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Sistema eleitoral brasileiro

evolução histórica

Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica

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Sumário: Resumo; Introdução; 1. As eleições e as ordenações, 1.1.As eleições no reino, 1.2.Os privilégios eleitorais, 1.3.A primeira eleição, 1.4.As juntas eleitorais, 1.4.1.Os compromissários e os eleitores paroquiais, 1.4.2.Eleitores de Comarca, 1.4.3.Eleitores de província; 2.A Constituição de 1824, 2.1.Representação política do império, 2.2.As leis eleitorais do império, 2.3.A lei Saraiva; 3.Brasil república, 3.1.A Constituição de 1891,3.1.1.O Código eleitoral de 1932, 3.2.A constituição de 1934, 3.3.A Constituição de 1937, 3.4.A Constituição de 1946; 4. O golpe militar e o ato institucional, 4.1.As constituições militares de 1967 e 1969; 5. O retorno a democracia, 6. Conclusão; 7. Bibliografia.


RESUMO

Este trabalho monográfico consiste em uma reflexão da evolução histórica da legislação eleitoral do país até os dias de hoje. Para lograr tal objetivo, buscou-se compreender as várias mudanças pelas quais passaram o Direito Eleitoral diante da necessidade de uma atualização e implantação de Leis e Regulamentos Eleitorais que melhor se adequassem aos procedimentos dos habitantes e dos políticos desde a independência política do Brasil em relação a Portugal até a promulgação da Constituição Federal de 1988. Pois, foi a partir daquele episódio, que começaram a surgir as mais importantes leis eleitorais de nossa história, as quais, preocupavam-se tanto com o social, quanto com o material, bem como, com a busca de melhores condições de vida para os brasileiros (Exemplo: a implantação dos direitos e garantias individuais do cidadão). Esta pesquisa apresenta ainda informações, fatos e curiosidades históricas que de alguma maneira, contribuíram para o estabelecimento de alguns princípios jurídicos do atual Sistema Político Brasileiro (Exemplo: inviolabilidade dos parlamentares pelas ações, palavras e votos). Contudo, não pode-se afirmar que uma determinada legislação foi melhor do que a outra sem que se procure em sua fundamentação os motivos de tais modificações, já que as elaborações das leis, quase sempre, refletem os anseios da sociedade, o que pode ser facilmente verificado através dos seus movimentos sociais os quais pressionam e exigem tais modificações. Este trabalho, apresenta-se ainda, no sentido de mostrar que o senso de cidadania apresentado por alguns brasileiros não foi um movimento isolado, fruto de ufanismos visionários, muito menos de pessoas sedentas pelo poder, mas sim, de homens adiante de seu tempo, preocupados com uma possível convulsão social, reflexo das desigualdades e da exploração tão maldosamente presente em nossa história. A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste estudo, consistiu essencialmente em levantamento histórico e bibliográfico. Finalmente, é importante destacar como é rica a história político-social-econômica de nosso país e, a preservação, a conservação ou destruição desse elevado espírito público cabe não só a uma pessoa, mas a todos os brasileiros indistintamente sendo que a mesma merece ser estuda por todos os segmentos da sociedade brasileira.


INTRODUÇÃO

A deficiência do sistema de ensino, a ineficiência dos políticos e dos partidos políticos e os golpes de estados unidos ao descaso com a preservação da memória nacional somadas ainda a muitas outras mazelas que assolam nosso País fizeram e vem fazendo com que a memória coletiva de nosso povo se esqueça de que o Brasil possui uma tradição eleitoral arraigada em sua curta história.

Levando-se em conta que o Brasil acabou de completar 500 anos de existência, e o desconhecimento de nossa história por significativa parcela da população acaba por fazer com que o Povo vá se colocando paulatinamente à margem dos destinos da Nação e, assim, por esses e outros motivos, durante já há algum tempo, faz crescer uma idéia negativa de que no Brasil não são encontradas as condições necessárias para a implantação de um processo democrático, verdadeiro, longo e duradouro.

Nesse ponto, cabe esclarecer, que em nosso País as eleições vêm sendo realizadas desde a sua Colonização e desde àquela época vêm sofrendo mudanças em alguns aspectos históricos de suas representações eleitorais.

Tal fato pode ser verificado traçando-se um paralelo entre elas, começando pelas Ordenações do Reino, onde o Brasil dividiu a sua representação entre os Poderes Executivo (Imperador, Regente, Presidente, Governadores) o Poder Legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores) e o Poder Judiciário (Juizes, Procuradores, Escrivães).

A forma de legitimação concedida pelo sufrágio popular em outras épocas não se fazia através dos votos dos cidadãos como se conhece hoje. Inicialmente, era de forma indireta e em certas épocas em vários turnos. Depois passou a ser de forma direta e em turno único através de um colégio eleitoral.

Demonstrando assim, essas modificações nas Leis Eleitorais são um reflexo dos Costumes, da Cultura e da Soberania Nacional, verificadas em um determinado momento histórico, social e cultural do País.

Por esse motivo, o estudo da Ciência Política encontra raízes no direito costumeiro ou cultural que se vem consolidando há mais de 500 anos de história como produto autêntico de nossas experiências e acomodações históricas como assevera Oliveira Vianna em sua obra Instituições Políticas Brasileira, pág. 57, "... O direito está sendo estudado pelos mesmos métodos com que se estuda, cientificamente, qualquer fato de relações humanas..."

Assim, verifica-se que as condições políticas do País possuem relação intrínseca com o Processo Eleitoral e a escolha de nossos Representantes através do voto, da eleição e da representação. Tal afirmação se funda em constatação simples, na qual se verifica que grande parte dos eleitores vão as urnas não no cumprimento de um dever cívico, mas em troca de alguma vantagem [1].

A lei confere aos cidadãos a capacidade natural do voto, mas como a lei não confere inteligência, cultura e discernimento a quem não os possui de fato, tal capacidade torna-se artificial, e, como conseqüência imediata, temos que a política se transforma em monopólio dos políticos, isto é, dos que fazem da política profissão e meio de vida.

Isto acontece porque quem elege o político, na maioria das vezes, não tem discernimento para tal, então, os nossos representantes utilizam-se da política e do voto como um instrumento referendatário para as suas permanência no poder.

Pode-se constatar, que o voto é uma instituição adotada hoje em dia pela maioria dos países civilizados, fato este, que permite a formação gradual de verdadeiros partidos políticos o que certamente assegura a verdade do processo eleitoral.

Esta menção ao voto se faz necessário, porque quem ocupa os cargos elegíveis, em vez de representarem a nação e os seus eleitores, representam, não raras vezes, os interesses de quem lhes patrocinou e não poucas vezes vemos isso acontecer, transformando-se assim em uma das maiores ameaças para a democracia de nosso País.

Outra grande ameaça à democracia é a ineficiência do sistema educacional brasileiro, pois a falta de instrução de grande parte do eleitorado brasileiro faz com que os mesmos se tornem massa de manobra dos políticos corruptos, já que daí derivam grande parte de todo o material político brasileiro, o eleitorado, os cidadãos e a mentalidade nacional em toda a sua realidade.

Segundo a carta de Monteiro Lobato enviada em 09 de agosto de 1924, ao então presidente Artur Bernardes, dizia que sendo a política em sua legítima acepção a arte de governar os povos, não se concebe que os cidadãos assim se desinteressem do que tão de perto lhes afeta a felicidade e o bem-estar e ao comentar a falta de interesse do povo brasileiro pelos destinos da nação, bem como a corrupção que imperava no meio político, já expressava os momentos turbulentos pelos quais passariam a nação brasileira nas próximas décadas. Dizia ele que o povo brasileiro estava insatisfeito; e que a linha que separa o espírito de revolta do espírito revolucionário é muito tênue; e que se o distanciamento entre a política e o político não fosse resolvido o País seria arrastado a revoltas que ocasionariam a sua ruína.

Observe-se que tanto hoje como naquela época, o mesmo se opera, pois poucos eleitores sequer sabem o nome do candidato em quem votaram nas últimas eleições; muitos poucos foram às urnas espontaneamente, no livre cumprimento do exercício da cidadania e, como conseqüência imediata deste absurdo, a política transforma-se em monopólio dos políticos, conforme já mencionado anteriormente, pois muitos fazem da política profissão e meio de vida, transformando, assim, o sufrágio universal, um direito sagrado e consagrado em todas as nossas Cartas Magnas, apenas um jogo nas mãos de pessoas inescrupulosas.


1. AS ELEIÇÕES E AS ORDENAÇÕES

Com a chegada dos colonizadores vieram, também, as leis que iriam reger a vida dos habitantes de nosso País. Tal como acontecia em Portugal ela seria regida pelas Ordenações do Reino.

Os Bandeirantes Paulistas, ao tomarem posse das terras em que achavam metais preciosos, utilizavam-se das eleições de forma direta e livre para escolherem aqueles que iriam ser os guardiães do Tesouro do Rei. E este espirito democrático foi seguido pelas gerações futuras, não sem muitas lutas e divergências com os Governadores-Gerais que, à época, representavam os reis de Portugal, como nos relata Manoel Rodrigues Ferreira em seu livro A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 2001, pág. 36/37:

"... Quando, em 1719, Pascoal Moreira Cabral chega, com sua bandeira, às margens dos rios Cuiabá e Caxipó-mirim, e ali descobre ouro e resolve estabelecer-se, seu primeiro ato é realizar a eleição de guarda-mor regente. E naquele dia, 8 de abril de 1719, reunidos numa clareira no meio da floresta, aqueles homens realizam uma eleição...".

Como se pode ver, as cidades e vilas do Brasil possuíam desde então uma divisão político-administrativa, pois já naquela época era necessário a divisão de riquezas e distribuição de justiça. Contudo faz-se necessário ressaltar que até à realização da Proclamação da Independência do Brasil o povo elegia apenas os governos locais, isto é, os conselhos municipais, os quais possuíam apenas atribuições político-administrativa, cabendo a estas câmaras, legislar de forma ampla sobre todos os assuntos inerentes às vilas ou às cidades. Ainda segundo o autor acima citado, esta divisão político-administrativa denominava-se Câmaras Municipais e eram compostas por juizes, vereadores, procuradores, tesoureiros, almotacéis [2] e escrivães; que geralmente eram chamados de oficiais.

Quando as Câmaras reuniam-se formavam o Conselho e quando as reuniões eram de apenas juizes e vereadores denominavam-se Vereação.

O povo em votação secreta e de forma indireta, elegia os seus representantes que depois, de forma direta, iriam eleger os oficiais das câmaras.

As eleições dos oficiais aconteciam segundo a forma prescrita pelas Ordenações do Reino estabelecidas no Titulo 67 do Livro Primeiro das Ordenações (Ferreira, 2001) constituindo, assim, um código eleitoral que vigorou no Brasil até 1828, portanto, quatro anos após a outorga da primeira constituição brasileira feita por Dom Pedro I em 1824.

Essas eleições eram indiretas e em dois turnos e ocorriam a cada três anos, porém, como o mandato dos oficiais era de um ano, em cada eleição elegiam-se três conselhos [3].

Todos votavam, o sufrágio era universal, não havia pré-requisitos nem distinção entre os eleitores, apenas os elegíveis deveriam ser homens bons, pessoas honestas, experientes e conceituados moralmente na sociedade.

1.1. AS ELEIÇÕES NO REINO

Nesta parte do trabalho, serão descritos os procedimentos das eleições dos oficiais das câmaras àquela época.

As eleições nas vilas e cidades na época do Brasil-Reino eram de forma indireta e em dois turnos. No mês de dezembro, quando aproximava-se o fim do mandato do último conselho, toda a população era convocada para as eleições na quais seriam eleitos os representantes que iriam escolher os novos oficiais das Câmaras.

Tais eleições eram presididas pelo Corregedor ou Ouvidor do Rei [4] que eram auxiliados por duas ou três pessoas idôneas da localidade, escolhidas para essa finalidade. Na falta do Corregedor ou do Ouvidor, as eleições eram presididas pelos Juizes Ordinários do lugar, (o mais antigo) e, na falta deste, o Vereador mais velho assumiria a presidência do processo eleitoral.

No dia marcado, o povo comparecia à mesa eleitoral e, de forma sigilosa, falava ao ouvido do Escrivão o nome dos seis candidatos para qual estava dando o seu voto. O Escrivão, da mesma forma sigilosa, ia anotando em separado o nome das seis pessoas que iam sendo votadas para exercerem o cargo de eleitores. Tão logo terminava a votação os juizes e os vereadores reuniam-se em vereança e, de forma secreta, procediam à apuração dos votos, e ao final do processo eram escolhidos os seis mais votados de cada povoado ou vila.

Como se pode verificar das Instruções Eleitorais abaixo transcrito, o processo eleitoral segundo as Ordenações do Reino era de tal maneira rigoroso com o sigilo das eleições que assim era descrito:

"... quando se fizerem as eleições não estarão presentes os alcaides-mores, nem pessoas poderosas, nem senhores de terras, e se lá entrarem, que digam o que querem e enquanto requerem não prossigam os vereadores em sua vereação". [5]

Após a apuração feita pelos Vereadores e Juizes, os seis eleitores escolhidos pela maioria absoluta dos votos faziam o juramento de que escolheriam para ocuparem os cargos de Oficias das Câmaras entre as pessoas que mais estivessem a altura destes. Em seguida os eleitos eram divididos em três grupos de dois e levados para locais diferentes onde não pudessem se comunicar com os outros grupos, a fim de que organizassem as listas dos Oficiais a serem eleitos.

Estas listas eram um tanto complicadas de se elaborar, pois os dois eleitores deveriam estar em comum acordo com os nomes a serem relacionados. Como cada grupo deveria organizar a sua própria lista esta eleição poderia durar dias ou até semanas.

Esta segunda etapa consistia em os seis eleitos de cada cidade ou vila escolherem três nomes para ocuparem o cargo de juiz, três nomes para o cargo de vereador, três nomes para o cargo de procurador, três nomes para o cargo de tesoureiro, três nomes para o cargo de almotacel e três nomes para o cargo de escrivão. Caso houvesse na vila ou cidade mais de um cargo a ser ocupado os nomes deveriam conter sempre um múltiplo de três, ou seja, nove nomes para ocuparem os cargos de juizes, nove nomes para ocuparem os cargos de vereadores e assim por diante até completarem a relação de oficiais a serem empossados no período de um ano, o que hoje é conhecido como legislatura [6].

Os três grupos de eleitores, após a elaboração das listas tríplices, assinavam-nas e as entregavam ao juiz mais antigo para que este as manipulasse em um processo denominado "apurar a pauta". Esse processo consistia em verificar os nomes das pessoas mais votadas nas listas, fazendo então, eles mesmos, uma nova lista contendo os nomes dos três candidatos ao cargo de juizes, vereadores, procuradores, tesoureiros, almotacéis e escrivães, ou sendo o caso o nome de seis, nove, componentes até completar os nomes para cada ofício. Estas listas eram assinadas, cerradas e seladas devendo ser abertas apenas ao se aproximarem o fim da legislatura vigente, quando, então, eram conhecidos os novos componentes da próxima legislatura.

Como as legislaturas duravam apenas um ano era necessário que o juiz que organizasse a lista final também organizasse o sorteio para se saber quem iria começar o período legislativo e quem iria terminá-lo, devendo para tanto convocar o povo para assistir ao sorteio feito por um menino de até sete anos o qual faria o sorteio dos envelopes contendo os nomes dos oficiais.

Em 12 de novembro de 1611, portanto oito anos após o código eleitoral das Ordenações do Reino de 1603, o rei de Portugal fez editar um alvará aperfeiçoando e introduzindo novas disposições ao código eleitoral no qual dizia:

"(...) os corregedores ou ouvidores ao entrarem nas terras aonde hão de fazer a eleição, escolherão duas, ou três pessoas que lhes parecer das mais antigas e honradas, e de que tenham informação que são zelosas do bem público, (...), dando-lhes juramento dos Santos Evangelhos. (...) e estando o povo junto, o dito corregedor, ouvidor, ou juiz lhe dirão da minha parte que das pessoas mais nobres da governança da terra votem em seis eleitores dos mais velhos, e que não sejam parciais, se na dita vila houver bandos (...)" [7]

Como se pode verificar do próprio texto, as fraudes, é claro, existiam, pois muitas das vezes as Instruções Eleitorais insculpidas nas Ordenações do Reino não eram seguida a risca, eis que as mesmas eram constituídas de cinco livros e nem todas as cidades e vilas do Brasil as possuíam. Porém, tais fraudes, eram punidas severamente com sentenças de degredo de dois anos para as terras da África e pagamento de multas pesadíssimas.

1.2. OS PRIVILÉGIOS ELEITORAIS

Durante mais de trezentos anos, desde a colonização do Brasil até o ano de 1828, portanto, quatro anos após a outorga da primeira Constituição Política do Império do Brasil por Dom Pedro I, esse foi o processo eleitoral pelo qual se pautavam as eleições para as Câmaras Municipais no Brasil. E nesses mais de três séculos de história vemos surgir instituições que até hoje se sustentam, tais como a autonomia dos poderes constituídos e a imunidade parlamentar.

Como exemplo de autonomia dos poderes e a não aceitação da ingerência externa, pode-se citar a Câmara de São Paulo que não admitia a interferência dos governadores em suas eleições através de um fato histórico descrito nos anais da Câmara Municipal da Cidade de São Paulo, quando de uma tentativa, em 1619, do Capitão-Mor Gonçalo Corrêa de Sá que achava que as eleições deveriam ocorrer anualmente e não trienalmente como determinava as Ordenações assim decidiu a Câmara:

"Aos vinte e quatro dias do mês de dezembro de mil seiscentos e dezenove, na Câmara, aí se apresentou a mim Antônio Bicudo com um mandado do Sr. Capitão-mor e Ouvidor Gonçalo Corrêa de Sá, em que mandava que se fizesse eleição cada ano, digo, para cada ano, e querendo aos ditos oficiais que dessem cumprimento ao tal mandado alegando com a ordenação de Sua Majestade em que manda que se faça eleição cada três anos, e para aquietação do povo ordenaram que se fizesse como até agora se fez (...) [8]

Já a imunidade parlamentar surgiu com o "Alvará Régio, de 26 de fevereiro de 1771", no qual os vereadores das câmaras ficavam a salvo de qualquer arbitrariedade, pois não poderiam mais serem presos e processados enquanto estiverem exercendo o mandato que o povo lhes havia concedido através das eleições. Insta esclarecer que tal imunidade já encontrava precedente face a uma representação feita pelo ouvidor-geral da capitania de São Paulo, no ano de 1728, no qual relatava o incidente ocorrido durante as cerimônias de Corpus Christ, quando o padre mandou o sacristão avisar aos vereadores de que os lugares que sempre lhes foram reservados não mais seriam, contudo os vereadores se mantiveram firmes em não perder tal regalia. Em vista disso, o padre avisou que não iria rezar a missa nem faria a procissão. Solicitado a se pronunciar sobre o incidente, O Rei, então, dando razão aos vereadores assim respondeu:

"Me pareceu dizer-vos que o lugar em que a Câmara tinha o seu assento e em cuja posse se pretendeu conservar é decente, porque em muitas catedrais deste Reino, não só tem lugar no cruzeiro, mas dentro da capela-mor, de que vos aviso, para que assim o tenhais entendido". [9]

1.3. A PRIMEIRA ELEIÇÃO

Em 7 de março de 1821, D. João VI, assinou decreto convocando o povo brasileiro a escolher os seus representantes, em eleições gerais, para comporem as " Cortes Gerais de Lisboa", com a finalidade de ser redigida e aprovada a primeira Carta Constitucional da monarquia portuguesa. Juntamente com o decreto anteriormente citado, foram expedidas as "Instruções para as eleições dos deputados das Cortes do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve".

Como no Brasil, até então, as eleições eram realizadas apenas para se eleger os governos locais e as câmaras, estas eleições abrangeriam todo o território brasileiro e teriam como finalidade eleger representantes do povo para um parlamento: as Cortes de Lisboa.

Para que se possa entender o processo eleitoral promulgado pelo Decreto de 7 de março de 1821 [10] e as Instruções para as eleições dos deputados das Cortes do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve faz-se necessário a transcrição de alguns trechos do referido Decreto:

O capítulo I dispunha o modo de formar as Cortes, e seu art. 32 determinava:

" (...) cada província há de dar tantos deputados quanto contiver em sua povoação o número de 30.000 almas e que se por fim restar um excesso que chegue a 15.000 almas, dará mais um deputado, e não chegando o excesso da povoação a 15.000 almas, não se contará com ele."

Já o capítulo II pode-se dividir em duas partes básicas:

a)o art. 34, que estabelecia a forma:

"... se deverão formar Juntas Eleitorais de Freguesias, Comarcas e Províncias... ";

b)e o art. 35, que estabelecia o eleitorado:

"... As juntas eleitorais de freguesias serão compostas de todos os cidadãos domiciliados e residentes no território da respectiva freguesia (...)".

A revisão bibliográfica dos três artigos acima citados [11] revelam:

1) A representação do povo se faria de forma proporcional à população existente;

2) A eleição seria de forma indireta e em quatro turnos e;

3) O exercício da cidadania através do voto do povo dava legitimidade aos eleitos, já que no primeiro turno o voto era exercido por todos não havendo qualquer restrição quanto ao eleitorado.

Finalmente, deve-se esclarecer que a província se dividia em comarcas e estas, em freguesias e, como já foi dito, todos do povo votavam, não havendo nenhum tipo de restrições.

1.4. AS JUNTAS ELEITORAIS

As juntas eleitorais eram reunidas no dia da eleição e deveriam ser compostas de acordo com as eleições a ser realizadas.

No primeiro turno, as juntas deveriam se reunir com o povo na Casa do Conselho, sob a presidência do juiz ou vereador com o auxílio de um padre e dois escrutinadores. Após a nomeação de um secretário escolhidos entre eles deveria ser dado início a eleição.

No segundo turno os eleitos deveria seguir para as comarcas, onde se reuniriam no Passo do Conselho sob a presidência do corregedor da comarca, dois escrutinadores e um secretário, escolhidos entre eles.

Já para a eleição dos deputados, os eleitores de província estariam reunidos no Paço do Conselho com a maior autoridade civil do local presidindo a sessão.

1.4.1. OS COMPROMISSÁRIOS E OS ELEITORES PAROQUIAL

As eleições aconteciam em um domingo, onde os habitantes iam às juntas eleitorais ou assembléias paroquiais para escolherem um certo número de concidadãos os quais após a eleição eram chamados de compromissários.

Para se saber quantos compromissários seriam eleitos era necessário primeiramente conhecer a quantidade de eleitores a serem eleitos, e o procedimento se dava da seguinte maneira: A cada duzentas casas ou famílias seria nomeado um eleitor paroquial e o que excedessem de cem daria mais um eleitor paroquial.

Cabe ressaltar, que para cada eleitor paroquial eram eleitos 11 compromissários e, para cada dois eleitores paroquiais eram eleitos 21 compromissários e para cada três eleitores paroquiais seriam eleitos 31 compromissários, sendo este número o limite de compromissários por cada freguesia.

Sabendo-se, então, dessa forma, a quantidade de eleitores compromissários por freguesia, a junta eleitoral se estabelecia, reunindo-se na Casa do Conselho, sob a presidência do juiz ou vereador mais antigo com o auxílio de um padre, dois escrutinadores e um secretário escolhidos entre eles, procedendo então, a eleição dos compromissários.

Cada eleitor ditava o nome das pessoas que deveriam ser os compromissários, não podendo no entanto, votar em si mesmo. Após a eleição passava-se a apuração, sendo considerado eleito aqueles que alcançassem a metade dos votos. Os compromissários, que deveriam ter mais de 25 anos de idade, passavam, então, a escolher os Eleitores de Paroquia. A ata da eleição serviria como diploma de posse, ficando cada Eleitor de Paróquia com uma cópia a título de diploma.

Para simplificar o entendimento, digamos que 200 pessoas (qualquer do povo) elegiam 11 Compromissários (maiores de 25 anos) e estes elegiam 1 Eleitor de Paróquia.

1.4.2. ELEITORES DE COMARCA

Os eleitores de paróquia de posse de seus diplomas dirigiam-se as Comarcas para realizarem as eleições dos Eleitores de Comarca, no domingo seguinte ao de sua eleição. Os eleitores de comarca seriam o triplo do número de deputados a serem eleitos.

No dia da eleição, os eleitores de paróquia reuniam-se no Passo do Conselho, sob a presidência do Corregedor da Comarca que nomeava um secretário e dois escrutinadores, ato continuo passavam a receber os diplomas dos demais eleitores de paróquia para a sua verificação.

No dia seguinte realizava-se a escolha dos Eleitores de Comarca de forma secreta, devendo para tanto ser escrito o nome dos escolhidos em um papel e depositando-o em uma urna.

Após a apuração seria eleito aquele que alcançasse no mínimo a metade mais um dos votos, maioria absoluta e, não se alcançando o quorum necessário haveria nova eleição elegendo-se os mais votados em maioria simples.

Após Lavrada a ata da eleição entregava-se uma cópia aos eleitos valendo esta como documento de diplomação.

1.4.3. ELEITORES DE PROVÍNCIA

Após serem eleitos, os Eleitores de Comarca seguiriam para a Capital da Província e, lá chegando, reuniam-se no domingo seguinte a sua eleição, no Paço do Conselho com a maior autoridade civil do local presidindo a sessão, para marcarem a data em que seria realizada a eleição dos deputados que representariam o Brasil junto às Cortes de Lisboa.

No dia marcado ao se reunirem, nomeavam um secretário e dois escrutinadores para procederem à votação que consistia em cada eleitor de comarca declarar junto ao secretário o nome das pessoas em quem votava o qual escrevia o nome em uma pauta.

O escrutínio se daria logo após o último eleitor de comarca ter votado, sendo considerado eleitos aqueles que obtivessem a metade mais um dos votos (maioria absoluta). Caso não se conseguisse alcançar o número necessário de deputados, seria feito novo escrutínio elegendo-se aqueles que alcançassem a pluralidade de votos (maioria relativa).

Segundo os levantamentos bibliográficos realizados, o Brasil possuía naquela época 2.323.366 habitantes (IBGE, 2002) [12], e como as frações das províncias eram desprezadas, foram eleitos 72 deputados, sendo considerada esta como a primeira eleição realizada em solo brasileiro.

Posteriormente mais duas eleições gerais foram realizadas em solo brasileiro antes de sua independência política de Portugal, sendo que a segunda foi realizada após a reforma da administração política e militar decretada por D. João VI que, em decreto datado de 1º de outubro de 1821, conclamava o povo brasileiro a escolher os governantes das juntas provisórias no prazo de dois meses, contados desde o dia em que as autoridades das capitais tomassem conhecimento do decreto e a terceira foi convocada por D. Pedro, através do decreto de 16 de fevereiro de 1822, para a eleição dos Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil.


2. A CONSTITUIÇÃO DE 1824

Dois fatos importantes protagonizados por D. Pedro I merecem ser mencionados. O primeiro é a Proclamação da Independência do Brasil do Império Português, no dia 7 de setembro de 1822. O Segundo, foi a outorga ao povo brasileiro da primeira Constituição Política do Brasil [13] jurada em 25 de março de 1824.

Ainda com relação a este segundo fato, deve-se destacar a divisão dos poderes políticos nela reconhecida como o Poder Moderador, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judicial. [14]

Dentre esses poderes acima citados deve-se mencionar o Poder Moderador que era função exclusiva do imperador, o qual deveria zelar pela manutenção da Independência, e o equilíbrio e harmonia entre os demais poderes políticos. Já o poder Legislativo era composto por duas Câmaras ( a Câmara dos deputados e a Câmara dos Senadores) onde cada legislatura duravam quatro anos.

Em relação a Constituição de 1824, deve-se ressaltar que a mesma representou um grande avanço sobre o conceito das Câmaras Municipais do período colonial, pois segundo a nova constituição todas as cidades e vilas já existentes, bem como, nas que fossem criadas futuramente, deveriam possuir uma Câmara, as quais seriam compostas por vereadores regularmente eleitos, competindo-lhes, sobretudo, a captação manutenção e aplicação de suas rendas e do governo municipal.

Por outro lado, as Câmaras Municipais não mais teriam jurisdição contenciosa [15], limitariam-se a sessões administrativas, revogando na prática as Ordenações do Reino que até então regiam o seu funcionamento.

2.1. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO

O Sistema Político no tempo do Império era bicameral [16], sendo composta por duas Casas: a Câmara dos Deputados e a Câmara do Senado.

No que tange a escolha dos deputados e dos senadores, a mesma era feita por meio de sufrágio censitário e em dois graus, com a população escolhendo os eleitores de paróquia, estes então escolhiam os eleitores de província, os quais deveriam escolher os deputados e os senadores.

Entretanto, existia uma diferença na escolha dos deputados e senadores; enquanto os deputados eram escolhidos para uma legislatura de quatro anos e de forma direta pelos eleitores de província, os quais foram eleitos de forma indireta pelos cidadãos ativos em Assembléias Paroquiais [17], os senadores tinham a vitaliciedade do cargo e o Imperador escolhia o terço da totalidade dos senadores a partir de lista tríplice formulada pelos eleitores de província. [18]

O número dos deputados de que cada província era capaz de eleger não era matéria constitucional e deveria ser regulamentada por legislação ordinária já que este número deveria ser relativo à população do Império, como determinava a Constituição: "Uma lei regulamentar marcará o modo prático das eleições, e o número dos Deputados, relativamente à população do Império" (art. 97 da Constituição do Império). Por sua vez, o número de senadores variava de acordo com a representação proporcional na Câmara dos deputados:

"Cada Província dará tantos Senadores quantos forem metade se seus respectivos Deputados, com a diferença que, quando o número de Deputados da Província for impar, os dos seus Senadores será metade do número imediatamente menor, de maneira que a Província que houver de dar onze deputados, dará cinco Senadores.". (art. 41 da Constituição do Império).

O sistema político ora apresentado, funcionou de forma eficaz e razoável durante todo o império como pode ser verificado no seguinte texto:

"Na verdade, o País praticou entre 1821 (antes da outorga da Carta de 1824, portanto) e 1881, data da Lei Saraiva, que instituiu o voto direto, o processo de escolha de Deputados e Senadores em dois turnos, o que representava, relativamente ao que se praticou na época em Portugal e Espanha, com eleições em quatro turnos, um razoável avanço.". [19]

Levantavam-se contra este sistema, no entanto, duas questões relativas à representação: a autenticidade dos votos, tendo em vista que em 1881 o Brasil possuía 12 milhões de habitantes, e portanto, apenas 150 mil eleitores, (IBGE, 2002), um número insignificante, vez que o voto universalizou-se apenas no século XX e as mulheres só passariam a ter direito a voto, no Brasil, a partir de 1934; e a falsificação da vontade do eleitor por meio da excessiva intervenção do Poder Moderador e do Poder Executivo que levados pela necessidade que tinham de assegurar a unanimidade nas câmaras interviam nos pleitos eleitorais para lhes assegurar a preponderância na política do País.

2.2. AS LEIS ELEITORAIS DO IMPÉRIO

Foram várias as Leis Eleitorais no período do Brasil Império, também chamadas de Instruções. Essas Instruções eram feitas através de Decreto do Imperador e várias delas ditadas com o intuito de regulamentar a anterior.

A primeira Lei Eleitoral do Império, foi datada de 26 de março de 1824, onde todo o povo foi convocado a comparecer as juntas eleitorais para escolherem os Senadores, Deputados e Membros das Assembléias Legislativas Provinciais.

A Segunda Lei Eleitoral do Império foi data de 01 de outubro de 1828. Esta Lei determinava a obrigatoriedade de se convocar eleições municipais para eleger os vereadores que substituiriam as legislaturas anteriores e mantinha o mesmo espírito da lei anterior, modificando apenas atos procedimentais.

Então, em 19 de agosto de 1846, D. Pedro I, tendo por base a Constituição do Império do Brasil decreta e sanciona a Lei n.º 387, a primeira lei eleitoral realmente brasileira, que regulava a maneira de proceder às eleições de Senadores, Deputados, membros das Assembléias Provinciais, Juizes de Paz e Câmaras Municipais.

Esta Lei, foi o marco final da aplicação das Ordenações do Reino em todo o Império do Brasil, constituindo-se em um marco importante na história da evolução das leis eleitorais do Brasil, pois ela é considerada a primeira lei eleitoral brasileira, elaborada por determinação da Constituição Brasileira e dispunha de um capítulo especial sobre o alistamento dos eleitores. Ela teve o mérito de procurar moralizar as eleições, posto que uma junta deveria listar todos os eleitores ativos da paróquia.

Em 19 de setembro de 1855, o Imperador assinou Decreto de nova Lei Eleitoral. Esta lei possuía apenas 20 artigos, mas fazia modificações profundas na lei eleitoral vigente, dentre elas destacava-se o seu parágrafo terceiro, o qual determinava que as províncias seriam divididas em tantos distritos eleitorais quantos fossem os seus deputados, de modo que houvesse apenas um deputado por distrito. Essa Lei ficou conhecida como Lei dos Círculos.

2.3.A LEI SARAIVA

No dia 9 de janeiro de 1881, foi sancionado pelo Imperador a mais importante legislação eleitoral do Brasil, através do Decreto n.º 3029, sendo regulamentada após sete meses através do Decreto n.º 8213 de 13 de agosto de 1881.

As informações referentes a esta Lei revelam que ela era muito avançada para o seu tempo, e em se tratando da matéria, essa legislação foi a da mais alta importância na vida política do país, podendo-se dizer sem sombra de dúvida que a sua forma e espírito perdura até hoje, passados mais de um século.

A presente lei recebeu o nome de Lei Saraiva ou Lei do Censo, e determinava o voto direto nas eleições em todo o Reino e em seu preambulo determinava a realização de um censo em todo o Reino com vista a ser efetuado o alistamento dos eleitores.

As reformas introduzidas por esta lei foram profundas, podendo ser verificada tal mudança através da análise de seu artigo primeiro o qual dizia que as nomeações dos senadores e deputados seriam feitas através de eleições diretas, onde tomariam parte da mesma todos os cidadãos alistados, ficando assim abolido o sistema de eleições indiretas que vinham sendo adotado no Brasil desde 1821, instituindo, pela primeira vez no Brasil, o sistema de eleições diretas, através do voto secreto.

Essa lei não tratava só das eleições dos senadores e dos deputados, ela determinava também, que os cargos para juizes de paz, vereadores e procuradores gerais também seriam objeto de eleição, bem como, permitia que os candidatos ao cargo eletivo poderiam indicar fiscais junto às assembléias eleitorais.

A lei estabelecia ainda, que nenhum cidadão poderia ser incluído no alistamento sem o ter requerido por escrito, e junto com o requerimento deveria anexar provas de que tinha renda líquida anual não inferior a duzentos mil réis, por bem de raiz, indústria, comércio ou emprego. Vale ressaltar, que sem esses requisitos o eleitor não poderia ser alistado e caso não possuísse esse documento, a expedição do título de eleitor seria feito por um Juiz de Direito.

Complementando as informações sobre a lei, observa-se que a mesma não se esqueceu dos analfabetos, pois os mesmos poderiam obter o requerimento de alistamento desde que o pedido fosse feito por algum eleitor por ele indicado.

Quanto as condições de elegibilidade a lei determinava que o cidadão que desejasse concorrer a qualquer dos cargos deveria ter as qualidades exigidas para ser eleitor e não ter sido pronunciado em nenhum processo criminal.

Esta lei estabelecia ainda, que o candidato para concorrer ao cargo de senador deveria ter mais de 40 anos de idade e renda anual não inferior a um milhão e seiscentos mil réis, por bem de raiz, indústria, comércio ou emprego.

Para concorrer ao cargo de deputado à Assembléia Geral deveria possuir renda anual de oitocentos mil réis, por bem de raiz, indústria, comércio ou emprego e para ser membro da Assembléia Legislativa Provincial o mesmo deveria residir na província há mais de dois anos.

Para ser vereador ou juiz de paz era necessário que o candidato residisse no município ou no distrito de paz por mais de dois anos.

Seriam eleitos os candidato que obtivessem a maioria absoluta dos votos dados na eleição, caso não nenhum candidato conseguisse a maioria absoluta, haveria outra eleição 20 dias após onde concorreriam os dois candidatos mais votados, sendo eleito o que obtivesse a maioria simples dos votos.

A lei tratava, ainda, em um de seus capítulos, dos crimes eleitorais, onde as penas cominadas aos que cometessem algum crime de natureza eleitoral iam desde multas a penas de prisão.

Com relação ao decreto que regulamentou a Lei do Censo ou Lei Saraiva, a mesma estabeleceu que as eleições seriam feitas de quatro em quatro anos, no primeiro dia útil do mês de dezembro da última legislatura. O Decreto estabelecia também, que, como o sistema de governo era parlamentar, no caso de dissolução da Câmara dos Deputados deveria ser marcado dentro do prazo de quatro meses, contados da data do decreto de dissolução da Câmara, um dia útil para a nova eleição.

Por outro lado, a regulamentação da lei do Censo ou Lei Saraiva, proibia expressamente que os senadores, deputados e membros das assembléias provinciais, durante o mandato e até seis meses após o seu encerramento, não poderiam aceitar comissões ou empregos remunerados do governo geral ou das províncias, bem como, efetuar qualquer tipo de transação com o Estado.

No que se refere as eleições, as mesmas iniciavam-se às 9 horas da manhã e terminava as 7 horas da noite do mesmo dia e a mesa seria composta por quatro mesários e um presidente, sendo os mesários dispostos de forma que o presidente ficasse ao centro e os fiscais designados pelos candidatos ficariam próximo das extremidades da mesa.

A Lei proibia ainda, a presença de policiais no interior do recinto da eleição, exceto quando requisitado pelo presidente da mesa. Ainda de acordo com a Lei, o eleitor colocava seu voto dentro de um envelope, fornecido pelos componentes da mesa e em seguida o depositava na urna que era fechada a chave. Em seguida, o eleitor assinava o nome no livro de votação, e no caso de o mesmo ser analfabeto, deveria indicar alguém para assinar em seu lugar, e no caso de restar alguma dúvida quanto a identidade do eleitor, o voto seria tomado em separado para posterior análise do juiz de direito.

Findo este processo, a apuração da eleição seria no mesmo dia, e os mesários tomavam parte da apuração como escrutinadores.

Após a apuração da eleição era organizada uma relação com o nome dos candidatos e a quantidade de votos recebidos por cada um deles, a partir dos nomes do candidato mais votados, e afixava-se no local da eleição/apuração uma cópia.

Terminado o processo de apuração era lavrada a ata de eleição, devendo constar da mesma o resultado da apuração, da forma acima explicada.

As eleições para senadores eram feitas somente em caso de morte ou aumento do número de senadores, pois os cargos eram vitalícios, ressalvando-se que, o eleito não seria o mais votado, mas sim o candidato escolhido pelo imperador através de uma lista tríplice com o nome dos três candidatos mais votados.


3. BRASIL REPÚBLICA

Com a proclamação da República e a conseqüente queda do regime monárquico, iniciou-se uma nova era na legislação eleitoral brasileira. A partir deste momento, passaram a ser considerados eleitores todos os cidadãos brasileiros no gozo dos seus direitos civis e políticos que soubessem ler e escrever. Neste ponto cabe destacar que foram extintos todos os privilégios eleitorais do período do Império.

A titulo de ilustração, cabe aqui lembrar, que foi este o momento histórico do início do sufrágio universal no Brasil.

Entretanto, cabe ressaltar, que a República foi um regime outorgado ao povo brasileiro, bem como, a Constituição, sendo certo que todas as outras Constituições Republicanas até a promulgação da Constituição de 1988, nenhuma outra foi submetida à apreciação popular sobre a forma e o sistema de governo pelo qual deveria ser regido. Nesta linha de raciocínio, verifica-se que aos habitantes do País era dado apenas o direito de escolher os dirigentes dos regimes recém instalados.

Outro fato que merece ser mencionado, é que no dia 23 de junho de 1890, foi publicado a primeira Lei Eleitoral da República, através do Decreto n.º 511, a qual foi elaborada pelo então Ministro do Interior, José Cesário de Faria Alvim. Tal Lei ficou conhecida como Regulamento Alvim.

Este Regulamento, quase todo baseado na Lei Saraiva quanto ao processo de eleição, nortearia os brasileiros em sua primeiras eleição Republicana, na qual seriam eleitos os deputados constituintes.

Finalmente, é importante citar que, segundo o Regulamento Alvim, a nomeação dos deputados e dos senadores eram feitas pelos Estados através de eleição popular e direta, onde cada Estado teria direito a três senadores e quantos deputados fossem necessários para cobrir a proporcionalidade de sua população

3.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1891

É importante ressaltar, que a primeira constituição da República do Brasil foi decretada e promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891, contudo, o Congresso convocado com as prerrogativas de constituinte foi instalado em 15 de novembro de 1890, recebendo do governo provisório o anteprojeto da nova Constituição pronto. Aos Constituintes caberia apenas revisá-lo e adequá-lo as necessidades da população, todavia a estrutura do anteprojeto foi preservada em sua essência e até em grande parte de sua redação.

Ainda com relação à Constituição de 1891, a mesma é considerada como a mais concisa das seis Constituições da República [20], pois possuía noventa e um artigos em seu corpo, mais oito artigos referentes às Disposições Transitórias. A Constituição era dividida em cinco Títulos e subdivididos em Seções e Capítulos. O Título I tratava da "Organização Federal", era estruturada sob a forma de governo representativo e presidencialista em uma República Federativa. Neste título regulavam-se os Três Poderes Nacionais, segundo a clássica divisão de Montesquieu. [21]

Finalmente a Constituição de 1891 dispunha que o Poder Legislativo seria exercido pelo Congresso Nacional, na forma bicameral [22], dividindo-se em Câmara dos Deputados e Senado Federal.

Neste ponto, cabe mencionar, que as eleições para deputados e senadores, seriam simultâneas em todo o território nacional e cada legislatura duraria três anos. Com relação à Câmara dos Deputados a mesma seria composta por representantes eleitos nos Estados e no Distrito Federal, mediante sufrágio direto para um mandato de três anos.

No tocante ao número de cadeiras a serem preenchidas, a mesma se daria na proporção de um deputado para cada setenta mil habitantes, e que o número mínimo de deputados por Estado seriam quatro [23]; com relação ao Senado, este seria composto por cidadãos brasileiros maiores de trinta e cinco anos de idade no gozo dos seus direitos civis e políticos, sendo que cada Estado e o Distrito Federal elegeriam três senadores cada, para um mandato de nove anos, com a renovação de um terço do Senado trienalmente. [24].

As condições para a eleição do Presidente ou Vice-Presidente da República [25], não eram tão diferentes das hoje existentes, pois os candidatos aos cargos deveriam ser brasileiro nato; estar no gozo dos seus direitos civis e políticos e ter mais de trinta e cinco anos de idade, sendo considerados eleitos os candidatos que obtivessem a maioria absoluta dos votos através do sufrágio direto, caso tal não ocorresse, o Congresso Nacional, em sessão conjunta, elegeria em segundo turno, por maioria dos votos dos presentes (maioria simples) e em sessão única um dos dois candidatos que tivesse alcançado a maioria dos votos na eleição direta.

Competia ainda, privativamente ao Congresso Nacional regular o processo eleitoral para os cargos federais em todo o país.

Quanto aos eleitores, estavam aptos a votar todos os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos já alistados (Lei Saraiva ou Lei do Censo, 1881), e os que se alistarem na forma da lei vigente.

3.1.1. O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

A estrutura do Direito Eleitoral Brasileiro, baseou-se no Código Eleitoral de 1932 e na Lei Saraiva de 1881, pois estas leis foram um marco revolucionário pela sua importância, alcance e influência, devido a instituição da representação proporcional e do voto secreto.

Segundo Rui Barbosa, essa forma de voto era uma garantia essencial e capital para a moralidade e independência do eleitor, já que a audácia de suas soluções e lealdade de seus propósitos democráticos marcaria um progresso irredutível em nossos costumes eleitorais, tanto que assim descreve Barbosa Lima Sobrinho no livro Constituições Brasileiras – 1946:

"E quem pensasse, hoje, em suprimir o voto direto, ou voto secreto, não estaria propondo reformas eleitorais, mas conspirando, perigosamente, contra o próprio regime representativo."

Dentre os vários princípios do Código Eleitoral de 1932 está o da universalidade do sufrágio, considerando o voto como um direito e um dever cívico derrubando de vez a base censitária e estendendo o direito ao voto às mulheres.

O código eleitoral de 1932 possibilitou aos habitantes do país, conhecer as várias linhas do pensamento político praticado no mundo, marcando de forma indelével o direito público brasileiro, possibilitando assim, o estabelecimento de uma democracia moderna, com a criação dos princípios de uma democracia de partidos políticos.

O partido político é uma organização de pessoas que inspiradas por idéias ou movidas por interesse, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para a realização dos fins propostos e segundo Kelsen seria uma ilusão ou hipocrisia sustentar a possibilidade de uma democracia sem partidos políticos.(Bonavides, 1998).

Diante desse contexto, verifica-se, que o Código Eleitoral de 1932 foi antes de tudo uma lei a frente de seu tempo, a qual instituía uma Magistratura Especial que tinha como um de seus principais poderes pronunciar-se sobre todas as questões eleitorais que surgissem desde o alistamento dos eleitores à proclamação dos vencedores em uma eleição e os recursos contra essa proclamação. Assim, pelo conjunto de procedimentos eleitorais adotados, pode ser constatado que estava criada a Justiça Eleitoral.

Cabe Ressaltar, entretanto, que era de responsabilidade da recém criada Justiça Eleitoral, além de alistar ao eleitor e proclamar os vencedores, organizar as mesas e nomear os mesários, determinar os locais para as seções eleitorais e distribuir o material necessário à eleição.

Competindo, assim, à Justiça Eleitoral, a apuração dos sufrágios, bem como, conhecer e decidir sobre as dúvidas e impugnações que se apresentassem durante o pleito.

Finalmente, deslocava-se do Poder Legislativo a competência para o reconhecimento dos poderes que tradicionalmente era um privilégio pertencente às assembléias políticas para que se fosse estabelecida sua condição de independência.

3.2. A CONSTITUIÇÃO DE 1934

Com relação a constituição promulgada em 16 de julho de 1934, a mesma continha 187 artigos distribuídos em oito títulos subdivididos em capítulos e seções.

Nessa linha de pensamento cabe salientar, que esses capítulos mantiveram o Brasil como República Federativa sob o regime representativo em sua forma de governo.

Quanto a Câmara dos Deputados, esta seria composta mediante o sistema proporcional dos votos universal, direto e igualitário, além dos representantes eleitos pelas organizações profissionais. [26]

Os deputados seriam eleitos proporcionalmente ao número de habitantes de cada Estado e do Distrito Federal. Nesse ponto é importante frisar, que o número de habitantes não poderia exceder a proporção de um representante para cada 150 mil habitantes, até o limite de vinte representantes, e que os eleitos das organizações profissionais poderiam atingir a um quinto da representação popular. Ainda com relação aos representantes das organizações populares cabe mencionar, que eles eram eleitos por sufrágio indireto nas associações profissionais.

Já o Senado era composto por dois representantes de cada Estado, eleitos dentre os brasileiros natos, maiores de trinta e cinco anos para um mandato de oito anos.

Destaca-se ai, que pela primeira vez a Constituição do país, recepcionou à Justiça Eleitoral como instituição, a qual seria composta por um Tribunal Superior de Justiça Eleitoral na Capital da República e um Tribunal Regional na capital de cada Estado. Cabe ressaltar, que o art. 83 da referida Constituição estabelecia que competia privativamente à Justiça Eleitoral a elaboração do processo eleitoral federal, estadual e municipal.

Os artigos elencados no Título III, Capítulo I, da Constituição de 1934, foram de grande avanço na sistemática eleitoral brasileira, pois tratavam dos direitos políticos dos brasileiros. [27] Esse fato pode ser verificado, especialmente no art. 108 o qual assegurava às mulheres o direito constitucional ao voto, declarando serem eleitores os brasileiros de um ou de outro sexo e os maiores de dezoito anos, desde que devidamente alistados.

A questão eleitoral, no entanto, ficou prejudicada, pois a eleição para presidente, bem como para os demais cargos eletivos no País não se realizaram, com exceção da eleição indireta para a Assembléia Constituinte.

3.3. A CONSTITUIÇÃO DE 1937

Em 10 de novembro de 1937 foi outorgada ao povo brasileiro a sua quarta Constituição. Porém, diferentemente da Constituição de 1824, a forma de governo não era uma monarquia, mas sim, um regime ditatorial. Sobre este regime, dizia-se que a sua principal finalidade era a de preservar a ordem política e social do país, além de realizar uma grande obra administrativa.

Entretanto, a Constituição de 1937, considerada por muitos como uma constituição fascista, serviu apenas com a finalidade de manter no poder o presidente Getúlio Vargas.

Corroborando tais assertivas temos a entrevista de Francisco Campos [28] dada ao Jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro, publicada em 03 de março de 1945, o qual dizia: [29]

"Mas a constituição de 1937 não é fascista, nem é fascista a ditadura cujos fundamentos são falsamente imputados à Constituição. O nosso regime, tem sido uma ditadura puramente pessoal, sem o dinamismo característico das ditaduras fascistas, ou uma ditadura nos moldes clássicos das ditaduras sul-americanas."

Segundo Francisco Campos, não podia chamar de fascista uma constituição que trazia em seu corpo um capítulo destinado as garantias individuais.

No pensamento de Walter Costa Porto, não é o nome de constituição que confere a uma lei esse caráter bem definido e determinado na ciência jurídica. Para que uma constituição o seja realmente, faz-se necessário que a sua adoção emane de um poder constituinte, o qual não pode ser outro que o detentor originário da soberania.

Segundo as obras acima citadas, verifica-se que outrora, este poder era exercido pelo príncipe, e dentro dessa concepção verifica-se que o Estado era absolutista, porém, tal poder passou a residir no povo quando da concepção democrática do estado de direito.

Entende-se por ditador ou regime ditatorial, a pessoa ou corpo de pessoas a quem, politicamente, nada existe superior em um Estado determinado. Foi, portanto, pelo fato de ter emanado de uma pessoa no exercício do poder constituinte e não em virtude de qualquer característica formal ou material que a lei tenha lhe conferido, que a Constituição de 1937 foi adotada como lei fundamental do nosso País, como se verifica do seguinte texto: [30]

"E exagerando em seu discricionarismo, Getúlio Vargas, por onze vezes, por meio de "Leis Constitucionais", alterou o texto da Carta de 1937, entendendo, assim, reter o Poder Constituinte originário, cada reforma correspondendo, para seus críticos, a uma nova outorga, a um golpe de estado complementar."

3.4. A CONSTITUIÇÃO DE 1946

Em 1945, com o final da 2ª Grande Guerra Mundial, o Brasil se viu na contramão da história, pois lutando ao lado do 5º Exército Americano na Itália, os Oficiais do Exército Brasileiro se deram conta da anomalia de lutar pela democracia no exterior enquanto persistia uma ditadura em seu próprio país, colocando-se do ponto de vista ideológico, ao lado dos vencidos.

Com a força da mudança da mentalidade dos que lutaram durante a 2ª Grande Guerra Mundial, em fevereiro de 1946 instalou-se no país a Assembléia Constituinte, culminando com o decreto que promulgou a 5ª Constituição do Brasil no dia 18 de setembro de 1946, restaurando o regime destruído pelo golpe de 1937.

Tão bem redigida, quanto a Constituição de 1891, a Constituição de 1946 possuía 218 artigos, além do "Ato das Disposições Transitórias" com mais 36 artigos.

Em linhas gerais a Constituição assemelhava-se a Carta Magna de 1891, porém sem a rigidez presidencialista, sendo conservado os dispositivos que permitiam o comparecimento espontâneo dos Ministros a Plenário, as Comissões de Inquérito Parlamentar por iniciativa de 1/5 dos membro de cada Câmara e a possibilidade de o congressista ser Ministério de Estado sem perder o mandato, contudo, em contrapartida a Constituição de 1946, no art. 48, § 2º, estatuiu que perderia o mandato, por 2/3 dos votos de seus pares, o deputado ou o senador cujo procedimento fosse incompatível com o decoro parlamentar, coisa que até então era inconcebível nas Constituições do Brasil e de outros Estados soberano.

O que mais contribuiu na elaboração da carta política, no entanto, foi a coincidência de dois fatores políticos: a) a limitação dos atos do presidente em reação contra os exageros do presidencialismo da República Velha e, b) uma reação contra as tendências ditatoriais, que modelaram a Carta de 1937.

Quanto as eleições, ou ao sistema de voto mantiveram-se o espírito do Código Eleitoral de 1932, acrescentando, porém, uma alteração que iria ser passageira: a representação proporcional, adicionada à representação política, conforme preconizava o art. 134 da Constituição.

No dia 25 de agosto de 1961, o então presidente da república, Jânio Quadros, encaminhou ao Congresso Nacional sua renúncia e no dia 02 de setembro de 1961 o Congresso Nacional, através das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram a emenda constitucional n.º 4. Esta emenda ficou conhecida como "Ato Adicional", que instituía o sistema parlamentar de governo na tentativa de uma solução apaziguadora entre os militares e os congressistas, pois os primeiros não queriam que o vice-presidente João Goulart assumisse a Presidência da República.

Contudo, em janeiro de 1963 através de um plebiscito o povo pediu o retorno do regime presidencialista, sendo o mesmo efetivado através da emenda constitucional n.º 6, datada de 23 de fevereiro de 1963.


4 O GOLPE MILITAR E O ATO INSTITUCIONAL

No dia 31 de março de 1964 os Comandantes-em-Chefe das Forças Armadas sob a alegação de restaurar no Brasil a ordem econômica, financeira, política e moral, bem como, impedir que se instalasse no país um regime bolchevista, e com a finalidade de restaurar a ordem interna e o prestígio internacional do país promoveram a revolução militar que culminou com a derrubada do Presidente da República e a tomada do poder constitucional.

Assim, em 09 de abril de 1964, investidos no exercício do Poder Constituinte, que segundo os próprios militares revolucionários definiram como sendo a forma mais expressiva e mais radical de poder que poderia se manifestar tanto através da eleição popular como pela revolução, e, representando o Povo e em seu nome exercendo o Poder Constituinte, de quem era o único titular editaram o Ato Institucional n.º 1 mantendo a Constituição de 1946 em vigor e o Congresso Nacional funcionando com as devidas limitações.

"... A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação.... A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte.... Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte.... Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular.... " [31]

4.1. AS CONSTITUIÇÕES MILITARES DE 1967 E 1969

Situar as Constituições brasileira de 1967 e 1969 dentro do contexto que integravam o mecanismo do sistema político daquela época é uma tarefa um tanto quanto difícil, já que elas possuíram dois focos bem caracterizados do poder: o primeiro era que no plano federal era a União quem centralizava o sistema e representava a totalidade do poder do Estado brasileiro; e o segundo era que na organização dos poderes federais era o Executivo quem concentrava o poder e exercia o efetivo comando político, bem como, possuía um amplo poder de decisão.

Estas Constituições depois de afirmarem que a forma de Estado seria a federação, estabeleceram que o sistema político seria o democrático e a forma de governo republicana, no entanto, não esclareceram se a república seria presidencialista ou parlamentarista.

Contudo não seria necessário, tendo em vista que, segundo os ensinamentos de Rousseau em sua obra O Contrato Social, não se admite um corpo intermediário entre o indivíduo e seu representante, nem mesmo uma representação, porque é ele quem exerce diretamente o poder [32].

Os mecanismos constitucionais destinados à ação política do Estado foram amplamente utilizados para o funcionamento do regime político instituído. Contudo, este regime caracterizaram-se pela centralização política da União no sistema federal e do Poder Executivo dentro do governo da União, onde o poder Executivo era escolhido em um processo eleitoral indireto pelo Congresso Nacional e pelos representantes dos Legislativos estaduais.


5. O RETORNO A DEMOCRACIA

Ainda sob a vigência da Constituição de 1967, foi editada a Emenda constitucional n.º 15 de 19 de novembro de 1980, que restabeleceu o voto direto nas eleições para Governador de Estado e para Senador da República, iniciando-se, assim, o processo de abertura política tão almejado pela população do País.

A abertura política alcançou o seu auge através da Emenda Constitucional n.º 25 promulgada em 15 de maio de 1985. Esta Emenda alterava alguns dispositivos da Constituição Federal, estabelecia normas constitucionais de caráter transitório, que vinham trazendo o País para a democracia plena, ou seja, alterava os arts. 74 e 75 da CF/67, e faziam com que o Presidente e o Vice-Presidente da República passassem a ser eleitos por sufrágio universal e voto direto e secreto em todo o País.

Ainda sobre este processo, é importante destacar, que seria eleito o candidato que obtivesse a maioria absoluta dos votos, não sendo computados os votos em brancos e os nulos. Nessa linha de raciocínio, verifica-se que a alteração do art. 152 da Constituição federal deixava livre a criação de partidos políticos, devendo a sua organização e funcionamento resguardarem a soberania nacional, o regime democrático, o pluralismo partidário e os direitos fundamentais do cidadão.

Por fim, é importante lembrar que o ápice do processo de abertura ocorreu com a edição da Emenda Constitucional n.º 26 em 27 de novembro de 1985, que convocou a Assembléia Nacional Constituinte.


6. CONCLUSÃO

Os Sistemas Eleitorais e suas possibilidades de evolução para mecanismos que permitam ao povo uma maior participação no seu próprio destino visam uma melhoria na qualidade de vida e torna-se um instrumento importante para a compreensão da Democracia, eis que, se não condicionam, pelo menos têm forte relação com os sistemas partidários e com os sistemas de governo, pois suas diversas modalidades influenciam o eleitor, restringindo ou não sua liberdade de escolha, dando-lhe maior ou menor expressão, não restando dúvidas, portanto, de que todas essas questões não serão resolvidas com apelos éticos ou partidários.

Torna-se necessário enfrentar a reforma do sistema que gera as distorções. E isto, só será possível, com a construção de partidos representativos, coesos e capazes de operar o processo político competentemente, dentro das regras do jogo democrático, que dá direito às maiorias de governar e às minorias de fazer oposição e lutar por meios pacíficos para tornarem-se maioria no decurso das sucessivas eleições.

Neste trabalho, foram apresentados alguns exemplos das inúmeras variantes que os sistemas eleitorais combinados podem ter, contudo, o Brasil deve criar o seu próprio sistema eleitoral, que se adeqüe à sua realidade sócio-econômica, um sistema que permita a renovação e o aprofundamento da democracia, rompendo com a longa e triste tradição clientelista que transforma o espaço político em mercado.

Como pode ser observado, os Sistemas Eleitorais podem ser classificados em vários modelos, que terão incontáveis variações, se confrontados o seu funcionamento nas mais variadas regiões do planeta.

A legislação eleitoral no Brasil, embora consagre modelos que também são aplicados em outros países, possui variações que são típicas de nossa história e que correspondem, muitas vezes, a situações específicas do jogo de poder. É importante este referencial, porque, mais do que em qualquer outro ramo do Direito, ele se faz sentir no Direito Eleitoral Brasileiro.

Não se pode ter, pois, a errada sensação de que pode se conhecer o funcionamento de um sistema eleitoral, apenas pela leitura de suas linhas gerais de funcionamento. Para o seu conhecimento é necessário o estudo criterioso de toda legislação eleitoral em vigor, em um determinado momento, confrontando-a com a realidade histórica vivida naquele momento e os seus precedentes.

O povo brasileiro deve falar, discutir, reunir-se e organizar-se em partidos segundo o sistema que for, sem a intenção de que esta mudança transforme tudo de um dia para o outro. Deve-se ter em mente a certeza de que ela dará ao Brasil um impulso extraordinário no caminho da solução dos seus problemas, na esperança de que ao despertar, por assim dizer do sono hipnótico em que vive mergulhado, possa-se deixar às gerações futuras, um País sem injustiças sociais, com uma divisão de riquezas equânime e sem as mazelas da fome e do analfabetismo.

Ao se polir e fazer vicejar este gigante adormecido, belo e forte pelo própria natureza, usando-se dos meios criados pelos inteligentes e capazes filhos desse solo, deverão ser aparadas todas as suas arestas, pois, o Brasil, sendo o sol do novo mundo irá irradiar sua luz, naturalmente, aos olhos de Deus e dos demais países.

O Brasil é o mais belo recanto desse Planeta, e, quem nele perde as esperanças, não pode ser digno de ser chamado de brasileiro, quiçá de nele viver.


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Notas

1. Sobre o assunto assim escreveu Gilberto Amado em sua obra Eleição e Representação, p. 121: "... aos olhos dos políticos e escritores realistas, adeptos da democracia, não há lugar para o ideal de perfeição nesse como em nenhum regime; que a clientela eleitoral, formada por homens, será sempre imperfeita, conduzida por interesses, aqui superiores, ali inferiores, humanos sempre; e que os partidos, essas organizações da clientela eleitoral, são instrumentos indispensáveis, necessários, implícitos à natureza das instituições democráticas que sem eles não podem existir; inerentes ao poder de sufrágio que sem eles não se pode exercer convenientemente. Assim serão em todos os regimes a se fundar, no futuro, como o foram sob todos os regimes do passado."

2. Almotacel = Inspetor de Pesos e Medidas encarregado de afixar os preços dos mantimentos.

3. Cf. Manoel Rodrigues Ferreira, A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, p. 45.

4. Ouvidor do Rei – Antigo nome dado aos Desembargadores.

5. Cf. Manoel Rodrigues Ferreira, ob. Cit., p. 53.

6. Legislatura – Tempo durante o qual os Legisladores exercem seus poderes.

7. Cf. Manoel Rodrigues Ferreira, ob. Cit., p. 54.

8. Cf. Manoel Rodrigues Ferreira, ob. Cit., p. 61.

9. Cf. Manoel Rodrigues Ferreira, ob. Cit., p. 88.

10. Cópia do Decreto Real encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

11. Cf. Manoel Rodrigues Ferreira, ob. Cit.

12. www.ibge.gov.br

13. Conforme José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 39/44. Constituição é a Lei Fundamental de um Estado, é um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras que regula a forma do estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua atuação e os direitos fundamentais do cidadão. E Segundo o autor uma concepção mais abrangente, é que a Constituição tem como forma um complexo de normas escritas ou costumeiras; como conteúdo a conduta humana motivada pelas relações sociais, econômicas, políticas, religiosas, etc. como fim a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade e como causa criadora e recriadora o poder que emana do povo.

14. Podemos dizer nesse sentido que a Constituição do Império do Brasil, na forma de seu art. 178, definia como constitucional só o que dizia respeito aos limites e atribuições respectivas aos poderes políticos, e aos poderes políticos individuais dos cidadãos, não sendo considerada constitucionais as demais normas nelas inseridas que não tratassem dessa matéria. Nesse passo, podemos classificar a Constituição de 1824 como sendo uma Constituição quanto ao seu conteúdo como sendo material em sentido estrito, quanto ao modo de sua elaboração como sendo dogmática e quanto a sua estabilidade como sendo semi-rígida. Em contraponto temos Paulo Bonavides na obra Curso de Direito Constitucional, p.66, o qual refere-se à estabilidade apenas como rígida ou flexível, variando apenas o grau de sua rigidez

15. Jurisdição Contenciosa – Poder concedido as Câmaras de dirimir os conflitos existentes.

16. Bicameral – Sistema político com dualidade de órgãos legislativos.

17. Conf. Arts. 17 e 30 da Constituição do Império do Brasil.

18. Conforme o Capitulo III, art. 40 e seg. da Constituição do Império do Brasil.

19. Cf. Octaciano Nogueira, Constituições Brasileiras, v. I

20. Cf. Aliomar Baleeiro, Constituições Brasileiras v, II.

21. Cf. José Afonso da Silva, ob. cit. p. 80/81. Rompera-se com a divisão quadripartida vigente no Império de inspiração de Benjamin Constant, para agasalhar a doutrina tripartida de Montesquieu, estabelecendo como órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si, firmando a autonomia dos Estados, aos quais conferia-se competências remanescentes, prevendo-se também a autonomia municipal.

22. Idem, p. 33

23. Cf. art. 24 da Constituição do Brasil de 1891.

24. Cf. art. 30 e seg. da Constituição do Brasil de 1891.

25. Cf. art. 47 e seu parágrafos da Constituição do Brasil de 1891.

26. Cf. art. 23 e parágrafos da Constituição Brasileira de 1934.

27. Cf. Ronaldo Polletti, Constituições Brasileiras, v III.

28. Cf. Walter Costa Porto, Constituições Brasileiras, v. IV

29. Cf. Walter Costa Porto, ob. cit., que traz em seu bojo o manifesto dos professores da Faculdade Nacional de Direito, manifesto este, que trata sobre o golpe de estado, o fascismo as instituições políticas entre outros, terminando com as seguintes conclusões "... não se pode atribuir à Constituição de 1937 os males que tenham resultado para o País, com o regime de Vargas, pois se Ela tivesse vigorado teria certamente constituído importante limitação ao exercício do poder.

30. Cf. Walter Costa Porto, ob. cit. p.53.

31. Ato Institucional n.º de 09 de abril de 1964.

32. Ainda sobre o assunto, assim nos ensina Rousseau: "O soberano pode, em primeiro lugar, confiar o governo a todo o povo ou à maior parte do povo, essa forma de governo denomina-se Democracia; ou então pode confiar o governo nas mãos de um pequeno número, e essa forma de governo recebe o nome de Aristocracia; pode, enfim concentrar todo o governo nas mãos de um magistrado único, de quem os demais recebem o seu poder, que denomina-se Monarquia. Note-se que todas essas formas são suscetíveis de ampliações ou reduções. Há assim, um ponto em que cada forma de governo se confunde com a forma seguinte, e que com apenas três denominações o governo é realmente suscetível de tantas formas diversas quanto o Estado tem de cidadãos. Muito se discutiu, em todos os tempos, sobre a melhor forma de governo, sem levar em consideração que cada uma delas é a melhor em certos casos e a pior em outros."


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Informações sobre o texto

Monografia apresentada para obtenção do grau de bacharel do curso de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3468. Acesso em: 18 abr. 2024.