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As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal

As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal

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A fixação da pena-base, sob a luz das circunstâncias judiciais, é o momento em que o sistema penal volta sua atenção ao indivíduo tal como ele é, com todas as suas reais imperfeições.

1. INTRODUÇÃO

O princípio da individualização da pena está consolidado na ordem constitucional no artigo 5°, inciso XLVI, consagrando que ‘’a lei regulará a individualização da pena.’’

Tal princípio tem papel fundamental no estudo da aplicação da pena. Para Guilherme de Souza Nucci:

“A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou mesmo corréus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da ‘mecanizada’ ou ‘computadorizada’ aplicação da sanção penal, prescindindo da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido, sem dúvida, injusto.” (NUCCI, 2009, p. 34).

Consta do item 49 da exposição de motivos do Código Penal que:

Sob a mesma fundamentação doutrinária do Código vigente, o Projeto busca assegurar a individualização da pena sob critérios mais abrangentes e precisos. Transcende-se, assim, o sentido individualizador do Código vigente, restrito a fixação da quantidade da pena, dentro de limites estabelecidos, para oferecer ao arbitrium iudices variada gama de opções, que em determinadas circunstâncias pode envolver o tipo da sanção a ser aplicada.

O princípio da individualização da pena, ao mesmo tempo que assegura a discricionariedade do juiz para a aplicação da reprimenda, também garante que esta não seja exacerbada, ultrapassando os limites e critérios pré-estabelecidos

E é a segunda fase de individualização da pena que será objeto de uma análise mais profunda do presente estudo, haja vista que é nela que são apreciadas pelo juiz as circunstância judiciais do artigo 59 do Código Penal. É a fase em que cabe ao julgador impor no plano concreto qual é a exata reprimenda capaz de cumprir as finalidades da pena, quais sejam, de uma suficiente reprovação e prevenção do crime.

A aplicação e individualização da pena é uma atividade conjunta da lei e do julgador, pois, uma vez capitulado o crime – culpabilidade do fato – o julgador levará em conta condições subjetivas e objetivas, respectivamente relacionadas ao sentenciado e à prática da conduta criminosa.

A aplicação da pena não é completamente livre de vínculos, obedece a critérios estabelecidos pelo legislador ou pela doutrina, que dizem respeito à dignidade da pessoa humana e a função garantista do sistema penal.

  Sobre esta fase, afirma Luiz Regis Prado que:

“A individualização judiciária da sanção penal implica significativa margem de discricionariedade, que deverá ser balizada pelos critérios consignados no art. 59 do CP e pelos princípios penais de garantia (discricionariedade juridicamente vinculada). Na determinação da pena, cumpre o juiz nortear-se pelos fins a ela atribuídos (retribuição, prevenção geral e prevenção especial). Demais disso, é imprescindível a observância, pelo juiz, do dever processual de motivação e da obrigação jurídico-material de fundamentação do ato decisório.” (PRADO, 2007, págs. 242 e 243).

O critério trifásico de aplicação de pena, defendido por Nelson Hungria, foi consagrado pela jurisprudência e, posteriormente, pela nova Parte Geral do Código Penal, Lei 7.209/84.

O item 49 da exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal explicou a razão do acolhimento do critério das três fases:

“Decorridos quarenta anos da entrada em vigor do Código Penal, remanescem as divergências suscitadas sobre as etapas da aplicação da pena. O Projeto opta claramente pelo critério das três faces, predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se, inicialmente, a pena-base, obedecido o disposto no art. 59; consideram-se, em seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes; incorporam-se ao cálculo, finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira instância, o quantum da majoração decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão essa parte da sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no processo mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude de garantia constitucional da ampla defesa”.

Dispõe o artigo 68 do Código Penal que:

“Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.”

A primeira fase de aplicação da pena consiste na aferição da pena-base, de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do Código Penal, segundo o qual “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”:

“I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III -o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV- a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie, se cabível”.

Fixada a pena-base, na segunda fase serão aplicadas as circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61, 62 e 65, todos do Código Penal.

Na ultima fase, o juiz aferirá a existência de causas de aumento ou de diminuição da pena, aplicando-as ao resultado obtido nas fases anteriores.

Após a fixação da pena concreta e definitiva, o julgador estabelecerá o regime inicial de cumprimento e analisará o cabimento da substituição da pena privativa da liberdade por restritiva de direitos, ou, ainda, da suspensão condicional da pena.


2. DESENVOLVIMENTO

As Circunstâncias do artigo 59 do Código Penal:

Para compreensão do conceito de circunstâncias, são válidas as anotações de Ariosvaldo de Campos Pires:

“Por circunstâncias (vem de circum e stare, ou seja, estar em volta) do crime compreendem-se referentes ao momento da ação, suas particularidades e nuances que importam em pesar a favor ou contra o réu (comedimento, insensibilidade, nobreza, vileza). Não podem alcançar as circunstâncias que são expressamente referidas com legais, como a menoridade de 21 anos o a maioridade de 70 anos.” (PIRES, 2005, vol. I, p. 278)

Segundo Sérgio de Andréa Ferreira, “circunstâncias judiciais são aquelas que o juiz, no processo de aplicação da pena, qualifica e sopesa”.  (FERREIRA,  1977, p. 33).

 As circunstâncias judiciais podem ser classificadas em dois grupos.

No primeiro grupo, estão as circunstâncias subjetivas ou pessoais, compostas pela culpabilidade, antecedentes, conduta, personalidade e motivos.  No segundo grupo, estão as circunstâncias objetivas ou reais, compostas pelas circunstâncias e consequências do fato e comportamento da vítima. 

Essa classificação é elucidada por Alceu Corrêa Júnior:

As circunstâncias, portanto, não se confundem com os elementos do tipo penal, sem os quais o crime não se caracteriza.

Quanto à natureza, as circunstâncias podem ser objetivas (reais) ou subjetivas (pessoais). As primeiras relacionam-se com os modos e meios de realização do crime, tempo, lugar, objeto material e qualidade da vítima. As segundas relacionam-se com a pessoa do agente, como os motivos, as qualidades pessoais do agente e relações do agente como o ofendido. (CORRÊA JÚNIOR, 2002,p. 264)

Para se entender de forma global a essência dos comandos contidos no artigo 59 do Código Penal, é preciso compreender, de forma isolada, o sentido dos seus preceitos, fazendo-se necessária, para isso, uma análise pontual de cada um deles.


CULPABILIDADE:

A culpabilidade a que se refere o art. 59 do Código Penal nada mais é do que o grau de censura à ação ou omissão do acusado. É a maior ou menor reprovação social que o crime e o autor do fato merecem.

Antes da reforma da parte geral do código penal, realizada pela Lei n°.7.209, de 1984, a fixação da pena era regida pelo antigo artigo 42, que utilizava os conceitos de intensidade do dolo e grau da culpa, que constituíam, em ultima análise, tal como a culpabilidade, o grau de censurabilidade da conduta. Somente com a inserção do atual artigo 59 é que o Código Penal passou a adotar o conceito de culpabilidade como uma das circunstâncias judiciais, conforme esclarecido no artigo 50 da exposição de motivos:

“Preferiu o Projeto a expressão “culpabilidade” em lugar de “intensidade do dolo ou grau de culpa”, visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena.(...).”

O professor Jair Leonardo Lopes também disse:

“No art. 59, (...), que trata das chamadas ‘circunstâncias judiciais’, foi abolida a referência ao dolo e à culpa e mencionou-se a ‘culpabilidade’, conceito que indica o grau de reprovação que recai sobre o agente, em razão de sua conduta;” (Lopes, 2005, p. 231)

Cristalina é a explicação de Monteiro de Barros sobre a culpabilidade ao dizer que:

“A intensidade do dolo e a gravidade da culpa não devem exercer influência sobre a dosagem da pena. Sim, porque o dolo e culpa, de acordo com a teoria normativa pura, não integram a culpabilidade, situando-se dentro da conduta, conforme, aliás, também ensina a teoria finalista da ação. Porém, para os adeptos da teoria psicológica e da teoria naturalista, o dolo e a culpa integram a culpabilidade, e não a conduta. De acordo com esta última corrente, a intensidade do dolo e a gravidade da culpa devem influenciar a dosagem da pena-base.” (BARROS, 2004, p. 493).

Para Celso Delmanto a culpabilidade do agente deve ir mais além do que analisar tão somente suas condições pessoais, devendo-se analisar também o contexto em que ocorreu a situação de fato:

“Deve-se aferir o maior ou menor índice de reprovabilidade do agente, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a indigitada prática delituosa, sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente, na situação em que o fato ocorreu. Ao se analisar as condições pessoais do acusado, entendemos imprescindível que se leve em consideração seu grau de instrução, condição social, vida familiar e pregressa, bem como sua cultura e meio em que vive. Isto porque, o que se julga em um processo é, sobretudo, o homem e, não, um fato descrito isoladamente na denúncia ou queixa, o qual, por vezes, retrata um episódio único e infeliz em meio a toda uma vida pautada pelo respeito ao próximo.” (DELMANTO, 2002, p. 110).

 Cézar Roberto Bitencourt adverte sobre a importância de o magistrado conhecer o real significado do elemento culpabilidade, nessa acepção do artigo 59, do Código Penal, para que não incorra em erros como afirmar que “o agente agiu com culpabilidade, pois tinha consciência da ilicitude do que fazia”, porque, nessa outra acepção, a culpabilidade é somente fundamento da pena, ou seja, “é característica negativa da conduta proibida”, sendo portanto objeto de análise juntamente com a tipicidade e a antijuridicidade e, se esse juízo for negativo, sequer há condenação. Assim, entende-se que, no contexto do artigo 59, avalia-se não se há culpabilidade, porque, tendo havido condenação, é evidente que ela existe – mas sim a gradação dessa culpabilidade, ou seja, o grau de reprovabilidade da conduta dentro do contexto em que foi cometido o delito, devendo portanto ser considerada a realidade fática em seu todo (BITENCOURT, 2007, p. 553).

Em suma, a culpabilidade, no contexto do artigo 59 do Código Penal, deve ser avaliada conforme o grau de censurabilidade da conduta do agente, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a prática delitiva, sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente.

 Ao se analisar as condições pessoais do acusado, é imprescindível que se leve em consideração seu grau de instrução, condição social, vida familiar e pregressa, bem como sua cultura e meio em que vive. Quem, nesse mundo desigual, teve melhores condições de obter uma formação moral, cultural, social, familiar, pessoal, com mais assistência em todo sentido, há que ter a culpabilidade mais acentuada, porque dispunha, ou pelo menos deveria dispor, de mais e melhores mecanismos de controle de seus impulsos para eventuais práticas delitivas. Ao contrário, aqueles que se vêem carentes das necessidades mais básicas de uma pessoa na sociedade, como, por exemplo, trabalho, saúde, educação, moradia, saneamento, segurança, respeito e diversas outras questões mais afetas à dignidade da pessoa humana, assegurada constitucionalmente, hão de merecer uma amenizada na análise da culpabilidade. E há aqueles para quem tal circunstância seja verdadeiramente irrelevante como critério, porque estão mais ou menos num meio termo. Não tiveram de mais nem de menos.

No acórdão de relatoria do Desembargador Renato Martins Jacob, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a título exemplificativo, podemos ver exatamente esse tipo de aplicação da circunstância da culpabilidade. No julgado o ilustre desembargador analisou as condições pessoais do agente bem como a situação de fato em que ocorreu a prática delituosa. Consta do julgado que:

APELAÇÃO. CRIMES AMBIENTAIS. ARTIGOS 38, 39, 40, 40-A, §§ 1º E 2º, E 45 DA LEI 9.605/98. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ELEMENTAR NÃO CARACTERIZADA. ADVENTO DA LEI ESTADUAL 18.043/09. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. APA CARSTE LAGOA SANTA. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL. ENQUADRAMENTO NO 'CAPUT' DO ARTIGO 40. CORTE DE MADEIRA DE LEI. ARTIGO 45. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE. EFETIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA. CONCURSO MATERIAL.

Com relação à culpabilidade, vejo que o delito em apreço tem um plus de reprovabilidade coletiva, já que não se trata de um homem do campo desavisado que acabou prejudicando o meio ambiente por ignorância. O crime foi praticado por alguém que tem vasta experiência no ramo e que era conhecedor das normas de regulamentação da matéria, sendo que ele, inclusive, tem mestrado em economia rural e jamais precisaria degradar a natureza para sua sobrevivência e de seus familiares. (Processo: 1.0411.07.035595-2/001(1). Relator: Des. do TJMG RENATO MARTINS JACOB. Data do Julgamento: 24/02/2011. Data da Publicação: 05/04/2011).

Não obstante o conceito de culpabilidade estar por certo caracterizado, ainda sim, é uma tarefa árdua sua aplicação ao caso concreto. Segundo informativo 538 do STF, em sede do HC 94620, foi submetida à apreciação do Supremo a utilização da premeditação como exasperadora da culpabilidade. O Ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo, malgrado tenha titubeado sobre a correção entre culpabilidade e premeditação, consignou que “apesar da falta de consenso, na doutrina, acerca dos elementos do art. 59 do CP em que deveria ser enquadrada a premeditação, dúvida não haveria de que ela pode e deve ser analisada no momento da fixação da pena-base, tal como ocorrera na espécie” (HC 94620/MS. Rel. Min. do STF Ricardo Lewandowski. Data do julgamento: 12/3/2009).

Há que se lembrar que a culpabilidade, por ser uma circunstância judicial, não poderá ser levada em consideração em mais de um momento na aplicação da pena. Se de alguma forma já estiver a circunstância dentro do tipo penal, não poderá ser novamente analisada na primeira fase de aplicação da pena sob pena de incorrer no bis in idem. Vejamos o acórdão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO ÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS DESFAVORÁVEIS. CULPABILIDADE. VALORAÇÃO EGATIVA INERENTE AO PRÓPRIO TIPO PENAL. ILEGALIDADE. MOTIVOS DO CRIME. LUCRO FÁCIL. CRITÉRIO, IGUALMENTE, INVÁLIDO. REDUÇÃO DO AUMENTO DA PENA-BASE QUE SE IMPÕE. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÕES NTERIORES. ALGUMAS TRANSITADAS EM JULGADO HÁ MAIS DE 05 (CINCO) ANOS, OUTRAS DENTRO DO QUINQUÊNIO LEGAL. UTILIZAÇÃO EM FASES DISTINTAS DA FIXAÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Mostra-se indevida a exasperação da pena-base, pela valoração negativa da culpabilidade e dos motivos do crime, mediante a utilização de circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal e de critérios igualmente inválidos, como a busca do lucro fácil. Redução do aumento da pena-Base Que Se Impõe. (Processo: HC 153034. Relatora Ministra do STJ Laurita Vaz. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 24/05/2011. Data da Publicação/Fonte: DJe 07/06/2011).


ANTECEDENTES:

Antes da reforma Penal de 1984, que introduziu o artigo 59 no Código Penal, entendia-se que os antecedentes do réu abrangiam todo o seu passado, incluindo desde as condenações que eventualmente tivesse sofrido até relacionamentos familiares e conduta social.

Hoje, no entanto, a conduta social é tratada como circunstância apartada, o que veio a circunscrever o alcance dessa circunstância judicial à certidão cartorária de antecedentes. 

Assim, entende-se inviável que os antecedentes congreguem outros elementos além das ocorrências criminais.

Luis Regis Prado, ressaltando a importância na diferenciação entre antecedentes e conduta social, ilustra que “um indivíduo portador de maus antecedentes, nem sempre será, necessariamente, portador de uma conduta socialmente desajustada, assim como não é regra que alguém que jamais tenha perpetrado delito não possa ter uma vida social repleta de deslizes e infâmias” (PRADO, 2007, p. 285).

Com a Constituição da República de 1988 houve a consagração do princípio da presunção de inocência ou também chamado de não-culpabilidade. Consoante o art 5°, inciso LVII da CF, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Por esse motivo, se deve entender como “maus antecedentes” somente as condenações criminais que não constituam reincidência. Assim, inadmissível considerar como “maus antecedentes” processos criminais em andamento, sentença criminal sujeita a recurso, passagens em Juizado de Menores ou Delegacia de Polícia, inquérito policial, composição civil, transação penal  e suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95).

Neste sentido é a lição de Guilherme de Souza Nucci:

“Antecedentes são apenas as condenações com trânsito em julgado que não são aptas a gerar reincidência. Todo o mais, em face do princípio da presunção de inocência não deve ser considerado”. (NUCCI, 2007, p. 230)

Ressalte-se que condenação transitada em julgado antes do novo fato, como gera reincidência (CP, artigos 61, I e 63) não deverá ser considerada, ao mesmo tempo, “maus antecedentes” para não constituir bis in idem.

Condenação por fato anterior, transitada em julgado após o novo fato: embora não gere reincidência, deverá ser considerada como “maus antecedentes”.

Condenação por fato posterior, transitada em julgado após o fato que se analise, não pode ser considerada para fins de “maus antecedentes”.

Vale anotar a orientação adotada por Juarez Cirino dos Santos, que chega a propor a transformação dos maus antecedentes e da reincidência em circunstância atenuante da pena:

“É necessário reconhecer: a) se o novo crime é cometido após a passagem do agente pelo sistema formal de controle social, com efetivo cumprimento da pena criminal, o processo de deformação e embrutecimento pessoal do sistema penitenciário deveria induzir o legislador a incluir a reincidência real entre as circunstâncias atenuantes, como produto específica da atuação deficiente e predatória do Estado sobre sujeitos criminalizados” (SANTOS, 2006, p. 570).

A maior parte da doutrina, no entanto, admite a constitucionalidade da ponderação sobre os antecedentes na fixação da pena, desde que observado o princípio da não culpabilidade. Sobre o assunto, é pertinente a dissertação de mestrado de Jadir Silva, na qual ele discute os antecedentes e relaciona em quais hipóteses não se deve considerar o indivíduo portador de maus antecedentes:

“Daí vê–se que hoje fica mais difícil, em virtude do princípio constitucional da inocência, considerar alguém possuidor de maus antecedentes apenas pelo fato de ser preso, considerando-se a lúcida assertiva de Heleno Cláudio Fragoso de que as pessoas pobres, pelo ambiente em que vivem, estão mais sujeitas a envolver-se na ação policial, aparecendo em processos. Nessa linha de pensamento do Direito justo, não se poderia considerar o acusado de maus antecedentes nas seguintes hipóteses: a) em que foi indicado em inquérito arquivado; b) em que foi absolvido por insuficiência de prova; c) em que foi condenado em sentença transitada em julgado, sem que tenha requerida reabilitação; d) em que tenha submetido a procedimento especial no Juizado da Criança e do Adolescente (SILVA, 2001, P. 115).

A Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça ratifica esse entendimento ao dizer que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

Acrescente-se o informativo 582 do Supremo Tribunal Federal, que assevera que “processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu”.

Por último, importante tratar da diferenciação técnica de reincidência e de maus antecedentes. Tais institutos não se confundem, mas apesar disso, estão inteiramente ligados, e suas respectivas caracterizações são vitais para o entendimento da matéria de fixação da pena.

O instituto da reincidência está previsto nos artigos 61, 63 e 64 do Código Penal:

“São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência [...]

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.     

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.”

Trata-se, como se vê, de circunstância agravante, que deve ser analisada na segunda fase da dosimetria da pena, e não no momento de fixação da pena-base, como ocorre com os antecedentes criminais.

No âmbito da análise das circunstâncias judiciais, considera-se primário o indivíduo não reincidente. 

Luiz Flávio Gomes consegue visualizar duas correntes que tratam sobre os maus antecedentes. Para o autor:

“A primeira (inconstitucional) considera antecedente qualquer envolvimento do agente com algum inquérito ou ação penal; de acordo com essa primeira orientação processo em andamento configuraria maus antecedentes. Isso é, claramente, inconstitucional. É fruto da incidência direta do poder punitivo estatal não depurado, não da aplicação do (verdadeiro) Direito Penal.

A segunda (constitucional) considera maus antecedentes apenas as condenações passadas da vida do agente, que constam da sua ‘folha corrida’ e já não geram reincidência (leia-se: condenações pretéritas, que vão além do lapso de cinco anos contados da extinção da pena para trás). Essa segunda corrente é a adequada ao Estado constitucional e humanista de Direito.” (GOMES, 2007, p. 728).

Nestor Távora e Alex Sampaio entendem que os antecedentes criminais em face ao princípio da presunção de inocência deve ser levado ainda mais além:

“Temos que em decorrência da proteção assegurada pelo princípio, a prática fluente de carrear aos autos, desde o início, os antecedentes penais do réu, carece ser revista, eis que, sendo o juiz humano, portanto influenciável, o conhecimento antecipado dos antecedentes penais pode interferir na forma com que o magistrado conduzirá o feito e no tratamento que dispensará ao réu. Assim sendo, os antecedentes penais só deveriam ser levados ao processo quando este estiver pronto para a sentença, informando tão somente os fatos já abarcados por condenação definitiva, haja vista que, para aqueles ainda pendentes de condenação definitiva, o princípio impõe que não haja nenhuma repercussão, penal ou processual, à figura do réu” (TÁVORA E SAMPAIO, 2007,p 184).


CONDUTA SOCIAL

Já constava do Código de Processo Penal de 1890, no artigo 38, a figura do que hoje denominamos conduta social, só que à época, como uma circunstância agravante:

Art. 38. No concurso de circunstancias attenuantes e aggravantes prevalecem umas sobre outras, ou se compensam, observadas as seguintes regras:

§ 1º Prevalecerão as aggravantes:

a) quando preponderar a perversidade do criminoso, a extensão do damno e a intensidade do alarma causado pelo crime;

b) quando o criminoso for avesado a praticar más acções, ou desregrado de costumes. (Grifei)

Como se pode ver, a alínea ‘’a’’ do artigo 38 refere-se a personalidade do agente e a alínea ‘’b’’ refere-se ao que hoje denominamos conduta social.

Tal circunstância já possuía relevo acentuado à época, e apesar de passados mais de um século, continua a ocupar de destaque na fixação da pena, mas agora, como circunstância judicial constante na primeira fase do processo trifásico de fixação da pena.

Importa destacar que conduta social não se confunde com antecedentes criminais, tanto é que determina a lei seja a análise feita em momentos distintos.

A conduta social deve ser analisada sob o prisma de seu comportamento  na comunidade, seja na sua  família, escola, vizinhança, trabalho, locais que costuma freqüentar, dentre outros.

Portanto, ao avaliar essa circunstância deve o magistrado estar atento ao grau de escolaridade do acusado, seu interesse pelos estudos, seu relacionamento com colegas, professores e funcionários da escola, se é voltado ao trabalho, dedicado à família, bom pai, bom companheiro, o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante a comunidade onde vive; se exerce um papel ativo na melhoria da comunidade, as oportunidades que ele teve etc. Entretanto, não pode perder de vista a realidade a que ele pertence, as suas dificuldades, em que condições vive, pois só assim poderá valorar se a sua conduta social é considerada adequada ou não.

O mecanismo para aferição dessa circunstância está no artigo 187 do Código de Processo Penal, que determina que, no interrogatório, seja perguntado ao acusado sobre sua pessoa e sua relação social e familiar.

Assim, um interrogatório bem feito, uma boa inquirição de testemunhas, uma prova eficazmente produzida por uma das partes (acusação e defesa) é que permitirão uma avaliação válida e justa.

Por muitas vezes julgados tratam erroneamente de forma idêntica a conduta social do indivíduo e sua personalidade. Da mesma forma não se pode julgar sua conduta social de forma negativa apenas porque possui maus antecedentes.

Mesmo que o indivíduo seja portador de maus antecedentes, não necessariamente, será portador de uma conduta social desabonadora. O mesmo pensamento deve-se ter no que se refere ao indivíduo que nunca praticou nenhum crime. Esse indivíduo poderá, mesmo nunca tendo incorrido em crime algum, ser portador de uma conduta social questionável.

Há na verdade, uma linha muito tênue entre a circunstância da conduta social, da personalidade do agente e dos antecedentes. Sobre os antecedentes, no subitem anterior, já foi esmiuçado as hipóteses capazes de ensejar o indivíduo como portador de maus antecedentes, não se devendo mais confundir a conduta social com os antecedentes do indivíduo.

A distinção da conduta social do agente e de sua personalidade envolve a compreensão de preceitos mais complexos, e que talvez até por isso, seja objeto muitas vezes de erro por parte dos operadores do direito.

Acórdão de relatoria da Ministra Laurita Vaz do Superior Tribunal de Justiça é muito cristalino e objetivo ao diferenciar a conduta social do indivíduo de sua personalidade, e deixando claro que, os mesmos motivos ensejadores de uma conduta social reprovável não podem ser utilizados para caracterizar ser o agente portador de uma personalidade voltada para o crime.

“Na primeira fase da dosagem da pena, a conduta social - que pode Documento: 1064558 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/06/2011 Página 4 de 10 Superior Tribunal de Justiça ser considerada como o comportamento do agente junto à sociedade, no trabalho, na vida familiar, ou seja, o relacionamento no meio onde vive - lhe é desfavorável, pois consta nas certidões de fls. 70/84 a existência de um elenco impressionante de processos e inquéritos policiais: 1) 039.00.001979-6; 2) 039.00.012994-0; 3) 039.02.012830-2; 4) 039.01.002928-0; 5) 039.02.012338-6; 6) 039.02.013555-4; 7) 039.02.015854-6; 8) 039.03.005976-1; 9) 039.02.015846-5; 10) 039.04.002434-0; 11) 039.04.007123-3; 12) 039.83.000946-7; 13) 039.76.000240-0; 14) 039.79.000186-0; 15) 039.84.000042-0; 16) 039.84.000045-4; 17) 039.84.000626-6; 18) 039.84.000965-6; 19) 039.91.002132-3; 20) 039.94.002307-3; 21) 039.95.002664-4; 22) 039.97.012147-2; 23) 039.98.001991-3; 24) 039.02.007906-9; 25) 039.02.013943-6; 26) 039.04.002511-8; 27) 039.84.000473-5; 28) 039.99.001992-4; 29) 039.99.011544-3 e mais três termos circunstanciados (autos n. 039.97.000053-5, 039.96.004414-9 e 039.98.008986-5), que não se prestam - de per se - para exasperar a pena do réu, mas auxiliam na demonstração de como ele se porta em sociedade.

Efetivamente, as ações penais e os inquéritos policiais registrados em face do réu ao tempo do cometimento do novo delito deverão ser considerados para exasperar a pena acima do mínimo legal, conforme se colhe da jurisprudência deste Tribunal. Verifica-se que a certidão de fl. 100, a qual enumera a existência de processos em andamento contra o acusado, foi utilizada para fundamentar duas circunstâncias judiciais, quais sejam: conduta social e personalidade.

Contudo, não há nos autos elementos suficientes para classificar a personalidade do agente como "voltada à prática de delitos", e a certidão mencionada pelo magistrado deve ser considerada apenas como má conduta social, sob pena de ocorrer o bis in idem. Afasta-se, portanto, a valoração negativa da personalidade. Processo: HABEAS CORPUS Nº 144.474/ SC. Relatora: Ministra do STJ Laurita Vaz.”

Nos dizeres de Paulo José da Costa Júnior:

“Por conduta social deverá entender-se o papel que o acusado teve em sua vida pregressa, na comunidade em que se houver integrado. Se foi um homem voltado ao trabalho, probo, caridoso, altruísta, cumpridor dos deveres, ou se transcorreu os seus dias ociosamente, exercendo atividades parasitárias ou anti-sociais. Será ainda considerado o comportamento do agente na família, no ambiente de trabalho, de lazer ou escolar. Alguns se adaptam às normas de convivência social, outros reagem, manifestando condutas de agressividade ou inconformismo. É este comportamento que servirá de guia ao magistrado na fixação da pena.” (COSTA JÚNIOR, 2008, p. 195)

Interessante análise faz Fernando Galvão que estimula o magistrado a avaliar a conduta social do indivíduo não apenas em relação a sociedade como um todo, mas dentro do contexto menor, no ambiente onde o indivíduo convive, como é sua conduta inserida dentro da própria comunidade onde vive:

“Não se pode deixar de perceber que o critério da conduta social deve ser considerado em relação à sociedade na qual o acusado esteja integrado, e não em relação à sociedade formal dos homens tidos como de bem pelo juiz. Sem dúvida, um indivíduo que, por exemplo, more em uma favela e tenha um bom relacionamento com as pessoas que com ele interagem nesse ambiente social não pode receber uma valoração negativa porque o juiz entende que existem melhores ambientes para o desenvolvimento das relações sociais. (ROCHA, 2007, p. 656).


PERSONALIDADE DO AGENTE

Conforme adverte José Eulálio Figueiredo de Almeida, “a personalidade do agente, como fator determinante da pena, não pode ser confundida com os maus antecedentes do réu” (ALMEIDA, 2002, p. 38-39).

A personalidade do agente é critério dificilmente estimável, o que tem gerado inúmeras discussões doutrinárias.

Sobre a personalidade do agente sintetizou Silvano Viani que:

A personalidade do criminoso é outro elemento para o qual o magistrado deve observar atentamente, uma vez que o réu é punido pelo ato praticado, mas a pena, não raro, é imposta também pelo que ele é. Assim, para a realização da justiça, é indispensável que o juiz considere a pessoa de quem praticou o delito, seus defeitos e qualidades.( VIANI, 2007, P. 61)

Para Roberto Lyra a personalidade quer dizer:

antes de tudo caráter, síntese das qualidade morais do indivíduo. É a psique individual, no seu modo de ser permanente. O juiz deve ter em atenção a boa ou má índole do delinquente, seu modo ordinário de sentir, de agir ou reagir, a sua maior ou menor irritabilidade, o seu maior ou menor grau de entendimento e senso moral.( LYRA, 1955, P. 215).

Guilherme de Souza Nucci cita Oswaldo Arbenz que trata da personalidade de forma mais técnica e diz que:

“A personalidade tem uma estrutura muito complexa. Na verdade é um conjunto somatopsíquico (ou psicossomático) no qual se integra um componente morfológico, estático, que é a conformação física; um componente dinâmico-humoral ou fisiológico, que é o temperamento; e o caráter, que é a expressão psicológica do temperamento (...) Na configuração da personalidade congregam-se elementos hereditários e sócio-ambientais, o que vale dizer que as experiências da vida contribuem para a sua evolução. Esta se faz em cinco fases bem caracterizadas: infância, juventude, estado adulto, maturidade e velhice.” (ARBENZ apud NUCCI, 2007, p. 373)

Fernando Capez entende que:

“Seu conceito pertence mais ao campo da psicologia e psiquiatria do que ao direito, exigindo-se uma investigação dos antecedentes psíquicos e morais do agente, de eventuais traumas de infância e juventude, das influências do meio circundante, da capacidade para elaborar projetos para o futuro, do nível de irritabilidade e periculosidade, da maior ou menor sociabilidade, dos padrões éticos e morais, do grau de autocensura etc. A intensificação acentuada da violência, a brutalidade incomum, a ausência de sentimento humanitário, a frieza na execução do crime, a inexistência de arrependimento ou sensação de culpa são indicativos de má personalidade. (Capez, 2005, p. 421).

Nesse contexto, a personalidade supera as singelas avaliações que pessoas fazem uma das outras. Constatar se um indivíduo tem uma personalidade voltada para o crime seria já muito difícil de ser diagnosticada por profissionais especializados, como por exemplo, psicólogos, psiquiatras, etc., o que se pode dizer então, para os magistrados, que não possuem um treinamento próprio para tal análise.

O ideal é que o juiz não hesite em declarar a impossibilidade de valorar a circunstância, reconhecendo a carência de elementos ou sua inaptidão própria.

Exemplo da dificuldade encontrada pelos magistrados pode-se retirar do acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

“A simples assertiva de que a personalidade do paciente se mostrou perversa, voltada ao mundo da criminalidade, sem a indicação de elementos concretos que comprovem tal afirmação, não evidencia a sua especial agressividade, ou mesmo que tenha menor sensibilidade ético-moral a justificar a elevação da sua reprimenda-base, pelo que evidente a violação ao princípio constitucional da individualização da pena nesse ponto. Processo: HC 157788 / ES. Relator Ministro Jorge Mussi Órgão julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 31/05/2011 Data da Publicação/Fonte: DJe 08/06/2011).

Os argumentos utilizados pelo magistrado para exasperar a pena-base, ante a constatação que o indivíduo não tem uma conduta social favorável, não podem ser os mesmos para valorar negativamente os antecedentes e a personalidade do agente. Ao utilizar os mesmos fatos na análise de mais de uma circunstância judicial, o magistrado incorre no bis in idem, vedado pelo ordenamento jurídico.

Sobre a impossibilidade de julgar os mesmos fatores como exasperadores de mais de uma circunstância, julgou o STF em face de um Habeas Corpus como consta no informativo 558:

“A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado à pena de 6 anos e 8 meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP sustenta ilegalidade na fixação de sua pena-base, acima do mínimo legal. Alega a defesa que, para a caracterização da personalidade e da conduta social do agente, foram considerados idênticos fatos (bis in idem), a saber, os atos infracionais cometidos pelo paciente durante a adolescência. Aduz que, mesmo que se entenda que os atos infracionais perpetrados no passado permitissem concluir que o paciente tivesse uma personalidade voltada para o crime e que apresentasse má conduta social, a dosimetria da pena não teria respeitado a devida proporcionalidade, pois apenas um dos oito critérios previstos em lei apresentar-se-ia desfavorável. Ademais, afirma que o fato de ter o paciente praticado o delito em plena luz do dia não poderia ser levado em seu desfavor, visto que, a rigor, facilitaria a defesa da vítima e a intervenção de terceiros para evitar a sua consumação. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, tendo em conta os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da individualidade, deferiu o writ para determinar ao juízo sentenciante que proceda a nova dosimetria da pena, a ser fixada em patamar mais próximo do mínimo legal .(...). Salientou que os atos infracionais podem e devem, sim, ser levados em conta na avaliação da personalidade do paciente. Todavia, essa circunstância judicial, por si só, não seria apta a elevar a pena-base em metade, porquanto o art. 59 do CP listaria oito circunstâncias que poderiam ser consideras no momento do estabelecimento da sanção, e destas, no caso, somente a personalidade desajustada do agente se faria presente.(...)”.(Processo: HC 97056/DF. Rel. Min. do STF  Ricardo Lewandowski., 08/09/2009).


MOTIVOS

Os motivos são a origem da vontade do agente (BITENCOURT. p. 553) e, independente de seu grau de relevância para a consecução do delito, estão presentes em toda a ação criminosa.

Se é certo que por trás de toda conduta criminosa há sempre um motivo, não se pode confundir “motivo”, elemento psicológico que propulsiona a conduta,  com objetivo ou escopo, que é o fim a ser atingido pelo agente com a prática da conduta.

Costa Júnior trata dessa circunstância judicial de forma ímpar ao dizer, entre outras coisas, que:

Constituindo o delito expressão viva da personalidade humana, é natural que se indague acerca de toda a conduta, remontando às suas fontes mais remotas, que são os motivos. Distingue-se o motivo do escopo. Enquanto este dispõe de natureza predominantemente cognoscitiva (o agente representa a finalidade que busca atingir), o motivo é essencialmente psicológico. Por vezes se confundem, como quando se furta para tirar proveito econômico. Outras se diversificam, como no homicídio por relevante valor moral, em que a finalidade é a morte da vítima. O Código não se referiu ao escopo, limitando-se a nomear o motivo como um dos norteadores da fixação da pena.

A valoração dos motivos não pode ser feita segundo as idéias morais do juiz, mas conforme as normas ético-sociais. (Costa Júnior, 2008, p. 196)

No estudo dos motivos volta à tona a importância do critério trifásico. É que, não obstante seja o motivo uma circunstância judicial que deva ser apreciada na primeira fase do referido critério, os motivos também podem estar presentes na segunda e na terceira fase da fixação da pena, devendo tomar cuidado o julgador para exacerbar a pena em um único momento, sob pena de incorrer no bis in idem.

Os motivos ensejadores do crime podem ser causas de aumento ou diminuição de pena. Exemplo notável do emprego dos motivos como causa de diminuição da pena pode ser visto no artigo 121 da parte especial do Código Penal.

Consta do referido artigo que:                                               

“Homicídio simples

Art 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”                                               

O parágrafo primeiro trata da figura chamada homicídio privilegiado, e nada mais é do que uma causa de diminuição de pena. Note-se que é uma causa de diminuição referente ao motivo ensejador do crime, ficando claro que o legislador optou por abrandar a figura típica do homicídio quando o agente praticá-lo por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção.

Damásio Evangelista de Jesus, tratando sobre os motivos de relevante valor social ou moral do homicídio diz que:

“Os motivos de relevante valor social ou moral estão previstos no art. 65, III, a, do Código Penal, como circunstâncias atenuantes. Aqui, o legislador transformou em causas de diminuição de pena, em face do que não incidem as atenuantes genéricas.” (JESUS, 2007, p. 404).

Como causa de aumento de pena pode-se citar a do artigo 122 do CP:

“Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único - A pena é duplicada:

Aumento de pena

 I - se o crime é praticado por motivo egoístico; [...]”.

Por outro lado, o inciso I do artigo 122 trata-se de uma causa de aumento de pena, também influenciado pelo motivo, só que aqui, de forma a exacerbar a pena devido ao motivo egoístico.

Além de estarem presentes na terceira fase de aplicação da pena, os motivos podem figurar também como circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Consta do rol exemplificativo de circunstâncias atenuantes do Código Penal:

“Circunstâncias atenuantes

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III - ter o agente:

a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;”

E também está presente no rol taxativo de circunstâncias agravantes:

“Circunstâncias agravantes

Art. - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

II - ter o agente cometido o crime:

a) por motivo fútil ou torpe;”

Diante disso, pode-se concluir que os motivos constantes do artigo 59 para fixação da pena-base serão sempre residuais. Deverá sempre ser analisado se os motivos ensejadores do crime já são objeto de valoração em outros momentos da aplicação da pena, quais sejam, da segunda ou da terceira fase, dando-se preferência para analisá-lo nesta última.

Motivos inerentes ao crime, bem como os vagos ou imprecisos, não podem fazer com que a pena seja elevada acima do mínimo legal. Necessário é que os motivos sejam realmente importantes e que possam influir significativamente para o crime.

Em acórdão de relatoria da Ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, ela considerou indevida a majoração da pena-base do tráfico de drogas considerando que o motivo, que seria a busca de lucro fácil, não seria capaz  de ensejar tal aumento pois inerente ao próprio crime:

“Mostra-se indevida a exasperação da pena-base, pela valoração negativa da culpabilidade e dos motivos do crime, mediante a utilização de circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal e de critérios igualmente inválidos, como a busca do lucro fácil. Redução do aumento da pena-base que se impõe. Processo: HC 153.034/Ms. Relatora: Ministra Laurita Vaz.”

Para Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 300) ‘’é menos censurável o crime praticado em decorrência do amor, da honra, da fé, do patriotismo, da piedade, do que os cometidos por ódio, vingança, cupidez, libidinagem, malevolência etc’’.


CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME

 As circunstâncias do crime, referidas no artigo 59 do Código Penal dizem respeito a aspectos objetivos do delito, tais como forma e natureza da ação delituosa, os tipos e meios utilizados, objeto, tempo, lugar, forma de execução, dentre outros. Enfim, aspectos que o legislador ordinário atribuiu ao juiz na análise do delito do caso concreto.

Tais circunstâncias não se confundem com as circunstâncias legais relacionadas nos artigos 61, 62, 65 e 66, do Código Penal, que são analisadas na segunda fase de aplicação da pena, como atenuantes ou agravantes

Pode se entender por circunstâncias do crime aqueles elementos acidentais não componentes na figura do tipo incriminador. Defluem do próprio fato delituoso. Por essa razão, elas não interferem ma qualidade do crime, mas tão somente promovem mudança qualitativa e quantitativa na reprovabilidade da conduta, tornando o fato mais ou menos grave, o que, naturalmente, reflete na gradação da pena.

Para José Antonio Paganella Boschi:

“O legislador talvez pudesse ter adotado a expressão ‘ particularidades do fato’, para evitar as eventuais confusões que o uso reiterado do termo ‘circunstância’ possa trazer aos menos atentos, especialmente diante de conhecida regra de hermenêutica que afirma não se poder conferir significados diferentes à mesma palavra.

As ‘circunstâncias’ do fato já figuravam no artigo 42 do Código Penal com o mesmo sentido que lhes empresta o artigo 59.

São circunstâncias influenciadoras do apenamento básico todas as singularidades propriamente ditas do fato e que ao juiz cabe ponderar para exasperar ou abrandar o rigor da censura.” (BOSCHI, 2006, p. 214)

Apenas as ‘’circunstâncias do crime’’ já são capazes de ensejar um aumento na fixação da pena-base como se pode extrair de acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO.  DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE. DESFAVORABILIDADE. ACENTUADA REPROVABILIDADE DA CONDUTA DELITUOSA PRATICADA. MAUS ANTECEDENTES. CARACTERIZAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ELEMENTOS CONCRETOS. ILEGALIDADE AUSENTE.

(...) 3. Apontados elementos concretos que demonstram a desfavorabilidade das circunstâncias do crime, haja vista o modus operandi empregado em seu cometimento, não há como proceder-se à redução da pena-base ao mínimo legal. . Processo: HC 163591/SP. Relator: Ministro do STJ Jorge Mussi. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 24/05/2011. Data da Publicação/Fonte:  DJe 02/06/2011).


CONSEQUÊNCIAS DO CRIME

Para que a consequência do crime seja desfavorável é necessário que ocorra um resultado mais gravoso do que normalmente esperado para determinada modalidade criminosa.

Não se pode confundir as consequências do crime com o resultado propriamente dito. Assim, mesmo no crime de homicídio em que o resultado é o mais danoso possível, qual seja, a ceifa de uma vida humana, não pode por si só, ser caracterizador de uma consequência desfavorável ao acusado. Um exemplo de como as conseqüências poderiam ser valoradas negativamente ao acusado é no caso do assassino de um pai de família, que deixa o filho órfão, já que a mãe faleceu ao dar a luz a seu filho. O filho menor ficaria sem ter ninguém para sustentá-lo e criá-lo dentro do ceio familiar. Isso sim trás uma consequência acima da esperada para o próprio crime de homicídio.

Sobre as conseqüências, Cézar Roberto Bitencourt assinala que:

Não se confundem com a consequência natural tipificadora do ilícito praticado.(...). Importa, é verdade, analisar a maior ou menor danosidade decorrente da ação delituosa praticada ou o maior ou menor alarma social provocado, isto é, a maior ou menor irradiação de resultados, não necessariamente típicos, do crime.(Grifei)

Esse conceito é retomado por Rogério Greco ao tratar dos crimes cometidos contra a Administração Pública, os quais, segundo o autor, possuem consequências mais danosas por causa do universo de vítimas:

“Os crimes contra a Administração Pública, em nossa opinião, encontram-se no rol daqueles cujas consequências são as mais nefastas para a sociedade. Os bandidos de colarinho branco, funcionários de alto escalão na Administração Publica, políticos inescrupulosos e tantos outros que detêm uma parcela do poder, quando efetuam suas subtrações dos cofres públicos causam verdadeiras devastações no seio da sociedade. Escolas deixam de receber merendas, hospitais passam a funcionar em estado precário, obras deixam de ser realizadas, a população miserável perece de fome, enfim, são verdadeiros genocidas, uma vez que causam a morte de milhares de pessoas com suas condutas criminosas”.(Greco, 2004, p. 618). 

Ao se analisar as consequências dos crimes, bem como as demais circunstâncias judiciais, o magistrado tem o dever de fundamentar sua decisão e aplicar uma possível majoração de forma razoável e proporcional. Por mais que as consequências do delito sejam extremamente graves, não pode o magistrado elevar de forma desproporcional a pena-base.

A hodierna orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as penas-base devem ser fixadas com fundamentação idônea, de acordo com as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, proporcionalmente avaliadas no caso concreto:

“HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. CORRETA APLICAÇÃO DA REGRA DO CONCURSO FORMAL DE CRIMES. ORDEM DENEGADA. 1. A questão de direito tratada nos autos do presente habeas corpus diz respeito à dosimetria da pena-base e à regra do concurso de crimes aplicada ao caso concreto. 2. O magistrado do feito considerou como desfavoráveis ao paciente as graves conseqüências dos crimes por ele cometido, consistentes na amputação da perna esquerda de uma das vítimas e nas lesões corporais graves causadas à outra. 3. Diante das graves conseqüências do delito, o magistrado fixou a pena-base acima do mínimo legal. 4. Esta Suprema Corte entende que, desde que devidamente fundamentada, não há impedimento à fixação da pena-base acima do mínimo legal com base nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal desfavoráveis ao réu. Precedentes. 5. A pena-base foi fixada dentro dos limites legais, fundamentada a fixação acima do mínimo legal nas graves conseqüências do crime. 6. O magistrado elevou a pena em um sexto ao aplicar a regra do concurso formal de crimes, atuando, desse modo, em sintonia com a jurisprudência dominante, que entende ser esse o patamar aplicável quando cometidos apenas dois delitos. Precedentes. 7. Writ denegado. (Processo: HC 102510/SP. Relatora: Min. do STF Ellen Gracie. Órgão Julgador: Segunda Julgamento: 14/12/2010);

Note-se que, embora seja comum a elevação da pena-base em função da repercussão social do crime cometido, as conseqüências do crime, isoladamente, não legitimam a fixação de penas-base distantes do mínimo legal.

Por último, com relação às conseqüências do crime, importa salientar que o julgador deve ter especial cuidado para que não coincidam com aquelas elencadas como circunstâncias legais, situação que não poderão ser analisadas como circunstâncias judiciais, evitando-se que haja a possibilidade de dupla valoração do mesmo critério.


COMPORTAMENTO DA VÍTIMA

Nesta circunstância deve o Juiz analisar o grau de contribuição da vítima no evento criminoso, ou seja, se seu comportamento facilitou de alguma forma a promoção da idéia delituosa no acusado.

Jair Leonardo Lopes aponta que a circunstância ‘’comportamento da vítima’’ só veio consagrada no último diploma legal. Segundo o autor:

“A menção ao ‘’comportamento da vítima’’ constitui inovação.

Sabido, em Direito Penal, que não há compensação de culpas. Mas, de fato, o comportamento da vítima pode influir na aplicação da pena; seja atenuando-a se, por exemplo, a vítima provocou o agente ou facilitou a sua ação, ao proceder de modo imprudente ou negligente; seja agravando-a, se não concorreu, de qualquer modo, para o crime de que fora vítima.” (LOPES, 2005, p. 231)

Para José Antonio Paganella Boschi mesmo que o comportamento da vítima não tivesse tanta relevância como possui hoje, ainda assim, já era previsto em alguns artigos do antigo Código Penal:

“Na primitiva redação do Código, a participação da vítima no crime não era ignorada, na Parte Especial, por alguns tipos (p. ex.: arts. 121, § 1°, e 129, § 2°).

Com a reforma da Parte Geral produzida pela Lei 7.209/84, a citada circunstância, entretanto, passou a atuar como um dos fatores de medição do apenamento básico, o que aconteceu em razão dos avanços da ‘vitimologia’, setor da criminologia que demonstra o quanto o comportamento da vítima pode ser relevante para a eclosão do fato, ou do agravamento ou abrandamento de suas consequências penais.” (BOSCHI, 2006, págs. 215 e 216).   

A exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal em seu item de número 50 tratou especificamente do tema e diz expressamente sobre o comportamento da vítima que, ‘’erigido, muitas vezes, em fator criminógeno, por constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes’’.

Não pode o comportamento da vítima ser olvidado no momento da fixação da pena-base. O julgador tem que analisar a importância do comportamento da vítima antes e durante o fato delituoso. Para Adalto Dias Tristão (2001, p. 52), ‘’tem de ser analisado o grau de colaboração, negligência ou provocação da vítima’’.

Mas é impreterível que o magistrado fundamente a razão pela qual a vítima corroborou para que o fato acontecesse. Com isso, poderemos ver em algumas figuras típicas maior possibilidade de incidência dessa circunstância a favor do acusado, como por exemplo, nos crimes contra os costumes.

Em outros crimes, praticamente não há possibilidade de participação da vítima. É o caso, por exemplo, do tráfico de drogas em que a vítima é a saúde pública.

Da mesma forma, não pode o acusado ser prejudicado se o comportamento da vítima é neutro, sem contribuir mesmo que indiretamente, para o resultado. A jurisprudência dos tribunais superiores é quase unânime nesse sentido:

“PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. CULPABILIDADE. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. CONDUTA SOCIAL. PROCESSO EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. CONSEQUENCIAS DO CRIME. MORTE DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA INERENTE AO PRÓPRIO TIPO. COMPORTAMENTO NEUTRO DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE DE AUMENTAR A SANÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

(...) 4. O comportamento da vítima tachado como neutro não pode ser valorado como prejudicial ao acusado.

Processo: HC 83066/DF. Relatora Ministra do STJ MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Órgão Julgador: Sexta Turma. Data do Julgamento: 25/08/2009 Data da Publicação/Fonte:  DJe 14/09/2009).


3. CONCLUSÃO

O artigo 59 do Código Penal traça as principais regras que devem nortear o juiz no cumprimento do princípio constitucional da individualização da Pena (Constituição da República, art. 5º, XLVI). Entretanto, tais regras não são estanques, e sujeitam-se a diversas interpretações, sendo tarefa do juiz buscar, dentre as inúmeras leituras possíveis, aquelas que se aproximam, de forma mais eficaz, da efetivação das garantias constitucionais.

Luigi Ferrajoli, em sua obra Direito e Razão, delineia a chamada Teoria Geral do Garantismo, segundo a qual cabe ao aplicador do Direito, reconhecendo as imperfeições do sistema judiciário, delimitar um arcabouço mínimo de proteções do indivíduo frente às arbitrariedades do Estado. Somente um sistema penal revestido de proteções é que pode se declarar como verdadeiro Estado Democrático de Direito.  O autor vislumbra em um Direito Penal garantístico a possibilidade de legitimar, ainda que minimamente, o poder de punir estatal, tornando menos imperfeito aquilo que, por natureza, jamais atingirá a perfeição.

E neste contexto de busca por um Direito mais garantista, o artigo 59 do Código Penal demonstra-se de essencial importância, pois é ele que assegurará que a pena seja moldada conforme todas as nuances do fato. A fixação da pena-base, sob a luz das circunstâncias judiciais, é o momento em que o sistema penal volta sua atenção ao indivíduo tal como ele é, com todas as suas reais imperfeições. E por esta razão cabe sempre ao juiz interpretar cada uma das circunstâncias judiciais à luz da Constituição Federal, de forma a respeitar as garantias do acusado e, consequentemente, preservar a própria legitimidade do Direito.


BIBLIOGRAFIA:

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo de. Sentença Penal: doutrina, jurisprudência e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal, parte geral : vol. 1. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral, v. 1., 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, volume 1- 11 ed. atual.- São Paulo: Saraiva, 2007.

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PEREIRA, Pedro Fernandes Alonso Alves. As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4144, 5 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33115. Acesso em: 4 maio 2024.