis à arbitragem. Esse interesse público derivado tem natureza instrumental, e resolve-se em direitos patrimoniais. Todos os interesses que estão no comércio e que são objeto de contratação seriam disponíveis e, destarte, passíveis de solução pela arbitragem[22].

Não é seguindo outra linha de pensamento que a doutrina adminstrativista, ao abordar a temática dos contratos avençados pela administração pública, diferencia-os em “contratos administrativos”, regidos por normas de interesse público, notadamente o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, e “contratos da administração”, celebrados em regime de igualdade entre administração e administrado, e regidos eminentemente por normas de direito privado, no quais, portanto, encontraria a arbitragem campo de incidência.

A administração pode realizar contratos sob normas predominantes do Direito Privado – e frequentemente os realiza – em posição de igualdade com o particular contratante, como pode fazê-lo com supremacia do Poder Público.[23]

Da leitura dos manuais de direito administrativo, pode-se constatar uma divisão a ser feita na atividade negocial do Estado, instrumentalizada por contratos administrativos, a par da conhecida divisão, feita em sede jurisprudencial, dos atos de Estado ius imperii ou ius gestionis. Com efeito, separam-se nos contratos administrativos aqueles que são realizados em virtude do preenchimento da finalidade perene da Administração Pública, qual seja, o atendimento do interesse público, daqueles outros que a Administração celebra sem perseguir de maneira direta sua finalidade, sendo que estes últimos existem sempre de forma instrumental e subsidiária. Em suma, pode-se verificar que segundo a maior parte da doutrina existem duas modalidades de contratos celebrados pelo Estado: por um lado, aqueles de direito privado em que incidem normas de direito público; de outro, os de direito público em que incidem normas privatísticas.[24]

E, nesse fulcro, “afigura-se necessário suplantar a tradição brasileira de buscar soluções de conflitos somente pelo acesso aos órgãos judiciais, em que pese sua criação e funcionamento em bases constitucionais, pois a grande maioria das controvérsias entre particulares e entre estes e a Administração Pública têm roupagem de direitos disponíveis, ou que admitem transação, e que podem e devem ser geridas por cidadãos autolegisladores e esclarecidos de sua possibilidades de Vivência Digna”[25].

Seguindo a linha de pensar aqui delineado, parece-nos adequada a solução que o Superior Tribunal de Justiça já deu à questão no seguinte precedente:

 (...) quando os contratos celebrados pela empresa estatal versem sobre atividade econômica em sentido estrito – isto é, serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro –, os direitos e as obrigações deles decorrentes serão transacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos à arbitragem. (...) Por outro lado, quando as atividades desenvolvidas pela empresa estatal decorram do poder de império da administração pública e, consequentemente, sua consecução esteja diretamente relacionada ao interesse público primário, estarão envolvidos direitos indisponíveis e, portanto, não-sujeitos à arbitragem. (REsp 612.439/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ 14/09/2006, p. 299)

Também comunga com o entendimento aqui esposado Carlos Alberto Carmona, para quem são arbitráveis controvérsias relativas a “matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo dos interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem”[26].


3)      DA IMPERIOSA NECESSIDADE DO USO DA ARBITRAGEM PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A par dos argumentos acima expostos, que, ao afastar a impossibilidade de utilização da arbitragem pelas pessoas jurídicas de direito público, confirmam a necessidade de seu uso, convém ratificar a necessidade do emprego dessa técnica de solução de conflitos nos moldes aqui propostos.

Com efeito, como é largamente propalado pela doutrina, a arbitragem se afigura alternativa altamente indicada a um Judiciário moroso, burocrático, que muitas vezes não possui julgadores com conhecimento especializado da demanda posta, e muito mais exposto a contingentes pessoais do juízo. O acentuado acionamento do Judiciário em nossa cultura, com a miríade de processos que lhe é consequente, criou uma jurisdição estatal à beira da inoperância, em que pese a grande estrutura física, funcional e financeira que possui. Poder-se-ia adjetivar nosso Judiciário como um colosso vagaroso e ineficiente.

A opção pela arbitragem, além de, no mais das vezes, ser mais vantajosa aos litigantes em relação à jurisdição estatal, contribui para o desafogamento do Judiciário, o que, quiçá, possibilitaria o aumento de sua eficiência.

E tudo isso ganha proporção superlativa quando se passa a falar da administração pública. Tal qual alhures mencionado, é ela, a toda evidência, a maior litigante do país, compondo o polo ativo ou passivo da maioria dos processos judiciais. Em suma, garantir à administração o uso da arbitragem é multiplicar exponencialmente todos os benefícios sociais inerentes a esse método de resolução de conflitos.

Afinal, “é mais do que tempo de o Estado descer do seu pedestal e virar um colaborador (...), gerando ganhos para ambas as partes, maior eficiência à sociedade. (...) Supõe-se que essa atitude colaborativa seja a que trará maiores incentivos ao investimento privado, sem com isso gerar qualquer prejuízo ao interesse público (...)”[27].


4)      Considerações Finais

Em que pese a complexidade do tema e os entendimentos divergentes, à vista do aqui esposado, é de se concluir ser possível a utilização da arbitragem pela administração pública, sem que isso configure afronta ao princípio da legalidade, ex vi do princípio da juridicidade, tampouco mácula ao princípio da inafastabilidade do Judiciário, que permanece incólume com a adoção da arbitragem.

Quanto à possibilidade de ser harmonizar o princípio da indisponibilidade do interesse público, que decorre do regime jurídico administrativo, com o fato de a arbitragem só ter o condão de dirimir questões de interesses disponíveis (art. 1° da Lei n° 9.307/96, in fine), entende-se ser ela exequível. É possível que, à parte do núcleo de interesses públicos primários indisponíveis, existam os interesses públicos secundários, de caráter eminentemente patrimonial e, nessa condição, disponíveis e passíveis de submissão à arbitragem.

É essencial, ademais, que para a fruição máxima dos benefícios sociais imanentes à arbitragem, seja reconhecida à administração pública, a maior contendora nacional, a possibilidade de lançar mão desse meio alternativo de solução de conflitos.


5)      Referências Bibliográficas

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Notas

[1] “A mediação é uma forma alternativa de solução de conflitos em que um ‘mediador’ (um terceiro imparcial) estimulará os envolvidos a colocarem fim a um litígio existente ou potencial” (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil, Vol. 1. Tomo 1 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 50).

[2] “A conciliação também é um meio alternativo de solução de conflitos porque ela representa, em última análise, a vontade dos próprios envolvidos no litígio para sua solução” (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil, Vol. 1. Tomo 1 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 51).

[3] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. V. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 104-106

[4] CASTRO, Andrea Rabelo de. Fundamentos Constitucionais da Arbitragem no Setor Público. Disponível em <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2054322.PDF>, acesso em 11.12.13.

[5] “(...) o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p 104).

[6] “Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.

[7]   “Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (...) XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais (...)”.

[8] “Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”

[9] “Art. 5°. (...) Parágrafo único. As operações referidas neste artigo poderão formalizar-se no exterior, quando necessário, para o que fica a empresa pública Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES autorizada a constituir subsidiárias no exterior e a aceitar  as cláusulas usuais em contratos internacionais, entre elas a de arbitramento.”

[10] “Art. 11. O Tesouro Nacional contratando diretamente ou por intermédio de agente financeiro poderá aceitar as cláusulas e condições usuais nas operações com organismos financiadores internacionais, sendo válido o compromisso geral e antecipado de dirimir por arbitramento todas as dúvidas e controvérsias derivadas dos respectivos contratos.”

[11] “Art. 1°. (...)§ 8º Nos aditivos a contratos de crédito externo constará, obrigatoriamente, cláusula excluindo a jurisdição de tribunais estrangeiros, admitida apenas a submissão de eventuais dúvidas e controvérsias delas decorrentes à justiça brasileira ou a arbitragem, nos termos do art. 11 do Decreto-Lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974.”

[12]  “Art. 93. O contrato de concessão [de serviços de telecomunicação] indicará: (...) XV - o foro e o modo para solução extrajudicial das divergências contratuais (..).”

[13]  “Art. 43. O contrato de concessão [de energia elétrica] deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais: (...) X - as regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional;”.

[14] “Art. 11. O instrumento convocatório [de Parceria Público-Privada] conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei (...), podendo ainda prever: (...) III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato”.

[15] “Dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para a solução de litígio em que o Estado seja parte e dá outras providências”.

[16] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

[17] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[18] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. V. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodvm, 2011, p. 111.

[19] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p 77.

[20] “(...) não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público. (...) o Estado poderia ter interesse em tributar demesuradamente os administrados, que assim enriqueceria o Erário, conquanto empobrecesse a Sociedade; que, sob igual ótica, poderia ter interesse em pagar valores ínfimos aos seus servidores, reduzindo-os ao nível de mera subsistência, com o quê refrearia ao extremo seus dispêndios na matéria; sem embargo, tais interesses não são interesses públicos, pois estes, que lhe assiste prover, são os de favorecer o bem-estar da Sociedade e da retribuir condignamente os que lhe prestam serviços” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p 66-67).

[21] CASTRO, Andrea Rabelo de. Cit.

[22] Idem, Ibidem.

[23] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 202.

[24] CASTRO, Andrea Rabelo de. Cit.

[25] DANTAS, Bruno et al – Coordenadores. ABBOUD, Georges et al. Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil, Salvador: Juspodvm, 2013, p. 60.

[26] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n° 9.307/96. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 56.

[27] TIMM, Luciano Benetti; SILVA, Thiago Tavares da. Os contratos administrativos e a arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 29. Porto Alegre: Síntese; Curitiba: Comitê Brasileiro de Arbitragem, p. 43-59 jan./fev./mar. 2011, p. 45.


Autor

  • Guilherme Mungo Brasil

    Aluno regular do Mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos (interdisciplinar) da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, pesquisando sobre a resolução consensual de conflitos coletivos. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/Minas, graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Atualmente é Analista do Ministério Público da União: Especialidade Direito, com lotação no Ministério Público Federal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRASIL, Guilherme Mungo. Da solução de conflitos da administração pública por meio da arbitragem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4078, 31 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31292. Acesso em: 27 abr. 2024.