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As inovações constitucionais no Direito de Família

As inovações constitucionais no Direito de Família

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SUMÁRIO: I. Introdução; II. Família Moderna, II.I. A evolução da família, Os primeiros agrupamentos humanos, A Família Romana, A influência do Direito Canônico na formação familiar da Idade Média, A criação do casamento civil, As funções da família – da Grécia aos dias atuais; II. II. A família e o Código Civil de 1916; II.III.O concubinato, a união estável e a entidade familiar, O lapso temporal nas chamadas uniões estáveis, As uniões livres e o antigo sistema do Código Civil, A jurisprudência e a Carta Magna de 1988, A Entidade Familiar criada com a Constituição Federal de 1988, As leis atuais que disciplinam a matéria e o projeto de Estatuto da União Estável, Direito a alimentos na relação concubinária – A assistência mútua, A administração e a partilha de bens na União Estável e a sucessão hereditária, As restrições de direito à concubina no Código Civil e a Constituição Federal de 1988; II.IV. A família no projeto do novo Código Civil;II.V. As uniões homossexuais; II. VI. O planejamento familiar; II.VII. A dissolução da sociedade conjugal; III. A isonomia conjugal; III.I.A situação dos cônjuges no decorrer da história; III.II A mulher e a árdua conquista da igualdade; III.III. A problemática da igualdade dos cônjuges; III.IV.As discriminações benéficas á mulher e os bens reservados; III.V. Os dispositivos legislativos alterados constitucionalmente; IV. A igualdade dos filhos; IV.I Breves comentários históricos; IV.II A filiação no Código Civil de 1916; IV.III A isonomia constitucional; IV.IV. As modificações advindas na Legislação com a carta de 1988; V. Considerações finais; VI. Referências bibliográficas e obras consultadas.


Introdução

A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, alterou de forma profunda a realidade social e o Ordenamento Jurídico vigente. Muitas transformações ocorreram no Direito de Família, que, no início do século XX, quando promulgado nosso Código Civil, disciplinava as relações dos núcleos familiares formados pelo casamento, onde o homem exercia sua supremacia sobre a mulher, mera coadjuvante restrita às lides domésticas.

No texto original do Diploma Civil é patente a natureza patriarcal deste ramo do Direito, sempre referindo-se ao homem como o detentor das prerrogativas advindas com o casamento, sendo negado à mulher, inclusive, a educação. A situação dos filhos, por sua vez, dentro deste sistema jurídico, ficava condicionada ao estado civil dos pais, somente sendo considerados legítimos os resultantes do casamento válido, negando-se aos demais, naturais e espúrios, os direitos advindos com a filiação.

Este trabalho procura abordar as inovações que a Constituição Federal de 1988 trouxe ao Direito de Família, outrora um complexo normativo regulador da celebração do casamento, de sua validade e de seus efeitos, bem como de sua dissolução; das relações entre pais e filhos e dos vínculos de parentesco; e dos institutos complementares de tutela e de curatela; hoje, um campo que se modifica vertiginosamente, abraçando temas como: igualdade dos filhos; igualdade entre os cônjuges; união estável e entidade familiar; entre outros Institutos Jurídicos, em sua maioria alterados por poucos artigos constitucionais.

Procuraremos também analisar a situação do Direito de Família no Projeto do novo Código Civil, que também foi alterado com a Constituição Federal de 1988, enfatizando a igualdade conjugal, ignorada no ordenamento de 1916; definindo o regime do casamento religioso e seus efeitos na esfera civil; entre outros temas.


A FAMÍLIA MODERNA

Se estudarmos a história da humanidade, encontraremos em todas as culturas, quer orientais, quer ocidentais, os agrupamentos humanos.

Desde os primórdios da civilização, os homens se reuniram em torno de algo ou de alguém, constituindo uma família, o segmento social de origem mais primitiva já reconhecido.

Os agrupamentos humanos apresentaram-se no decorrer dos séculos sob diversas formas e com diferentes finalidades.

Alguns sociólogos defendem a tese de que num primeiro momento histórico não haviam normas que disciplinassem as uniões, inexistindo entre os homens e as mulheres vínculos de exclusividade; nesta fase de anomia, as relações sexuais eram indiscriminadas e praticadas por todos os membros do grupo ou tribo, tendo-se como exemplo a poligamia, onde um homem desposava várias mulheres, e a poliandria, onde uma única mulher possuía mais de um homem, bem como o chamado "matrimônio em grupo".

Outros teóricos, entretanto, defendem a natureza monogâmica do ser humano como ponto de partida para um agrupamento, primeiro sob a chefia da mulher, seguindo-se da chefia masculina [1].

Segundo o jurisfilósofo Paulo Nader [2], em sua obra "Filosofia do Direito", existiram as três formas de agrupamento, porém em épocas distintas da história humana.

A primeira delas teria sido a horda, onde os homens e as mulheres viviam de forma nômade e sem regras orientadoras de convivência, sendo muito comum a promiscuidade entre eles. Clóvis Beviláqua, em sua obra "Direito da Família", cita Spencer, para quem as relações entre os homens e as mulheres eram guiadas pela paixão momentânea, sem qualquer freio moral ou social, sem qualquer organização ou ordem pré estabelecida. Teriam sido características deste primeiro momento da evolução social: "(...) a indisciplina, a irregularidade, a transitoriedade (...)". [3] A força e a resistência física teriam sido fundamentais neste primeiro momento.

Já numa segunda fase, os homens, que antes eram nômades, passaram a estabelecer moradas permanentes e viver da agricultura, erigindo a mulher como autoridade máxima, o que foi chamado de matriarcado. Neste período, a figura feminina foi praticamente venerada pelos homens que a comparavam com a terra, a geradora da vida e a supridora das necessidades humanas.

Del Vecchio, esclarecendo esta fase, declara que no regime social do matriarcado a mulher não assumiu a hegemonia política do grupo, mas foi colocada como figura central para que ao redor dela pudessem ser geradas as famílias e fossem garantidos os primeiros vínculos de parentesco. Seguem este pensamento Bossert e Zannoni, declarando que na sua origem, a família tem um caráter matriarcal, pois a madre sempre é conhecida e é a partir dela que o filho cresce, se alimenta e se educa.

Embora muitos neguem a existência de um matriarcado ou de uma genicocracia, alegando que não existem registros históricos ou etnográficos a respeito, Clóvis Beviláqua [4], citando Westermarck, dá-nos o exemplo de tribos da África, da América e da Ásia, como os koechs, em que a família se desenvolve a partir da matriarca, que administra e dirige o grande núcleo familiar, o que nos leva a crer que em determinado momento histórico e em determinada sociedade, a mulher foi considerada a autoridade máxima dentro da família

E, finalmente, em uma terceira fase, o patriarcado, onde o homem assumiu a liderança do núcleo familiar. Este sistema permaneceu até nossos diais e, mesmo após promulgada nossa Carta Magna de 1988, insiste em sobreviver no seio das famílias mais tradicionais e nos rincões mais atrasados de nosso país.

Muito embora o tema seja fascinante, são especulações de valor histórico que não serão matéria deste trabalho, exceto as que dizem respeito à família romana, considerada o embrião do que hoje conhecemos como família e, como o Direito tomou por bem disciplinar estas relações familiares que se modificam constantemente, abordaremos neste primeiro capítulo a evolução deste instituto e a atual realidade frente à Constituição Federal de 1988. Serão tratadas neste capítulo as fundações da família brasileira, os legados dos Direitos Romano, Canônico e Germânico, bem como a evolução que culminou com a entidade familiar de nossa atual Carta Magna.

I. I.A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

OS PRIMEIROS AGRUPAMENTOS HUMANOS E A CONSANGÜINIDADE

Nas primeiras famílias, a segurança proporcionada pelo grupo organizado, ainda que de forma primitiva aos seus membros, era muito mais relevante que a consangüinidade. Exercendo uma função de protetora contra as agressões externas, em um momento histórico de fragilidade do Estado, a família começou a se fortalecer.

O parentesco somente passou a ser observado nas famílias gregas e nas famílias romanas, identificando-se com o culto aos antepassados que muito contribuiu para a agregação ao redor do pater [5].

Como tanto na Grécia, quanto em Roma, existiam as chamadas micro-religiões, onde cada família possuía seus próprios deuses, representados pelos antepassados mortos, e uma liturgia específica, determinada pelo chefe familiar que também era o chefe religioso, a desprovida de descendentes certamente não se perpetuaria, visto que a sacra privata somente era praticada pelos membros da família. Acreditavam estes povos que a extinção do culto familiar acarretaria na condenação eterna dos membros de sua família e de seus antepassados.

Para atender a necessidade de continuação dos cultos familiares romanos, foi criada o instituto da adoção na Lei das XII Tábuas, que realizou-se no Império Romano sob duas formas: adrogatio e adoptio. Pela adrogatio, reuniam-se em praça pública: o representante do Estado, da religião e do povo, e indagavam o adrogante e o adrogado sobre as pretensões de adoção; na adoptio, fazia-se a alienação do direito do genitor em prol do adotante, constituindo-se de um ato mais complexo.

Silvio Rodrigues, citando Foustel de Coulanges, comenta que o autor em sua obra descreveu o surgimento do instituto da adoção no Império Romano como uma forma de dar continuidade ao culto dos antepassados. Todos os que não tivessem filhos legítimos ou naturais podiam adotar como uma forma de "evitar a desgraça representa pela morte sem descendentes." [6]

Coexistiram em Roma duas espécies de parentesco: a agnatio e a cognatio. A agnatio ou agnação era a designação dada aos descendentes masculinos do pater, à mulher na condição de subordinada, bem como aos filhos adotados e a todos os demais sujeitos ao poder do chefe familiar, não havendo qualquer vinculação consangüínea entre eles, sendo considerado um parentesco meramente civil. Já na cognação, ou cognatio, o que unia os membros da família era a consangüinidade, baseando-se na filiação e na descendência parental (1). Era feita assim a distinção entre a família proprio jure e a família communi juris, sendo que a família criada a partir da consangüinidade não possuía o mesmo valor da família de nome, que surgia da vontade do pater. [7]

A FAMÍLIA ROMANA

Na Grécia a família era representada pelo grupo ligado ao ancestral comum, aditando-se os cônjuges e enteados, genros e noras, e cunhados, ao ponto de alguns estudiosos à associarem à figura do geno, devido tamanha abrangência; era uma "miniatura da polis", conforme descreve Paulo Dourado de Gusmão, em seu Dicionário de Direito de Família.

Já em Roma coexistiam a gens, que tinha como chefe o pater gentis, e a família propriamente dita, composta pela mulher, pelos filhos, netos e bisnetos, bem como pelos respectivos bens, sujeito ao poder do pater familias, o ascendente comum mais idoso. Esta organização romana é fundamental para a compreensão da família descrita em praticamente todos os códigos modernos, desde o alemão de 1896, ao de Napoleão de 1804, como ao brasileiro de 1916 [8].

Muito embora aleguem alguns estudiosos que num primeiro momento da história Romana, a família teria vivido sob a autoridade feminina, fundamentando o parentesco gerado pela uterinidade e sendo a mulher considerada o centro criador da família, convém lembrarmos que não existem registros históricos românicos sobre tal especulação. A liderança da família romana teria sido retirada das mãos da mulher (para os que acreditam que em um dado momento histórico ela a deteve ) e sujeitado-se ao homem, criando-se com isto um novo sistema familiar, fundado exclusivamente na autoridade masculina.

O homem era considerado em Roma o chefe político, religioso e juiz; era o pater familias que exercia o chamado ius vitae ac necis, direito de vida e morte sobre todos os membros de seu grupo, impondo penalidades e tratando-os como coisas pertencentes ao seu patrimônio [9]. A própria expressão família, que deriva do latim famulus, se referia ao conjunto de escravos domésticos e bens postos à disposição do pater. Era ele, e tão somente ele, que adquiria e administrava os bens da família, que exercia o patria potestas sobre os filhos e a manus sobre a mulher.

O Estado Romano praticamente não interferia no grupo familiar, sendo este de responsabilidade do pater que exercia uma jurisdição paralela a estatal, autorizada pelo próprio Direito Romano. O homem exercia seu domino na família, assim como o Imperador o fazia no vasto Domínio Romano, existindo entre eles, o pater e o Imperador, uma correlação, já que acreditava-se que a família era a representação celular do Estado.

A família neste momento histórico era uma unidade política, jurídica, econômica e religiosa que se erigia em torno da figura masculina [10].

É a partir de Roma que a união entre um homem e uma mulher passa a interessar ao mundo jurídico, gerando nele seus efeitos.

Pela conventio in manun, a mulher e seu patrimônio passavam a pertencer e ser administrados pelo marido, era o chamado manus maritalis. Esta forma de união se dava de três formas: pela confarreatio, pela coemptio e pelo usus.

A confarreatio era a forma de união dos patrícios que permitia que os filhos nascidos dela participassem dos cultos sacerdotais; era o matrimônio religioso celebrado na presença de testemunhas que perdurou até o Império de Augusto. A coemptio era reservada aos plebeus e constituía-se numa espécie de casamento civil, segundo Gaio, onde o pai vendia a filha para o futuro marido; um resquício dos costumes bárbaros sem qualquer cunho religioso. O usus, era uma forma de usucapião em que o homem adquiria a posse da mulher após o prazo de um ano de convivência desde que aquela não se ausentasse da casa por três noites consecutivas, usurpatio trinoctium, o que impedia que se concretizasse a aquisição.

Existia ainda a conventio sine manus, em que a mulher continuava ligada à família de seu pai, não pertencendo ao marido, muito comum após o século IV d.C. [11].

Também encontramos no Direito Romano a figura do concubinatus, admitida com as Lex Iulia de adulteriis, Julia de maritendis ordinibus e lex Papia Poppaea, formando um quase-casamento, distinto das justae nuptiae por não garantir os efeitos decorrentes do casamento e por não apresentar o consensus nuptialis ou affectio maritalis, mas garantindo o surgimento de efeitos legais como a regularização da prole comum.

Como havia sido proibido o casamento entre os plebeus e os patrícios, o concubinato foi a forma de união encontrada pelos romanos, apresentando-se como legitimus, sendo a concubina livre para casar-se com o companheiro e devendo ser mantida em sua companhia por toda a vida. Somente no Direito Justiniano é que foi rebaixado, sendo considerado inferior ao matrimônio, isto graças as influências do cristianismo; o casamento sacro foi prestigiado e em lei fixaram-se diferenças entre os filhos nascidos da esposa e os nascidos da concubina.

A intenção dos Imperadores cristãos era a de extinguir com o instituto do concubinato, ou o transformando em casamento propriamente dito, ou incentivando a sua legitimação. Foi Justiniano o primeiro a eliminar todos os impedimentos que, indiretamente, fomentavam este tipo de união que perdurou até o século XIII. [12]

Uma última forma de união admitida entre os romanos era o contubernium, exclusiva dos escravos e que representava uma mera união de fato dependente da autorização do senhor, dono dos escravos; modalidade considerada supérflua para os juristas.

Ainda no Direito Romano encontramos a origem do dote, uma espécie de compensação à filha casada sob a conventio in manun, que perdia assim o direito aos bens da casa paterna, restando-lhe apenas o dote a ser administrado pelo marido; um legado românico que consta em nosso Código Civil de 1916.

A INFLUÊNCIA DO DIREITO CANÔNICO NA FORMAÇÃO FAMILIAR DA IDADE MÉDIA

Muitas foram as alterações no instituto do casamento nesta fase histórica que para muitos filósofos e sociólogos é considerada como um período das trevas.

O casamento romano sempre foi monogâmico, mas não era mais que um fato social. Com o advento Cristianismo, adotado como religião oficial do Império Romano, a partir do século IV, o mesmo tornou-se um sacramento.

A simples celebração fática foi elevada a rito sacramental, simbolizando a união de Cristo e de sua Igreja, passando o casamento a ser considerado uma união indissolúvel e abençoada por Deus, conforme os preceitos bíblicos de que "o que Deus uniu, não separe o homem."

A partir da Idade Média, fortalecido o Poder Espiritual, a Igreja começou a interferir de forma decisiva nos institutos familiares e como ela e o Estado se confundiam nas pessoas do rei e do papa, as suas normas eram também as normas estatais.

A Igreja somente empenhou-se realmente em combater tudo o que pudesse desagregar o seio familiar: o aborto, o adultério, e principalmente o concubinato, nos meados da Idade Média, com as figuras de Santo Agostinho e Santo Ambrósio; até então o concubinatus havia sido aceito como ato civil capaz de gerar efeitos tal qual o matrimônio. Os próprios reis mantiveram por muito tempo esposas e concubinas e até mesmo o clero deixou-se levar pelos desejos lascivos, contaminando-se em relações carnais e devassas, sendo muito comum a presença de mulheres libertinas dentro dos conventos. (2)

Os primeiros casamentos haviam sido realizados apenas com o consentimento dos nubentes e esta simplificação na celebração fez com que surgissem dentro da sociedade, relações clandestinas; a Igreja sentiu-se obrigada a exigir, para convalidar o ato nupcial, a presença de um de seus representantes. Do século X ao século XV a única forma de casamento que tornou-se aceita foi a eclesiástica, ordenando assim as paixões humanas e a concupiscência pecaminosa [13].

Pela doutrina católica, o casamento constituía-se através do simples consenso dos nubentes e era um ato indissolúvel; uma vez casados, nada além da morte poderia separar os noivos, agora formando "uma só carne". Este casamento perpétuo tinha a função de garantir a ordem social, impedindo que os laços constituídos se rompessem, punindo os homens e mulheres que ousassem se separar com o banimento social.

Na Idade Média passou a fazer parte do rito matrimonial a autorização das famílias dos noivos, sempre influenciadas pela situação social e econômica das famílias, principalmente da mulher, cabendo a esta a entrega de um dote ( ao casar a filha, deveria o pai pagar ao noivo algo muito semelhante a uma indenização, um patrimônio que seria por aquele administrado, ficando assim solteiras as moças que não pudessem pagar um dote, ou unindo-se sem as bênçãos da Igreja ).

De 1542 a 1563, os católicos reuniram-se em Trento e publicaram as normas do Concílio referentes ao casamento, reafirmando o seu caráter sacramental e reconhecendo a competência exclusiva da Igreja Católica para a sua celebração e validação. Ainda cuidaram de consolidar o casamento como um ato formal e público exigindo-se a expedição de proclamas no domicílio dos contraentes.

No ano de 1564, Portugal, como país católico, tornou obrigatórias em todas as suas terras, incluindo as colônias, as Normas do Concílio de Trento relativas ao casamento, que foram introduzidas mais tarde nas Ordenações Filipinas e que vigoraram entre nós até a promulgação do Código Civil de 1916. Como o casamento civil era desconhecido do mundo, o que tornava válida a união entre um homem e uma mulher era o casamento religioso realizado Igreja Católica.

Antes do Concílio, vigoravam no Direito Português três tipos de casamento: o realizado perante a Igreja; o do "marido conhecido" ( semelhante a união estável da Carta de 1988 ); e, o "casamento de consciência". Somente o casamento realizado perante o representante eclesiástico era aceito, não cabendo aos demais os favores legais.

Até o ano de 1861 a Igreja foi a detentora e a disciplinadora exclusiva dos direitos matrimoniais, mas com o aumento dos cidadãos não católicos e com as influências dos países protestantes e de seus imigrantes em nossas terras, foi publicada no ano de 1861 a Lei no. 1.144 que conferia direitos civis ao casamento religioso realizado por outras religiões que não a católica; o Decreto no. 3.069, do ano de 1863, regulamentou a lei de 1861 e permitiu as formas de casamento acatólico e misto; um avanço que fez com que a Igreja perdesse parte de seu poder ao mesmo tempo abrindo caminho para o casamento civil.

Chegamos ao fim da Idade Média, com a Igreja e sua Reforma e os Tribunais do mundo em conflito. Para os católicos cabia somente a Igreja disciplinar o casamento; para os não católicos, caberia ao Estado e tão somente a ele a regulamentação dos atos nupciais. Nos países da Reforma Protestante começavam a surgir as primeiras leis civis disciplinando o casamento não religioso e fazendo dele o único válido legalmente.

A contribuição do Direito Canônico no processo de formação e de desenvolvimento do Direito Civil é visível ainda hoje em nossos códigos e em matéria de Direito de Família podemos citar como exemplo os impedimentos matrimoniais descritos no artigo 183 do Código Civil, classificados como dirimente públicos ou absolutos, privados ou relativos, e impedientes ou proibitivos.

Profundamente alterados, os primeiros impedimentos distinguiam-se em de Direito Divino, de Direito Natural e de Direito Eclesiástico.

Os impedimentos eclesiásticos poderiam ser dispensados em casos julgados pelo Tribunal do Santo Ofício ou dos Bispos que possuíam poderes jurisdicionais.

Vedavam assim o casamento entre a mulher menor de quatorze anos e o homem menor de dezesseis anos; a celebração entre noivos de religiões diversas; o casamento entre parentes de batismo, ou seja, entre padrinhos e madrinhas e seus afilhados; e, o casamento com a mulher violada, exigindo-se a castidade feminina antes da celebração religiosa [14].

A CRIAÇÃO DO CASAMENTO CIVIL

O casamento civil nasceu na Europa, mais precisamente na Holanda, no século XVI, consolidando-se na França no ano de 1767, e somente no século XIX chegando às terras brasileiras.

Os primeiros países a utilizarem-se do novo instituto foram os europeus, graças à Reforma Protestante e à Revolução Francesa.

Nossa Constituição de 1824 havia ignorado o casamento, tanto o religioso, com o civil, importando-se apenas com a família imperial e permitindo que as demais fossem instituídas livremente. Como era grande o número de católicos, o casamento eclesiástico era comumente o mais praticado pelos fiéis.

No ano de 1890, com a substituição do Império pela República, separados foram os poderes religiosos e estatais, criando-se com o Decreto no. 181, de 1890, do Governo Provisório, o casamento civil no Brasil e retirando-se do casamento religioso qualquer valor jurídico que o mesmo pudesse apresentar. Determinava, inclusive, a prisão por seis meses e uma multa correspondente à metade do tempo, a quem o realizasse o ato religioso antes do legal [15].

No dia 24 de fevereiro de 1981, nossa primeira Constituição Republicana cuidou de estabelecer que somente seriam reconhecidas as uniões fundadas no casamento civil, o que causou furor na sociedade, visto que a Igreja, mesmo estando desligada do Estado, ainda era uma formadora de opiniões e havia disseminado entre os seus seguidores a idéia de que a união civil era uma heresia.

Praticamente toda a legislação da República ateve-se ao casamento civil como única forma de matrimônio.

Em nosso Código Civil de 1916, o legislador, influenciado pelo Código Francês de 1804, disciplinou o instituto do casamento em inúmeros artigos, consolidando a importância deste ato civil para a constituição da família legítima.

O casamento civil como única forma de constituição legítima da família perdurou de 1890 até 1937. Somente no ano de 1937 a Constituição voltou-se novamente para o casamento religioso, deixado a sua própria mercê desde a Constituição da República, declarando que poderiam ser atribuídos efeitos civis ao mesmo; uma norma que foi mantida na Constituição de 1946 [16].

Hoje, na atual Constituição de 1988, o casamento religioso tem efeito civil nos termos da Lei no. 6.015 de 1973. Antes, apenas admitia-se com efeitos civis se houvesse prévia habilitação perante o Oficial do Registro, que emitia a certidão a ser arquivada pelo celebrante; hoje, o é também por habilitação posterior, com publicação dos editais e com a apresentação da prova do ato eclesiástico, bem como dos documentos exigidos no artigo 180 do Código Civil.

Conforme nos descreve Washington de Barros Monteiro, a moderna legislação internacional sobre o casamento é muito variada. Em alguns países apenas o casamento civil é válido, podendo os nubentes realizarem também o eclesiástico, como exemplos temos o Brasil, a Alemanha e a Suíça; já na Inglaterra e nos Estados Unidos a escolha do matrimônio cabe aos nubentes, sendo ambos aceitos e considerados válidos; existem ainda os países em que apenas o casamento religioso é válido, como a Grécia e o Líbano; e, os países em que o casamento válido é o religioso, mas os dissidentes da religião oficial podem realizar o casamento civil, como é o caso da Espanha [17].

AS FUNÇÕES DA FAMÍLIA - DA GRÉCIA AOS DIAS ATUAIS

Uma das primeiras funções da família foi sem dúvida a de proteger seus membros das agressões do mundo exterior, seguindo-se de uma função de cunho religioso onde as famílias se reuniam com o intuito de cultuar os antepassados, tanto na Grécia como em Roma onde existiam as chamadas micro-religiões.

A partir da Idade Média, com o Cristianismo reconhecido como religião oficial de praticamente todos os povos tidos por civilizados, o culto familiar deslocou-se para as capelas, deixando o pater de ser o seu sacerdote. O Cristianismo reconheceu na família uma entidade religiosa erigida com o sacramento do casamento, sendo considerada a célula mãe da Santa Igreja. Era a expressão da Igreja, hierarquizada e organizada a partir da figura masculina ( lembremos que a figura de Maria, mãe de Jesus, somente começou a ser venerada pelos fiéis do catolicismo após o século XIV ). É também a partir da Idade Média que a família passa a ser a garantia de amparo aos seus entes doentes, inválidos e impossibilitados de prover o próprio sustento. Em um momento histórico em que os nobres fechavam-se em seus feudos, vivendo da exploração dos camponeses que dependiam de suas terras para a sobrevivência; onde o Estado era apenas a representação de um homem; era a família que garantia a vida aos seus membros. Até o século XIX a família exerceu uma função social decisiva no progresso da humanidade.

Antes do advento da Indústria, as famílias produziam os bens necessários à sobrevivência: os alimentos, o vestuário, as armas. Com a produção Industrial, deixaram de gerar dentro do núcleo familiar os produtos úteis, passando a produzir dentro das fábricas e auferindo lucros com esta produção. Exercia assim a família uma quarta função: a econômica.

Outra função, muito atrelada a religião, foi a da procriação. A família surgida com o casamento deveria reproduzir-se, considerando-se um casal sem filhos inferiores aos demais. O sexo dentro do casamento tinha apenas duas finalidades: a primeira era a satisfação do desejo masculino, sendo a mulher considerada incapaz de sentir prazer, e, o segundo era o de gerar filhos. Este é com certeza o motivo pelo qual as famílias eram muito numerosas nos séculos passados.

Por fim podemos citar como funções familiares as de ajuda moral e psicológica aos seus membros.

Hoje, a família perdeu parte de suas funções: o culto não é mais celebrado pelo patriarca como ocorria na família grega e na família romana, exercendo os membros a liberdade de culto, não mais se sujeitando ao culto escolhido pelo pater; a defesa não pode mais ser comparada a encontrada nos primeiros grupamentos, existindo um estado forte capaz de proteger seus cidadãos e tendo como dever básico oferecer esta proteção, excluindo-se a vingança privada dos tempos remotos; a assistência também é ofertada pelo Estado e de acordo com a atual Constituição, é dever do mesmo assegurar a assistência à família, e é dever desta amparar seus idosos; a geração de filhos deve seguir um planejamento familiar, não se cobrando mais das famílias o grande número de membros do início do século XIX.

Hodiernamente, a família não mais baseia-se na concepção canônica de procriação e educação da prole, mútua assistência e satisfação sexual.

I. II.A FAMÍLIA E O CÓDIGO CIVIL DE 1916

Alerta-nos Pontes de Miranda [18] que o primeiro livro da parte especial de nosso Código refere-se à família, tamanha importância deu-lhe o legislador, diferentemente de outros códigos como o alemão e o italiano. Esta importância da matéria está intimamente ligada ao sentimentalismo social que vê no núcleo familiar a base da sociedade.

Até a atual Constituição, todas as anteriores, com exceção da de 1967, declaravam que a família constituída pelo casamento civil era indissolúvel e estava sob a proteção estatal, o que gerou duas espécies de família na sociedade: a família legítima, prevista em lei e baseada no casamento civil, com total amparo legal e proteção estatal; e, a família ilegítima, criada à margem da lei e sem as prerrogativas da primeira.

Muito embora nosso Código Civil de 1916 não tenha definido o instituto da família, condicionou a sua legitimidade ao casamento civil, sem fazer qualquer alusão ao casamento religioso, conforme podemos observar no artigo 229, in verbis:

" Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos."

O Primeiro grande efeito jurídico do casamento, no Código Civil de 1916, era o de legitimar a família.

A autora Maria Helena Diniz, comentando o artigo 229 em seu Código Civil Anotado [19], declara:

"A família legítima é o esteio da sociedade, por ser moral, social e espiritualmente mais sólida do que a ilegítima, dado não existir no concubinato compromisso entre o homem e a mulher(...)"

A idéia do concubinato sempre esteve associada à liberdade e à libertinagem; não sendo poucos os autores que o colocam em posição inferior ao casamento. Embora, desde os primórdios da civilização humana já existisse a união livre, com a criação do casamento religioso e do casamento civil, foi o mesmo marginalizado, esquecendo-se que a família existiu antes mesmo da formalização do ato da união entre um homem e uma mulher.

Em sua obra ‘Direito de Família’, datada de 1980, anterior a Constituição cidadã de 1988, Jeferson Daibert refere-se ao concubinato como uma das muitas afrontas ao instituto da família. Diz-nos o jurista: "É o concumbinato uma das formas de desagregação da família moderna, já afetada pela sua desorganização interna e desarmonia que nascem nesse período de transição para a paridade conjugal." [20]

O aumento deste tipo de união deveu-se muito a falta de informação, principalmente nos locais mais atrasados do país, tanto sobre a validade do casamento religioso, como sobre a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal, admitida entre nós com a Lei do Divórcio (Lei no. 6.515/77).

Com a Carta Magna de 1988, deixando de existir o requisito do casamento como fundamental para a legitimação da família, alargou-se sobremaneira a sua conceituação, modificando-se, inclusive, o conceito de Direito de Família, antes profundamente atrelado aos efeitos do casamento, considerado o centro irradiador de suas normas básicas.

O ato formal do casamento deixou de interessar ao Estado, passando este a preocupar-se com a importância do grupo familiar, qualquer que seja a sua origem, garantindo-lhe a proteção e os direitos postos à disposição da chamada família legítima [21].

I. III.O CONCUBINATO, A UNIÃO ESTÁVEL E A ENTIDADE FAMILIAR

Com certeza, a modificação que maior repercussão causou no mundo forense, foi a disposta no § 3º do artigo 226 de nossa Constituição de 1988, in verbis:

" Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."

Criou-se com a Carta de 1988 o neologismo jurídico da Entidade Familiar, muito embora alguns estudiosos do Direito aleguem que o mesmo não passou de um recurso utilizado pelo constituinte para não repetir a expressão família utilizada no caput do artigo [22]. Acreditamos que se trata sim, de uma novidade constitucional, mas que se refere à família descrita nos Códigos de uma forma bem mais abrangente.

A nova Constituição reconheceu a família como base da sociedade e declarou que a união estável entre um homem e uma mulher deveria ser tida como entidade familiar, ou seja, como família propriamente dita. Condicionou-a, entretanto, à estabilidade, um requisito subjetivo que presta-se a observar muito mais a qualidade da união do que o lapso temporal da mesma; à diversidade de sexo dos conviventes, o que exclui a união entre homossexuais; à notoriedade das relações, não beneficiando assim as uniões clandestinas; tendo como objetivo a formação de um núcleo familiar.

Sendo a estabilidade sinônimo de firme, fixo, assente, sólido, permanente, duradouro; serão assim, entidades familiares, todas aquelas uniões que corresponderem a estas características, inclusive aquelas anteriormente chamadas de adulterinas quando constituídas após a separação fática. [23]

O LAPSO TEMPORAL NAS CHAMADAS UNIÕES ESTÁVEIS

Não quis o legislador constituinte fixar um prazo para a constituição da entidade familiar, quis somente a demonstração de afeição conjugal entre os companheiros, incitando o julgador a examinar a qualidade de vida daqueles, pois a expressão da união na sociedade determina a existência da estabilidade exigida constitucionalmente [24].

Os antigos prazos estabelecidos foram revogados pela norma constitucional, inclusive o que garantia a companheira o direito à pensão após a comprovação da união por um tempo igual ou superior a cinco anos, não havendo filhos, ou de três anos se houvesse filhos comuns ao casal. Hodiernamente não mais existe prazo fixo para esta comprovação, muito embora tenha a Lei no. 8.971/94 estipulado lapso temporal de cinco anos, a Lei posterior ( Lei no. 9.278/96 ) revogou o disposto em seu artigo 1º

Hoje, o magistrado não se aterá ao lapso temporal em que se deu (ou se dá) a união, mas a finalidade; podendo este tempo ser de dois como de dez anos. O que importa é a estrutura da união assemelhar-se a da família para assim receber a proteção estatal.

Atualmente, encontra-se em tramitação um projeto de lei em que as uniões para serem consideradas estáveis dependerão de um prazo temporal de cinco anos, não havendo filhos, e dois anos, havendo-os. Entendemos que esta lei, se aprovada, não estará de acordo com a norma constitucional, que em nenhum momento faz alusão ao tempo da união, mas precisamos reconhecer que com certeza vai orientar o magistrado nas decisões referentes à estas uniões, contudo suscitando um grande questionamento nos casos em que as uniões se desfazem contra a vontade de ambos os companheiros, como por exemplo em um acidente em que um seja vitimado fatalmente, ainda não tendo completado o prazo de tempo e não existindo filhos comuns; não poderá deixar de se considerar estável se apresenta a afinidade que os romanos chamavam de afecttio maritalis apenas por não preencher uma exigência infra-constitucional de lapso temporal ou a presença de filhos comuns.

AS UNIÕES LIVRES E O ANTIGO SISTEMA DO CÓDIGO CIVIL

Até a publicação da atual Constituição as famílias nasciam com o casamento civil, sendo consideradas ilegítimas as provenientes de uniões livres, como o concubinato. O próprio conteúdo do Direito de Família tinha o casamento como seu centro, o que podemos ver claramente nos artigos de nosso Código Civil. Se o analisarmos, notaremos que no Livro I da Parte Especial, referente ao Direito de Família, grande parte se presta a disciplinar o casamento: a habilitação, os impedimentos, a celebração, o registro, as provas, os efeitos jurídicos, os direitos e deveres dele decorrentes, o regime de bens, a dissolução da sociedade conjugal (admitida por meio do divórcio com o advento da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977); são mais de 150 artigos disciplinando um único instituto, tamanha importância dada ao mesmo pelo legislador de 1916.

A família criada pelo livre consentimento, sempre foi vista com maus olhos pela sociedade e pelo legislador civil; sempre foi empregado um sentido negativo às relações decorrentes da simples vontade humana. As normas civis procuravam explicitar que o casamento regularizaria a família e daria a mesma caráter de legítima, mas o que se intentava por meio da lei não era proteger o núcleo familiar e sim evitar os escândalos provocados dentro da sociedade cada vez que um bastardo postulava ser reconhecido ou uma amante requeria seus direitos após anos e anos de companheirismo; chegou-se ao extremo de impedir que os filhos adulterinos ou incestuosos pudessem ser reconhecidos. Vivíamos em uma sociedade moralista e puritana que preferia esconder suas mazelas à enfrentá-las.

Para Jefferson Daibert, a família somente merecia este nome quando originada de um casamento válido, sendo assim legítima social e juridicamente. Com relação à ilegítima, não deveria ser protegida pelo Estado e sequer poderia ser considerada uma família. [25]

Esta ojeriza à família ilegítima foi incutida na sociedade moderna pela Igreja Católica, seguindo-a as demais correntes do Cristianismo. Como país católico, Portugal regia suas colônias e súditos com normas do Direito Canônico, as derradeiras foram as Ordenações Filipinas que negavam qualquer direito à concubina - salvo o de indenização pelo comércio sexual que na década de 30 ( trinta ) foi substituído pela expressão "serviços prestados" - inclusive punindo os que praticassem barreganhices, considerando o casamento religioso a única forma de constituição da família. Esta regra perpetuou-se no Código Civil de 1916 com uma pequena adaptação: não mais o casamento religioso, mas o casamento civil legitimaria a família.

As poucas vezes em que o legislador referiu-se à família ilegítima, foi para garantir os direitos da família legítima. Sílvio Rodrigues concebe como única referência benéfica ao concubinato à expressa no artigo 363, inciso I, do Código Civil, permitindo-se a investigação da paternidade desde que comprovada a concubinagem entre o suposto pai e a genitora [26].

Segundo um estudo intitulado "Direito de Indenização da Concubina", publicado no ano de 1953, no Arquivo Judiciário, três fatores foram decisivos no aumento das relações concubinárias no país: a Igreja que exigia o casamento religioso, sem importar-se que deveria o mesmo ser afetado civilmente para produzir seus efeitos; o formalismo e os gastos com a habilitação do casamento; e, a vedação de novo casamento aos desquitados [27].

A situação criada pela rigidez do Código Civil de 1916 foi tornando-se insustentável e plenamente desvinculada da realidade social, que já no ano de 1977 passou a admitir o divórcio como instituto que põe fim ao casamento.

Este, foi praticamente ignorado pela liderança eclesiástica católica em todo o território nacional, não aceitando-se nos meios canônicos o casamento de um divorciado. Mesmo desligada do Estado, a Igreja exerceu sua jurisdição paralela a estatal, impedindo que os divorciados se casassem em suas catedrais e capelas e formassem uma nova família. Não só a Igreja católica, mas as demais dissidentes do catolicismo seguiram esta linha de raciocínio, mais uma vez obrigando os descontentes em um primeiro relacionamento conjugal a viverem na situação de concubinos.

A JURISPRUDÊNCIA E A CARTA MAGNA DE 1988

O direito Previdenciário, sempre voltado mais à realidade social que à jurídica, havia firmado o direito de pensão previdenciária à companheira, inclusive de homem casado e não separado judicialmente. No dizer de Jeferson Daibert, a legislação previdenciária cuidou de disciplinar a situação da companheira, adequando-se assim à realidade social que requeria uma lei específica sobre a matéria. [28]

O Direito Pretoriano, por meio das súmulas: 35, 380, 382, datadas de 1963, e 447 do STF reconheceu alguns direitos à companheira; na 35 ficou reconhecido o direito da concubina a uma indenização pela morte causada por acidente de trabalho do amásio, não havendo entre eles impedimento para o casamento; na súmula 380 o Supremo garantiu a partilha dos bens adquiridos com esforço comum, desde que comprovada a sociedade de fato; a súmula 382 dispensou a exigida convivência more uxorio para a caracterização da relação concubinária; e, finalmente, através da súmula 447, ficou garantido o direito hereditário ao filho adulterino.

Segundo o entendimento de nossa máxima Corte de Justiça, para que houvesse a partilha dos bens após a dissolução da união, os companheiros precisavam comprovar a sociedade de fato, não sendo a mesma presumida. [29] A sociedade poderá ser comprovada através da união, da coabitação, da convivência, do próprio concurso na formação patrimonial, seja financeiro, seja como auxílio doméstico ou zelo pelo lar e pelos filhos comuns.

A jurisprudência foi aos poucos atribuindo a companheira direitos muito semelhantes aos da esposa, embora tenha esbarrado na mentalidade conservadora de seus julgadores, que sentenciavam muito mais em função de crenças e filosofias, do que da realidade social [30].

Alguns julgadores, por muito tempo, não hesitaram em defender a tese de que a concubina estaria, ao pleitear a divisão dos bens, pedindo ao Judiciário que lhe reconhece um como lícito algo afetado de ilicitude, qual seja, a divisão dos aqüestos [31]. O Direito Pretoriano, contudo, buscou proteger a mulher, no dizer de Segismundo Gontijo, reduzida a condição de doméstica, pela criação familiar e pelo "machismo atávico", auxiliador do companheiro na aquisição dos bens, mas não usufruidora dos mesmos em casos de separação.

A garantia de divisão do patrimônio, após o fim da sociedade, veio trazer mais segurança às relações concubinárias. Hoje, pelo disposto na súmula 380 de nossa mais alta Corte de Justiça, e pelos princípios constitucionais, o patrimônio, mesmo que registrado apenas em nome de um dos companheiros, deve ser repartido entre os conviventes chegando-se ao fim da união.

Em matéria constitucional, uma das primeiras modificações promovidas pela Carta de 1988 se deu no âmbito processual. Antes do reconhecimento da união estável como entidade familiar, todos os casos de concubinato eram solucionados pela justiça civil, diferentemente, hoje são tratados nas varas de família. Um dos primeiros Tribunais a admitir esta mudança foi o gaúcho, em sua súmula 54 que assim diz: "É da Vara de Família, onde houver, a competência para as ações oriundas de união estável." [32]

Outra grande modificação se deu em relação a nomenclatura concubinato puro e concubinato impuro, afetando o instituto e os efeitos dele gerados.

O concubinato é, no dizer De Plácido e Silva, "(...) união ilegítima do homem e da mulher. É, segundo o sentido de ‘concubinatus’, o estado de mancebia ou seja a companhia de cama sem a aprovação legal."

Por concubinato puro ou honesto, tem-se a chamada união estável perfeita e acabada, pronta a ser convertida em casamento, objetivo do constituinte expresso no artigo 226 de nossa Carta Magna. Por concubinato impuro tem-se a união entre pessoas impedidas de contraírem novo casamento, seja porque existe um vínculo anterior pendente, seja por causa de impedimentos propriamente ditos, enumerados no artigo 180 do Código Civil.

O jurista Adahyl Lourenço Dias dá outra nomenclatura ao concubinato: o autor estipula que o concubinato pode ser em sentido estrito, quando caracterizar-se numa relação duradoura; e, concubinagem, ou concubinato em sentido lato, quando tratar-se da ligação de um homem casado civilmente; sua posição é minoritária. [33] Ficamos com a nomenclatura adotada pela maioria dos doutrinadores.

O mais comum dos concubinatos impuros é o adulterino, aquele em que um ou ambos os concubinos mantém vínculos de sociedade conjugal com um terceiro. Embora seja considerado imoral, o concubinato impuro não pode deixar de gerar efeitos entre seus participantes e em relação aos filhos comuns e aos bens adquiridos conjuntamente.

Após a Constituição de 1988, havendo uma união haverão direitos e deveres recíprocos dela emanados, já entendendo a jurisprudência dominante que não constitui impedimento à estabilidade a separação fática de casamento ulterior, esposando o mesmo pensamento Álvaro Vilhaça Azevedo, Zeno Veloso, Rodrigo da Cunha Pereira e outros juristas; Débora Gozzo entende que o concubinato impuro, mesmo com o advento da Constituição de 1988, não encontra guarida em nosso Ordenamento Jurídico, contudo ressalva aquele fundado por pessoas casadas, mas separadas de fato, o que está plenamente de acordo com o pensamento jurisprudencial. [34]

A intenção do legislador constituinte foi a de regularizar as situações fáticas existentes, facilitando a conversão das mesmas em casamento e, no caso das em que existem impedimentos, não prejudicar seus participantes, entre eles, os filhos, sempre os mais afetados.

Mesmo com a insistência da doutrina e da jurisprudência em distinguir as formas de concubinato, não significa que um esteja sendo preterido. Ambos geram direitos e deveres que devem ser observados. Não é o simples fato de ser o concubinato puro ou impuro que impede que seus efeitos nasçam no mundo jurídico.

Importa-nos, diante das inovações constitucionais, distinguir o que seria, frente a nova ordem jurídica, a companheira e a mera concubina.

Para Humberto Theodoro Júnior a concubina é a amante que se presta a encontros clandestinos e ocultos, considerando a relação adulterina; já a companheira é a mulher que se une a um homem e vive com este como se fosse sua esposa [35]; este pensamento também é defendido por Mário Aguiar Moura, sendo o concubinato uma união clandestina praticada entre pessoas casadas que vivem de forma simultânea com o cônjuge e com o amásio, enquanto o companheiro se presta a uma união com a afeição própria do casamento [36].

Adahyl Lourenço Dias, por sua vez, distingue-as tomando por base a atividade que exercem: se trabalha apenas dentro de casa, administrando e gerenciando o lar, trata-se de concubina e pode pleitear indenização na dissolução do concubinato; se exerce profissão remunerada e coopera no aumento patrimonial, é companheira e tem direito a partilha dos bens com o fim da sociedade conjugal; diante do posicionamento jurisprudencial esta tese não encontra amparo. [37]

A tendência atual dos Tribunais é de se distinguir as figuras, merecendo proteção legal aquela que prova viver de forma digna e admitida socialmente, mas segundo J. franklin alves Felipe, "No fundo, todas as expressões se referem às mesmas pessoas, embora, cada qual, em decorrência de uma regra jurídica, o que pode levar, em tese, a que uma pessoa seja considerada convivente e não seja companheira, por exemplo." [38]

A ENTIDADE FAMILIAR CRIADA COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988

As famílias naturais ou de fato passaram a receber cuidados estatais com a Carta de 1988. Hoje, com a matéria disposta em sede constitucional, não se pode mais declarar que as chamadas uniões livres, ficam a margem da lei, como fizeram juristas como Pontes de Miranda ao dispor que "o concubinato não constitui, no Direito brasileiro, instituição do Direito de família. A maternidade e a paternidade ilegítimas o são. " [39] e como fez, por muito tempo, nossa jurisprudência, citando-se como exemplo um Acórdão do STF que declarava que "a ordem jurídica ignora a existência do concubinato. [40]"

Diante do tratamento constitucional, seus participantes devem-se mutuamente: respeito e fidelidade, assistência moral e material, competindo a ambos a guarda e o sustento dos filhos comuns.

Embora Yusef Said Cahali defenda o contrário, os direitos e deveres que emanam do concubinato, diremos união estável, assemelham-se aos do casamento.

A exigência de vida more uxorio considerada por doutrinadores como fundamental para expressar o desejo de constituição de uma família, foi declarada dispensável pela súmula 382 do STF, o que facilitou a caracterização da união e a divisão dos bens adquiridos conjuntamente.

Hodiernamente, os adquiridos na constância da união, são considerados de ambos, não se admitindo mais o enriquecimento de um em detrimento de outro [41]; considerados fruto do trabalho comum, devem ser partilhados após a dissolução da sociedade, salvo estipulação contrária disposta em contrato escrito, diferentemente do casamento civil onde o regime de comunhão é definido previamente, não cabendo alteração posterior no curso da união matrimonial.

Também não mais se exige a existência dos filhos para que haja união estável entre um homem e uma mulher, visto que muitos casais não possuem filhos por motivos biológicos e outros por simples opção, não existindo mais a finalidade da procriação nas uniões matrimoniais ou estáveis como existiu outrora [42].

Para alguns juristas, o legislador foi temerário ao declarar que a união estável entre um homem e uma mulher constitui entidade familiar, mas verdade é que a família, ou a entidade familiar, sempre existiu, mesmo antes da criação do casamento religioso, pelo Direito Canônico, e do casamento civil; o que o legislador fez foi reconhecer em nossa Lei Maior uma situação fática existente há muito tempo e que precisava da proteção do Estado. Em nenhum momento quis o legislador constitucional prestigiar as uniões livres, desfavorecendo o casamento civil como apregoam certos doutrinadores; pretendeu sim alcançar com a lei aquelas uniões que ficavam à sua margem, tornando-as alvo da proteção legal e também impondo sobre seus membros obrigações muito semelhantes as encontradas dentro do casamento.

O simples fato de se declarar que a lei deve facilitar a conversão da união em casamento, demonstra a preocupação em manter aquele instituto como a forma ideal de constituição de uma família (ideal, porém não a única). Para muitos, inclusive, mostrou o legislador, com o disposto no fecho do § 3º do artigo 226, que a família constituída livremente contínua estigmatizada. Não é este nosso entendimento; o legislador o fez apenas para que pudesse ser facilitada a conversão.

Não podemos aceitar a tese de certos doutrinadores que vêem no reconhecimento da união estável como Entidade Familiar um ataque frontal ao Direito de Família [43]; a realidade social mostrou-nos uma evolução histórica e jurídica do instituto do casamento e do próprio Direito de Família, cabendo apenas a Lei Maior reconhecer as situações de fato, subtraindo do instituto do casamento as características herdadas do Direito Romano e do Direito Canônico que já haviam se tornado entraves sociais.

Se o Direito positivo deve ser uma expressão da evolução histórico-social, não se concebem mais as idéias ultrapassadas sobre a constituição da família; se a finalidade do Direito é promover o bem-estar social, através da aplicação da lei, esta deve corresponder aos clamores sociais, ofertando segurança e justiça a todos; se é o Direito Positivo a expressão máxima da adaptação social, deve ele garantir o perfeito funcionamento da sociedade, conservando dos homens a dignidade e garantindo a todos a justiça.

O reconhecimento da união estável como entidade familiar veio ao encontro de todos os apelos sociais, desde a década de 70, quando o casamento deixou de ser aquela união indissolúvel através da Lei do Divórcio ( Lei no. 6.515/77 ), aos dias atuais, quando com a Carta de 1988 a simples união entre um homem e uma mulher, com a afeição própria do matrimônio, passou a ser reconhecida e protegida pelo Estado.

Não importa se individualmente pensamos que a melhor forma de se constituir uma família é através do casamento civil ou religioso, a realidade constitucional abraçou esta forma de união e erigiu-a a qualidade de entidade familiar, devendo a mesma ser respeitada, não cabendo mais as antigas denominações preconceituosas. Pensamentos como os de Washington de Barros Monteiro e Orlando Gomes, encontram-se totalmente ultrapassados; não há uma batalha travada entre a família legítima e a família ilegítima; não há nenhum descrédito em relação ao casamento; ocorre que os tempos mudaram e o ser humano também mudou, bem como as formas como ele se relaciona dentro da sociedade e como constitui seus vínculos. O primeiro casamento realizado pela Igreja deve ter sido visto como uma imposição desnecessária; o primeiro casamento civil deve ter enfrentado as críticas dos fiéis que viam no ato legal uma afronta aos preceitos bíblicos; mas a família sempre existiu e sempre existirá, independente de como se origina, seja pelo casamento oficial, seja pela simples união; ela precedeu a todas as formas de casamento, sendo um fato natural e não uma criação humana. [44]

AS LEIS ATUAIS QUE DISCIPLINAM A MATÉRIA E O PROJETO DO ESTATUTO DA UNIÃO ESTÁVEL [45]

O § 3º do artigo 226, suscitou a seguinte questão: é uma norma auto-aplicável ou exige uma lei ordinária que a discipline? A maioria dos aplicadores entendeu, para maior segurança jurídica, que a norma exigia uma lei que complementasse o disposto na Constituição, uniformizando a jurisprudência em seu favor e permitindo que os doutrinadores chegassem a um consenso, ainda hoje buscado.

Com o intuito de disciplinar a matéria foram editadas as leis no. 8.671, de 21 de dezembro de 1994, regulando o Direito dos Companheiros, e no. 9.278, de maio de 1996. Embora tenham sofrido inúmeras críticas dos aplicadores do Direito, foram úteis em um determinado momento de transição do ordenamento jurídico.

A primeira lei que disciplinou a matéria foi elaborada no ano de 1994, seis anos após a promulgação da Carta de 1988. Até esta data não havia em todo o território brasileiro uma única lei específica sobre as uniões de fato entre homens e mulheres livres.

Desenvolveu a jurisprudência um papel fundamental nesta vacância legal, demonstrando a preocupação dos julgadores mais conscientes com a nova realidade social, pois não existia nenhum direito a alimentos entre os conviventes no sistema legislativo anterior.

A Lei no 8.971/94 inovou tratando sobre os alimentos e a sucessão dentro das chamadas uniões estáveis, permitindo que os companheiros pudessem herdar entre si e pleitear em juízo os alimentos necessários à sobrevivência. ( a lei preocupou-se em distinguir os companheiros dos concubinos, sendo aqueles os livres e estes últimos os adulterinos ou impedidos de contraírem matrimônio ).

Embora tenha tratado dos alimentos e da sucessão, a Lei 8.971 deu lugar a Lei 9.278 de 1996, que alguns juristas entendem ter ab-rogado àquela, mas não nos parece o mais correto.

Na lei de 1994 somente encontravam amparo legal as uniões formadas por pessoas solteiras, viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente - não tratando aqui das separadas apenas de fato. A nova lei foi mais benéfica, não cogitando do estado civil das pessoas, apenas exigindo a diferença de sexos.

Na Lei no. 9.278/96 o legislador definiu os direitos e deveres dos companheiros, conferiu direito a alimentos para o convivente necessitado em caso de dissolução da sociedade, atribuiu o direito de habitação no imóvel familiar e permitiu a conversão em casamento através de requerimento ao Oficial de Registro Civil. Também deslocou a competência para solucionar os litígios das Varas Cívis para as de Família.

A legislação vigente gerou muitas dúvidas e foi muito discutida nos meios forenses e até mesmo em redes televisivas, por jornalistas e entrevistadores leigos; por também conter normas consideradas inconstitucionais, e outras que por sua vez pareciam favorecer os conviventes em relação aos casados civilmente, elaborou-se um Projeto de "Estatuto da União Estável", atualmente em tramitação.

Neste projeto tornou-se mais difícil a caracterização da união estável, impondo-se critérios objetivos para a sua definição: exigiu-se um prazo de cinco anos, ou dois em casos de prole comum e a possibilidade de realizar-se o casamento civil, beneficiando assim somente as pessoas não impedidas - já nos manifestamos sobre o tema no ponto "O lapso temporal nas chamadas Uniões Estáveis".

Inovando, foram definidos os direitos e deveres dos companheiros, assemelhando-os aos do casamento, garantindo-se os alimentos ao companheiro mais necessitado, nos casos de dissolução da união, e substituindo-se o dever de fidelidade que é considerado o mais importante de todos, e também o mais desrespeitado, pelo de lealdade ( na verdade as palavras são sinônimos, mas foi a substituição um recurso do legislador, evitando assim provocar os ânimos exaltados defensores do casamento como única forma de constituição familiar, moral e legítima ). Quanto aos bens, utilizou-se o do regime de comunhão parcial, salvo estipulação das partes, como já ocorre nos casamentos civis. Estabeleceu o direito de usufruto e o de herança. E, finalmente, dispensou os proclamas e editais para a conversão da união em casamento, dependendo apenas de uma declaração dos companheiros comprovando a relação entre ambos de acordo com o prazo legal, impondo sobre os mesmos as penalidades cabíveis nos casos de falsidade ideológica [46].

DIREITO A ALIMENTOS NA RELAÇÃO CONCUBINÁRIA - A ASSISTÊNCIA MÚTUA

Sempre defendeu-se o dever de assistência mútua entre os cônjuges, conforme o disposto no artigo 231, inciso III do Código Civil. Como os concubinos não se assemelhavam aos casados legalmente, inexistia entre eles tal direito. Até a entrada em vigor de nossa Constituição de 1988, cabia à concubina apenas o direito à meação dos bens em que comprovasse sua participação; Sempre que pleiteava alimentos, os tribunais julgavam das formas mais variadas possíveis, negando-lhe tal direito por inexistência de obrigação, já que o concubinato não confere à concubina este direito existente apenas entre os casados civilmente, ou declarando a inexistência da obrigação por não haver vínculo de parentesco entre os concubinos, devendo-se os mesmos apenas aos parentes.

Com a equiparação da união estável à família, ou entidade familiar como assim dispôs o constituinte, os direitos que antes eram exclusivos dos casados passaram também a ser dos conviventes, entre eles o direito a alimentos disciplinado pela Lei no. 5.478/68 e posteriormente pela Lei no. 9.278/96. Porém, nem todos os juristas esposam esta tese.

Para Sérgio Gischkow Pereira, a Constituição de 1988 tornou possível o pleito a alimentos entre os concubinos, bem como para Washington de Barros Monteiro [47]; pensamento que acompanha a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul [48]; para Yussef Said Cahali, entretanto, não existe norma que imponha tal obrigação entre os conviventes, defendendo sua posição com os seguintes argumentos: o concubinato não cria nenhum vinculo civil e nem modifica a condição jurídica das pessoas, bem como não gera os mesmos efeitos do casamento e nem seus direitos e deveres recíprocos de fidelidade, coabitação e mútua assistência [49].

Ora, não podemos concordar com o ilustre jurista, diante do novo ordenamento jurídico que nasceu a partir da Carta de 1988, incluindo a Lei no. 9.278/96 que concede ao companheiro, no caso de dissolução da união estável o direito a alimentos, quando deles necessitar.

Primeiramente, quando afirma que o concubinato não foi igualado ao casamento, é correto, pois em nenhum momento esta foi a intenção constituinte [50], mas quando diz-nos que obrigou-se a conversão da união estável em casamento, peca pelo excesso na interpretação, da mesma forma quando coloca a união civil em posição superior ao concubinato.

A Constituição em nenhum momento obriga esta conversão, mas diz que a lei deve facilitá-la, o que é completamente diverso, e quando veda qualquer forma de discriminação deixa-nos claro que não há entre os institutos um que possa ser considerado superior ao outro.

Em segundo lugar, quando diz-nos que não há no concubinato os efeitos do casamento, resta-nos perguntar a quais efeitos se refere. A Constituição não igualou os dois institutos, mas vedou qualquer forma de discriminação decorrente da distinção, logo entendo que podem a concubina e a esposa serem colocadas em pé de igualdade com relação aos direitos e deveres decorrentes da união, pois não é o casamento que cria os vínculos, mas a afeição, e esta pode ser encontrada nas chamadas uniões livres, cabendo o respeito mútuo e a assistência entre os conviventes, da mesma forma que ocorre com os casados civilmente.

O concubinato é um fato jurídico e acima de tudo uma relação moral e social, no dizer de Claudia Grieco Tabosa Pessoa, decorrendo dele direitos e deveres próprios dos fatos jurídicos, bem como outros de cunho social, moral e recíprocos. Do concubinato resultam os direitos de assistência previdenciária, partilha de bens, sucessão, inclusive o direito a alimentos. (3)

Finalmente, quando alega que inexiste o dever de convivência entre os concubinos bem como os demais deveres recíprocos existentes entre os cônjuges, não acompanha a evolução da família constituída, inclusive, pelo casamento. (4) Defender a idéia de que entre os conviventes não há dever de fidelidade e mútua assistência, seria no mínimo voltar a discriminar o instituto considerando-o uma união imoral e à margem da lei. (5) Se a Constituição declara que a união estável é merecedora de proteção estatal e equipara a mesma a uma entidade familiar, não podemos imaginar que inexistam direitos e deveres entre os conviventes; a Carta de 1988 não se referiu à uniões sexuais furtivas, mas a relacionamentos merecedores de respeito e amparo legal que poderiam, inclusive, ser convertidos em casamento.

Com a Lei 9.278/96 permitiu-se, não somente o pleito a alimentos, como também a indenização por serviços prestados. Diz-nos Claudia Grieco Tabosa Pessoa que se não a direito a alimentos por falta dos pressupostos dispostos na Lei, faz-se jus a indenização como ressarcimento pelos serviços prestados dentro da sociedade, sendo uma alternativa que impede o enriquecimento ilícito de uma das partes. Observamos que não comporta o pedido de alimentos cumulação com o de indenização, este último é no dizer da própria autora, uma alternativa e para que seja deferido deverá apresentar como requisito a constância de auxílio prestado a outra parte no curso da união concubinária.

Mais uma vez o douto Yussef Said Cahali discorda: "(...) a concubina não poderá ser aquinhoada com maiores direitos do que aqueles reconhecidos para a esposa legítima, optamos pelo entendimento jurisprudencial mais cauteloso, que preserva a integridade da família, ao denegar a pretensão indenizatória da concubina pela simples prestação de serviços domésticos, no pressuposto de que a retribuição já teria ocorrido contemporaneamente ao concubinato (...)" [51] Por bem, este não é o entendimento majoritário.

A ADMINISTRAÇÃO E A PARTILHA DOS BENS NA UNIÃO ESTÁVEL E A SUCESSÃO HEREDITÁRIA

A Doutora e Mestre em Direito, Débora Gozzo, trata desta matéria no texto " O Patrimônio na União Estável – análise do art. 5º da Lei 9.278/96" (6) que será aqui estudado à luz da Constituição Federal de 1988.

Antes da Constituição de 1988 as uniões livres eram consideradas concubinato e tratadas pela lei civil como uniões fáticas, não existindo nenhuma relação com o Direito de Família e nem merecendo a proteção do Estado. Os bens adquiridos conjuntamente pelos concubinos, somente eram repartidos em conformidade com a súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, comprovado o esforço comum dos conviventes na aquisição, o que por sua vez configura uma sociedade de fato. Não sendo comprovado esta colaboração mútua ou não existindo bens a partilhar, poderia o prejudicado alegar serviços prestados dentro da união, requerendo na Justiça uma indenização a ser paga pelo companheiro beneficiado. O zelo empenhado no lar, os encargos domésticos, o cuidado com os filhos, tudo isto era utilizado como prova para garantir a indenização.

Como a súmula 380 do STF não previa percentuais dentro da partilha, esta realizava-se de acordo com a contribuição de cada convivente, o que na maioria das vezes prejudicava a mulher que não exercia uma profissão remunerada. Mesmo reconhecemos que o julgado foi um avanço que permitiu que muitas mulheres obtivessem parte do patrimônio, quase sempre registrado apenas em nome do companheiro, embora tenha sido construído por ambos durante o concubinato, após o fim da união.

Até a edição da Lei 9.278/96, o jurista utilizava-se de um instituto do Direito Comercial, fulcrando-se no somatório de esforços para garantir a divisão patrimonial; após a lei, o direito à partilha dos bens passou a condicionar-se, não mais a colaboração e a comprovação da sociedade de fato, mas ao início da vida em comum, sendo cabível a repartição de praticamente todos os bens obtidos após a união. Alguns alegam que trata-se de um regime de bens criado pela Lei, outros porém defendem que o legislador apenas estabeleceu a presunção de condomínio entre os conviventes, motivo pelo qual os bens devem ser repartidos meio a meio [52]. Acompanhamos este raciocínio, estabelecendo a lei uma presunção iuris tantum de condomínio sobre os bens da adquiridos na união.

A lei estabelece que os bens adquiridos de forma onerosa, após a convivência, seriam passíveis de partilha, porém, aqueles obtidos por meio gracioso, ou seja, através de doações, herança e legado, não ficariam sujeitos à divisão. Em relação aos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, permitiu a lei uma estipulação de incomunicabilidade em contrato escrito, não definindo se o mesmo deveria ser público ou se caberia a forma particular. Nesta estipulação os conviventes tem ampla liberdade para dispor sobre os bens a serem adquiridos na constância da união e em caso de dissolução, a cota respectiva que caberá a cada um. Outro ponto que deve ser observado diz respeito a época da estipulação contratual, que na lei ficou em aberto, podendo tanto ser estabelecido com o início da união, como com a aquisição do bem, não cabendo apenas no caso de dissolução onde os mesmos já seriam repartidos de forma igualitária, baseando-se no condomínio existente entre os conviventes.

Muitos defendem uma divisão do patrimônio em conformidade com a participação de cada convivente, isto é, não seriam os bens divididos meio a meio, mas conforme a cota de contribuição de cada um. Não deixa de ser justa esta averiguação, mas precisamos observar que, ainda hoje, muitas mulheres não trabalham porque são proibidas por seus maridos, da mesma forma, muitas companheiras apenas exercem as tarefas domésticas, enquanto o homem exerce a atividade profissional lucrativa e de sustento; dividir um patrimônio levando em conta a renda auferida por cada participante da sociedade de fato e a cota empenhada, seria mais uma vez colocar a mulher em situação inferior ao homem, desmerecendo seu trabalho doméstico.

Estabeleceu a lei o regime de comunhão parcial de bens entre os conviventes. Quanto a administração, estipulou com base no princípio de isonomia constitucional a forma conjunta, onde ambos exercem os mesmos direitos e deveres, salvo estipulação contrária.

Quanto ao patronímico, integrante do patrimônio e da personalidade civil, existe uma corrente que defende a possibilidade da concubina utilizar-se dos apelidos do companheiro, com a permissão deste, não havendo em lei qualquer vedação contrária e já sendo muito comum entre casais que vivem como se casados civilmente fossem. Observa-se que, enquanto é um direito da esposa legítima ( ainda muitos autores se expressam desta forma ), é apenas uma faculdade concedida a concubina pelo companheiro.

A lei de Registros Públicos ( Lei no. 6.015/73 ), em seu artigo 57 assegura a companheira a utilização dos nomes do companheiro quando não há qualquer obstáculo legal a união de ambos e vivam estes há mais de cinco anos ou tenham filhos comuns, e ainda hoje, diante da proibição constitucional de discriminação entre os filhos filhos, diríamos que a regra vale para os casais que adotam em comum acordo.

A sucessão hereditária será admitida obedecendo certos requisitos legais dispostos na Lei no. 8.971 de 1994. Morrendo um companheiro e deixando descendentes, caberá o usufruto de um quarto de todo o patrimônio do pré-morto; deixando apenas ascendentes, terá o sobrevivente direito a usufruto sobre a metade dos bens deixados. Nas duas hipóteses exigir-se-á que o sobrevivo não constitua nova união ou casamento, cessando com estes o usufruto. Por fim, terá direito a totalidade dos bens deixados se não houver herdeiros necessários do falecido, ainda que existam os colaterais.

Para usufruir dos bens deixados pelo companheiro ou pela companheira, deverá a abertura da sucessão ter ocorrido após a vigência da lei 8.971/94.

O regime de bens criado para disciplinar a relação concubinária tem sido fortemente atacado por muitos juristas que o consideram um privilégio garantido a concubina e negado à esposa. Enquanto a esposa não pode usufruir dos bens deixados pelo marido, caso existam filhos comuns ou não, no regime da comunhão universal, este direito é garantido a concubina por não haver sido estipulado entre ela e o companheiro um regime, seja parcial, seja universal, seja de separação.

Para Wilson Jerônymo Comel [53], o usufruto assegura a mulher casada, a fruição dos bens com os quais não concorreu com seu esforço, somente nas hipóteses de regime de comunhão parcial ou de separação de bens, exigindo-se que se mantenha viúva. Contudo, para a concubina a lei não faz tal restrições, o que é, na visão deste jurista, flagrante inconstitucional em que se privilegia a amante em detrimento da legítima, dando àquela maior proteção patrimonial.

Verdade é que o legislador por muito tempo ignorou a companheira e tentando redimir-se beneficiou-a com uma lei que a coloca em uma situação de vantagem frente as inúmeras mulheres que se casam civilmente e estipulam um regime de bens dentro da sociedade conjugal.

O direito a herança está previsto no artigo 1.603, inciso III, do Código Civil, devendo incluir juntamente com o cônjuge, o companheiro sobrevivente.

AS RESTRIÇÕES DE DIREITO A CONCUBINA NO CÓDIGO CIVIL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Nosso Código [54] cuidou de estabelecer restrições à concubina, vedando a constituição da mesma como beneficiária de seguro de vida, o recebimento de doações e a herança em testamento de testador casado.

Quanto a doação, sendo feita por homem casado, permite a lei civil a anulação pleiteada pela esposa dentro do prazo aceitável, sujeito a decadência, tanto dos bens imóveis e móveis, como de pecúnia; porém, não poderá pedir a reversão ao seu patrimônio dos bens adquiridos pela concubina com o dinheiro doado pelo amásio, já existindo julgado do Supremo tribunal Federal a respeito [55].

Sendo o doador casado mas separado de fato, o julgador deverá observar a proteção constitucional das uniões estáveis, levando em consideração a facilidade de converter-se a simples união em casamento.

Quanto as disposições testamentárias, prevê a lei a impossibilidade de ser a concubina herdeira de homem casado, salvo comprovação de separação de jure ou fática [56].

Para finalizar, a norma que impede o benefício de seguro a concubina também deverá levar em conta a situação do companheiro; sendo casado, mas separado da esposa a mais de dois anos, prazo que a atual constituição exige para o divórcio direto, não existe obste a nomeação. [57]

Com relação ao seguro obrigatório, a lei prevê que para efeito de recebimento do seguro, a companheira se equipara à esposa, nos casos admitidos pela legislação previdenciária.

Muito embora tenhamos nos referido sempre à companheira, ressaltamos que, diante da isonomia constitucional do homem e da mulher dentro das relações conjugais e, sendo a união estável equiparada a entidade familiar para fins de proteção estatal, todos os direitos deferidos à mulher, também o são ao homem.

I.IV.A FAMÍLIA NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Graças a Carta de 1988, o Projeto do novo Código Civil já se encontra alterado nos dispositivos relativos ao Direito de Família, tentando assim seguir a linha inovadora da nossa atual Constituição Federal, que ao considerar a família como a base da sociedade, ignorando o casamento como seu fundador legítimo, permitiu que as uniões livres alcançassem a proteção estatal.

O Projeto do novo Código Civil não poderia negar esta nova realidade social, cometendo os mesmos deslizes do Código de 1916, motivo pelo qual tratou da matéria no seu Livro IV, da Parte Especial, já com as mudanças constitucionais previstas, mas ainda longe de adequar-se completamente a realidade da nova ordem social e constitucional.

No novo Código Civil o Direito de Família afastar-se-á do conhecido de até então: será prevista de forma explícita a igualdade conjugal, apregoada no § 5º do artigo 226 de nossa Constituição; o casamento religioso terá seu regime e seus efeitos definidos de forma expressa; o divórcio será mantido como forma de dissolução da sociedade conjugal, após separação judicial prévia ou separação fática comprovada; o planejamento familiar será exclusivo do casal, não podendo sofrer qualquer coação externa; a filiação não será mais caracterizada pelos adjetivos: legítima, ilegítima e natural; e, a adoção será assistida pelo Poder Público, inclusive quando relativa a estrangeiros adotantes. Com relação à União Estável, deixou que a jurisprudência e a doutrina delimitassem seus efeitos, considerando que um neologismo constitucional precisa ser posto à prova na sociedade até a sua completa estruturação [7].

Podemos citar como uma das principais mudanças ocorridas na esfera familiar, a que elimina a chefia conjugal masculina. No Projeto do novo Código Civil, a situação da mulher não será mais de colaboradora ou companheira, passando a tomar decisões dentro da sociedade conjugal, dirigindo-a juntamente como o marido; prevalecem, ainda de forma patriarcal e a nosso ver errônea, as decisões do marido em caso de conflito com as decisões da mulher, podendo esta recorrer ao judiciário ( direito garantido a todos com a Carta de 1988 e que poderia ser exercido mesmo sem a permissão expressa no Texto Civil ); o domicílio conjugal passará a ser escolhido por ambos, marido e mulher, permitindo-se que a mulher recorra à Justiça nos casos em que o marido impõe a sua vontade; a mulher e o homem poderão se ausentar da casa em que vivem para exercerem suas profissões, encargos públicos ou interesses particulares, sem que isto constitua abandono do lar; o pátrio poder será substituído pelo poder familiar, sendo exercido por ambos os pais – a nova nomenclatura é uma sugestão do ilustre jurista Miguel Reale; e, a mulher será a administradora dos bens próprios.

Peca o novo Código porém com relação ao concubinato, tentando conceitua-lo por meio de uma emenda como "As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (...)" E ainda é inconstitucional em seu artigo 1.632, que dispõe, in verbis:

"Não se permite a investigação de maternidade quando tenha por fim atribuir à mulher casada filho havido fora da sociedade conjugal."

Não podemos mais aceitar as previsões arcaicas que protegem uma situação social e não um indivíduo, como é o caso deste artigo, absurdo ao nosso ver e contrário a toda a jurisprudência dominante. Acreditamos que todos os filhos possuem o direito de pleitear o reconhecimento da paternidade e da maternidade, não sendo condizente com a nova realidade constitucional esta vedação. Admiti-la somente após a dissolução da sociedade conjugal é novamente colocar o casamento como o centro erradiador do Direito de Família, o que foi abolido pela Carta de 1988.

Aprovando-se o novo Código, teremos um Direito de Família sem as desigualdades latentes e absurdas entre os cônjuges e entre os filhos e sem a exigência de um ato formal ou religioso para a constituição da família protegida em lei, seguindo assim a linha de pensamento de nossa Carta Magna de 1988, mas no que for possível, devem ser revisados os seus artigos e aproximados da realidade criada com a Constituição e ao longo do tempo com a jurisprudência, evitando retrocessos no processo de maturação do Direito de Família.

I. V.AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

Outro tema que com certeza causou estranheza na sociedade foi a relativo às uniões homossexuais. O constituinte preferiu não tratar da matéria de forma direta, evitando assim um confronto com os mais conservadores, mas permitiu com o previsto no § 4º do artigo 226 de nossa Constituição Federal, que pudesse ser considerada entidade familiar, a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.

No artigo 226 o constituinte apresentou dois requisitos para a caracterização da entidade familiar: no § 3º, a união estável entre homem e mulher, o que descarta a união homossexual; e, no § 4º, a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, abrangendo assim os divorciados, viúvos ou solteiros, sem excluir os homossexuais que podem adotar.

Em muitos países da Europa os homossexuais já possuem vários direitos garantidos em leis, diferentemente do Brasil, onde ainda são esparsos os julgados que beneficiam os que assim constituem uma sociedade.

Recentemente a Holanda legalizou o casamento homossexual, o que não causa mais espanto na comunidade global, sendo este país acostumado à publicar leis liberais que chocam a opinião pública. No Brasil, ainda não há que se falar em casamento homossexual, visto que o instituto do casamento somente pode ocorrer com a união de um homem e de uma mulher, mas o estado do Rio Grande do Sul pode ser considerado de vanguarda em matéria de direitos garantidos aos homossexuais, graças ao grande número de julgadores jovens e com uma visão mais crítica da realidade social, que vêem na união homossexual a mesma relação fática do concubinato, não podendo ser mantido à margem legal.

Várias decisões da Justiça Gaúcha são pioneiras e conferem aos homossexuais direitos como: inclusão do parceiro como dependente em plano de saúde ( caso de 1996 em que a Fundação da Caixa Econômica Federal foi condenada a admitir o companheiro de um funcionário como dependente do plano de saúde oferecido pela empresa ); direito à herança e divisão de patrimônio em caso de separação ( julgado de 1999 ); e, pensão aos viúvos (decisão de 2000 ); sem contar com a inovação de se retirar da competência das Varas Cívis os casos relacionados às uniões entre homossexuais, conferindo-os às Varas de Família [58]. Tanta inovação encontra amparo constitucional na igualdade prevista no artigo 5º de nossa Lei Maior.

Hoje, com o previsto na Carta de 1988, pode um pai ou uma mãe, juntamente com seus descendentes - e não há mais a diferenciação de outrora dos legítimos, ilegítimos e adotivos - constituir a chamada entidade familiar. Como não há nenhuma vedação a que um homossexual adote, pode o mesmo dar origem a uma entidade familiar através da adoção.A entidade familiar é a família descrita nos nossos códigos, com a única diferença de não estar atrelada ao casamento civil. Hoje, a união estável constituiu uma entidade familiar, bem como a comunidade formada por um dos pais e seu(s) descendente(s), podendo então a união de dois homossexuais ser considerada uma entidade familiar a partir do momento em que um deles torna-se um adotante.

Em nenhum momento reconhecemos uma união estável entre dois homossexuais, não por motivos religiosos, morais ou éticos, mas porque a própria lei prescreve que para a configuração de uma união estável é preciso a convivência de um homem e de uma mulher, o que não ocorre com casais homossexuais; mas entendemos que nesta união homossexual a entidade familiar possa ser criada a partir do instituto da adoção.

I. VI.O PLANEJAMENTO FAMILIAR

Inovando, a Constituição Federal de 1988 cuidou do Planejamento Familiar no § 7º, de seu artigo226, in verbis:

" Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas."

A Política de Planejamento Familiar baseia-se num controle de fecundidade que respeita a vontade dos pais, mas que os orienta na chamada paternidade responsável.

Diante da isonomia constitucional e dos avanços científicos com relação a inseminação artificial e fecundação in vitro, falemos também em maternidade responsável, já que muitas mulheres tem optado pela gravidez fora do casamento ou de qualquer relação estável, assumindo sozinhas a tarefa de educar e sustentar os filhos considerados de "produção independente".

O Brasil sempre sofreu com a má distribuição de renda. As riquezas sempre se concentraram nas mãos de poucos e as camadas mais baixas de nossa sociedade viveram ( e ainda vivem ) em situações precárias de saúde e educação, imprescindíveis para a formação de um bom cidadão.

Preocupado com a situação alarmante, principalmente nos centros mais atrasados e mais afetados pela miséria social, o legislador constituinte tomou por bem disciplinar o Planejamento Familiar, declarando que cabe ao Estado oferecer a educação necessária aos seus cidadãos para que decidam de forma consciente o número de filhos e as formas de criação dos mesmos.

As primeiras famílias brasileiras, herdaram do Direito Romano a idéia de que um grande número de descendentes ou de agregados era necessário para a proteção e para a própria perpetuação do grupo, e, do Direito Canônico, a máxima: "crescei e multiplicai-vos".

A Igreja sempre mostrou-se contrária a todas as formas de controle de natalidade, defendendo a idéia de que as uniões matrimoniais deveriam ser para disciplinar as relações sexuais entre um homem e uma mulher e tinham como única finalidade a geração de filhos. Muito intransigente, a Igreja Católica, ainda hoje, considera o uso de anticoncepcionais um pecado.

Clóvis Beviláqua, mostra-nos a visão do legislador civil do início do século passado, quando em sua obra declara-nos que o casamento é a "regulamentação social do instinto de reprodução" [59]; este pensamento ainda hoje encontra juristas prontos a defendê-lo, muito embora esteja ultrapassado e aliado a uma idéia de união entre um homem e uma mulher que não mais condiz com a realidade social existente.

No início do século XIX as famílias brasileiras eram muito numerosas. Até meados do século XX foi mantida aquela idéia da grande família, mas com o passar dos tempos, com a lenta e sofrida batalha pela independência feminina, o núcleo familiar foi sendo reduzido. A mulher descobriu o sexo como fonte de prazer e não somente como meio de procriação; surgiram os primeiros métodos anticoncepcionais ( registros históricos nos mostram evidências de métodos contraceptivos no Egito a.C. ); o mercado de trabalho, muito embora competitivo, se abriu para o trabalho da mulher que acabou colocando a maternidade em um segundo plano de sua vida. Hoje, muitas famílias são compostas apenas pelo casal e por um ou dois filhos e outras até mesmo sem a presença dos mesmos.

Com a Carta de 1988, o Estado avocou para si a responsabilidade de instrução da população, evitando-se assim um aumento desordenado e, de forma indireta, o aumento da própria miséria. Infelizmente podemos notar que nas regiões mais atrasadas economicamente o grupo familiar ainda se assemelha ao do inicio do século.

A arma que deverá ser utilizada pelo Governo é a da educação. Um povo bem informado, com altos índices de escolaridade, com acesso a serviços médicos-hospitalares de qualidade, com acesso aos meios de comunicação, com certeza é mais consciente em seus atos.

Em um ensaio no ano de 1798, T. R. Malthus alertava o mundo sobre a importância de um controle populacional como principal arma contra o aumento da miséria e a diminuição dos recursos naturais e meios de subsistência. Na visão deste crítico, as famílias mais pobres deveriam limitar o número de filhos através da continência; idéia defendida em uma época em que os meios contraceptivos não existiam. Com o passar dos tempos e com o surgimento dos anticoncepcionais, preconizou-se o empregos dos mesmos para controlar o crescimento demográfico e os países chamados do Primeiro Mundo, distanciaram-se cada vez mais dos países mais pobres, graças a consciência sobre os riscos de um desordenado aumento populacional [60].

Atualmente, a Política de Natalidade deve preocupar-se não somente com os índices de natalidade e de mortalidade, como com o número de jovens e de idosos dentro de um grupo populacional, visto que ambos não fazem parte da força produtiva; com o saneamento básico; com o crescimento da população urbana; entre outros problemas sociais, que devem ser alvo de um plano estatal que permita um crescimento igualitário, tanto na área urbana, como na área rural.

No Brasil, os centros urbanos são inchados, podemos assim dizer, nas áreas mais pobres; nas áreas nobres as famílias são menores e com muito mais vantagens que as famílias das periferias. Ainda hoje, início do século XXI, a mulher pobre e ignorante tem mais filhos que a instruída. A pobreza e a desinformação são as grandes vilãs responsáveis por este aumento nas áreas miseráveis do país, gerando a pobreza e a violência.

Não acreditamos ( e nem defendemos ) que seja necessário uma medida radical como a tomada pelo Governo Chinês, onde um casal pode ter apenas um filho, de preferência homem, o que gerou inúmeros problemas, inclusive com relação ao envelhecimento da população e ao número decrescente de mão-de-obra, mas defendemos o disposto na norma constitucional: o Estado deve educar seus cidadãos, para que estes escolham deliberadamente sobre o número de filhos que irão ter.

Nossa Constituição preconiza a educação e a liberdade dos pais no planejamento familiar, sem qualquer interferência estatal, podendo e devendo os pais gerarem e criarem o número de filhos que desejarem, mas o Estado os chama a consciência de planejarem a constituição familiar.

Somente educando a população mais carente, poderá o Estado evitar o aumento demográfico nas periferias, a escassez de recursos e meios de subsistência e de produção e o próprio caos social; somente ofertando à esta população carente os recursos necessários para a contracepção se evitará o nascimento desordenado e prejudicial à própria estrutura do país. Um país somente é bem organizado e estruturado se a sua base também o é; como já defendiam os romanos, a família deve ser forte para que o Estado também seja forte.

No Brasil a matéria é disciplinada pela Lei no. 9.263, de 12 de janeiro de 1996.

I. VII.A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

Os primeiros povos acreditavam que o vínculo matrimonial poderia ser rompido apenas em casos extremos. No Código de Hamurabi era permitido o divórcio tanto a pedido do marido, como da mulher; já em Israel, Teocracia em que os homens eram a expressão do próprio Deus, admitia-se que o marido repudiasse sua esposa, unilateralmente, sendo a mesma punida com o apedrejamento até a morte se pega em flagrante adultério. Na Grécia, admitia-se o repúdio em casos de esterilidade feminina, e como não havia um método científico capaz de comprovar se a mulher era realmente estéril, ou seu companheiro, restava àquela a estigma de infértil. No Império Romano, mesmo sendo considerado por Modestino, uma união sacramental e indissolúvel, de direito divino e humano, entre um homem e uma mulher, o que ficou conhecido na sua célebre frase: "Nuptiae sunt conjunctio maris et feminae et consortium omnes vitae; divini et humani juris comunicatio", o divórcio encontrava espaço com o desaparecimento da afeição marital.

No Brasil, até a Constituição de 1946, o casamento era considerado indissolúvel, graças as influências canônicas - "quos Deus coniunxit, homo non separet".

Enquanto para os romanos, o casamento era uma situação fática representada pela afeição conjugal; para os canonistas era uma representação volitiva das partes, que assumia feições contratuais, e ao mesmo tempo representava o ato divino do sacramento matrimonial.

Segundo a Igreja católica, Cristo teria proibido o divórcio que Moisés havia permitido para o povo de Israel como solução aos casos de adultério. A Igreja nunca admitiu que existisse entre os fiéis a dissolução do vínculo matrimonia, alegando proteger assim o lar, a família e a prole. E, muito embora não mais compartilhasse do Poder do Estado, a Igreja conseguiu influenciar o legislador mantendo o casamento como uma instituição indissolúvel até meados dos anos 70.

Tentando evitar uma convivência eterna ao lado de alguém com quem não se tivesse mais afinidades, permitia o remédio do desquite, uma forma de separação em que o dever de coabitação era suspenso, impedindo-se contudo a contratação de novas núpcias. A separação conjugal, também assim conhecido, somente acarretava a ruptura da vida em comum, permanecendo todos os demais vínculos – separat quoad thorum et mensa. (8) Muitos viram nesta interferência eclesiástica, um desrespeito ao Princípio da Democracia; em um país onde o número de dissidentes do catolicismo é razoável não há que se admitir que a Igreja Católica determine normas legais válidas a todos, sendo, inclusive defendido por alguns juristas da época, o divórcio para os não-católicos. [61]

Com o início da década de 60, a filosofia naturalista e liberal do movimento hippie passou a atacar diretamente as instituições como o casamento, por meio de idéias de sexo livre e de independência e igualdade da mulher. Inexistindo o divórcio, os homens e mulheres insatisfeitos com suas relações e atordoados pela mentalidade da chamada Nova Era, uniam-se de forma livre, sem as bênçãos da Igreja, que não aceitava, e ainda não aceita em certas denominações, um novo casamento, e sem o contrato civil, visto que o vínculo anterior permanecia praticamente intacto.

No ano de 1977, muito tardiamente se comparado a outros países, o Brasil avançou com a Emenda Constitucional no. 9, de 28 de junho, instituindo o divórcio, que foi logo após regulamentado pela Lei no. 6.515, de 26 de dezembro do mesmo ano, modificando todo o sistema do Código Civil der 1916 que fundamentava-se na indissolubilidade do matrimônio.

A Lei do Divórcio, como ficou conhecida, foi inspirada no Direito Francês, punindo o cônjuge que não cumprisse com os deveres matrimonias, diferentemente das leis de países como Inglaterra, Holanda, Alemanha e Itália, que o permitiram pela simples comprovação da falência do casamento [62]. Sempre que falamos em divórcio no Brasil, pensamos imediatamente em responsabilizar um dos cônjuges, esquecendo-nos de que o casamento é a união de duas pessoas diferentes, que, embora digam-nos as Sagradas Escrituras, não deixam de ser distintos para formarem uma só carne, uma só pessoa. Acreditamos que sempre existe um culpado pelo desenlace conjugal, como se fosse impossível a falência da união e o fim do amor.

De imediato a Lei do Divórcio enfrentou severas criticas da sociedade conservadora, que considerava o instituto um golpe na já atacada família; mas aos poucos foi encontrando adeptos e defensores em todos os níveis sociais: juristas, sociólogos, humanistas, filósofos e até mesmo um número de religiosos iconoclastas.

O Código Civil de 1916 teve os artigos 315 a 328 revogados pela Lei 6.515 de 1977. Cuidando a lei de disciplinar a dissolução da sociedade conjugal, dispondo que se daria: pela morte de um dos cônjuges; pela nulidade ou anulação do casamento; pela separação judicial; e, pelo divórcio indireto, após conversão da separação judicial, e, direto, em casos excepcionais.Em um primeiro momento, era admitido apenas após três anos de desquite amigável (a expressão foi posteriormente substituída por separação judicial) ou litigioso.

Passados onze anos da Lei 6.515, o legislador constituinte se viu na necessidade de adotar uma postura mais flexível em relação ao divórcio, sendo o Direito um fenômeno social sempre em mutação, cabia a Lei Maior abordar a matéria. Com a Constituição Federal de 1988 o divórcio passou a ser admitido em um prazo de tempo de separação fática menor. Declara-nos a Constituição Federal de 1988 no parágrafo 6º do artigo 226, in verbis:

"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos."

Pela Lei do Divórcio previa-se a separação-sanção e a separação-remédio. A separação-sanção consistia na medida judicial fundamentada na conduta desonrosa ou na violação de um dos deveres do casamento, a saber: a fidelidade recíproca, a vida em comum no domicílio conjugal, a assistência mútua e o sustento e a guarda dos filhos. Por sua vez, a separação-remédio dava-se nos casos de doença mental grave que comprometesse a convivência conjugal, manifestada após o casamento civil, bem como nos casos de ruptura da vida comum por prazo superior há um ano.

Outra mudança provocada com a Lei 6.515/77, deu-se em relação ao regime de bens, que passou a ser de comunhão parcial, salvo estipulação contrária em contrato antenupcial.

A Constituição em vigor manteve o divórcio como forma de dissolução da sociedade conjugal, mas passou a admiti-lo de forma direta, bastando dois anos de separação comprovada ou um ano da separação judicial, sem necessidade de comprovação da causa motivadora da separação, facilitando assim a dissolução da sociedade conjugal, o que por sua vez também facilitou a convolação de novas núpcias, não ficando a união sujeita ao rótulo de concubinato impuro por haver um de seus componentes envolvido em um outro vínculo conjugal já suspenso pela separação fática.

Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – o número de separações cresceu desde a instituição do Divórcio; para alguns, é culpa do Estado que permitiu a dissolução da sociedade conjugal, outros mais liberais e reais crêem que este fato apenas revela uma mudança no próprio pensamento humano, que deixa de associar a preservação do casamento à felicidade, reconhecendo que as uniões chegam ao fim e que não é uma lei, ou um registro civil que vai dizer-nos o contrário.

Hoje, o casamento nasce não mais com as juras de "até que a morte os separe" o que não implica em um menor comprometimento dos noivos, mas também não mais os obriga a darem prosseguimento a uma união fracassada. As famílias modernas baseiam-se no amor, e quando este chega ao fim, as uniões se desfazem, garantindo cada um a sua dignidade e prosseguindo em busca da felicidade com outros parceiros, não mais exigindo-se que mantenham-se unidos por motivos econômicos ou religiosos.


A ISONOMIA CONJUGAL

Reza nossa Constituição Federal de 1988, in verbis:

" Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição;

e

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher."

Um dos primeiros direitos garantidos em nossa Carta Magna de 1988 é o da igualdade.

Como descreve José Afonso da Silva [63], as constituições anteriores somente conheciam a igualdade jurídico-formal, isto é, perante a lei. Com a Constituição de 1988 o direito à igualdade se fortaleceu, em especial, a igualdade entre homens e mulheres, que trataremos neste segundo capítulo.

A igualdade prevista no caput do artigo 5º e no § 5º do artigo 226 provocou uma grande mudança no Direito de Família: o homem deixou de ser considerado o chefe da sociedade conjugal e os dispositivos legais que lhe garantiam tal prerrogativa foram revogados pela Lei Maior, extinguindo-se a primazia e sendo os direitos e deveres exercidos de igual forma, por ambos. Quebrou-se com a nova Carta Constitucional a hegemonia masculina e a desigualdade legal de homens e mulheres.

Segundo o ilustre Paulo Luiz Netto Lôbo, em seu texto "O Ensino do Direito de Família no Brasil" [64], os preceitos constitucionais são auto-executáveis e bastaram para revogar todo o sistema pretérito que distinguia os direitos e deveres dos cônjuges na sociedade conjugal, não se admitindo mais qualquer interpretação dos mesmos, contrária à Constituição. Acompanhando o mesmo raciocínio, Sérgio Gischkow Pereira declara:

"Não tenho dúvida sobre a imediata incidência do comando constitucional que impõe a igualdade no exercício de direitos e deveres durante a sociedade conjugal. A norma constitucional é claríssima e se apresenta de maneira que não deixa espaço para se sustentar a necessidade de regulamentação ou de leis modificativas do Código Civil e outros diplomas legais ( pode haver conveniência pelo surgimento de tais leis, o que é diferente de considerá-las imprescindíveis à aplicação da Carta magna)." [65]

Este princípio constitucional adentrou no mundo do Direito e tornou-se norma de Direito Positivo, revogando todas as disposições anteriores que consagravam a desigualdade entre o homem e a mulher. Para melhor compreendermos as alterações advindas com a ampliação do Princípio de Igualdade do homem e da mulher, dentro do Direito de Família, convém estudarmos a postura de cada um dentro do sistema revogado do Código Civil de 1916.

II. I.A SITUAÇÃO DOS CÔNJUGES NO DECORRER DA HISTÓRIA E A INFLUÊNCIA DOS DIREITOS ROMANO, GERMÂNICO E CANÔNICO

A História nos mostra que a mulher sempre foi inferiorizada.

No Código de Manu, se solteira, dependia exclusivamente de seu pai, se casada, passava a depender de seu cônjuge, e, quando viúva, submetia-se a autoridade dos filhos ou dos parentes de seu marido [66]. Na Grécia, berço do conhecimento, era privada de sua capacidade, ficando sempre a mercê da vontade paterna ou da vontade do marido; não hesitaram os grandes filósofos em dizer que era a mulher um ser imbecil e frágil, o que inspirou por longos e longos séculos o pensamento humano e as leis.

Em Roma, quando o instituto da família começou a evoluir, consubstanciando-se numa estrutura jurídica, econômica e religiosa, a partir da figura do pater, a mulher foi colocada em uma posição inferior, sendo considerada incapaz de reger sua própria vida, igualando-se aos filhos.

A mulher, diziam os romanos: precisava "ser casta e fiar lã". Ulpiano, referindo-se a ela, declarou-a como imbecillitatem, devido a "falta de senso e fraqueza moral", consideradas deficiências tipicamente femininas.

Da mesma forma que no Código de Manu, solteira, a mulher romana ficava sobre o potestas paterno, casada, sobre o potestas do pater familias, e, quando viúva, dependia dos filhos varões.

A mulher romana já nascia sob a estigma da dependência masculina; era educada no ensino das letras até completar doze anos de idade e depois era colocada a disposição dos pretendentes para que pudesse casar-se; restava a ela aprimorar-se nas artes e na cultura, apreendendo a tocar e dançar, quando autorizada pelo homem, ou viver sobre o domínio do pater, não lhe cabendo outro destino. [67]

Sempre colocada como propriedade do homem, a mulher foi literalmente usada para gerar filhos e suprir as necessidades biológicas masculinas, podendo para tanto ser capturada, raptada, comprada, trocada ou recebida como uma recompensa. Por muitos séculos foi tida como reles serva do homem.

Com o advento do Cristianismo, a mulher ainda mantida em posição inferior, começou a ser vista como uma criação condicionada à vontade do homem; Deus teria a retirado da costela de Adão para satisfaze-lo. Ainda era afetada por capitis deminutio, mas criava-se o vínculo de afeição e complementação inexistente no Direito Romano.

Já no início do século XX, no Brasil, quando o projeto do Código Civil tramitava no Congresso Nacional, os núcleos familiares eram constituídos da seguinte forma: um pai trabalhador e mantenedor do lar, exercendo sobre a mulher e sobre os filhos, bem como sobre todos sob sua proteção, direitos quase que absolutos; uma mulher dedicada aos afazeres domésticos e à educação dos filhos; e filhos que, mesmo depois de alcançado a maioridade, ainda deviam respeito e obediência ao patriarca. Era uma família romana menos severa, graças as influências do Cristianismo.

A chefia masculina foi mantida em quase todos os povos civilizados por muitos séculos. Napoleão, autor de um Código considerado moderno, declarou que "A natureza fez de nossas mulheres nossas escravas. O marido tem direito de dizer à esposa: senhora, não saireis de casa, não ireis ao teatro, não vereis tal pessoa, isto é, senhora, vós me pertenceis de corpo e alma."

Sá Pereira advertiu em sua obra que se a lei não tivesse definido a chefia masculina na sociedade conjugal, a natureza o teria feito, já que fez o homem forte, dando-lhe "músculos de ferro e nervos de aço, para abater o lobo na floresta e enfrentar seu semelhante na sociedade." [68]

Nas Instituições I, § 230, líamos o seguinte:

"Ao marido, como chefe da sociedade conjugal, compete o direito de exigir da mulher respeito e obediência em tudo o que for lícito e honesto; donde resulta de parte desta:

1º) a obrigação de o acompanhar;

2º) a de lhe prestar os serviços e trabalhos domésticos, conforme suas forças e estado." [69]

Nosso Código Civil de 1916, expressou em seu artigo 233, abrandado posteriormente com o Estatuto da Mulher Casada ( Lei no. 4. 121/62 ), in verbis:

"O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos ( arts.240, 247 e 251)."

Evoluímos do primeiro momento em que a mulher devia ao homem obediência, mas nos mantivemos no patriarcalismo autoritário, semelhante ao disposto no Direito Romano e nas Ordenações Filipinas, bem como nas normas de Direito Canônico. O homem era o chefe da sociedade conjugal, ou como descrito na Bíblia: "cabeça do casal", enquanto a mulher, relativamente incapaz, necessitava de seu amparo e de sua autorização para a prática de atos da vida civil.

O papel da mulher, dentro da família e da sociedade como um todo, ficou relegado a auxiliar doméstica do homem, única atividade que acreditava-se ser a mesma capaz de realizar. Em um estudo do século XIX, citado por Clóvis Beviláqua, Clemence Royer diz-nos, sem qualquer pudor, que a mulher é inferior intelectualmente, se comparada ao homem, graças a uma combinação de adaptação e hereditariedade; como seu cérebro foi pouco usado por não ser necessário, atrofiou-se. (9) Este tipo de pensamento, considerado científico a seu tempo, minou de preconceitos o próprio Direito Positivo.

Por longos e longos anos os direitos femininos foram menores que os do homem, inclusive os relacionados a satisfação sexual. Jefferson Daibert, na obra ‘Direito de Família’, tecendo comentários sobre o adultério, apresenta a opinião de doutrinadores que vêem na infidelidade masculina um ato menos grave, considerado um mero capricho viril, que em nada ameaça o amor conjugal; diferentemente, quando praticado pela mulher, destruindo a afeição marital. A justificativa encontrada para o adultério masculino era a da bigamia inata nos homens. [70]

Como descreve Francisco José Ferreira Muniz, em seu texto "A Família na evolução do Direito Brasileiro" [71], se analisarmos as normas do título "Dos Efeitos Jurídicos do Casamento" de nosso Código, antes das alterações constitucionais, notaremos que o marido é o chefe da sociedade conjugal ( art. 233 ); seu representante legal ( art. 233, I ); administrador dos bens da família e dos bens particulares da mulher ( art. 233, II ); devendo promover o sustento e a manutenção da família ( art. 233, IV ); bem como o sustento da mulher ( art. 234); podendo fixar o domicílio conjugal ( art. 233, III ); é o detentor do pátrio poder sobre os filhos( art. 380 ); restando a mulher a mera função de auxiliar do marido na educação dos filhos e na direção do lar ( art. 240 ).

II. II.A MULHER E A ÁRDUA CONQUISTA PELA IGUALDADE

As duas grandes Guerras Mundiais retiraram o homem do centro da família e o levaram para os campos de batalha, obrigando a mulher a assumir os papéis a ele destinados. Ela não só lidava com as tarefas domésticas, como também administrava as fábricas e indústrias, exercendo tarefas que o homem, na guerra, não podia exercer. Manteve o exército e a família, provando que era bem mais capaz do que se podia imaginar. Começava o árduo processo de emancipação feminina.

A batalha pelo reconhecimento da mulher brasileira começou na Constituição do Império, datada de 1824, que declarava que todos os cidadãos podiam ser admitidos em cargos públicos, civis ou militares, sem qualquer distinção, salvo a de "talentos e virtudes"; muito embora somente com o Decreto 21.076 de 1932 tenha sido reconhecido o direito de disputa aos cargos públicos pelas mulheres.

Somente no ano de 1871 a mulher teve acesso aos estudos, sendo permitida apenas a formação em magistério com um currículo que incluía corte e costura e bordado.

No campo jurídico, no ano de 1903 quebrou-se uma grande barreira, uma mulher foi admitida como membro do Instituto dos Advogados, no estado de São Paulo, a Dra. Myrtes Gomes de Campos; e posteriormente, deu-se o acesso à magistratura, no ano de 1951, com a Dra. Iete Bomilcar Passarella, no Distrito Federal.

Em matéria eleitoral as mulheres somente conquistaram o direito ao voto no ano de 1932 [72].

Podemos dizer que o primeiro grande movimento em favor da mulher brasileira foi a Lei no. 4.121, de 27 de agosto de 1962, que disciplinou a situação jurídica da mulher casada, conhecida como o Estatuto da Mulher Casada. Com esta lei a mulher deixou de ser considerada incapaz e passou a colaborar com o homem, exercendo poder sobre seus filhos e tornando-se a própria administradora de seus bens, que antes ficavam a cargo do marido, podendo inclusive reservá-los na sociedade conjugal.

Muito embora tenha sido um texto inovador para sua época, não conseguiu eliminar com os preconceitos do velho direito, mantendo-se o homem como chefe da sociedade conjugal e atribuindo à mulher um "governo doméstico".

Como a grande maioria das leis brasileiras, fracassou na técnica jurídica e foi amplamente criticada. Com a Lei 4.121/62, os bens adquiridos individualmente após o casamento, passaram a ser excluídos do regime de bens, que na época deste diploma era exclusivamente de comunhão universal, salvo estipulação contrária, sendo incluídos na comunhão parcial, um disparate legislativo.

A primeira Constituição que expressou a vedação à discriminação da mulher foi a de 1934, repetindo-se nas de 1937 e 1946. Voltou a ser tema da Constituição de 1969, e por fim, de forma bem mais abrangente, na atual Carta Magna de 1988.

O movimento feminista não fez apenas fogueiras em praças públicas, mas despertou nas mulheres um sentimento de auto-estima que havia sido ignorado e abafado pelo patriarcalismo e influenciado o mundo e as legislações.

A partir da década de 70, os papéis dentro da unidade familiar tomaram novos rumos: o homem perdeu a posição de chefe da sociedade conjugal e de mantenedor único e exclusivo do lar e a mulher passou a exercer uma profissão remunerada contribuindo cada vez mais com a renda familiar. Muitos homens, atualmente, seja porque encontram-se desempregados e sem nova colação no mercado de trabalho, seja por opção, tem se dedicado a tarefa de educar os filhos e cuidar da casa, antes atividades da mulher, enquanto estas trabalham fora. Hoje, calcula-se que nos Estados Unidos, mais de cinco milhões de pais estejam dentro de casa, cuidando dos filhos, enquanto as mulheres saem para trabalhar. No Brasil, muito embora ainda não se tenha um número certo, sabe-se que muitos trocaram os antigos papéis familiares e cresce cada vez mais esta nova forma de família onde o homem cuida da casa e educa os filhos e a mulher paga as contas no final do mês. [73]

II. III.A PROBLEMÁTICA DA IGUALDADE DOS CÔNJUGES

Todas estas mudanças substanciais ocorridas a partir da Carta de 1988 ocasionaram sérios questionamentos no mundo jurídico. Muitos estudiosos discutem estas mudanças e a afetação das mesmas na ordem social, pois para alguns, a igualdade dos cônjuges serviu apenas para abalar a já frágil estrutura do grupo familiar.

Um grande grupo de juristas acatou sem qualquer restrição a igualdade prevista na Carta de 1988. Podemos citar entre eles: Eduardo de Oliveira Leite, Arnoldo Wald, Antônio Chaves, Pedro Sampaio, Carlos Alberto Bittar, Paulo Luiz Netto Lôbo e Humberto Theodoro Júnior. Existe porém um pequeno grupo que contra-argumenta alegando que a família brasileira é patriarcal e necessita de uma autoridade diretiva para sobreviver em harmonia, significando a isonomia conjugal constitucional apenas um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, cabendo assim a prevalência das normas que fazem esta distinção.

Defendendo a posição majoritária, acreditamos que a isonomia entre o homem e a mulher não pode ser considerada uma ameaça à organização familiar. Também não aceitamos a alegação de que nosso Direito de Família baseia-se num sistema patriarcal como regra suficiente para que nos mantenhamos num sistema falido onde a autoridade máxima é do homem, relembrando assim aquele direito arcaico que se baseava na imbecilidade da mulher apregoada pelos filósofos gregos e difundida no Direito Romano.

Aceitamos contudo a preocupação do advogado especializado em Direito de Família, da OAB Mineira, Segismundo Gontijo [74], para quem o que o constituinte fez " foi temerário e precipitado na igualitária dos direitos e deveres do marido e da mulher na sociedade conjugal, ao revolucionar complexa tradição com texto simplista e auto-aplicável." A preocupação deste estudioso do Direito de Família é justamente o caos que a norma constitucional gerou ao confrontar-se com a tradição dos direitos e deveres dispostos no Código Civil. Para Segismundo Gontijo, a desigualdade dos cônjuges deveria ter sido modificada por Lei Ordinária e não pela Constituição Federal, evitando-se um "trauma social decorrente do vazio legislativo". Podemos concordar com este jurista, principalmente com relação à administração dos bens do casal, mas não concordamos com a necessidade de uma lei ordinária para disciplinar a matéria, sendo a norma constitucional auto-executável como dispomos anteriormente.

Com a Constituição de 1988, os bens da sociedade conjugal que antes eram administrados pelo homem, o representante legal da família, passaram a ser administrados pelo casal, perdendo o homem aquela posição privilegiada de chefe e de administrador exclusivo do grupo familiar e de seus bens. O que parece ser simples em uma primeira leitura torna-se complexo ao ponto de confundir juristas como Washington de Barros Monteiro, que em determinado trecho de sua obra sobre o Direito de Família, defende a chefia masculina da sociedade conjugal com base na fragilidade feminina, e por ser o homem mais apto em função de sexo e profissão, concluindo em dizer, em um outro trecho da mesma obra, que com a Constituição de 1988 os direitos e deveres devem ser exercidos de forma igual por ambos. [75]

Com relação a administração dos bens do casal e a representação legal da família, existem pelo menos três correntes que devem ser analisadas.

Uma primeira corrente estuda a igualdade dos cônjuges e a influência da mesma sobre a família, defendendo a prevalência da chefia masculina na sociedade conjugal, mesmo após o advento da Constituição de 1988. Esta tese é defendida por autores como Washington de Barros Medeiros, Caio Mário da Silva Pereira, Maria Helena Diniz e Áurea Pimentel Pereira

Para a advogada e mestre, Maria Helena Diniz, é a própria situação conjugal que confere certos poderes ao homem, em função da necessidade de direção do grupo familiar [76]. Já para a Desembargadora Áurea Pimentel Pereira, as bases da sociedade brasileira são patriarcais e para garantir a sobrevivência do núcleo familiar, deve ser conservada a chefia masculina, sem contudo ferir-se o princípio da igualdade dos cônjuges, como já ocorre em países como França, Itália e Suíça [77]. Para Washington de Barros, tentando evitar-se a discórdia ocasionada pela "dualidade de orientações", mantém-se o homem como chefe da família, unificando-a e dirigindo-a em seus "assuntos domésticos", mesmo após a Carta de 1988, devendo ele administrar o patrimônio comum e os bens dotais da mulher; segundo este autor, sempre que houver uma desavença, prevalece a vontade do homem. [78] Finalmente, para o jurista Caio Mário da Silva Pereira, prevalece a equiparação em direitos e deveres, mas cabe ao homem representar a família, "por motivos de ordem prática", exceto com relação a mulher; devendo também administrar os bens comuns; fixar o domicílio conjugal, "e aí deve seguí-lo a mulher"; e, cuidar da manutenção da família, havendo aqui neste caso específico a colaboração da mulher. [79]

No dizer de Humberto Theodoro Júnior, este entendimento é ultrapassado e se reduz a uma minoria inexpressiva.

Uma segunda corrente entende que a administração dos bens do casal e a representação legal da família é realizada de forma conjunta ou bipartida, também chamada de co-gestão. Um dos grandes defensores desta teoria é o jurista Carlos Alberto Bittar, para quem o homem e a mulher devem possuir os mesmos direitos e respeitar os mesmos deveres, podendo ambos, inclusive, administrarem os bens da sociedade conjugal.

Com esta teoria surge uma dúvida: os cônjuges podem exercer a administração apenas de forma conjunta ou também podem exercê-la em separado? Se admitirmos que cada um pode se obrigar de forma individual pelos bens da sociedade conjugal, permitiremos que um assuma dívidas, mesmo sem o consentimento do outro, o que traria sérios prejuízos à família e afetaria os terceiros envolvidos nas transações, aumentando significativamente as lides. Para evitarem-se os conflitos, Humberto Theodoro Júnior, Jorge Franklin Alves e Pedro Sampaio, entre outros que defendem esta tese, pugnam pela exigência da anuência entre os cônjuges para negociarem os bens da família, não podendo haver contrato sem a devida vênia de ambos. Isto não implica obrigatoriamente em uma concordância expressa, mas que se subentenda nos atos daquele que os realiza em nome da sociedade conjugal, exceto quando a lei exige tal manifestação ou a natureza do assunto torna obrigatória a manifestação do casal.

Embora esta segunda teoria seja a mais adequada à realidade social, ainda hoje insiste em prevalecer a chefia masculina na administração conjugal, contrariando o preceito constitucional do artigo 226. O homem ainda é o titular das ações dos clubes; os imóveis, ainda são, em sua maioria, registrados em seu nome, da mesma forma que os automóveis da família; nos planos de saúde, quase sempre é ele que figura como o titular, tendo a mulher e os filhos a situação de dependentes. Esta situação deve-se ao costume de longos anos e não será modificada por simples dispositivo constitucional, embora quisesse assim o legislador de 1988. Implantar este sistema de igualdade social exigirá tempo e esforço conjunto do Estado e da nova família.

Por fim, temos uma terceira corrente defendida por Sílvio Rodrigues, Humberto Theodoro Júnior e Pedro Sampaio, onde a igualdade dos cônjuges refere-se aos direitos e deveres que não mais são exercidos de forma exclusiva por um ou por outro, mas por ambos [80].

De acordo com esta tese, os capítulos do Código Civil que tratavam dos direitos e deveres do marido e da mulher, perderam seu sentido frente a possibilidade de ambos exercê-los; as disposições que constituíam restrições a um dos cônjuges foram revogadas com a norma constitucional. Hoje, já não cabe mais ao homem a direção da família, não tendo mais o poder de decisão que tinha antes da atual Carta de 1988; também não se admite mais que seja ele o administrador exclusivo dos bens do casal, cabendo a ambos, ele e a mulher, decidir sobre os mesmos; o direito de fixação do domicilio não mais encontra guarida em nossa legislação. Com relação aos demais direitos e deveres, encontra-se derrogado o artigo 186 que estabelecia a prevalência da vontade paterna na autorização do casamento do filho menor de 21 ( vinte e um ) anos; também não mais abrigado pela norma constitucional o artigo 380 que proclama em seu parágrafo único que nos casos de divergência, prevalece a vontade paterna. Continuam valendo apenas as disposições dos artigos 235 e 242 do Código Civil.

Bem sabemos que o homem sempre foi considerado o mais apto para a direção do grupo familiar, mas reconhecemos que esta aptidão foi conquistada graças a condição de subordinação, ocasionada pela imposição masculina, em que a mulher se encontrava. A experiência hoje nos mostra que a mulher é tão capaz quanto o homem e isto somente tornou-se possível com a permissão para a prática de atos antes tipicamente exercitados apenas por aquele.

A isonomia constitucional erigida pela Carta de 1988, permitiu-nos pleitos nunca imaginados, como o ocorrido em São Paulo, no ano de 1993, quando um militar reclamou judicialmente a utilização dos apelidos da família da futura esposa, baseando-se na isonomia constitucional e alcançando êxito com o julgado no. do TJSP; ou no caso de separação, o pedido de pensão o que antes era direito apenas concedido à mulher.

Embora exista uma igualdade legal, subsiste uma desigualdade real que se revela no cotidiano e que somente será modificada com a perfeita compreensão e obediência à lei. Ainda hoje os homens são criados para chefiar e as mulheres para obedecer; dos homens se espera a força e a subsistência e das mulheres a fragilidade e a dependência. Não será uma norma constitucional que irá modificar uma realidade existente a séculos. A igualdade plena será alcançada assim que entendermos que homens e mulheres são seres diversos, mas com capacidades semelhantes; a única diferenciação que se permite fazer é a biológica.

A igualdade que a Constituição Federal de 1988 preconiza é baseada na dignidade humana, pois homens e mulheres são iguais em valores humanos e sociais. É uma norma de aplicação imediata que elimina de uma vez por todas com as discriminações em função do sexo presentes em diversas normas de nosso ordenamento jurídico, inclusive as que garantiam privilégios à mulher como uma forma de compensá-la pela situação hierárquica inferior a do homem, segundo alguns juristas.

II. IV.AS DISCRIMINAÇÕES CONSTITUCIONAIS BENÉFICAS À MULHER E OS BENS RESERVADOS

O legislador constituinte introduziu em nossa Lei Maior normas que podem ser vistas como inconstitucionais por garantirem à mulher certas prerrogativas.

As disposições do artigo 5º, L, que assegura as presidiárias a permanência com os filhos lactentes no período da amamentação; e do artigo 7º, XVIII, que garante a gestante, licença de cento e vinte dias, não encontram resistência doutrinária ou jurisprudencial, pois a proteção nestes casos e à maternidade e não a mulher em si.

Quando, porém, a matéria constituinte discrimina a idade para o requerimento da aposentadoria, estabelecendo uma diferença que beneficia a mulher, como podemos observar no artigo 202, incisos I, II, III - aos sessenta e cinco anos para o homem e aos sessenta anos de idade para a mulher, ou após trinta e cinco anos de serviço para o homem e trinta para a mulher, ou ainda após trinta anos, se exercido cargo de professor, para o homem e vinte e cinco para a mulher – os juristas discutem a constitucionalidade das mesmas diante do princípio da igualdade.

O Ministro Cunha Peixoto, do STF, proferiu o seguinte voto: "Não cabe invocar o princípio da isonomia onde a Constituição, implícita ou explicitamente, admitiu a desigualdade." [81]

Segundo Carlos Roberto de Siqueira Castro, em sua obra "O Princípio da Isonomia e a Igualdade da Mulher no Direito Constitucional" [82], não há nestas normas qualquer inconstitucionalidade, consistindo apenas em uma diferenciação de tratamento, justificadas pela dupla jornada de trabalho realizada pela grande maioria das mulheres. Da mesma forma entende Francisco José Ferreira Muniz [83], declarando que muitas exceções constitucionais ou infraconstitucionais, como é o caso do artigo 100 do Código de Processo Civil, partem do pressuposto de que a mulher ainda é a parte mais fraca da relação.

Segismundo Gontijo e Áurea Pimentel Pereira não acompanham este pensamento. O advogado mineiro, comentando a validade do artigo 100 do Código de Processo civil frente à Constituição Federal de 1988, defende a tese de que o mesmo não subsiste por ferir a isonomia apregoada em sede constitucional; já a desembargadora carioca entende que os mesmos são "privilégios injustificados" (10). Também acompanhamos este raciocínio, não havendo diante da isonomia constitucional razão para o privilégio de foro, salvo a declaração de hipossuficiencia da mulher, pleiteando além da separação ou do divórcio, alimentos necessários ao seu sustento, pois devemos reconhecer que cada caso é um caso e deve ser analisado individualmente pelo julgador; ainda hoje, muitas famílias não aceitam a igualdade dos cônjuges, e muitas mulheres não se encontram em patamar de igualdade por não terem iguais oportunidades de educação, profissionalização e liberdade; muitas mulheres são subjugadas dentro de seus lares e encontram-se em situações muito semelhantes as da mulher do início do século, devendo ser observadas estas peculiaridades para então se admitir ou não o privilégio de foro.

Com relação aos bem reservado, o jurista Arnoldo Wald defende a posição da jurisprudência dominante que reconhece que diante do novo texto constitucional há uma sociedade sobre estes bens [84]. Já o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Sérgio Gischkow Pereira [85], entende consistir numa violação da igualdade patrimonial dos cônjuges a sobrevivência do instituto, mas reforça a idéia de que, devido a superioridade sócio-econômica do homem, o instituto que visava proteger a mulher, não pode agora ser exercido também pelo homem, pois se assim ocorre, em pouco tempo todo o patrimônio familiar estará nas mãos dos homens que trabalham e garantem o sustento do lar na maioria das famílias brasileiras.

Acreditamos que hoje, somente em duas hipóteses admitir-se-ia o bem reservado: se adquirido antes da Constituição de 1988, ou nos casos em que o marido concorda previamente com a reserva legal [86].

No mais, lembramos que a igualdade constitucional deve levar em conta as diferenças naturais que existem entre os seres, não se admitindo um tratamento único para todos, mas um tratamento que considere a função e a capacidade de cada um. O que a Constituição proíbe terminantemente é o tratamento diferenciado a pessoas em situação idêntica.

II.V-OS DISPOSITIVOS LEGAIS ALTERADOS CONSTITUCIONALMENTE

Com a isonomia prevista no artigo 5º, inciso I e no artigo 226, § 5º, da Constituição Federal, muitas normas do Código Civil, referentes ao Direito de Família, Direitos das Obrigações e Direito das Sucessões, bem como outros textos legais, foram modificados.

O homem, que antes agia como o chefe da sociedade conjugal, representando-a legalmente e administrando-a, passou a exercer tais funções conjuntamente com a mulher. Diante desta inovação, ficam assim entendidos os seguintes artigos de nosso Ordenamento Jurídico [87]:

1) ab-rogado encontra-se o artigo 9, § 1º, I, do Código Civil, frente o artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988, combinado com o artigo 226, § 5º, do mesmo diploma legal, que prevê a isonomia entre homens e mulheres. Diante deste princípio, ambos os genitores, casados ou não, devem emancipar o filho menor;

2) da mesma forma, o artigo 36, parágrafo único e o artigo 233, III, do Código Civil encontram-se ab-rogados, não existindo mais a prevalência da vontade marital na escolha e na fixação do domicílio conjugal, devendo ambos elegerem-no;

3) o artigo 178, I, combinado com o artigo 219, IV, do Código Civil, que previam a anulação do casamento nos casos em que a mulher já houvesse sido ‘deflorada’ não encontram abrigo no novo ordenamento jurídico erigido com a Carta de 1988; a norma fere o princípio de igualdade previsto constitucionalmente;

4) ab-rogado está o artigo 178, § 4º, II, do Código Civil, que previa ao predomínio paterno na anulação de casamento do filho, sendo hoje uma ação deferida aos genitores conjuntamente;

5) não prevalece a norma do artigo 186, do Código Civil, onde a vontade paterna é considerada superior à materna, com relação ao consentimento para o casamento do filho menor;

6) os artigos 9º, I, "a", "b" e "e"; 178, §§ 7º, VII; e, 252, do Código Civil, devem ser interpretados, a luz da Constituição Federal de 1988, como um direito exeqüível sempre que um dos consortes praticar um ato em que a lei exige a concorrência de ambos;

7) o artigo 178, § 9º, III, do Código Civil, deve ser entendido como um direito de qualquer um dos cônjuges, dentro da sociedade conjugal, cabendo também ao marido a ação para reivindicar ou para desobrigar os bens dotais;

8) o artigo 183, X, do Código Civil, deve designar apenas a pessoa raptada e a pessoa raptora e não mais as expressões raptor e raptada, condicionadas ao antigo sistema discriminador onde apenas a mulher poderia ser alvo deste tipo de crime sexual;

9) a idade para o casamento não pode mais ser diferenciada em função do sexo, como fazia o artigo 183, XII, e 213, do Código Civil. Hoje, tanto o homem, com a mulher, ao completarem a idade de dezesseis anos, encontram-se aptos para contraírem núpcias, segundo a maioria dos doutrinadores, mas ainda existe a dependência de uma lei específica que determine a idade núbil, sem ferir o princípio de igualdade;

10) o artigo 224, do Código Civil, apresenta nova leitura que beneficia também o homem no requerimento de alimentos provisionais;

11) os artigos que se referem aos direitos específicos de cada um dos consortes encontram-se alterados pela nova Carta Magna. Sendo assim, o artigo 251 e os incisos I, II e III, parágrafo único, I, II, III e IV, do Código Civil, passam a ser exercidos por ambos os cônjuges;

12) a obrigação do marido de sustentar a esposa e os filhos, diante da igualdade constitucional, passa a ser um dever também da mulher, o que altera o artigo 234, do Código Civil;

13) o artigo 236 que prevê o dote e a doação paterna, também passam a ser conferidos à genitora;

14) no artigo 237, do Código Civil, deverá ser substituída a expressão mulher por cônjuge, referindo-se assim a qualquer um dos consortes, sem discriminação. Da mesma forma deverá ser feito em relação ao artigo 238, do Código e ao artigo 239; e ainda com relação ao artigo 245, I, II e parágrafo único;

15) o artigo 240 encontra-se ab-rogado, devendo ser concedidos iguais direitos, tanto ao homem, quanto a mulher;

16) o artigo 241 deve ser interpretado de forma a garantir ao homem e também a mulher a possibilidade de cobrarem as despesas feitas pelo outro;

17) tanto o artigo 235, como o artigo 240, do Código Civil, devem abranger ambos os cônjuges, vedando a Constituição qualquer distinção entre eles;

18) os artigos 243 e 244 encontram-se ab-rogados, sendo ambos os cônjuges legitimados para intentar ao suprimento judicial para a prática de ato sem a anuência do outro, quando a lei assim o exige;

19) o bem reservado, previsto no artigo 246, do Código Civil, frente a nova Constituição, encontra-se ab-rogado por privilegiar apenas um dos cônjuges, ferindo o princípio da igualdade;

20) não mais subsiste a norma do artigo 247, I, II, III, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece a presunção da autorização para a prática de certos atos civis por parte da mulher, bem como o artigo 254 do mesmo texto;

21) o artigo 248, I, II, III, IV, parágrafo único, V, VI, VII e VIII, do Código Civil, encontra-se ab-rogado;

22) os direitos do artigo 249 e 250, do Código Civil, devem ser estendidos ao homem;

23) as disposições do artigo 251 e seus incisos I, II, III, parágrafo único, I, II, III e IV, do Código Civil, permitiam que a mulher assumisse a administração do lar nas hipóteses em que o homem ficasse impossibilitado. Atualmente este dispositivo deve ser estendido também ao homem, ou seja, não mais deve existir a especificação ‘mulher’, mas sim cônjuge;

24) também deverá ser aplicado novo entendimento ao artigo 253, do Código Civil, devendo os atos de interesse da família ser praticados pelos cônjuges, em conjunto, e obrigando todos os bens comuns conforme o regime pré-estabelecido pelos mesmos;

25) o artigo 258, inciso II, do Código Civil, traz em seu texto a mesma inconstitucionalidade observada no artigo 183, XII, motivo pelo qual também encontra-se alterado, sendo a idade limite para ambos a de cinqüenta anos;

26) no artigo 260, do Código Civil, a expressão ‘marido’ deverá ser substituída pela palavra cônjuge, não prevalecendo então a discriminação pretérita já abolida com a nova Constituição;

27) o artigo 263, X, do Código Civil, também fazia distinção entre os cônjuges, estabelecendo a fiança como um direito apenas exercido pelo homem, considerado até então o chefe da sociedade conjugal. Diante da isonomia constitucional, também poderá a mulher prestar esta fiança, o que implica em uma modificação no texto do artigo do diploma civil, devendo ser suprimida a expressão ‘outorga uxória’;

28) o artigo 266, parágrafo único, do Código Civil, deverá ser entendido da seguinte forma: tanto a posse, como a administração dos bens comuns do casal, são por ambos exercidas, salvo as exceções previstas na lei;

29) o artigo 274, do Código Civil, analisado à luz da Constituição Federal de 1988, deverá ser assim interpretado: ambos os cônjuges administram os bens do casal, sendo resolvidas as controvérsias perante o Poder Judiciário; as dívidas assumidas em benefício da sociedade conjugal, serão extraídas do patrimônio comum, inexistindo o mesmo, com os bens particulares dos consortes a medida que se aproveitarem das mesmas;

30) o artigo 275, do Código Civil, encontra-se derrogado pela nova Carta de 1988, permanecendo em vigor apenas o dispositivo que se refere às dívidas assumidas de individualmente por um dos cônjuges;

31) no artigo 277, do Código Civil, a palavra ‘mulher’ deverá ser substituída por cônjuge, sendo ambos responsáveis pela contribuição para as despesas comuns do casal, salvo quando estipularem em contrato nupcial o contrário;

32) o artigo 356, do Código Civil, confere apenas à mulher a impugnação de maternidade, sendo assim inconstitucional, devendo ser estendido também ao homem a impugnação de paternidade;

33) o pátrio-poder será exercido por ambos os cônjuges, passando assim o artigo 380, parágrafo único, do Código Civil, a ter novo entendimento;

34) também será entendido à luz da Constituição Federal de 1988, o artigo 382 do Código Civil, que estabelece o exercício do pátrio-poder após a dissolução do casamento. Sendo a união dissolvida, será exercitado pelo cônjuge sobrevivo;

35) os bens dos filhos passam a ser administrados por ambos os pais, tendo assim uma nova interpretação o artigo 385 do Código Civil, bem como o artigo 390, I e o artigo 391, I, no que se referem ao usufruto destes bens ;

36) o artigo 393 do Código Civil passa a viger assim: qualquer um dos genitores que convolar novas núpcias, manterá o pátrio-poder sobre os filhos do casamento anterior, fazendo-o até mesmo de forma exclusiva;

37) não existe mais na ordem de nomeação prevista no artigo 407 e demais referentes a matéria, do Código Civil, a distinção entre o pai e a mãe e entre o avô paterno e o avô materno;

38) o artigo 414, inciso I, do Código Civil, frente a atual Constituição passa a ser considerado inconstitucional por privilegiar a mulher com a escusa do cargo de tutora;

39) o direito de ingressar em juízo no processo de interdição, previsto no artigo 447, I, do Código Civil, deve ser exercido pelo pai e pela mãe da mesma forma, sem a distinção pretérita;

40) da mesma forma, no artigo 454, § 1º, do Código Civil, a ordem deferida primeiramente ao pai, posteriormente a mãe, deixa de existir com base na igualdade constitucional;

41) não pode prevalecer o disposto no artigo 455, §§ 1º e 2º, do Código Civil, sendo o homem e a mulher iguais em direitos e obrigações;

42) a curadoria não mais será exercida obedecendo o preceito de que "os varões preferem às mulheres". Diante da isonomia constitucional, não prevalece a distinção que atribui primeiro ao homem e somente, de forma secundária, a curadoria à mulher;

Ficam ainda alteradas, todas as demais disposições do Código Civil e do nosso Ordenamento Jurídico que ainda fazem distinções em função do sexo, colocando o homem em posição de superior quando comparado à mulher;

43) o artigo 827, inciso I, do Código Civil, que prescrevia a instituição de hipoteca legal em favor da mulher casada civilmente, fica ab-rogado pela nova Constituição, não podendo prevalecer;

44) encontra-se em desacordo com a Constituição de 1988 o artigo 839, § 1º e o artigo 840, inciso I, do Código Civil, por instituírem a preferência do genitor sobre a mãe nos casos de inscrição de hipoteca;

45) a transmissão da herança prevista no artigo 1.579, § 1º, do Código Civil, que exigia da mulher a comprovação da convivência com o marido no tempo do óbito ou a inexistência desta convivência sem concorrência de sua culpa, encontra-se ab-rogado;

46) no artigo 1.723 do Código Civil, a expressão ‘mulher herdeira’ deverá ser substituída por herdeiro, para não ferir a igualdade prevista constitucionalmente;

47) não prevalece o disposto no texto do artigo 1.744, III, do Código Civil, primeiramente por discriminar apenas a filha desonesta e por fim, por referir-se à casa paterna;

48) o artigo 1.763 e o artigo 1.778 do Código Civil ainda fazem referência ao cabeça-de-casal, figura que extinguiu-se com a Constituição de 1988;

49) da mesma forma, o artigo 1.776 do Código Civil, defere ao pai o direito de partilhar os bens, o que deverá ser estendido também a mãe;

50) no Código de Processo Civil, nova leitura deve ser dada ao artigo 11, parágrafo único, que prevendo a possibilidade do homem e também da mulher de exigirem na Justiça o suprimento de autorização marital e uxória;

51) o artigo 100, I, do Código de Processo Civil, segundo o jurista Pedro Sampaio, encontra-se ab-rogado;

52) também deve ser entendido de forma mais abrangente o artigo 650, I, do Código de Processo Civil, estendendo-se ao homem o mesmo benefício conferido à mulher;

53) no artigo 699, §1º, do Código de Processo Civil, a expressão ‘mulher do devedor’ deve ser substituída por ‘cônjuge do devedor’; e o § 2º do mesmo artigo fica ab-rogado devido a impossibilidade de subsistirem os bens reservados frente à isonomia constitucional;

54) no artigo 1.121, IV, do Código de Processo Civil, a palavra mulher deve ser substituída por cônjuge, garantindo assim a todos os separados necessitados o direito à pensão alimentícia;

55) quanto a ordem do artigo 1.177, I, do Código de Processo Civil, não prevalece a preferência ao genitor, podendo qualquer um dos pais promover a curatela;

56) muito embora seja posterior à Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente ( lei no. 8.069/90 ), desrespeita a isonomia constitucional o artigo 10, inciso II, que estabelece que a mãe deve ser identificada com a tomada de impressão digital, em nada citando o pai. Hoje, devemos entender que as maternidades devem recolher tanto a impressão digital da genitora, como do genitor, quando identificado;

57) a guarda dos filhos menores, nos casos de separação judicial, será deferida a ambos os cônjuges, não prevalecendo o disposto no artigo 10, § 1º, da Lei do Divórcio ( lei no. 6.515/77), ficando os mesmos em poder daquele que pode suprir o sustento, a guarda e a educação ou conforme ajustado entre ambos;

58) os artigos da lei do Divórcio ( lei no. 6.515/77 ) que se referem ao uso do patronímico do marido devem respeitar a isonomia constitucional, cabendo sua aplicação apenas aos casos anteriores à Constituição Federal de 1988, sendo o mesmo atualmente um direito deferido a ambos os cônjuges e não só a mulher;

59) o artigo 52, §§ 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ) não poderá ser aplicado segundo a ordem de preferência estabelecida para o registro dos filhos, podendo tanto o pai, como a mãe o fazerem;

60) também encontra-se ab-rogado o artigo 79, §§ 1º e 2º da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ) que estabelece uma ordem para a declaração de óbito, considerando o homem o ‘chefe de família’;


A IGUALDADE DOS FILHOS

Segundo o douto Eduardo de Oliveira Leite [88], as questões envolvendo a paternidade surgiram juntamente com o patriarcado.

Como em um primeiro momento histórico da vida humana, os agrupamentos se davam a partir da figura feminina, representante da fecundidade e geradora da vida, bastava o reconhecimento da maternidade para a criação dos vínculos familiares.

Com o advento do patriarcado, fortalecido no Império Romano, os homens sentiram a necessidade de comprovar a paternidade, pois somente com ela surgiria o parentesco, determinando-se assim a hereditariedade, o nome e a herança.

Desprovidos de técnicas científicas que pudessem comprovar a filiação, os romanos criaram a presunção: "pater is est quem nuptia demonstrant" presumindo-se a paternidade em função do casamento. Esta presunção ultrapassou as barreiras dos séculos e chegou até nosso Código Civil de 1916, sendo modificada nos últimos tempos, graças às Ciências Médicas [89].

III.IBREVES COMENTÁRIOS HISTÓRICOS

No Direito Romano já se faziam distinções com relação aos filhos. Os naturais, nascidos de pais não unidos formalmente, não tinham nenhum parentesco com o pater, apenas ligavam-se à família da genitora; era o parentesco da cognatio. Para quer fosse garantida a herança paterna, o conhecimento exato do genitor era essencial; somente assim a família romana garantiria a perpetuação baseada na figura do homem.

Com o Cristianismo os filhos adquiriram o direito de seres alimentados e herdarem na ausência de legítimos, mas esta influência não chegou ao Direito Português, onde o filho de um nobre não poderia ser reconhecido e nem concorrer a sucessão paterna. Nas Ordenações Filipinas, que vigoraram entre nós, a perfilhação caracterizou-se de acordo com a situação e com a posição social dos genitores. Os filhos ilegítimos, naturais (quando resultantes da união de pessoas desimpedidas de se casarem) ou espúrios ( também chamados de adulterinos ou incestuosos ), nascidos do chamado "coito danado", tinham direito a alimentos e podiam herdar os bens do genitor; já os filhos naturais de um homem nobre, não herdavam e nem concorriam à herança com os legítimos, podendo apenas pleitear do genitor os alimentos necessários à sobrevivência [90].

O Código de Napoleão, muito embora tenha sido considerado expressão máxima do Liberalismo francês, proibia a investigação de paternidade, admitindo apenas o reconhecimento espontâneo do genitor. Somente no ano de 1912 a França passou a permitir a investigação de paternidade, exigindo como requisito a convivência concubinária dos genitores.

III.II.A FILIAÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 1916

No Direito de Família do Código Civil de 1916, foram mantidas as designações peculiares que conceituavam os filhos como legítimos e ilegítimos das Ordenações, graças a influência direta da Igreja nos institutos do Direito de Família.

Segundo os preceitos do Cristianismo Católico, o filho nascido sem a realização do sacramento do casamento dos genitores era considerado fruto do pecado sexual da fornicação. Somente o casamento eclesiástico poderia garantir a legitimidade do filho. Muito mais discriminados ainda foram os nascidos de relações adulterinas e incestuosas; além de serem considerados pecaminosos, neste caso em função do pecado de adultério e incesto dos pais, feriam a sociedade moralista e puritana da época.

Como o sexo fora do casamento sempre esteve relacionado ao pecado e os frutos destas relações não podiam ser aceitos pela Igreja, o legislador civil deixou-se influenciar pelas idéias religiosas, mas também preocupou-se em garantir que os interesses dos conhecidos coronéis, grandes proprietários de terras, ainda acostumados com o sistema escravocrata do século XIX, não fossem perturbados pelas amantes e pelos filhos bastardos gerados nos cafezais, nas senzalas e até mesmo na Casa Grande, encobertados pelas esposas submissas e pelos filhos legítimos que não pretendiam dividir a herança paterno.

O Código Civil prescrevia em seus artigos a proteção ao patrimônio familiar. A concubina e os ilegítimos foram banidos do sistema legal do início do século, ficando à própria sorte até a Lei 883, de 21 de outubro de 1949, quando permitiu-se que qualquer um dos cônjuges fizesse o reconhecimento voluntário, também concedendo ao filho ilegítimo o direito de pleitear alimentos do suposto pai, inclusive requerendo o reconhecimento da paternidade, condicionou porém a propositura da ação à dissolução da sociedade conjugal do genitor casado. Posteriormente, com a Lei do Divórcio ( Lei no. 6.515/77 ), garantiu-se o direito à herança em igualdade a todos os filhos; e, somente no ano de 1984, com a Lei no. 7.250, permitiu-se o reconhecimento de paternidade ainda que casado o genitor e na constância da sociedade conjugal.

Mesmo com a lei do Divórcio ( Lei no. 6.515/77 ), entendeu-se de forma majoritária que a igualdade sucessória restringia-se aos filhos reconhecidos, não sendo aplicada aos incestuosos e adotivos.

No sistema do Código Civil eram considerados legítimos os filhos resultantes de um casamento válido, ou contraído de boa-fé, mesmo que invalidado, já que somente o matrimônio poderia dar aos filhos esta condição; e ilegítimos os nascidos de relações livres, adultérios ou incestos.

Estabeleceu-se no Código Civil que seriam legítimos todos os filhos que nascessem na constância do casamento, bem como os não contestados pelo suposto pai. Como requisitos de legitimidade, contavam-se a data da concepção, presumindo-se legítimos os filhos nascidos após o prazo de 180 ( cento e oitenta ) dias do casamento e os nascidos dentro dos 300 (trezentos ) dias posteriores à dissolução da sociedade conjugal; e, o reconhecimento da maternidade e da paternidade, comprovados em registro de nascimento.

Quando o filho nascia antes do casamento dos pais, permitia-se a legitimação, um benefício legal que conferia ao ilegítimo a condição de filho legítimo [91]. Segundo Clóvis Beviláqua, "Da legitimidade da família, que implica a da filiação, procedem relações originando regalias, direitos e deveres para os filhos, como sejam o direito à educação, aos alimentos, à herança (...)" [92]

O instituto da legitimação não é novo; proveniente do Direito Romano, oferecido por Constantino, era admitido de quatro formas: casamento subsequente dos concubinos – per subsequens matrimonium; restrito ao príncipe – per rescriptum principis; testamento – per testamentum; e ablação à cúria – per oblationem curiae. Quando um filho natural (terminologia que em nosso Direito cedeu ligar ao termo ilegítimo ) era apresentado à cúria, adquiria todos os direitos do filho legítimo; pelo testamento o pai legitimava os filhos naturais após a sua morte, desde que não existissem filhos legítimos; pelo casamento posterior ou subsequente, os filhos nascidos do concubinato recebiam, após o casamento dos pais, a denominação de legítimos; e, finalmente, pelo restrito do príncipe, onde o Imperador permitia que um homem impossibilitado de casar-se com a mãe de seus filhos naturais, os legitimasse.

Quando promulgado nosso Código Civil, somente os filhos legítimos ou legitimados tinham direito à herança, cabendo aos naturais ( entenda-se ilegítimos ) apenas a metade que coubesse aos demais, isto é, não herdavam da mesma forma que os nascidos de casamento válido.

A primeira Constituição que não fez distinção entre os filhos legítimos e naturais foi a de 1937, permitindo que muitos filhos de pessoas, na época desquitadas, pudessem ser legitimados. Porém, manteve a proibição quanto a legitimação de certos ilegítimos como os adulterinos e incestuosos, também chamados de espúrios.

Até o advento da Constituição Federal de 1988, muitas mudanças já haviam ocorrido em matéria de filiação, mas com relação ao incestuoso, ainda era vedado seu reconhecimento.

Segundo alguns autores, como Áurea Pimentel Pereira, os filhos incestuosos deveriam ter sido mantidos como os que não podem ser reconhecidos, visto que, segundo ela, o Direito de Família se funda em princípios éticos que são feridos com o incesto [93]. Muito embora concordemos que o incesto fere princípios morais e éticos de nossa sociedade e seja uma expressão sexual grotesca, visto que não herdamos os costumes dos povos egípcios, não admitimos que ainda hoje, vigente nossa Carta Magna de 1988 há doze anos, conserve-se o preconceito dos séculos pretéritos. A Jurisprudência é unânime em admitir o direito dos filhos gerados de uma relação, quer seja adulterina, quer seja incestuosa, ao reconhecimento da paternidade e da maternidade [94]. É o pensamento de nossa Corte Máxima de Justiça e é o pensamento que acompanhamos. [95]

Os filhos não podem mais sujeitar-se a condição dos pais para terem seus direitos respeitados; não podem ser responsabilizados pelos erros de seus genitores, tendo que carregar a estigma da ilegitimidade ou a ausência de um nome no registro de nascimento.

III.III.A ISONOMIA CONSTITUCIONAL

A Carta de 1988 põe fim a uma longa história de discriminações com relação à filiação, encerrando em seu texto constitucional toda e qualquer discussão e banindo qualquer forma de distinção prejudicial aos filhos, seja para efeitos de natureza pessoal ou patrimonial.

Reza o § 6º do artigo 227 de nossa Constituição Federal, in verbis:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação."

Hoje, qualquer filho pode pleitear junto ao Poder Judiciário o reconhecimento de sua paternidade, ainda que na constância da sociedade conjugal de seu genitor, garantindo-se aos mesmos os alimentos e os registros específicos, bem como todos os direitos sucessórios, não cabendo mais as adjetivações à palavra filho. Cabe inclusive ação dos antes chamados espúrios em relação à maternidade.

O reconhecimento é perpétuo e irrevogável e rege-se pelo artigo 357 do Código Civil e pode ser feito no próprio termo do nascimento, em escritura pública ou em testamento; é um direito personalíssimo, indisponível, incondicional e imprescritível, podendo ser exercitado contra o genitor e contra seus herdeiros, sem qualquer restrição, e, em se tratando de filho maior de idade, deverá consentir no reconhecimento em conformidade com o artigo 4º da Lei no. 8.560 de 1992. Quanto a ação de investigação de paternidade, é ação personalíssima do filho que poderá ser realizada, inclusive, independente da ação negatória do pai presumido, segundo entendimento da jurisprudência dominante.

Atualmente, os artigos de nosso Código Civil que traziam tais discriminações encontram-se revogados pelo texto constitucional, bem como uma série de artigos da lei no. 883/49 que dispunham sobre os direitos garantidos ao filho adulterino e as condições para a concretização dos mesmos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente ( lei no. 8.069/90 ) disciplina a matéria constitucional sobre a filiação.

III. IV.AS MODIFICAÇÕES ADVINDAS NA LEGISLAÇÃO CIVIL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Com a eliminação das discriminações com relação a pessoa dos filhos, todo artigo que antes fazia menção a situação: legítima, ilegítima ou adotiva, tem seu texto modificado pela Constituição Federal de 1988, ficando assim entendidos:

1) não mais sendo aceita a discriminação entre os filhos, o artigo 178, § 9, VI, do Código Civil, perde a adjetivação ‘natural’, estendendo-se a todos os filhos a ação e o referido prazo prescricional;

2) no artigo 184, parágrafo único, do Código Civil, ainda lemos as expressões ‘natural’ e ‘espúria’, banidas do ordenamento jurídico com a Constituição de 1988; da mesma forma no artigo 185, onde o legislador refere-se ao filho legítimo. Devem ser ignoradas tais designações;

3) a norma do artigo 186, parágrafo único, do Código Civil, deve ser interpretada levando em conta o princípio da igualdade dos cônjuges dentro da sociedade conjugal, bem como a igualdade entre os filhos. Sendo assim, existindo divergência no consentimento para o casamento do filho, caberá ao Poder Judiciário dirimir a contenda; sendo o filho reconhecido apenas por um dos pais, este será o autorizado a conceder a permissão; não sendo reconhecidos os genitores, deverá ser nomeado um tutor para o mesmo e este será responsável por seus atos e capaz de autorizá-lo ao matrimônio;

4) a última parte do artigo 200, § 4º, do Código Civil, deixa de ter sentido diante da isonomia entre os filhos;

5) o artigo 203, do Código Civil, no que diz respeito a posse do estado de casados, perderá o seu valor se intentar a chamada legitimação do filho, já que diante do novo texto constitucional todos são iguais, sem as distinções pretéritas;

6) também a prova da celebração do casamento, não mais será aplicada para garantir direitos à prole, sendo este garantido por norma constitucional, sem qualquer discriminação;

7) o artigo 207 deve ter suprimida a expressão filhos;

8) o artigo 217, no que diz respeito a legitimidade dos filhos também perde sentido frente à carta Magna de 1988 que os iguala, encontrando-se assim ab-rogado;

9) derrogado encontra-se o artigo 221, do Código Civil, que previa o benefício da legitimação da prole advinda de casamento putativo. Diante da nova Constituição não existe mais diferença entre os filhos e nem o antigo ‘benefício da legitimação’;

10) encontra-se ab-rogado o artigo 332, do Código Civil, por discriminar formas de parentesco;

11) da mesma forma, o artigo 336, do Código Civil, que criava um parentesco civil entre o adotante e o adotado, não vinculando este último aos parentes do primeiro. Segundo nossa atual Constituição, todos os filhos são iguais, não cabendo qualquer distinção entre eles;

12) todos os artigos que faziam distinção entre os filhos, havidos ou não de um casamento válido, encontram-se ab-rogados. São os artigos 337, 338, 339, 340, 341, 342 e 343, do Código Civil;

13) os artigos que disciplinam a comprovação da filiação legítima ( arts. 346, 347, 348, 349, 350 e 351, do Código Civil ) passam a ser interpretados de acordo como o novo texto constitucional. Sendo assim, não subsiste o aforismo "Mãe certa, pai incerto" não bastando mais a confissão de apenas um dos genitores para excluir a paternidade ou a maternidade; a prova da filiação se faz por meio de certidão inscrita no Registro Civil, devendo o mesmo ser alterado somente após comprovação de erro ou falsidade. No mais, subtraída fica a expressão ‘legítima’;

14) os artigos que se referem à legitimação não encontram abrigo legal diante da isonomia constitucional que iguala todos os filhos. Assim sendo, os artigos 352 a 354, do Código Civil, encontram-se ab-rogados;

15) a expressão ‘ilegítimo’ deverá ser subtraída do artigo 355 do Código Civil, bem como o reconhecimento será admitido por qualquer um dos genitores, conjunta ou separadamente;

16) retiram-se do artigo 357 do Código Civil, todas as expressões discriminatórias sobre a filiação;

17) o artigo 358 do Código Civil, encontra-se ab-rogado, sendo o reconhecimento um direito estendido a todos os filhos, sem qualquer discriminação;

18) da mesma forma, o artigo 359 do Código Civil se encontra ab-rogado;

19) a guarda prevista no artigo 360 do Código Civil, passará a ser exercitada da seguinte maneira: se o filho for reconhecido por ambos os genitores, a guarda do mesmo será conjunta; se o for apenas por um, a guarda será do que o reconhecer;

20) retiram-se do artigo 363, incisos I e II, do Código Civil, todas as expressões referentes à ilegitimidade dos filhos;

21) o artigo 364 do Código Civil, que vedava a investigação de maternidade para reconhecimento de filhos considerados ilegítimos, é flagrantemente inconstitucional, motivo pelo qual acha-se ab-rogado;

22) também encontra-se ab-rogado o artigo 367 do Código Civil que estabelece o reconhecimento dos filhos ilegítimos resultantes de casamento putativo, não prevalecendo mais as distinções;

23) os artigos 368 a 377, do Código Civil, que fazem alusão à adoção civil, encontram-se ab-rogados pelo novo texto constitucional, não existindo compatibilidade do instituto com a nova realidade advinda com a Carta de 1988;

24) o artigo 379 do Código Civil deve ser estendido a todos os filhos, havidos ou não de casamento, não comportando a distinção feita entre os mesmos;

25) no artigo 383 do Código Civil, duas alterações deverão ser feitas, por ferirem a igualdade prevista em sede constitucional: a primeira no que diz respeito ao exercício do pátrio-poder, que será deferido também a genitora; a segunda, na palavra ‘ilegítimo’ que deverá ser suprimida do texto legal;

26) nova leitura deverá ser feita do artigo 405. Hoje, frente a isonomia constitucional, qualquer filho, desde que reconhecido, poderá pleitear alimentos de seus genitores;

27) perdeu o sentido o artigo 1.605, §§ 1º e 2º, do Código Civil, por fazerem distinção entre os filhos na ordem de vocação hereditária, estabelecendo que tanto os legítimos, como os legitimados, naturais e adotivos, equiparavam-se para fins de recebimento de herança. Diante da Carta de 1988 os filhos não são equiparados, mas iguais;

28) o artigo 1.609 do Código Civil e seu parágrafo único encontram-se ab-rogados pelos mesmos motivos já expostos: os filhos são iguais sem qualquer distinção discriminatória;

29) no artigo 1.610 do Código Civil fica suprimida a expressão ‘ilegítimo’;

30) o artigo 1.618 do Código Civil encontra-se em desacordo com a norma constitucional que iguala todos os filhos, inclusive os adotivos, sendo assim, o novo entendimento é que os adotivos podem herdar dos parentes do adotante;

31) o artigo 45 da lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ), diante da vedação constitucional a qualquer discriminação a pessoa dos filhos, encontra-se ab-rogado;

32) os artigos 59, 60 e 61, da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ) encontra-se ab-rogado por referir-se ao filho ilegítimo;

33) as normas relacionadas à adoção plena encontram-se ab-rogadas pela nova Constituição, não valendo mais o procedimento do artigo 95 da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73);

34) o artigo 113 da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ) encontra-se ab-rogado;


Considerações finais

Em menos de cem anos, nossa sociedade e nosso Direito de Família sofreram profundas modificações em seus institutos.

Graças às grandes Guerras – e quem imaginaria que chegaríamos a agradecer por elas – a mulher mostrou-se para o mundo como um ser capaz de realizar atos, antes exclusivos do homem, travando sua batalha pelo reconhecimento e pela independência da autoridade masculina.

Saímos do opressor Direito patriarcal, onde a figura do homem era o centro do núcleo familiar, exercendo de forma despótica seu poder sobre a mulher, seus filhos e seu patrimônio, passando para um Direito humanizado e que prima pela isonomia e pelo respeito à vida, à dignidade humana, à liberdade.

Seguimos o raciocínio dos chamados Direitos Humanos, nos afastando daquele Direito preconceituoso de outrora e criamos uma nova ordem jurídica, mais humana, menos materialista, mais civilizada, menos brutal.

A transformação deu-se lentamente e por meio de dois instrumentos legislativos: primeiro com a alteração da posição da mulher, através da lei que ficou reconhecida como Estatuto da Mulher Casada; seguindo-se com a instituição do divórcio, com a lei no. 6.515 de 1977. Mas, somente com a Carta Magna de 1988 chegou-se ao ápice da mudança, social e legal.

Hoje, acompanhando o pensamento do douto Paulo Luiz Netto Lôbo [96], temos um novo Direito de família, que "deita suas raízes" nos princípios de dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, pluralismo de entidades familiares e elimina o elemento despótico.

Nossa Constituição Federal de 1988 cuidou de estabelecer como cláusula pétrea, a isonomia entre todos os cidadãos, não importando-se com a origem, a raça, o sexo, a religião ou a filosofia, ou a posição social. Todos são iguais.

Hodiernamente, não há mais que se falar em chefia dentro da sociedade conjugal, pois a mulher provou que não é um ser débil, incapaz de reger a própria vida e a de seus filhos, nem mais aceita a posição de mera coadjuvante do homem, passando a administrar com ele a sociedade conjugal.

Os filhos, não mais se sujeitam às incongruências da lei, que vedavam aos chamados espúrios o reconhecimento da paternidade e da maternidade, ferindo assim o princípio da dignidade humana, pois não há nada mais indigno e infamante do que não poder saber suas origem e não poder pleitear à Justiça, que a todos e a tudo acolhe, os direitos ofertados aos que a lei tinha por legítimos.

Evoluímos e abandonamos o antigo modelo familiar, legado dos Direitos Romano, Germânico e Canônico, criando um novo modelo, mais real, mais em conformidade com os anseios sociais, pois esta é a função do Direito. Com três dispositivos constitucionais, promovemos uma reviravolta no Direito de Família e mexemos com os institutos que acreditávamos imutáveis: o casamento, a filiação e a chefia da sociedade conjugal.

A Carta Constitucional de 1988 revolucionou o Direito de Família, colocando abaixo as suas estruturas já corroídas pelo tempo, edificando novos pilares, mais sólidos e resistentes.

Hoje, a família, base da sociedade desde os mais remotos tempos, não mais precisa recorrer-se ao casamento para legitimar-se, sendo respeitada e protegida pelo Estado àquela nascida pela livre e espontânea vontade dos conviventes; não deixou o casamento de ser aquele ato formal, gerador de efeitos e emanador de direitos e deveres familiares, mas deixou de ser o requisito fundamental para o surgimento da família e ao reconhecer esta realidade em sede constitucional, o legislador avançou significativamente, permitindo que milhares e milhares de famílias, antes sem amparo legal, encontrassem guarida no novo ordenamento jurídico. Reconheceu-se com a Carta de 1988 a realidade social e a importância das chamadas uniões livres, que por muito tempo não foram protegidas pela lei por serem consideradas uma afronta ao sistema familiar brasileiro, mas que geravam efeitos no mundo jurídico que não podiam mais ser ignorados como havia sido feito em tempos antigos. Graças a ousadia do constituinte, hoje, os filhos são todos iguais, não comportando mais qualquer distinção, não sofrendo mais com o estigma social da discriminação. Da mesma forma, o homem e a mulher encontram-se em pé de igualdade, não aceitando-se mais a prevalência masculina, visto que ambos são capazes e iguais perante a lei.

Temos uma família mais igualitária, libertária, solidária e fraterna, no dizer de Sérgio Gischkow Pereira [97]; menos hipócrita, primando pela sinceridade e pelo companheirismo, sem a opressão e a prepotência passadas.

A família transformou-se e a sociedade sentiu os reflexos desta mudança.

Sintetizando este trabalho, podemos dizer que:

a) A família moderna não mais sujeita-se ao casamento civil para receber o amparo estatal, sendo considerada "Entidade Familiar" toda a união estável entre um homem e uma mulher, bem como toda a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes;

1) hoje, o artigo 229, do Código Civil, é inconstitucional, devendo ser abstraídas todas as discriminações dele advindas, seja com relação à família, seja com relação aos filhos;

2) não mais subsiste a expressão ‘legítimos’ no artigo 460 do Código Civil;

3) ab-roga-se o parágrafo único do artigo 14 da Lei do Divórcio ( lei no. 6.515/77 ) que estabelece a legitimidade dos filhos oriundos de casamento putativo;

4) o divórcio passa a ter um novo prazo, não prevalecendo a regra dos artigos 25 e 36 da lei do Divórcio( lei no. 6.515/77 );

5) o artigo 54, § 7º, da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ) que exige a designação do cartório onde o casamento se realizou e a idade da genitora, para fins de registro do filho, encontra-se ab-rogado pela Carta de 1988 por não exigir mais o casamento para legitimação dos filhos, sequer subsistindo esta expressão;

b) Não há mais a existência de um cabeça ou chefe dentro da sociedade conjugal, cabendo ao homem e a mulher, conjuntamente, a administração da unidade familiar, derrogando-se assim todos os dispositivos que garantiam ao homem prerrogativas negadas à mulher e não existindo mais sentido a prevalência de direitos e deveres próprios de um ou de outro;

c) Os filhos nascidos ou não de uma relação fundada no casamento civil não podem mais ser discriminados com as qualificações: legítimo, ilegítimo ou adotivo, nem cabem mais restrições a legitimação dos espúrios.


Notas

01. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Direito de Família, vol. V, p. 16 - 17

02. op. Cit., p. 92

3. op. Cit., p. 38

4. In Direito de Família, p. 19

5. Passim, "A Família em Mutação", Segismundo Gontijo

6. Cf. Foustel de Coulanges ( La Cité Antique, 18. Ed., Paris, 1903, p.55 ) apud Silvio Rodrigues, Direito Civil, Direito de Família, 6º volume, p. 332

7. A "voz de sangue", sucumbia diante da "voz do nome da família"; o Imperador César, ao adotar Otávio, não só permitiu que o mesmo se tornasse seu sucessor ao Império como o condecorou com o título de Augusto.

8. Caio Mário da Silva Pereira, op. Cit., p. 13

9. Pontes de Miranda, Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, p. 56

10. Caio Mário da Silva Pereira, op. Cit., p. 18 – 19

11. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito de Família, 5º volume, p. 37

12. Jeferson Daibert, Direito de Família, p. 36

13. Diogo Leite de Campos, "A Nova Família", In, Direitos de Família e do Menor, p. 20

14. Arnoldo Wald, O Novo Direito de Família, p. 90

15. Maria Helena Diniz, op. Cit., p. 37 - 38

16. Arnoldo Wald, op. Cit., p. 69

17. In Curso de Direito Civil, Direito de Família, 2º vol., p. 16 - 17

18. op. Cit. p. 165

19. comentários ao artigo 229, p. 218

20. p. 36

21. Orlando Gomes, op. Cit., p. 46

22. Segismundo Gontijo, em sua monografia "Do Instituto da União Estável", assim entende: "(...) a Constituição, simplesmente, evitou ser repetitiva do termo família usado no caput, variando nos parágrafos 3º e 4º com o eufemismo entidade familiar que, na verdade, é a mesma família."

23. Passim, "Do Instituto da União Estável", Segismundo Gontijo

24. Antônio Carlos Mathias Coltro, "A união Estável no Direito Projetado – o Código Civil", In Repertório de Doutrina sobre Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e processuais, vol. 4, p. 36

25. In Direito de Família, p. 22

26. op. Cit. p. 250

27. Arnoldo Wald, op. Cit., p. 204

28. In direito de Família, p. 40

29. Teoria francesa que exigia a comprovação, não só da convivência, mas da sociedade entre os conviventes demonstrada através da participação extraconcubinária na aquisição patrimonial a título oneroso.

30. Passim, "Dos atuais tipos de união e das sociedades decorrentes", Segismundo Gontijo

31. Adahyl Lourenço Dias, op. Cit., p. 64

32. O jurista Yussef Said Cahali não acompanha este entendimento, defendendo que os casos relativos às uniões concubinárias ou sociedades de fato devem ser dirimidos pela juízo comum, isto é, pela vara cível. ( "Do Direito de Alimentos no concubinato" In Direitos de Família e do Menor, p. 220 )

33. op. Cit., p. 42 -43

34. In Repertório de Doutrina sobre Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e processuais - "O Patrimônio dos conviventes na União Estável – análise do art. 5º da Lei 9.278/96", p. 93

35. Julgando o RE 83.930, cujo relator foi o Ministro Antônio Néder, o STF distinguiu a concubina da companheira, firmando a posição defendida por Arnoldo Wald, desde 1960 e por Humberto Theodoro Júnior, hoje consagrada pelo STJ – "concubina seria a mulher com quem o adúltero tem encontros periódicos fora do lar e a companheira aquela com quem o varão, separado de fato da esposa, ou mesmo de direito, mantém convivência more uxorio."

36. Apud Eduardo Cambi, "Premissas Teóricas das Uniões Extramatrimoniais no contexto da tendência de personificação do Direito de Família" In Repertório de Doutrina sobre Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e processuais, vol. 4, p. 130

37. op. Cit., p. 40

38. op. Cit., p. 108

39. Pontes de Miranda, Tratado do Direito de Família, vol. I, p. 55

40. Datado de 24 de janeiro de 1947, tendo como relator o Ministro Hahnemann Guimarães, in RF 112/417

41. Consolidou-se a valorização da contribuição indireta da companheira na constituição e no aumento do patrimônio da sociedade de fato.

42. Áurea Pimentel Pereira critica severamente esta atitude do legislador ao dispensar a existência de prole; segundo ela: " Não se pode alcançar como pode o legislador constituinte reconhecer na simples união, posto que estável do homem e da mulher, sem presença de filhos – ausente portanto, qualquer idéia de parentesco – a existência de uma entidade familiar(...)", op. Cit., p. 23 – o pensamento da autora segue a linha de raciocínio de Clóvis Bevilaqua, para quem a família é constituída para a reprodução e a criação dos filhos ( op. Cit., p. 20 )

43. No dizer da Desembargadora Áurea Pimentel Pereira: "A matéria fere fundo o interesse de todas as camadas sociais.", op. Cit., p. 8

44. Adahyl Lourenço Dias, A Concubina e o Direito Brasileiro, p. 10

45. Arnoldo Wald, op. Cit., p. 216 a 229

46. Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos Patrimoniais do Concubinato, p. 25 a 30

47. op. Cit. p. 30.

48. Acórdão do tribunal de Justiça gaúcho que reconheceu incidentalmente o direito a alimentos na dissolução de uma sociedade de fato onde o requerente era um homem ( 3ª câmara, 6/10/88, RJTJRS 136/139 ) – posteriormente a 8ª Câmara do mesmo tribunal reconheceu que com a Constituição de 1988 a união estável equiparou-se à família e fez surgir o direito a alimentos entre os companheiros – decisão: "Concubina. Alimentos. Cabimento. Alimentos à concubina. Com o advento da carta Constitucional, que deferiu à união estável proteção estatal, comprovada sua existência, exsurge a obrigação alimentar entre ambos. Recurso provido por maioria." ( TJRS, Ap. Civ. No. 590069308, IOB Jurisp. No. 3/6338 )

49. "Do Direito de alimentos no concubinato " In Direitos de Família e do Menor, p. 220 e ss

50. J. Franklin alves Felipe em sua obra "adoção, guarda, investigação de paternidade e concubinato" diz-nos o seguinte: "A união estável em nada se confunde com o casamento. O casamento é ato jurídico; a união estável é situação de fato, com relevância jurídica.", p. 100

51. apud Claudia Grieco Tabosa Pessoa, op. Cit., p. 127

52. Ibid., p. 101

53. Passim, " A mulher casada e a concubina: a propósito da lei no. 8.971, de 29.12.1994"

54. Artigos 1.177, 1.474 e 1.719, III

55. RE no. 88.873-0-Sp, 1ª Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, em 11.11.1980.

56. Apelação no. 29.849, Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, em 22.11.1979, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, TJ-RS, vol. 275/246

57. Segundo apelação julgada pelo desembargador Reynaldo Alves, do Tribunal Catarinense, o que o Código Civil protege é a família juridicamente constituída e subsistente, não a que já se desfez, logo, a companheira de um homem separado de fato forma com ele uma família e deve ser protegida pela lei ( Ap. no. 14.411, 3ª Câm. Civ., TJ-SC – 03.07.1079, RF, vol, 274/239 )

58. Revista Veja de 2 de maio de 2001, Sociedade - "Vanguarda Gaúcha – Rio Grande do Sul assume a dianteira do país na defesa dos direitos dos gays", por Tatiana Chiari, p. 73

59. op. Cit., p. 33

60. Passim, "A família em mutação", Segismundo Gontijo

61. Adahyl Lourenço Dias, op. Cit., p. 49

62. José Abreu, O Divórcio no Direito Brasileiro, p. 13

63. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 206

64. In Repertório de doutrina sobre Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e processuais, vol. 4, p. 304 a 321

65. "Algumas reflexões sobre a Igualdade dos Cônjuges", In Direitos de Família e do menor, p. 117

66. Áurea Pimentel Pereira, op. Cit., p. 37

67. Passim, O Império Romano, in História da Vida Privada, Paul Veyne

68. In Direito de Família, p. 40

69. Cf. C. da Rocha, In Silvio Rodrigues, apud Jefferson Daibert, In Direito de Família, p. 130

70. In Direito de Família, p. 122

71. In Direitos de Família e do Menor, p. 69

72. Áurea Pimentel Pereira, op. Cit. 41 - 42

73. Por Tatiana Chiari, Revista Veja de 3 de maio de 2000, Texto "Os donos-de-casa" p. 91

74. Passim, "Igualdade Conjugal", Segismundo Gontijo

75. op. Cit., p. 124, 125 e 139

76. Maria Helena Diniz, op. Cit., p. 101

77. Áurea Pimentel Pereira, op. Cit., p. 52

78. op. Cit., p. 124 - 125

79. op. Cit., p. 109 - 110

80. Passim, Alterações Constitucionais nos Direitos de Família e Sucessões, Pedro Sampaio

81. Cf. RDA 128/220, In Curso de Direito Constitucional Positivo, José Afonso da Silva, p. 222.

82. Cfe. p. 92 apud Áurea Pimentel Pereira, op. Cit., p. 47

83. op. Cit., p. 80

84. Lembra-nos o Ilustre Des. Murillo Fábregas, em seu voto vencido na Ap.5.646/89, que o benefício foi garantido em uma época em que a mulher era considerada inferior ao homem, tentando assim o instituto compensá-la de uma desvantagem que não pode persistir diante do princípio de isonomia previsto na Constituição de 1988, não sendo aceito portanto a existência de bens reservados à mulher dentro da sociedade conjugal.

85. Op. Cit., p. 121

86. Op. Cit. p. 98

87. passim, Pedro Sampaio, Alterações Constitucionais nos Direitos de Família e Sucessões,

88. "O Exame de DNA: Reflexões sobre a prova científica da filiação", In, Repertório de Doutrina sobre Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e processuais, vol. 4, p. 188

89. Hoje, após o multiplicar das ciências, a presunção gerada pelo casamento, criada no Direito Romano, se desfaz frente exames como o de DNA que determinam a paternidade com 99,999999999%, ou seja, praticamente sem erros. O Professor José Maria Marlet, em um ensaio à Revista de Direito Civil, afirmou: "is est pater quem sanguis demonstrant" parafraseando o citado românico ( Revista de Direito Civil, no. 54, p. 28 )

90. Arnoldo Wald, op. Cit., p. 172

91. Orlando Gomes, op. Cit., p. 331

92. op. Cit., p. 325

93. op. Cit. p. 144

94. Jefferson Daibert, na obra ‘Direito de Família’, de 1980, declara que reconhecer o incesto ‘Seria uma monstruosidade, seria atentar contra os mais sagrados princípios da moral, da religião e da própria sociedade constituída, como garantia de sua preservação.", p. 270. O pensamento é aceito por tratar-se de texto produzido antes da edição da Carta de 1988, mas hodiernamente se encontraria eivado de inconstitucionalidade.

95. "(...) I - Em face da nova ordem constitucional, que obriga o princípio da igualdade jurídica dos filhos, possível é o ajuizamento da ação investigatória contra genitor casado. II – Em se tratando de direitos fundamentais de proteção à família e à filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese literal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o desenvolvimento social e a evolução jurídica. (Decisão no Resp 7.631, de 17.09.1991. sendo relator o eminente Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)

96. op. Cit., p. 313

97. "A Igualdade Jurídica na Filiação biológica em face do novo sistema de Direito de Família no Brasil" In Repertório de Doutrina sobre Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e processuais, vol. 4, p. 400


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Simone Clós Cesar. As inovações constitucionais no Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3192. Acesso em: 26 abr. 2024.