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A ação acidentária civil e sua utilização na ação trabalhista

A ação acidentária civil e sua utilização na ação trabalhista

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A prova é comumente utilizada pelo trabalhador quando a ação acidentária lhe é favorável, mas raramente o empregador a utiliza no sentido inverso.

"Jamais dois homens julgaram igualmente a mesma coisa; é impossível verem-se duas opiniões exatamente iguais, não somente em homens diferentes, mas no mesmo homem em horas diferentes." Michael Montaigne.


1. O TEMA:

O que nos leva a dissertar sobre o presente tema é a invariável simbiose entre a propositura por empregado, ou mais comumente por desligado, de ação acidentária em Vara Federal ou Estadual, pretendendo benefício negado na via administrativa pelo órgão previdenciário e, concomitantemente ou ato contínuo, ingresso de ação trabalhista com pedido de indenização por dano moral e/ou pensão mensal (dano material) por conta da mesma alegada doença nas duas vias judiciais.

Quando o empregado for vitimado por um acidente de trabalho, ele tem a faculdade de buscar indenização de duas maneiras distintas.

A primeira refere-se à indenização acidentária, em face da Previdência Social, através da qual o empregado busca o recebimento de benefícios previdenciários, como o auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão e aposentadoria. Por seu turno, a outra via refere-se à indenização civil em face do empregador, na qual se busca a reparação civil dos danos materiais e/ou morais decorrentes do infortúnio que sustenta ter sofrido.


2. A COMPETÊNCIA:

Com o advento da Constituição Federal, em especial com a previsão do Artigo 114 da mesma, veio a Justiça do Trabalho a ter sua competência ampliada, tendo abrangido todas as relações de emprego, abrindo-se caminhos antes não percorridos, tais como para o julgamento de Ações Indenizatórias decorrentes de relação de emprego.

No tocante às ações judiciais de natureza previdenciária a competência é da Justiça comum (há casos em curso nos juizados especiais), desde que vise tão somente a concessão do benefício previdenciário e, em casos de acidente de trabalho por força da relação de trabalho, é de competência de a previdência conceder ao acidentado os benefícios previdenciários devidos ou requeridos e indeferidos.

Todavia, conforme disposto na Carta Magna, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, não tira a possibilidade do empregado em requerer uma indenização em face daquele, especialmente quando a empresa incorrer em dolo ou culpa.

Tal disposição encontra-se positivada e regulada pelo Decreto 3049/99, especialmente em seu artigo 338, que dispõe de forma expressa que a empresa "é responsável pela adoção e uso de medidas coletivas e individuais de proteção à segurança e saúde do trabalhador sujeito aos riscos ocupacionais por ela gerados”.

Logo, nesses casos o empregador pode responder pelas indenizações pertinentes a enfermidade acometida ao empregado, seja de cunho material ou mesmo moral. Nesse caso a justiça competente para julgar a lide é a trabalhista, nos termos do que dispõe o artigo 114 da Constituição Federal, que foi modificado pela Emenda Constitucional n°: 45/2004.

Diante disto, como acima afirmado, poderá o empregado, em caso de acidente de trabalho, ajuizar duas ações judiciais de cunho indenizatório. Uma contra o INSS com o objetivo do receber benefício previdenciário e outra de indenização contra seu empregador, tendo por finalidade o ressarcimento de danos morais/materiais sofridos em decorrência de atos ilícitos da tomadora de seus serviços, o que dependerá essencialmente de prova técnica, qual seja, laudo pericial idôneo e imparcial.

Nesta linha, a Justiça Comum Estadual ou por vezes o Juizado Especial Federal, é o órgão competente para julgar a ação contra o INSS, nos termos da exceção proposta no artigo 109, I, da Constituição Federal, e as ações em face do empregador, apesar de também terem caráter indenizatório civil, serão julgadas pela Justiça do Trabalho, pois decorre de relação de trabalho nos termos do artigo 114 da Constituição Federal.


3. O CONCEITO DE ACIDENTE E DOENÇA PROFISSIONAL:

Registre-se de passagem, o conceito de acidente de trabalho, que se define como aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos nos incisos VII do art. 11 da lei previdenciária, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (Lei n° 8.213/91 - plano de benefício da previdência social), em seus arts. 19 a 23, normatizada pelo regulamento da previdência social, aprovado pelo decreto n° 3.048, de 06.05.99, nos artigos 104 e 336 a 346”.

Portanto, o atual conceito de acidente de trabalho, conforme dispõe a Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991 é o seguinte, “in verbis”:

Art. 19 É o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art.11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

A partir da referida norma todas as doenças ocupacionais também passaram a ser equiparadas a acidentes, e estão taxativamente dispostas no que dispõe o artigo 20 da mesma lei.

Além disso, todas as empresas passaram a ter a obrigatoriedade de implantação de medidas de proteção e segurança da saúde do trabalhador, com o intuito de evitar a ocorrência de infortúnios. O empregador passou também a ser obrigado de comunicar qualquer ocorrência de acidente de trabalho diretamente à Previdência Social.

Como afirmado, a competência para processar e julgar as ações acidentárias em face do instituto de previdência social é da Justiça Comum Estadual, conforme exceção prevista no artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, corroborado pelo artigo 129, inciso II, da Lei n. 8213 /91. O mencionado artigo 129, inciso II, é taxativo ao disciplinar que os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados na via judicial pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal. Há também algumas ações movidas perante os juizados especiais federais com o mesmo intuito, por conta do valor da causa.


4. DA INÉRCIA PARA PEDIDO DO BENEFÍCIO ADMINISTRATIVA OU JUDICIALMENTE:

Os juizados especiais federais apreciam com frequência matérias atinentes às relações entre segurados e o órgão previdenciário. Recentemente (11.09.2014), a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) firmou tese sobre a configuração da ausência de interesse processual em ações que tratam da revisão de benefícios previdenciários. O colegiado entendeu que não se pode considerar que haja falta de interesse da parte apenas pelo fato de haver transcorrido mais de dois anos entre o ajuizamento da ação judicial e o indeferimento administrativo do benefício ou a cessação do pagamento.

Com efeito, o acórdão da Turma Recursal paulista havia confirmado a sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, considerando que faltou à requerente interesse processual. Segundo a decisão, “a autora deixou transcorrer período de tempo além do razoável para socorrer-se da via judicial”.

O juízo de 1º grau chegou a esse entendimento com base no fato de que transcorreram mais de dois anos entre a cessação do benefício de forma administrativa e o ajuizamento da demanda. Tanto a sentença quanto o acórdão basearam-se no entendimento de que a segurada, em lugar de propor as medidas necessárias ao afastamento do ato administrativo adverso, deixou transcorrer um período de tempo além do razoável para recorrer à Justiça.

A segurada apresentou recurso à TNU alegando a divergência dessa decisão com a súmula 85 do STJ. A ideia é que, uma vez que o STJ considera como prescritas apenas as parcelas anteriores aos cinco anos que antecedem o ajuizamento de uma ação, fica implícito que “permite-se entrar com a ação a qualquer tempo, mas com a única ressalva de poder cobrar apenas os últimos cinco anos que a antecedem”.

O relator do processo na TNU, juiz federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, considerou que, se o julgador concentrar o reconhecimento da ausência de interesse processual apenas no decurso de tempo entre a alegada lesão ao direito e o ajuizamento da ação, haveria, na verdade, a configuração de uma situação análoga à prescrição do fundo do direito ou à própria decadência, tal como prevista no artigo 103, da Lei 8.213/91, o que impediria o enfrentamento do pedido de restabelecimento do benefício previdenciário.

“A falta do interesse processual, em sua principal vertente, qual seja, necessidade, implica justamente no reconhecimento da desnecessidade de o autor valer-se do Judiciário para alcançar o direito que diz possuir. (...) O acórdão recorrido, ao entender que falta ao autor interesse processual, por ter deixado escoar prazo razoável para ajuizar a ação, findou por fixar verdadeiro óbice ao próprio reconhecimento da existência do direito material vindicado pelo recorrente, a fechar-lhe, em definitivo, as portas do Estado-Juiz, fulminando a sua pretensão ou seu próprio direito, em situação, em tudo e por tudo, análoga à decadência ou prescrição”, esclareceu o magistrado.

Ainda segundo o relator, a lei estabelece prazos decadenciais e prescricionais, não havendo de se confundir estes casos com os de ausência de interesse processual, não se podendo, pois, entender carecedor do direito de ação, pela falta desse interesse, o beneficiário que ingressou em juízo dentro desse prazo. “Do contrário, estar-se-ia fixando, sem previsão legal e sob a roupagem da falta de interesse processual (carência de ação), prazo que findaria por sempre impedir o enfrentamento do pedido, em julgamento com força de definitividade, portanto, de mérito”, concluiu.

Com a decisão, o acórdão e a sentença sobre o caso da segurada restaram anulados e o processo retorna ao juízo de 1º grau para que outra sentença seja proferida, observados os termos da decisão da TNU (0009760-16.2007.4.03.6302).


5. DA POSIÇÃO DO STF QUANTO AO PEDIDO ADMINISTRATIVO PRÉVIO:

Também de se mencionar o Rext nº 631240 em tramite perante o Supremo Tribunal Federal onde o plenário em 27.08.2014 decidiu que a concessão de aposentadoria não pode ser requerida diretamente na Justiça, entendendo que a exigência do INSS no sentido de prévio requerimento administrativo, não fere garantia de livre acesso ao Judiciário prevista no art. 5º, inciso XXXV, da CF.

Com esse entendimento, o plenário do STF, por maioria, deu provimento a RExt do INSS, com repercussão geral reconhecida, contra decisão do TRF da 1ª região que concedeu aposentadoria rural a uma trabalhadora, que não havia feito o requerimento na via administrativa.

O ministro Barroso considerou que não há interesse de agir por parte do segurado que não tenha inicialmente protocolado seu requerimento junto ao INSS, pois a obtenção de um benefício depende de uma postulação ativa. Sustentou o MM. Ministro:

“Não há como caracterizar lesão ou ameaça de direito sem que tenha havido um prévio requerimento do segurado. O INSS não tem o dever de conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi desrespeitado é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido.”

O relator observou também que nos casos em que o pedido for negado, total ou parcialmente, ou em que não houver resposta no prazo legal de 45 dias, fica caracterizada ameaça a direito e, portanto, não há impedimento para o segurado que ingresse no Judiciário, antes que eventual recurso seja examinado pela autarquia.

Barroso explicou ainda que não há necessidade de formulação de pedido administrativo prévio para que o segurado ingresse judicialmente com pedidos de revisão de benefícios, a não ser nos casos em que seja necessária a apreciação de matéria de fato. Entendeu também que a exigência de requerimento prévio também não se aplica aos casos em que a posição do INSS seja notoriamente contrária ao direito postulado.

Ficaram vencidos o ministro Marco Aurélio, que abriu a divergência, e a ministra Carmem Lúcia, por entenderem que a exigência de prévio requerimento junto ao INSS para o ajuizamento de ação representa restrição à garantia de acesso universal à Justiça.

Na mesma assentada, representante da Procuradoria-Geral Federal apresentou sustentação em nome do INSS e argumentou haver ofensa aos artigos 2º e 5º, inciso XXXV, da CF, porque no caso teria sido garantido o acesso ao Judiciário, independentemente de ter sido demonstrado o indeferimento da pretensão no âmbito administrativo. Representantes da Defensoria Pública Geral da União e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP, admitidos no processo como “amicus curiae”, bem como o advogado da segurada manifestaram-se pelo desprovimento do recurso e enfatizaram, entre outros pontos, que as dificuldades de acesso ao INSS para uma parcela dos trabalhadores, especialmente os rurais, tornam desnecessário o prévio requerimento administrativo do benefício para o ajuizamento de ação previdenciária.

Atento à grande repercussão do recurso nas instâncias inferiores (há cerca de 8,6 mil processos idênticos), o relator, ministro Barroso, destacou a importância de se definir os próximos passos dos autores das ações sobrestadas e do próprio INSS e em 03.09.2014 o mesmo plenário do STF definiu as regras de transição a serem aplicadas aos processos judiciais sobrestados que envolvem pedidos de concessão de benefício ao INSS nos quais não houve requerimento administrativo prévio.

Foi acolhida a proposta apresentada pelo relator do recurso, ministro Barroso, relativa ao destino das ações judiciais atualmente em trâmite, sem a precedência de processo administrativo junto à autarquia Federal. O ministro ressaltou que os critérios são resultado de proposta de consenso apresentada em conjunto pela DPU e pela Procuradoria Geral Federal. A proposta aprovada divide-se em três partes, a saber:

(I) Para aquelas ações ajuizadas em juizados itinerantes, a ausência do pedido administrativo não implicará a extinção do feito. Isso se dá porque os juizados se direcionam, basicamente, para onde não há agência do INSS.

(II) Nos casos em que o INSS já apresentou contestação de mérito no curso do processo judicial fica mantido seu trâmite. Isso porque a contestação caracteriza o interesse em agir do INSS, uma vez que há resistência ao pedido.

(III) As demais ações judiciais deverão ficar sobrestadas. Nesses casos, o requerente do benefício deve ser intimado pelo juízo para dar entrada no pedido junto ao INSS, no prazo de 30 dias, sob pena de extinção do processo. Uma vez comprovada a postulação administrativa, a autarquia também será intimada a se manifestar, no prazo de 90 dias.

Se acolhido administrativamente o pedido, ou nos casos em que ele não puder ser analisado por motivo atribuível ao próprio requerente, a ação é extinta. Do contrário, fica caracterizado o interesse em agir, devendo ter seguimento o pedido judicial da parte. A data do início da aquisição do benefício, salientou o ministro Barroso, é computada do início do processo judicial.


6. DA PROVA EMPRESTADA ENTRE AS AÇÕES:

Feita esta digressão sobre o tema, voltamos à matéria de fundo quanto à prova emprestada nas ações trabalhista e acidentária. A utilização de prova emprestada é admitida na processualística nacional.  Vejamos julgados:

“EMENTA: PROVA EMPRESTADA. DOENÇA PROFISSIONAL CONFIGURADA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PENSÃO MENSAL. De esclarecer que ao juiz não está adstrito às conclusões obtidas no laudo do perito judicial para formar o seu convencimento, conforme dispõe o artigo 436 do CPC: "O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.", podendo, inclusive, caso entender por necessário, determinar a realização de nova perícia, "ex officio” (artigo 437 do CPC). Portanto, o Juiz pode decidir contrariamente à conclusão do Perito, caso haja provas nos autos que possibilitem a desconsideração do laudo pericial. O Sistema Processual Brasileiro, no tocante à valoração das provas, permite a formação de livre convencimento através da análise do conjunto probatório existente nos autos, conforme dispõe o artigo 131 do Código de Processo Civil. Assim, desconsidero o laudo pericial de fls. 243/257, eis que não espelhou a melhor técnica. E, considerando que existem nos autos elementos suficientes para formação do convencimento do Juízo, não há necessidade de realização de nova perícia. Na perícia elaborada pelo Médico, Dr. Mauro Abrahão Rozman constante às fls. 06/80, realizada nos autos do processo demandado pelo reclamante contra o INSS, que tramita perante 2ª Vara Cível da Comarca de Diadema/SP, processo nº 2215/08, concluiu o referido Expert Judicial, que "as atividades do autor podem ser consideradas como repetitivas, exigindo adoção de posições inadequadas de articulações de membros superiores, contratura estática de musculatura. Exige realização de força e, segundo equação de limite de peso máximo do NIOSH, pode ser considerada biomecânico, como de risco para lesões osteomusculares de membros superiores. A realização de força com posições inadequadas de punho pode ser considerada como de risco para artropatia. Essas conclusões corroboram para o estabelecimento do nexo causal, na dependência dos achados clínicos.". (fls.80) Concluiu o referido Expert Judicial, ainda que o "autor vem fazendo tratamento de LER desde 2005, com afastamento desde janeiro de 2007, realizando cirurgia, sem sucesso. O exame físico mostrou sinais de processo inflamatório atual com limitações funcionais.", caracterizando-se, dessa forma, a incapacidade definitiva, devendo o autor ser afastado de suas funções e readaptado para executar atividades que não impliquem em movimentos repetitivos de membros superiores, e, que as lesões apresentam redução de capacidade laborativa. (fls.74). Assim, prevalecem as conclusões periciais de fls. 67/80. Nesse contexto, fixo a perda de capacidade laboral como à base de 50% “(TRT-SP-2ª Região-Proc. 20120031203-Ac. 4ª Turma 20121320400-Rel. Desemb. Patricia Therezinha de Toledo).

“RECURSO ORDINÁRIO. PROVA EMPRESTADA. É eficaz no processo do trabalho quando enseja o pronunciamento prévio das partes (sob o crivo do contraditório) e diga respeito, especificamente, às condições semelhantes de prestação de trabalho, o que não ocorre no caso” (TRT-SP-2ª Região-Proc. 00961200203902002-Ac. 11ª Turma 20070397265-Rel. Desemb. Carlos Francisco Berardo-Publ. no DOE de 12.06.2007).

“PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. Embora sem previsão expressa na lei, a chamada prova emprestada encontra respaldo no direito constitucional à ampla defesa (art. 5º, LV, CF) e é de larga aceitação e manifesta utilidade no processo trabalhista, notadamente quando se trata de evidenciar condições de trabalho ou ambientais nocivas ou sob risco existentes na vigência do contrato de trabalho, e que tenham sido alteradas após o desligamento do empregado. A prova emprestada submete-se aos princípios da idoneidade e adequação, e às regras gerais da livre apreciação, consoante o sistema da persuasão racional adotado pelo nosso direito processual, formando o julgador a sua convicção com base nos elementos probatórios existentes nos autos (art. 131, CPC)” (TRT-SP-2ª Região-Proc. 00457199946202006-Ac. 4ª Turma 20050401810-Rel. Desemb. Ricardo Artur Costa E Trigueiros-Publ. no DOE de 01.07.2005).

“Processo: Nº  06122-2009-014-12-00-3  Ementa: PROVA EMPRESTADA. VALIDADE. É válida a utilização da prova emprestada desde que a parte desfavorecida tenha participado da sua colheita, tendo-lhe sido oportunizado o exercício do direito de defesa, em respeito ao princípio do contraditório e devido processo legal- Juíza Viviane Colucci - Publicado no TRTSC/DOE em 31-01-2012”.

Aduz o artigo 436, do Código de Processo Civil:

“O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.”

O citado dispositivo legal tem suporte no adágio latino “iudex est peritum peritorum” vale dizer: o juiz é o perito dos peritos, e é livre para valorar a prova pericial, segundo o artigo 436 do Código de Processo Civil. Assim, poderá o juiz com base na perícia já realizada a luz dos demais elementos probatórios do processo firmar sua convicção. Para o tema vejamos:

“Laudo pericial – Conclusão. Nos termos do art. 131 do CPC, o juiz apreciará livremente a prova, atentando aos fatos e circunstâncias dos autos, podendo inclusive, desconsiderar o resultado do laudo pericial (art. 436 do CPC), prova que também se submete ao sistema da persuasão racional utilizado pelo juiz na formação do seu convencimento. Nos casos em que mesmo diante de prova técnica que concluiu pela inexistência da periculosidade, desde que haja nos autos provas consistentes de que o empregado estava sujeito a riscos resultantes da proximidade com a energia elétrica. (TRT 10ª R – 1ª T. RO n° 358/2005.005.10.00-2 – Rel. Pedro Luiz V. Foltran – DJ 10.02.06 – p.07) (RDT 03 – Março de 2006).

Com base nestes preceitos de prova emprestada e valoração da prova, especialmente a técnica no caso em comento, tornou-se absolutamente comum o trabalhador sustentando doença profissional ou acidente, ingressar com ação trabalhista, acrescentando ao pleito dano moral e material em forma de pensão vitalícia, e valer-se de prova emprestada oriunda da Justiça Estadual ou Federal (Juizados Especiais) não submetida ao crivo do contraditório do empregador perante a Justiça do Trabalho.

Como invariavelmente as ações acidentárias são julgadas contra o órgão previdenciário sob a batuta de laudo pericial médico produzido nos autos da acidentária, muitos se valem destes autos para enriquecer sua prova técnica na esfera trabalhista.

Mas as ações acidentárias não têm qualquer participação do empregador. Lá não é chamado para defender seus interesses que, não se negue, são existentes, pois o requerente efetivamente foi seu empregado e, obtendo sucesso na acidentária, instruirá a ação trabalhista com a documentação que lhe favorecera.

O perito da ação acidentária dificilmente faz vistoria no local de trabalho até porque não lhe é determinada tal vistoria pelo MM. Juízo civil sendo que, na esfera trabalhista praticamente todos os laudos são precedidos de vistoria no local de trabalho para verificação das condições de labor do reclamante, podendo inclusive o empregador indicar assistente técnico para acompanhamento da produção regular da prova.

Ao nosso sentir não pode ser a prova emprestada objeto de balizamento para o julgamento da ação trabalhista de forma direta, uma vez que o laudo da esfera trabalhista também tem que ser produzido por perito de confiança do juízo não merecendo ser afastado por discussão judicial que envolve o Estado e o empregado e não o empregador em demanda de segmento diverso.

Neste passo, o laudo pericial elaborado nos autos do processo em trâmite perante a Vara de Acidentes de Trabalho não se presta a invalidar as conclusões do laudo pericial elaborado na esfera trabalhista já que neste é levado em consideração todo o histórico profissional do empregado.

 A jurisprudência firme não deixa dúvidas, senão vejamos:

“Prova pericial. Doença profissional. Laudo emprestado. Indeferimento. Nulidade não configurada. A juntada de laudo de outro processo, de outro juízo (estadual) e que envolve outra parte (INSS), não é decisivo para a solução da causa. Mais que isso, é prova que não foi submetida ao crivo do contraditório (na esfera trabalhista)... Contexto em que o indeferimento da juntada não encerra qualquer ofensa às garantias constitucionais do processo. Nulidade afastada” (TRT-SP-2ª Região-Proc. 00376200346402006-Ac. 11ª turma 20060680851-Rel. Desemb. Eduardo de Azevedo Silva-Publ. no DOE de 12.09.2006).

“Doença do trabalho. Ação acidentária. Danos Morais e Materiais. O fato de haver decisão em ação acidentária favorável à autora, com base em prova pericial, não vincula a decisão de ação indenizatória já que esta contém requisitos diversos quanto á responsabilidade subjetiva dependente da configuração da culpa do empregador” (TRT-SP-2ª Região-Proc. 00014000320065020311-Ac. 18ª Turma 20110170150-Rel. Desemb. Regina Maria Vasconcelos Dubugras-Publ. no DOE de 24.02.2011).

"RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. ...Da indenização por danos morais. O pedido de indenização por danos morais foi rejeitado pelo Juízo de origem, sob o fundamento de que a reclamante já sofria de perda auditiva quando de sua admissão na reclamada, e, portanto, ausente o nexo de causalidade entre a doença e a atividade por ela desenvolvida na ré (fl. 599). A recorrente insiste no diagnóstico da doença, bem como na validade do laudo pericial realizado nos autos da ação acidentária, sem, contudo, atacar os fundamentos da sentença (Súmula 422, TST). Nego provimento” (TRT-SP-2ª Região-Proc. 00501006320045020316-Ac. 10ª Turma 20110011907-Rel. Desemb. Marta Casadei MomezzoPubl. no DOE de 17.01.2011).

Não bastasse isso, de se perquirir se a prova emprestada foi juntada de forma legal, ou seja, nos estritos termos do artigo 397 do CPC, pois que, assim não sendo, não poderá o juízo permitir sejam os documentos carreados aos autos. Veja-se ementa exemplificativa da justiça laboral:

“PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO E DO CONTRADITÓRIO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. JUNTADA DE DOCUMENTO. Documento carreado aos de forma extemporânea não serve aos autos como supedâneo para se autorizar o deferimento dos pedidos elencados na exordial, sob pena de se incorrer em flagrante violação aos princípios da concentração, do contraditório e do devido processo legal. Recurso ordinário a que se nega provimento” (TRT-SP-2ª Região-Proc. 00612004320105020465-Ac. 18ª Turma 20110169853-Rel. Desemb. Regina Maria Vasconcelos Dubugras-Publ. no DOE de 24.02.2011).

Assim não sendo poderão e deverão ser desconsiderados e desentranhados dos autos os documentos juntados de forma ilegal.  


7. DAS DIFERENTES PERÍCIAS TRABALHISTA E ACIDENTÁRIA:

Quanto ao nexo causal, o laudo deve basear-se no conhecimento técnico-científico e empírico do perito e na Resolução CFM nº 1.488, de 11 de fevereiro de 1998, alterada pela Resolução CFM nº 1.810, de 14.12.2006, especialmente no que se refere ao seu artigo segundo, conforme segue:

“Resolução CFM 1.810 - Art. 2º; Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar”.

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I – a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;

II - o estudo do local de trabalho;

III - o estudo da organização do trabalho;

IV - os dados epidemiológicos;

V - a literatura atualizada;

VI - a ocorrência de quadro clínico ou sub-clínico em trabalhador exposto a condições agressivas;

VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;

VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores;

IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais sejam ou não da área da saúde.

A assertiva acima de que os laudos da acidentária favoráveis aos trabalhadores são por eles utilizados nas ações trabalhistas, não tem merecido no campo patronal a mesma atenção já que a utilização inversa é pouco ou nada valorada pelo empregador.

É que, realizada perícia na ação trabalhista favorável ao empregador, poucos tentam fazer este laudo chegar à ação acidentária, seja pelo envio do mesmo ao INSS através de sua área de recursos humanos para junta-lo ao processo acidentário, seja pelo ingresso da empresa na ação acidentária como terceiro interessado, já que ao empregador, nesta altura, interessa a paridade de armas, ou seja, laudos divergentes em ações dissonantes, em especial porque o empregado não é chamado à lide na ação acidentária.

Não há dúvidas de que o juízo competente para a ação acidentária não facilita o ingresso do empregador na ação através de seus advogados por entender patente ilegitimidade de parte, razão pela qual o laudo trabalhista pode chegar ao órgão previdenciário através de ofício encaminhado pelo setor de recursos humanos cabendo ao próprio órgão da previdência, interessado no deslinde da ação, já que esta surgiu por negativa administrativa de benefício, fazer chegar aos autos acidentários, o laudo trabalhista encaminhado pelo empregador.

Assim, as entidades patronais deveriam induzir seus representados a fazer uso racional de laudo trabalhista nas ações acidentárias se aquele lhe for favorável já que, o trabalhador invariavelmente assim procede na via inversa, dando ao juízo trabalhista, nesta hipótese um primeiro indício, talvez equivocado, de prova que somente será afastado se o laudo de perito de confiança do juízo trabalhista afastar aquela tese, especialmente por falta de vistoria no local de trabalho como retro se expendeu.

Aqui sempre se estará tratando de valores elevados já que os critérios para fixação de indenizações por dano moral e/ou material (pensão mensal vitalícia) representam significativo ônus para as empresas e, se laudos, sentenças e acórdão de ações acidentárias corroborarem tese sustentada por trabalhador de forma emprestada na ação trabalhista, as dificuldades para discussão do tema se mostram mais robustas.

Assim, como na esfera trabalhista o contraditório, ainda que vigente o princípio da hipossuficiência do trabalhador, se estabelece, pois o empregador atua nos autos o que não lhe é dado fazer na ação acidentária.

Há certa benevolência de nossa parte ao cravar a assertiva de que o contraditório está garantido na seara trabalhista posto que, as dificuldades recursais são enormes nesta esfera onde a busca da celeridade por vezes atropela o contraditório e a ampla defesa. Já dizíamos em artigo recente:

“LEI 13015/2014 E OUTRAS RESTRIÇÕES AOS RECURSOS: A intenção nobre da referida lei e outras tantas normas limitadoras de recursos é, segundo seus autores, inibir a procrastinação e induzir a celeridade processual, em que pese estipular o artigo 5º, inciso LV que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e RECURSOS a ela inerentes” (Grifamos). A Constituição Federal não seleciona recursos. Assevera que eles são cabíveis. A nova lei supra, assim como outros diversos e inúmeros dispositivos infraconstitucionais limitadores de atos recursais das partes, parecem sempre restringir o uso de recursos e nunca expandi-los, como se, todo e qualquer inconformismo com o decidido, mostrasse um “que” de interesse em retardar como se “retardar” não representasse maior incidência de juros e correção monetária. Em verdade, parece o legislador e os Tribunais estarem imbuídos no objetivo de deixar patente aos jurisdicionados e advogados: “Não venham à Brasília. Resolvam-se regionalmente. Seus recursos não regionais serão sistematicamente rejeitados. Se insistirem serão multados por procrastinação deliberada”. Então temos a máxima: Poucos processos, recursos à vontade na forma constitucional. Muitos processos, restrição recursal. Sustenta-se uma seleção de matérias de elevada indagação jurídica ou constitucional para apreciação dos tribunais de superior instância. Louvável. Mas e as injustiças infraconstitucionais? Vemos muitas, especialmente: quando os processos são julgados pelo quilograma errado (quantidade e não conteúdo); quando os julgamentos colegiados adquirem a forma de monocráticos. Passa longe a defesa da procrastinação. Não se apoia a falta de celeridade. O certo é que muitas decisões regionais transitam em julgado sem que a parte tenha conseguido sua apreciação nas cortes superiores posto que, interpretativas que são as restrições impostas, os recursos admitidos amplamente no artigo 5º, inciso LV da CF, são trancados em despachos e em acórdãos que não adentram ao mérito. Haverá alguma estatística que explicite quantos recursos são apreciados em seu mérito em superior instância? Os números devem ser impressionantes. Está posta a “ampla defesa”. Desde que regional. FERNANDO PAULO DA SILVA FILHO-ADVOGADO EM SP “in” http://www.lex.com.br/doutrina_25871626_LEI_13015_2014_E_OUTRAS_RESTRICOES_AOS_RECURSOS.aspx”.

E as decisões de difícil revisão recursal, já nos levaram a refletir sobre a realidade dos julgamentos. Temos visto atualmente que os juízes, principalmente os recém-admitidos nos quadros da magistratura tem se valido do seu livre convencimento não baseados na pura consciência e conhecimento jurídico, mas com fulcro, por vezes, na sua momentânea inserção pessoal e emocional.

É fato que a experiência dá ao magistrado uma melhor exposição do seu livre convencimento seja simplesmente pelo tempo transcorrido decidindo as questões, seja pela influência, quase sempre positiva, de seus pares mais antigos já que nas Varas, a solidão e a individualidade (ou individualismo) são grandes. 

Devemos temer juízes que olham para as partes ou seus patronos e prejulgam a questão em plena sessão. Devemos acreditar que o juiz fará sempre o melhor juízo da lide valendo-se de sua consciência de forma independente e livre de pressões sociais, patrimoniais, emocionais, etc., visando obter-se, se não a mais célere, a mais justa decisão, com grandes possibilidades de que seus pares mais experientes não se vejam obrigados a reformar a decisão por pura inexistência de juridicidade e/ou legalidade.

Dirão alguns que impossível ao juiz dissociar a questão jurídica que lhe é colocada da sua própria vivência pessoal. Talvez. Mas essa vivência deve se somar e não prevalecer quando da prolação da decisão já que a vivência de um grau destoa da outra, mas a lei deve sempre ser observada, pois ao final, trata-se de interpretação da Constituição e das leis pelos magistrados.

Não importa o volume de trabalho. Para a parte, seu caso é único e especial e a decisão proferida é a exteriorização plena da consciência e livre convencimento do magistrado naquele caso específico.

Cabe então a todos os atores envolvidos na controvérsia, trabalhista, acidentária ou ambas, fazer valer sua convicção por prova legítima, não podendo duas instâncias divergir quanto à conclusão da análise da prova técnica, sendo o caso, talvez, de noticiada uma ação na outra, decretar-se a suspensão de uma delas (Artigo 265, inciso IV, letra “a” do CPC) até que o transito em julgado de uma sele o destino da outra cabendo a cada qual o direito ao devido processo legal e ao contraditório, na forma constitucional vigente.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA FILHO, Fernando Paulo da. A ação acidentária civil e sua utilização na ação trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4316, 26 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32628. Acesso em: 5 maio 2024.