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Súmula vinculante

Análise do regime jurídico, a partir da compreensão da separação dos poderes do Estado, à luz do ordenamento constitucional positivo brasileiro

Súmula vinculante: Análise do regime jurídico, a partir da compreensão da separação dos poderes do Estado, à luz do ordenamento constitucional positivo brasileiro

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A introdução da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro não afronta a separação de poderes, pois mantém íntegra e harmônica a existência de feixes de competência específicos para cada poder.

“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”.

Guimarães Rosa.

RESUMO: A presente pesquisa trata da discussão acerca da sistemática da Súmula Vinculante no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, com enfoque para uma análise crítica deste instituto jurídico no contexto da Separação de Poderes do Estado, a partir do estudo de obras doutrinárias e de análise jurisprudencial relativos ao tema, objetivando a construção de um perfil atual do assunto e apresentando alternativas quanto ao entendimento das questões polêmicas suscitadas pela disciplina normativa pertinente, no contexto da praxis forense.

Palavras-chave: Súmula Vinculante, Constitucionalismo, Separação de Poderes, Regime Jurídico.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I- CONSIDERAÇÕES INICIAIS.CAPÍTULO II – DA SEPARAÇÃO DE PODERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – A PROBLEMÁTICA DO REGIME JURÍDICO DAS COMPETÊNCIAS ESTATAIS .CAPÍTULO III – DA IDENTIFICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DAS COMPETÊNCIAS ESTATAIS .Seção I – Regime Jurídico da função legislativa.Seção II – Regime Jurídico da função jurisdicional.Seção III – Regime Jurídico da função executiva.CAPÍTULO IV – DA ADOÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .Seção I – Do regime Jurídico da Súmula Vinculante.CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Para que possamos analisar um instituto jurídico, como é o caso a Súmula Vinculante, temos de ter em mente, como ponto de partida, quais são os pressupostos do próprio ordenamento jurídico no qual o instituto está inserido, para, após, identificarmos qual é o regime jurídico a este afeto.      

Neste contexto, a presente pesquisa possui como pressuposto fundamental a compreensão do poder do Estado, a partir da concepção deste como Estado Democrático de Direito Brasileiro, o qual encontra seu pilar fundamental na ordem jurídica sedimentada a partir da Constituição Federal de 1988.

Um dos alicerces da estrutura do nosso Estado, a ser analisado na presente pesquisa, é o princípio da Separação de Poderes, previsto no art. 2º da CF/88, indicativo da consagração de um dos mais importantes princípios afetos ao constitucionalismo, segundo o qual as constituições escritas devem criar mecanismos próprios de conformação do poder estatal.

Este princípio indica, no campo das normas fundamentais do Estado Brasileiro, a necessária observância da divisão das funções do Estado, a fim de que sejam resguardados, não só a limitação da esfera de atuação do ente estatal no âmbito individual, mas também a própria estrutura da organização deste ente, naquilo que leva à compreensão dos objetivos por ele visados.       

Esta forma de se analisar a separação de poderes, inicialmente associada de modo exclusivo à proteção da liberdade, foi estendida para o aumento da eficiência do Estado através da distribuição de suas atribuições entre órgãos especializados. Todavia, há de se convir que a teoria da separação de poderes “pura” - responsável por introduzir a atribuição de funções específicas aos poderes, implicando no fato de que cada poder não pode adentrar nas atividades relacionadas à função do outro, sendo proibido, inclusive, que os ocupantes de cargos em um e outro poder sejam os mesmos simultaneamente - sofreu influências das novas concepções sociais e caminha no sentido de desenvolver interações eficazes entre os poderes.

Com isso, surge a noção da aplicação “parcial” da separação de poderes, na qual é permitido certo grau de compartilhamento funcional a caracterizar um procedimento de freios e contrapesos. Este procedimento significa que uma parte tem o poder de verificar, checar, balancear e, se necessário, bloquear as ações da outra, de modo harmônico e coerente, estabelecendo a moderação entre uma concepção estática (separar cada poder) e uma concepção dinâmica (interagirem os poderes).

Neste contexto, analisando-se detidamente a CF/88, é possível observar que a chamada tripartição dos poderes tem por base, regra geral, o critério orgânico-funcional, que permite a identificação do agente do ato praticado bem como o conteúdo material de determinada atividade estatal na delimitação da repartição do poder.

Todavia, ainda que tal critério possa permitir o traçado de um quadro indicativo das normas relacionadas a cada função do Estado, fato é que o Poder Constituinte Originário não se pautou, estritamente, ao critério orgânico-funcional quando da definição do regime jurídico das várias competências estatais.

Essa assertiva pode ser compreendida ao se analisar as funções legislativa e jurisdicional, cada qual, respectivamente, caracterizada pela indicação de um órgão e uma função específica a esses poderes, critério este que não é suficiente para a correta compreensão da função executiva, uma vez que esta, por permissivo constitucional, poderá ser exercida por todos os poderes do Estado.

A esta altura, percebe-se que formular juízos sobre as funções de um órgão ou sobre a adequação de suas funções a sua estrutura orgânica requer uma análise, sem dúvida, complexa. Por este motivo, a concepção simplista do mecanismo da separação de poderes pretende gerar uma certeza maior do que a que realmente pode ser oferecida. Nesse contexto, a delimitação do regime jurídico das funções do Estado reitera sua importância.

É neste cenário, em que se busca estabelecer qual o limite da atuação do Estado, a partir da divisão do poder neste depositado, que está inserida a problemática da Súmula Vinculante. Isso porque, a definição do regime jurídico das funções do Estado permite que, estabelecido o conjunto de normas e princípios relativos a cada uma delas, possa um dado instituto jurídico ser analisado à luz de tais orientações normativas, inclusive no tocante à verificação dos limites do mesmo, bem como sua compatibilidade com a ordem constitucional.

No caso da Súmula Vinculante, por se tratar de inovação decorrente da atuação do Poder Constituinte Derivado, é preciso que se verifique se as normas criadas para este instituto jurídico se compatibilizam com a função do Estado ao qual está o mesmo inserido e, após, compreendido o feixe de normas relacionados ao instituto da Súmula Vinculante torne-se possível verificar se a atuação do Poder Reformador preservou, ou não, o princípio da separação de poderes, nos termos dispostos na Carta Maior.

É importante notar que a Súmula Vinculante foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através da Emenda Constitucional nº 45/04, denominada “Reforma do Judiciário”. A referida reforma ambientou-se na constatação do congestionamento de processos e na crise judiciária instalada no país, mormente em decorrência da ineficácia da prestação judicial, associada à ausência de celeridade e previsibilidade das demandas, tendo sido a Súmula Vinculante apresentada como um dos instrumentos hábeis a sanar os problemas enfrentados pelo sistema jurisdicional brasileiro, sobretudo ao se considerar que esta estaria associada, primordialmente, ao resguardo da segurança jurídica, da igualdade e da uniformidade de interpretação.

Por estas razões, objetiva a presente pesquisa delinear qual é o regime jurídico do instituto da Súmula Vinculante, compreendido como complexo de normas e princípios a este associado. Além disso, será verificado se este instituto jurídico vem conflitar-se ou harmonizar-se com a separação de poderes, sendo importante ressaltar que, apenas sendo determinado o regime jurídico deste instituto, é possível chegar-se a uma definição dos limites deste na ordem constitucional vigente.

De tal sorte, será possível avaliar até que ponto a Súmula Vinculante interfere ou promove o sistema de freios e contrapesos assegurado pela CF/88, pautando-se na assertiva de que se trata de inovação trazida pelo exercício do Poder Constituinte Reformador, o qual depende de total conformação com os ditames da Carta Maior.

Estas são, portanto, as linhas mestras da presente pesquisa.

Por derradeiro, cientes da impossibilidade de esgotamento do tema tratado, pretendemos que, nas páginas que se seguem, seja encontrado subsídio eficaz a amparar o estudo das questões propostas.


CAPÍTULO I- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O ponto de partida da presente pesquisa, que tem por objetivo a compreensão do regime jurídico da Súmula Vinculante, no contexto da Separação de Poderes do Estado contemporâneo, reside na Constituição Federal de 1988.

Isso porque a Carta Maior - enquanto documento escrito, apto a regular a estrutura e o poder do Estado, bem como capaz de delimitar e garantir o núcleo dos direitos fundamentais - é a responsável pelos alicerces normativos de todo e qualquer instituto jurídico presente no ordenamento positivo nacional.

Importante destacar que, neste contexto, a Constituição deve corresponder integralmente aos anseios e valores presentes na sociedade subjacente, a qual ela pretende disciplinar, ou seja, deve ser um texto normativo íntegro e veraz, onde haja uma identidade entre o que se escreve e o que se faz.

Essa forma de compreender a Constituição possui raízes históricas no movimento denominado “constitucionalismo”, que corresponde à fórmula jurídica encontrada para a garantia das conquistas burguesas em face do absolutismo monárquico.

O constitucionalismo pode ser compreendido como o movimento gerador do conceito moderno de Constituição, ou melhor, como um conjunto de movimentos ocorridos em locais e condições próprias, originando compreensões específicas, cada qual relacionada às particularidades de onde o mesmo tenha se desenvolvido[1], designando as instituições e os princípios que são adotados pelos Estados, a partir dos fins do século XVIII, para a garantia de um governo que, em contraposição àquele “absoluto”, se diz “constitucional”.

Nesse sentido, ganha importância a separação de poderes do Estado, uma vez que se observa que um dos objetivos primordiais do constitucionalismo é, justamente, o de limitar juridicamente o poder estatal, através de uma constituição escrita[2].

De acordo com FERREIRA FILHO (1994) o constitucionalismo, enquanto movimento político e jurídico, colima implementar regimes constitucionais, ou seja, governos exercidos dentro dos limites fixados por uma constituição escrita. Pretende o constitucionalismo, dessa forma, a instituição de Estados Constitucionais, nos quais as constituições escritas atuam como o instrumento de limitação e controle do poder.

Ainda que reste evidenciado o caráter particular das manifestações do constitucionalismo, a variar conforme o Estado em que o mesmo se aperfeiçoou, é possível que seja observado um ponto em comum entre as várias definições cabíveis a este movimento, sobretudo naquilo que possuiu extrema importância quanto à análise da separação de poderes: a tendência em limitar a atividade política por parte dos detentores do poder, o que equivale à proposta de se buscar um governo moderado.

Nesse ponto, torna-se nítida a correlação existente entre constitucionalismo, separação de poderes e constituição, na medida em que a conformação do poder do Estado passa a ser delimitada e convalidada através das normas constitucionais.

Segundo CANOTILHO (1993, p.103), constitucionalismo é

a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.

A partir desses pressupostos, nota-se que o que hoje se entende por separação dos poderes do Estado é o resultado aperfeiçoado da evolução do pensamento clássico, o qual parte da noção principal de que a unidade do poder significa a possibilidade de tirania e basta ao indivíduo estar exposto a essa possibilidade para instaurar-se o temor à sua segurança, redundando, por conseguinte, em falta de liberdade política.

A divisão dos poderes do Estado, proposta categoricamente por Montesquieu, ainda que pensadores consagrados o tenham antecedido nestas formulações[3], aponta para a idéia de que um poder deve possuir a capacidade de barrar ao outro, criando-se a moderação nas decisões e gestão do Estado, de modo a se evitar o abuso de poder por parte de algum corpo. Dessa forma, em decorrência do não abuso de poder, obtém-se a liberdade em suas várias esferas de garantia (política, social e de expressão, por exemplo).

Montesquieu classificou, segundo a atividade principal de cada um, três poderes do Estado, quais sejam: (i) legislativo (responsável por fazer leis); (ii) executivo das coisas que dependem do direito das gentes (relativo a disposições sobre guerra e segurança) e (iii) executivo das coisas que dependem do direito civil (correspondente ao poder de julgar). Este pensador introduziu a idéia de controle de um poder sobre o outro, cujo arranjo forçaria os integrantes do poder a caminharem para um acordo.

Seguindo a linha preconizada por Montesquieu, “Os Federalistas” (Madison, Hamilton e Jay), ao analisarem a separação de poderes, apontam para o próprio Montesquieu: o oráculo que se consulta, cita e recorre a esse respeito. De acordo com BONAVIDES (1999), se não foi Montesquieu o autor deste valioso preceito da ciência política, teve ao menos o mérito de expô-lo e recomendá-lo do modo mais eficaz à atenção da humanidade[4].

A teoria da tripartição dos poderes foi assimilada pelos “pais fundadores” da república norte-americana em meados do século XVIII e foi nos Estados Unidos da América que adquiriu sua feição constitucional contemporânea. Estes pensadores agregaram à tripartição de poderes o conceito de freios e contrapesos políticos mútuos, a fim de garantir a autolimitação do próprio poder político, uma vez que a simples discriminação da esfera de atuação de cada poder não seria suficiente para impedir as violações que ocorrem numa concentração de todos os poderes nas mãos de um mesmo ente ou pessoa.

Assim, partindo da absoluta concordância com a separação dos poderes em corpos diferenciados segundo sua atribuição funcional, Madison defende que a total separação de poderes não existe na prática, ou seja, por vezes, um poder exerce uma função que, em princípio, caberia aos demais poderes[5].

O problema da separação de poderes passa, então, a ser enfocado como um problema de ocupação, sobre quem exerce o poder e quais são as garantias desse exercício, também sendo observada a preocupação em não permitir que grupos se articulassem em maiorias unificadas, capazes de esmagar minorias.

Em graus variados, estes são os pressupostos que orientam a idéia da separação dos poderes também no direito pátrio, destacando-se os agentes que exercem o poder e as atividades por estes desenvolvidas.

No direito brasileiro, podemos assinalar que a evolução do conceito de separação dos poderes, enquanto princípio constitucional, tem início, sobretudo, a partir da Constituição do Império do Brasil. Esta constituição consubstancia em princípio constitucional a separação dos poderes, dividindo, entretanto, as funções do Estado em quatro, uma vez que adicionou à clássica tripartição um quarto poder, o moderador. Este poder foi conferido ao Imperador que detinha, também, a chefia do poder executivo, fato que desequilibrou completamente a relação entre os poderes, com uma nítida prevalência do poder executivo exercido pelo monarca[6].

Todavia, foi do último processo constituinte popular, de 1988, que o princípio da separação dos poderes saiu efetivamente fortalecido, considerando a adoção de importantes sistemas de controle jurídico do poder que passam a constituir o núcleo essencial, ou seja, o centro de gravidade do princípio da separação dos poderes no direito contemporâneo. A CF/88, ao definir as bases sobre as quais se estabelece o estatuto orgânico do Estado, passa a ser regra fundamental que a potência estatal impõe sobre si mesma, sendo que o governo só exerce um poder real e legítimo na medida em que este é constitucional.

A este respeito, magistrais são os ensinamentos de ZIPPELIUS (1997), segundo os quais fica assegurada a unidade jurídica do poder do Estado quando se está diante de uma ordem homogênea de direito e de competências, garantida por força do sistema jurídico que estabelece, partindo da Constituição, todas as competências de regulação, de forma inequívoca, não contraditória e eficaz. Acentua FERREIRA FILHO (1994) ser por meio da Constituição que se busca instituir o governo organizado segundo normas que não pode alterar, limitado pelo respeito devido aos direitos do Homem. Assim, deve a Constituição estar à frente de todas as demais normas a ela sujeitas, buscando, cada vez mais, inclusive e principalmente, a proteção contra seu próprio poder.

Pelo exposto, observa-se que o constitucionalismo, ao trazer consigo a idéia de constituição escrita, apta a ser concretizada como norma dirigente do Estado, permite que um dos pontos estruturantes da norma fundamental seja, justamente, a separação de poderes, para que se estabeleça, dessa forma, um mecanismo normativo efetivo de controle dos atos de poder. Na CF/88, tal mecanismo de controle do poder encontra previsão expressa no art. 2º, tratando-se de princípio constitucional, revestido sob o manto das cláusulas pétreas (art.60, §4º, III), o que implica tratar-se de conteúdo imodificável por via de emenda constitucional.


CAPÍTULO II – DA SEPARAÇÃO DE PODERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – A PROBLEMÁTICA DO REGIME JURÍDICO DAS COMPETÊNCIAS ESTATAIS

A Constituição Federal de 1998, em seu art. 2º[7], prevê, primeiramente, a tripartição dos poderes do Estado como sendo a integração independente e harmônica entre Executivo, Legislativo e Judiciário, de modo que, estabelecidas estas três esferas de competências estatais, teremos o ponto de partida de nossa análise acerca das funções (ou complexo de competências) que o Estado pode desempenhar.          

O intento maior desse tópico é esboçar uma caracterização daquilo que informa e tipifica um conjunto de normas, cujas peculiaridades conferem autonomia às funções estatais, a fim de que estas possam, cada qual, ser dotadas de identidade própria, o que implica dizer que, a partir da tripartição de poderes anteriormente destacada, será possível estabelecermos o regime jurídico de cada uma das funções estatais.

Com este pressuposto, teremos delineado o substrato teórico para análise da Súmula Vinculante, identificando qual o regime jurídico aplicável a este instituto jurídico. Logo após, poderão ser encontradas as particularidades e limitações atinentes ao mesmo, no contexto da separação dos poderes do Estado, avaliando-se, ainda, se há violação à separação dos feixes de competência constitucionalmente garantidos ou se, em verdade, trata-se de mecanismo afeto ao sistema de freios e contrapesos entre os poderes, resguardado pela Constituição Federal de 88.

Cumpre advertir que a definição dada aos regimes jurídicos das funções estatais que formam, em sua unidade, a sistemática maior da compreensão do sistema jurídico consubstanciado na CF/88 não se pretende exaustiva.  Entretanto, importa frisar que apenas a concepção do regime jurídico é capaz de fornecer ao operador do direito um substrato consistente para a análise de qualquer instituto jurídico, determinando os contornos e a disciplina normativa dos mesmos.

Nesse sentido, cabe explicitar a importância da metodologia adotada para a compreensão do regime jurídico, a qual nas palavras de MELLO (C.A.B, 2005, p. 41), nos remete ao fato de que:

O trabalho teórico do jurista (...) resume-se e explica-se na tentativa de descobrir a rationale que congrega e unifica um complexo de cânones e normas (...) Não há como formular adequadamente um conceito jurídico fora deste rigor metodológico. Com efeito, se o conceito formulado não se cinge rigorosamente ao propósito de captar um determinado regime – cuja composição admite apenas as normas editadas pelo Direito Positivo e os princípios acolhidos na sistemática dele – será desconforme com sua própria razão de ser (identificação da disciplina que preside um dado instituto) (...) os conceitos só tem sentido, para o jurista, como sujeitos ou objetos submetidos a um dado sistema de normas e princípios; em outras palavras a um regime.

Parece-nos que essa é a única compreensão possível em torno do problema, sobretudo ao considerarmos que, de outro modo, os institutos jurídicos perderiam toda sua operatividade. No mesmo sentido:

O sistema de uma disciplina jurídica, seu regime, portanto, constitui-se do conjunto de princípios que lhe dão especificidade em relação ao regime de outras disciplinas. Por conseguinte, todos os institutos que abarca - à moda do sistema solar dentro do planetário - articulam-se, gravitam, equilibram-se, em função da racionalidade própria deste sistema específico, segundo as peculiaridades que delineiam o regime (...), dando-lhe tipicidade em relação a outros. (MELLO, C.A.B, 2005, p. 42).

Diferentemente dos princípios que regem o mundo físico, no campo do Direito, estes princípios são livremente determinados pelos homens, podendo ser modificados conforme as necessidades do bem comum, evidenciando, inclusive, particularidades modificativas das regras gerais previstas. O legislador ordinário acolhe no sistema normativo que constrói os princípios que deseja vigorantes os quais não podemos perder de vista na execução da tarefa interpretativa cabível ao operador do direito.

A análise do regime jurídico, nesse cenário, é de suma importância para a resolução dos problemas práticos que se apresentam na seara jurídica, sobretudo no que se refere à separação de poderes do Estado, conforme anteriormente destacado.

Por regime jurídico entende-se o conjunto sistematizado de princípios e normas que dão identidade e diferenciam, por conseguinte, ramos e institutos jurídicos. Com efeito, distinguir o regime jurídico das funções estatais é explicitar qual o complexo de normas que regerá sua existência.

Aplicando-se a definição de regime jurídico à separação das funções (competências) do Estado veremos que estas podem ser compreendidas, em uma análise preliminar, a partir de duas lógicas principais apontando, primeiramente, para a colocação em cada braço do poder de grupos e indivíduos diferenciados e, em um segundo momento, para a delimitação das funções distintas para cada um desses braços.

Deste modo, tem início a definição das competências do Estado a compor os dois principais critérios utilizados para a identificação das atividades de cada poder: o critério orgânico e o critério funcional.

Por critério orgânico entende-se a possibilidade de confiar cada uma das funções governamentais a órgãos diferentes, de modo que determinado poder do Estado será indicado a partir do órgão que desempenha certa função.

Por critério funcional entende-se que cada órgão é especializado no exercício de cada uma das funções do Estado, de maneira que se permite a distinção das funções segundo o conteúdo do ato praticado.

Neste contexto, SILVA (2003) aponta que “Poder Executivo”, “Poder Legislativo” e “Poder Judiciário” são expressões com duplo sentido ao exprimirem, ao mesmo tempo, as funções e os respectivos órgãos, detentores de poder (ou competência), com base nas disposições constantes do título da organização dos poderes, insertas, sobretudo, nos arts. 44 a 75, 76 a 91 e 92 a 126, todos da CF/88.

Essa forma de compreender a separação de poderes, reunindo em um só critério os aspectos orgânico e funcional, distingue os mais importantes âmbitos funcionais do Estado e as competências com ele relacionadas, exigindo a criação de órgãos próprios para cada um destes âmbitos funcionais. Cada um destes órgãos deve, portanto, limitar-se, por princípio, à função que lhe é atribuída, através de atos que tenham por conteúdo a função a que os mesmos estão a desempenhar.

Com isso, nota-se, claramente, que o critério orgânico-funcional deve ser compreendido como aquele apto a indicar, cumulativamente, o órgão responsável por determinada atividade e o conteúdo da atividade exercida, para que seja possível estabelecer-se o complexo de elementos caracterizadores de uma certa função estatal.

Evidentemente, tal distribuição das funções estatais entre diferentes órgãos do mesmo Estado não coloca os diversos poderes numa relação de independência total entre eles, mas sim numa relação de coordenação juridicamente regulada.

Dessa forma não persistem impedimentos a que os órgãos (Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário) exerçam mais de uma função estatal, contanto que, para cada órgão, haja a predominância de uma delas, previamente determinada, o que implica, por conseguinte, em considerarmos a existência de funções típicas e atípicas de cada poder.

Deste raciocínio, observa-se que a divisão de poderes e sua independência não são, desta feita, absolutas. Existem interferências, constitucionalmente previstas, no intuito de promover o sistema de freios e contrapesos e o equilíbrio necessário para o alcance do bem comum, a partir do controle recíproco entre os poderes estatais.

A este respeito, relevantes são os argumentos apontados por ZIPPELIUS (1997) segundo os quais o poder estatal é um poder político organizado, consubstanciado em um sistema de competências de regulação jurídica que envolve a própria possibilidade de estabelecer quem e em qual extensão tem determinada competência.

Por este motivo, pode a Constituição, detentora da soberania dos órgãos, atribuir competências diversas a órgãos diversos, sem atribuir ao legislativo só o que for materialmente atividade legiferante, ao Judiciário só aquilo que for materialmente atividade jurisdicional e ao Executivo o que for considerado atividade administrativa, respeitadas as atividades típicas de cada poder. Ademais, a repartição de competências (ou de “poderes”) não atenta contra a unidade do Poder Estatal, justamente porque detém o Estado a soma dos poderes derivados do povo, consistindo, esta, na soberania interna[8]. Neste contexto, normas de competência determinam quem tem a faculdade de estabelecer deveres de conduta, gerais ou individuais e qual o procedimento a se observar para tal fim. No mesmo sentido:

Es de cierta importancia recordar que en el pasado a veces se incurría en el error de suponer que la división de poderes significaba que cada uno de los três poderes era “soberano en su esfera,” es decir que cada poder legislaba, administraba y juzgaba en lo relativo a su propia actividad. Tal concepción es completamente errada, pues lo esencial de la teoría analizada es la división de funciones y no sólo la división en órganos: una división en órganos no acompañada de una división de funciones no es verdaderamente garantía de libertad ni responde a la finalidad buscada[9].

Os critérios orgânico e funcional, analisados conjugadamente a partir das normas traçadas na Constituição Federal, são utilizados para delimitar o complexo de normas identificador de cada competência do Estado e admitem a correlação entre estes feixes de competência[10].

Com estas considerações, três competências do Estado Brasileiro, nos termos da CF/88, podem ser traçadas: (i) a legislativa; (ii) a jurisdicional e (iii) a executiva.

A competência legislativa admite a aplicação do critério orgânico-funcional ao prever a atribuição do Congresso Nacional (órgão) para a edição de normas gerais e abstratas, de caráter impessoal e inovador (função). Da mesma forma, a acumulação dos parâmetros órgão e função pode ser analisada na competência jurisdicional, responsável por aplicar o direito aos casos concretos para solucionar os conflitos de interesse, em caráter definitivo, consubstanciando atividade exercida apenas pelos órgãos componentes da estrutura do Judiciário nacional.

Todavia, o tratamento da competência executiva, tal qual dispensado pela Constituição Federal, indica que o Poder Constituinte Originário pautou-se por mecanismo diverso do critério orgânico-funcional para a identificação das atribuições afetas à mesma.

Isso porque a função executiva, compreendida como sendo aquela responsável pela resolução de problemas, seja de atribuições políticas, co-legislativas e de decisão (função de governo) seja de intervenção, fomento e serviço público (função administrativa) não encontra vinculação direta a um órgão exclusivamente responsável por estas atividades, de modo que a Constituição Federal admite o exercício de tais funções por todos os poderes.

Por esta razão, aquelas funções indicadas como sendo de responsabilidade do Presidente da República, tal qual disposto no art. 84 da CF/88, por vezes associada ao exercício da função executiva, não correspondem, integralmente, ao regime jurídico desta função.

Em outros termos, observa-se que o regime jurídico de uma determinada competência do Estado corresponde ao conjunto de normas constitucionais a este relacionadas. Contudo, ainda que seja possível estabelecer-se um critério para a definição de tais competências (critério orgânico-funcional), sobretudo tendo em vista a tripartição do poder delineada na CF/88, este critério não é suficiente para compreender, eficientemente, a sistemática do regime jurídico das competências estatais delineadas na Carta Maior.

Afinal, ainda que se trate de critério plausível quando se tem em mira a competência legislativa e a competência jurisdicional, não é o mesmo suficiente para definir o tratamento dispensado pela CF/88 aos atos compreendidos na função executiva.  

Com tais considerações, passamos à análise do regime jurídico de cada uma das competências do Estado, a fim de que seja possível determinar qual o complexo de normas incidente sobre cada braço do poder estatal, conforme o ordenamento constitucional positivo brasileiro moldado pela CF/88, a fim de que, em seguida, seja possível estabelecer-se à qual destas funções encontra-se associada a Súmula Vinculante.


CAPÍTULO III – DA IDENTIFICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DAS COMPETÊNCIAS ESTATAIS           

Em linhas gerais, a competência legislativa implica na atividade de legislar e fiscalizar, realizando, inclusive, o controle externo dos órgãos e dos representantes do poder público, possuindo ambas o mesmo grau de importância. No primeiro caso, estará o legislativo inovando na ordem jurídica, através da criação de normas, e, no segundo caso, estará averiguando os aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais dos poderes.

A atuação do Legislativo na criação normativa encontra-se associada ao procedimento disciplinado nos arts. 59 e seguintes da CF/88, consistente nas regras procedimentais, constitucionalmente previstas, para a elaboração das espécies normativas, das quais não poderão se afastar os membros do Legislativo, sob pena de vício na criação normativa.

Além disso, compete ao poder legislativo exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos poderes. Para tanto, poderá o parlamentar utilizar instrumentos constitucionais como a ação popular e o direito de petição e de representação visando à invalidação de determinados atos. Outra competência fiscalizadora é a de cuidar da fiscalização financeira e orçamentária, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União. No exercício da atividade fiscalizatória cometida ao Poder Legislativo é possível, ainda, a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito, para a apuração de fatos certos e por prazo determinado, com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.

No exercício de tais funções os membros do Legislativo estão protegidos por um rol de prerrogativas e imunidades, bem como, de algumas incompatibilidades[11].

A competência jurisdicional, por sua vez, aponta para o exercício da função jurisdicional do Estado, de forma impositiva (coagindo, se necessário). Isso implica em que somente o Poder Judiciário possui a atribuição de, quando provocado, dizer, em caráter definitivo, o direito aplicável a determinado caso concreto. Para tanto, os membros do judiciário também estão cercados de garantias com o intuito de propiciar independência para o exercício da jurisdição[12].

A competência executiva, por fim, aponta para a prática de atos de chefia de Estado e de governo e atos de administração, configurando, respectivamente, uma subdivisão enquanto função política ou de governo e função executiva em sentido estrito, esta última também chamada função administrativa.

Nesse sentido, é importante notar que a chefia do Executivo foi confiada ao Presidente da República – e, por aplicação do princípio da simetria, as unidades da federação, aos demais chefes do Executivo nos níveis dos Estados e Municípios – que também desfruta de prerrogativas e imunidades[13], no exercício de funções de chefe de Estado e chefe de Governo, enquanto atividades de direção do Estado. Todavia, essa prerrogativa atribuída ao Presidente da República não consubstancia em si o regime jurídico da função executiva.

De acordo com a subdivisão proposta, no tocante aos atos de chefia de Estado e de Governo, haverá exercício de função política, na prática de atos que encontram fundamento direto na Constituição Federal, não se resumindo à mera execução da lei, sujeitos ao controle político do parlamento, ressaltando-se, ainda, que é função possível de ser praticada por todos os “poderes” do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) mediante permissivo constitucional.

Consubstancia exercício de função política ou de governo, por exemplo, o desencadear do processo legislativo e a apreciação da decretação da intervenção federal.

A função administrativa será compreendida, em segundo lugar, como função residual, abarcando aquelas atividades que não sejam legislativas nem jurisdicionais, em consonância, inclusive, com o fato de a função executiva, em sentido amplo, poder ser exercida por todos os poderes, na realização de atos concretos, associados ao estrito cumprimento de disposições infralegais.

Assim, o Legislativo pratica atos notoriamente administrativos quando, por exemplo, realiza licitações ou promove seus servidores, tal qual o Judiciário quando organiza os próprios serviços, atos estes sujeitos ao mesmo regime jurídico.

Feitas essas observações iniciais, passemos a definição do regime jurídico de cada uma das funções estatais, quais sejam: a função legislativa, a função jurisdicional e a função executiva, esta última desdobrando-se em função política (ou de governo) e em função executiva em sentido estrito (ou função administrativa).

Seção I – Regime jurídico da função legislativa

A função legislativa nos reporta à compreensão da lei, indicando a capacidade que esta possui de inovar na esfera jurídica, ao criar norma jurídica primária.

Por norma jurídica primária entende-se aquela norma capaz de criar uma determinada orientação para o corpo social, dispensando a existência de norma prévia e anterior que lhe dê validade, salvo, por óbvio, a Constituição Federal que é norma fundamental do Estado, de modo que toda criação normativa precisa, necessariamente, encontrar fundamento na Constituição[14].    

A análise do regime jurídico da função legislativa, portanto, deve ser realizada a partir do art. 5º, II[15], combinado com os artigos 44 e 48[16], todos da CF/88. A partir desses dispositivos legais constatamos que a lei é regra jurídica imperativa, geral, abstrata e impessoal, assumindo sua feição material.

A lei é, também, norma em sentido formal, por se tratar de ato que provém do Congresso Nacional, observado o procedimento legislativo, estabelecido pela Constituição Federal[17]. Reunindo ambos os aspectos, temos que a lei é ato normativo que inova no ordenamento jurídico (cria direito), que tem pretensão de permanência e que é dotado de generalidade e abstração, referindo-se a destinatários indeterminados, além de ter sido emanada de órgão competente para tanto (Congresso Nacional). 

Dessa forma, nota-se que o conjunto de princípios a reger a função legislativa considera como pressuposto fundamental a lei compreendida em sentido material e formal.

Reitera-se que, para que seja um determinado instituto sujeito ao regime jurídico legislativo, em não sendo abarcado pelas exceções constitucionalmente previstas, deverá o mesmo atender ao critério orgânico-funcional, sendo atividade desenvolvida pelo Congresso Nacional com vista à criação de norma jurídica primária.

Com isso, o regime jurídico da função legislativa aplica-se, unicamente, aos atos que sejam material e formalmente legislativos.

Todavia, a própria Constituição Federal prevê exceções a esta regra geral. Por esta razão, outros órgãos do Estado que eventualmente exerçam atividade normativa, no exercício de tal função, praticarão ato sujeito ao regime jurídico legislativo, mesmo que tal atividade não tenha a roupagem formal da função legislativa desempenhada pelo Legislativo, o que aponta para o caso da edição de medidas provisórias e de leis delegadas pelo Executivo[18].

Importante notar que nos casos excepcionais delimitados pela Constituição Federal, em que um órgão diverso do Congresso Nacional possa criar norma jurídica primária, teremos o exercício de função atípica por outro poder, a caracterizar, por conseguinte, a abertura ao mecanismo de freios e contrapesos entre os feixes de competências estatais.

Desta feita, conclui-se que, determinado instituto estará sujeito ao regime jurídico legislativo se corresponder a ato normativo emanado de órgão competente (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas dos Estados e Câmaras Municipais), capaz de inovar no ordenamento jurídico, com pretensão de permanência, sendo dotado de generalidade e abstração, caracterizando, com estas peculiaridades, a criação de norma jurídica primária. 

Seção II – Regime jurídico da função jurisdicional

A função jurisdicional parte do princípio da inafastabilidade do judiciário, previsto no art. 5º, XXXV[19], da CF/88, também associado ao amplo direito de ação dos jurisdicionados.

Trata-se de dispositivo constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata[20], apontando para o fato de que não há ato que possa ficar à margem do controle jurisdicional. Isso porque, como destacado, a Constituição não exclui da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Ademais, somente o Judiciário tem o poder de decidir questão levada aos domínios do Estado, enquanto órgão solucionador de conflitos, fazendo desta decisão, exercício do poder jurisdicional estatal[21].

A decisão prolatada pelo Judiciário, neste ponto, deve ser entendida como aquela que se resolve em uma situação de estabilidade, definida por lei, instituída mediante o processo, garantida constitucionalmente e destinada a proporcionar segurança e paz social, preservando situações jurídicas já constituídas.

Em outros termos, indica que a atuação do direito caminha em busca da pacificação social, com a resolução de conflitos com o mínimo de perturbação social, revestindo as decisões prolatadas de imutabilidade, com vistas à garantia da segurança jurídica e da definitividade do pronunciamento judicial.

Com efeito, a coisa julgada é instituto protegido pela Constituição, que, ao lado dos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, previstos como direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, consagra os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídicas.

Para tanto, somente o Judiciário, como órgão imparcial, composto de integrantes com garantias, prerrogativas e vedações específicas, poderá decidir, definitivamente, um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou ainda, decidir os processos objetivos de controle abstrato de constitucionalidade.

Por estas razões, o regime jurídico da função jurisdicional é uma decisão com força de verdade legal, que põe fim a uma questão jurídica levada à apreciação, a qual se associa ao caráter de decisão com valor de imutabilidade, advindo do trânsito em julgado da decisão, tendo sido esta prolatada por órgão imparcial, integrante da estrutura judiciária nacional, devidamente investido de competência para tanto.

Importante notar, inclusive, que na determinação do regime jurídico da função jurisdicional, não foi possível afastar-se o órgão executor da atividade, por expressa previsão constitucional, no sentido de que atividades jurisdicionais exercidas por outros órgãos do Estado não compõem atividade judicial em sentido estrito, ratificando, nessa hipótese, a aplicação do critério orgânico-funcional.

Como anteriormente destacado, o critério orgânico-funcional, na definição dos feixes de competências afetos às funções legislativa e jurisdicional, mostra-se compatível à definição das mesmas, o que não ocorre com a função executiva, como será observado a seguir.

Seção III – Regime jurídico da função executiva

O grande alvo da função executiva é a gestão dos interesses coletivos na sua mais variada dimensão, conseqüência das numerosas tarefas a que se deve propor o Estado contemporâneo. Deste modo, a função executiva abarcará uma vasta gama de funções de Estado, Governo e Administração.

Impende destacar, contudo, que a função executiva não se concentra com exclusividade nas mãos do chefe do Executivo, sendo este apenas considerado como ator principal do desenvolvimento das atividades de governo, no exercício de funções típicas desta função. Com isso, é possível que a Constituição determine o exercício da função de governo por órgãos componentes dos demais poderes, sem que, com isso, seja comprometida a atividade do Chefe do Executivo nesse sentido.

A função executiva será definida como aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica, assumindo tanto prerrogativas de governo quanto atividades administrativas em sentido estrito.

Admitida uma subdivisão da função executiva, teremos, em um primeiro grupo, o exercício de função política ou de governo. Esta função será compreendida como atividade de ordem superior, referente à direção suprema e geral do Estado, em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado e a assinalar as diretrizes para as outras atividades de ordem diversa, coordenando, também, o exercício das outras funções, em busca da unidade de orientação, fundamental à unidade da soberania estatal, não estando restringida pela mera execução das leis, derivando, portanto, diretamente das normas constitucionais.

No segundo grupo, relativo à função administrativa em sentido estrito, haverá atividade considerada como sendo de caráter residual, indicando aquela que não representa a formulação de norma inovadora do ordenamento jurídico primariamente, nem a composição, em definitivo, das lides em concreto, atuando nos estritos limites definidos em lei para a consecução de objetivos de organização dos serviços e atividades do Estado. A função administrativa abrange, dessa forma, as atividades infralegais do Estado, em exercício de atividade diretamente vinculada à lei, a partir de atos concretos, voltados para realização do interesse público.

Em sua aplicação prática, é preciso ter em mente que o regime jurídico da função administrativa em sentido estrito, poderá assumir duas formas de conformação, permitindo a subdivisão desta função em regimes jurídicos administrativos público e privado, conforme a situação em concreto da qual a administração esteja participando.

Neste contexto, o regime jurídico administrativo público abrange o conjunto das prerrogativas e restrições a que está submetida a administração e que não se encontram nas relações entre particulares. Sendo assim, é regime jurídico caracterizado pelo princípio da autotutela, segundo o qual a administração está autorizada a rever seus próprios atos, anulando-os quando ilegais ou revogando-os quando se apresentarem inconvenientes ou inoportunos.

O regime jurídico da administração, quanto afeto ao direito público, diz respeito ao conjunto de normas e princípios que regulam a atuação da administração, contemplando, essencialmente, as prerrogativas e as sujeições que lhe são impostas. Nessa hipótese, a administração terá suas ações reguladas pelas normas e princípios do Direito Administrativo, com destaque para o princípio da legalidade e para os princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse particular e da indisponibilidade dos interesses públicos.

O regime jurídico de direito privado aplicável à administração, ao seu turno, é o conjunto de normas e princípios jurídicos que rege as relações da administração com os particulares, caracterizado, em linhas gerais, pela isonomia. Significa dizer que a administração está atuando com base nos preceitos do Direito Civil ou Empresarial, ramos jurídicos que têm como característica básica a igualdade entre as partes integrantes da relação jurídica.

No regime de direito privado, a isonomia é a marca maior, o que nos autoriza a dizer que, nas relações sujeitas a este regime, a administração, regra geral, não se encontra em posição de superioridade perante os administrados, logo, não goza de prerrogativas.

O mesmo, entretanto, não pode ser dito quanto às sujeições. Isso porque, a administração, nesse regime, encontra-se em posição de igualdade perante os particulares, não gozando de prerrogativas, ainda que se encontre limitada pelas mesmas sujeições a ela aplicáveis quando age sob as regras do regime jurídico-administrativo público.

Com isso, percebe-se que a relação jurídica em que uma das partes seja a administração jamais será disciplinada exclusivamente pelo regime de direito privado, havendo sempre a incidência, em maior ou menor grau, do regime jurídico-administrativo, pelo menos quanto às suas sujeições.

Todavia, o exercício das prerrogativas não autoriza a administração a agir com arbitrariedade, sendo vedado o uso de instrumentos públicos para atingir finalidades que não sejam as do bem comum, de modo que a administração, em toda a sua trajetória, há de estar submissa à lei, devendo, ainda, ser transparente em sua atuação, dando publicidade aos seus atos para que estes possam produzir efeitos.

Com estes apontamentos, estabelecidos os regimes jurídicos das funções estatais e considerada a tripartição do poder prevista na CF/88, passemos a análise da Súmula Vinculante para que, após, seja possível determinar qual o regime jurídico deste instituto.


CAPÍTULO IV – DA ADOÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Primeiramente, cumpre observar que, no contexto da presente pesquisa, a súmula é compreendida como um enunciado capaz de expressar o entendimento reiterado de um Tribunal acerca de certa matéria de direito. 

A palavra súmula vem do latim (summula), significando sumário, resumo, que, no âmbito jurídico, vem se referir a teses jurídicas solidamente assentes em decisões jurisprudenciais, das quais se retira um enunciado: o preceito doutrinário que extrapola os casos concretos que lhes deram origem e que pode ser orientado para o julgamento de outros casos.      

As súmulas, no ordenamento jurídico pátrio, não possuíam qualquer efeito vinculante, seja sobre órgãos do Poder Judiciário, seja sobre o próprio Tribunal que a elaborou, ainda que existisse uma tendência à aplicação reiterada das mesmas pelos Tribunais, com vistas a promover a valorização da jurisprudência destes.

A adoção da Súmula Vinculante no sistema judicial pátrio tem se mostrado tema complexo a ensejar opiniões das mais variadas correntes, apresentando a novidade de se oferecer efeito vinculante àquelas súmulas emanadas do Supremo Tribunal Federal, com este propósito.

Em linhas gerais, a Súmula Vinculante foi criada com o intento de impedir que uma pendência judicial, em que o seu teor substancial já tenha sido objeto de discussão e decisão pelo Judiciário, em diversos processos, seja, novamente, submetido ao crivo deste poder, estabelecendo-se, dessa forma, entendimentos uniformes sobre determinada matéria.

Observa-se, com isso, que a Súmula Vinculante encontra por fundamentos a proteção da segurança jurídica, da igualdade entre os sujeitos e da interpretação uniforme dos casos idênticos, de modo a compor um mecanismo de previsibilidade e garantia aos jurisdicionados.

Foi a pretexto de resolver a repetição de processos exatamente idênticos que se acenou com essa proposta da Súmula Vinculante, ou precedentes de efeitos vinculantes, que valeriam para os casos porvindouros, obrigando juízes e administração pública a se submeterem aos seus enunciados. Essa possibilidade pautou-se, ainda, na busca pela qualidade da prestação jurisdicional - por vezes comprometida pela quantidade de processos - e a efetivação da uniformidade jurisprudencial, indispensável à boa distribuição da justiça, representada pela estabilidade jurídica e pela pronta solução das demandas, poupando-se as partes de ônus injustificáveis e de prestação jurisdicional que se poderia, e deveria, evitar.

Em oposição à implantação da Súmula Vinculante encontram-se argumentos relativos ao fato de que o trabalho de juízes de instâncias inferiores, apto a trazer novos entendimentos aos julgados, estaria sobremaneira comprometido, não podendo o juiz, inclusive, abrir mão da formação de sua própria convicção, em nome da celeridade da prestação jurisdicional, sobretudo ao se ter em mente que esta não é o único nem maior valor a ser considerado em matéria judicial. Ademais, estaria a Súmula Vinculante a restringir o acesso ao duplo grau de jurisdição, acarretando, também, a concentração de poderes nas cúpulas do Judiciário.

De toda sorte, como identificado em passagens anteriores, o problema central que se apresenta consiste na identificação do regime jurídico constitucional da Súmula Vinculante. Somente após a delimitação deste é que será possível a análise dos caracteres identificadores e dos limites normativos afetos a este instituto jurídico, bem como a sua adequação, ou não, à ordem constitucional insculpida pela CF/88, ressaltando-se que, na presente pesquisa, o enfoque de análise é a viabilidade da adoção da Súmula Vinculante, no tocante apenas à separação de poderes do Estado[22].

Para que isso possa ser feito satisfatoriamente é preciso considerar, em primeiro lugar, que a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, introduziu a Súmula Vinculante no ordenamento jurídico brasileiro ao acrescentar à Constituição Federal o seguinte dispositivo:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei[23].

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Do dispositivo inserto na Carta Maior (art.103-A) nota-se que a Súmula Vinculante surge a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para nortear a aplicação do texto constitucional ou legal, de maneira a serem assegurados, principalmente, a segurança jurídica e o princípio da igualdade. 

Quanto à segurança jurídica, faz-se importante notar que a Súmula Vinculante exige a discussão sobre os múltiplos argumentos jurídicos associados aos dispositivos normativos em exame, antes de sua edição pelo STF, para que, após inúmeras discussões sobre casos repetidos, seja observado um critério uniforme para a resolução de casos idênticos.

Dessa forma, busca-se uma maior estabilidade das relações jurídicas, indicando um mínimo de previsibilidade a respeito de quais são as normas a serem observadas e de que modo as mesmas serão interpretadas para a conformação de relações jurídicas válidas e eficazes.

Por força do princípio da segurança jurídica, essência do nosso próprio Estado de Direito, cuida-se de evitar alterações surpreendentes, capazes de desestabilizar a situação dos administrados e de minorar os efeitos traumáticos que resultem de novas disposições jurídicas. 

Nesse sentido:

(...) é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqüências imputáveis a seus atos. O direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado ‘princípio da segurança jurídica’, o qual, bem por isso, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles (...) Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma certa estabilidade nas situações destarte constituídas. (MELLO, C.A.B, 2005, p. 113)

A segunda importante finalidade do instituto, relativa à preservação do princípio da igualdade, corrobora a necessidade de uma mesma interpretação jurídica para uma questão idêntica, que se repete em diversos processos e pode ser associada às exigências da celeridade processual, consagrada no art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88, com o fim de impedir o prolongamento indeterminado de conflitos cujo posicionamento jurídico o STF já definiu.

Impõe-se, por conseguinte, o tratamento impessoal, igualitário e isonômico, que deve o Poder Público dispensar aos administrados, partindo-se da constatação de que se trata de norma fundamental, inserta no art.5º, caput, da CF/88.

Além disso, a garantia de direitos idênticos a todos que se encontrem em uma mesma situação jurídica, mesmo que não tenham ingressado em juízo mas, eventualmente, possam ser atingidos pela atuação da administração (também sujeita ao enunciado da Súmula Vinculante) tem em vista a redução de processos e a agilização do provimento jurisdicional.

Nesse sentido, o princípio da isonomia é de lata significação política, particularmente quando se pensa no Estado de Direito e no regime democrático, de modo que o fato de haver decisões diferentes acerca de situações idênticas e de este fenômeno ser tolerado pelo sistema, indubitavelmente arranha os princípios da segurança jurídica e da isonomia.

Importante notar que a aplicação do princípio da isonomia, no contexto da Súmula Vinculante, não afasta a possibilidade da individualização da demanda no caso concreto.

Quanto a este aspecto, é importante ressaltar que é indispensável a avaliação do caso posto à análise e a subsunção do mesmo ao enunciado da Súmula Vinculante. Mantém-se, dessa forma, a possibilidade de serem apontados novos pontos característicos que não se encontram analisados na Súmula Vinculante, bem como a necessidade de modificação desta, tal qual anteriormente mencionado, fundamentando-se, por conseguinte, o motivo pelo qual não seja hipótese de aplicação de determinado precedente no julgamento em análise.

Novas reflexões podem ensejar novas interpretações, de modo que, acompanhando estas possibilidades, a Súmula Vinculante está a admitir revisão e cancelamento, de modo a se adaptar e acompanhar a evolução social.

A possibilidade de novos entendimentos divergentes associa-se ao fato de que do ato administrativo ou da decisão judicial que contrariar a Súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao STF, que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada e determinará que outra seja proferida, com ou sem a aplicação da Súmula, conforme o caso, sem prejuízo dos recursos cabíveis ou outros meios admissíveis de impugnação.

Por estas razões, a Súmula Vinculante mostra-se como alternativa favorável e possível face ao ordenamento constitucional pátrio, desempenhando papel relevante quanto à garantia de valores prezados pelo sistema jurídico, quais sejam: isonomia, previsibilidade e segurança.

A partir desse pressuposto teórico e normativo passaremos à identificação do regime jurídico da Súmula Vinculante, no contexto das funções estatais, para que se esclareça, assim, se a mesma se mostra compatível com a separação de poderes prevista na Constituição Federal de 1988, inclusive sob o aspecto de se tratar de inovação decorrente de atuação do Poder Constituinte Reformador.

Seção I – Do regime jurídico da Súmula Vinculante

A novidade trazida com a EC nº 45 está, justamente, no fato de que as súmulas poderiam passar a ostentar efeito vinculante, de modo a direcionar a atuação do Judiciário e do Executivo, ressalvada a impossibilidade de haver vinculação imediata do Poder Legislativo ao enunciado da Súmula.

Referido efeito pressupõe a presença de uma série de requisitos cumulativos, conforme se depreende da leitura do art. 103-A da CF/88, anteriormente transcrito, quais sejam: competência, objeto, requisitos para edição, legitimados e procedimentos.

No tocante à competência, observa-se que o STF é o exclusivo Tribunal competente para a edição, cancelamento e revisão de enunciado de Súmula Vinculante, de ofício ou por provocação.

No que pertine ao objeto, o enunciado da Súmula terá por fim a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas.

Quanto aos requisitos para a edição da Súmula Vinculante aponta-se para a existência de reiteradas decisões sobre matéria constitucional em relação a normas acerca das quais exista controvérsia atual, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão, seja envolvendo órgãos judiciários ou entre estes e a administração pública.

Exige a CF/88 que a Súmula trate de matéria constitucional, o que se associa, inclusive, à prerrogativa do Supremo em atuar como guardião da Constituição. Todavia, não basta que a matéria de direito seja constitucional, sendo exigida a reiteração de decisões sobre essa matéria, demonstrando que esta já foi por diversas vezes discutida no Tribunal e apontando para o amadurecimento da questão à apreciação. Não se admite, portanto, Súmula Vinculante para prevenir controvérsia, devendo a mesma ser editada com objetivos específicos de validade, interpretação e eficácia de normas constitucionais, já levadas a apreciação em casos diversos e reiterados.

Quanto aos legitimados, poderá o STF, de ofício, sugerir a aprovação da súmula, seja no decorrer de um julgamento, seja fora do julgamento, através, neste último caso, de requerimento de natureza administrativa, formulado junto ao Plenário.

A aprovação de uma Súmula Vinculante também poderá ser provocada pelos legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade[24] e, de acordo com a Lei nº 11.417/06, poderá, ainda, ser proposta por Defensor Público-Geral da União e pelos Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Militares.

Quanto ao procedimento de edição, revisão ou cancelamento de Súmula Vinculante, seja de ofício ou mediante provocação, deverá haver a manifestação do Procurador Geral da República, salvo nos casos em que este houver formulado a proposta.

Deflagrado o processo, colhida a manifestação do PGR, admitida ou não, por decisão irrecorrível do relator, a manifestação de terceiros na questão (amicus curiae[25]), é necessário o quorum para edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula, com efeito vinculante, qual seja, dois terços dos membros do STF, ou seja, oito ministros, em sessão plenária.

No prazo de dez dias, após a sessão em que for estabelecida a Súmula Vinculante, o STF fará publicar, em sessão especial do Diário de Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo[26].

A Súmula Vinculante faz com que os órgãos do Judiciário e a Administração Pública sejam obrigados a, no exercício de suas funções, atuar conforme a orientação da Súmula[27].

A partir da identificação das normas constitucionais afeitas à Súmula Vinculante, nota-se que a CF/88 afastou, claramente, a aplicação do regime jurídico da função legislativa bem como o regime jurídico da função jurisdicional àquelas.

Isso porque, não é a Súmula Vinculante ato normativo que inova no ordenamento jurídico, da mesma forma que não cria direito, além de que não resolve demandas judiciais com o revestimento de imutabilidade das decisões, requisitos indispensáveis à conformação das funções legislativa e jurisidiconal.

A Súmula Vinculante não é atividade sujeita ao regime jurídico legislativo. Vale notar, inclusive, que a súmula “perde o objeto” quando a lei que embasa sua edição é alterada ou revogada. Através da Súmula Vinculante, não há criação primária de direito, ainda que se tenha em mira o atingimento de um número indeterminado de pessoas sujeitas a certa previsão sumulada, mesmo que o enunciado desta possua fundamento diretamente extraído da Constituição.

Nesse sentido importa destacar que:

Uma coisa é a lei; outra, a súmula. A lei emana do Poder Legislativo. A súmula é uma apreciação do Poder Judiciário, que interpreta a lei em sua aplicação aos casos concretos. Por isso a súmula pressupõe sempre a existência da lei e a diversidade de sua exegese. A lei tem caráter obrigatório; a súmula revela-lhe o seu alcance, o sentido e o significado, quando ao seu respeito se manifestam simultaneamente dois ou mais entendimentos. Ambas têm caráter geral. Mas o que distingue a lei da súmula é que esta tem caráter jurisdicional e interpretativo. É jurisdicional[28], porque emana do Poder Judiciário; é interpretativo, porque revela o sentido da lei. A súmula não cria, não inova, não elabora lei; cinge-se a aplicá-la, o que significa que é a própria voz do legislador[29].

Da mesma forma, não trata a Súmula Vinculante de decisão com força de verdade legal, que põe fim a uma questão jurídica, com valor de imutabilidade, não tendo o condão de produzir, de per si, coisa julgada[30]. Ainda que se trate de atuação do Judiciário, a Súmula Vinculante não corresponde propriamente à decisão prolatada no curso do processo, com o intento de resolver uma pretensão levada à juízo.

Assim, forçoso concluir que o regime jurídico das Súmulas Vinculantes é aquele afeto à função executiva, assim definido pelo sistema normativo, na dependência do que decidiu a CF/88 a respeito.

Com estes pressupostos, observa-se que a Súmula Vinculante não atribuiu ao judiciário a prerrogativa de editar leis, nem mesmo aplicou à função executiva a capacidade de solucionar conflitos de interesse com caráter de definitividade.

O instituto em análise, portanto, caracteriza a atuação do Judiciário no exercício de função executiva. Conforme exposto anteriormente, a função executiva admite uma subclassificação conforme se analise o exercício de atos políticos ou de governo ou atos administrativos em sentido estrito.

A função política ou de governo é compreendida como atividade de ordem superior, referente à direção suprema e geral do Estado, em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado e a assinalar as diretrizes para as outras atividades de ordem diversa, coordenando, também, o exercício das outras funções, em busca da conformidade de orientação, fundamental à unidade da soberania estatal.

A função administrativa, por sua vez, é considerada como sendo de caráter residual, indicando aquela que não representa a formulação de norma inovadora do ordenamento jurídico primariamente, nem a composição, em definitivo, das lides em concreto, atuando nos estritos limites definidos em lei para a consecução de objetivos de organização dos serviços e atividades do Estado.

A partir dos elementos expostos no decorrer do trabalho, é possível configurar o regime jurídico da Súmula Vinculante como sendo o regime jurídico da função executiva, enquanto função política ou de governo.

Isso porque a Súmula Vinculante se mostra muito mais como atividade afeta à forma de organização das atividades do Estado, com fundamento diretamente extraído da Constituição Federal, do que propriamente a execução de atos concretos, estritamente ligados aos ditames infralegais.

A Súmula Vinculante aponta para uma forma específica de se conceber o sistema jurídico, indicando o modelo sobre o qual se assenta a ordem jurídica nacional, inclusive no que diz respeito ao modo de ser do processo, que permita a estabilidade contemporânea da tese jurídica fixada na solução de conflitos idênticos.

Em outros termos, observa-se que o instituto da Súmula Vinculante é uma orientação do Estado Brasileiro no sentido de aproximar norma legal e precedente judiciário, criando uma orientação política (aqui entendida nos termos da classificação dos regimes jurídicos esboçada) norteadora da atuação estatal.    

Nesse sentido, o art. 103-A é claro ao atribuir ao Judiciário a possibilidade de instituir diretriz de atuação do Estado, em prol de uma finalidade afeta ao interesse dos jurisdicionados, como política de uniformização de interpretação e vinculação de enunciados que correspondam à atuação do STF enquanto guardião dos ditames da Carta Maior, responsável pela uniformidade de interpretação das matérias constitucionais. 

De toda sorte, concluído qual é o regime jurídico aplicável ao instituto da Súmula Vinculante, resta-nos esclarecer se esta nova previsão constitucional implica, ou não, em violação à separação de poderes.

Primeiramente, cumpre observar que a separação de poderes na CF/88 é cláusula pétrea, consoante art. 60, §4º, III. Isso implica que sobre este princípio incide o caráter de irremovibilidade, ao identificar disposição insuscetível de ser abolida por emenda, compondo, portanto, o núcleo irreformável da Constituição. Por este motivo, preceitos que atentem ou contrariem a separação de poderes merecem pronta atuação repressiva do ordenamento jurídico, o que inclui, ainda, a conformação do poder de reforma constitucional aos ditames traçados pelo constituinte originário.

Tal previsão, criadora de um núcleo mínimo imutável, objetiva impedir inovações temerárias em assuntos cruciais para a cidadania e para o próprio Estado, de modo a resguardar os valores fundamentais presentes na ordem constitucional.

Lado outro, deve-se ter em mente que as funções do Estado são repartidas de modo que cada órgão esteja investido de competências no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse comum, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos para supri-las. Logo, tais poderes são instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades.

Nesse cenário, a aplicação das normas constitucionais pertinentes à divisão das competências estatais aponta para a impossibilidade de uma separação rígida entre os poderes e, ao mesmo tempo, exige a interação entre os diversos feixes de competências consubstanciados nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a fim de se promover a harmonia constitucional.

Por estas razões, um dos mecanismos mais importantes associados ao princípio da separação de poderes é o sistema de freios e contrapesos.

Justamente nesse sentido deverá ser apreciada a Súmula Vinculante, uma vez que esta, submetida ao regime jurídico da função executiva, enquanto função política ou de governo, resulta de reforma constitucional que não introduziu mecanismo tendente a abolir a separação de poderes do Estado, mas sim, de promover a articulação entre os vários feixes de competências estatais.

Deve-se ter em mente que o regime jurídico da Súmula Vinculante é aquele definido pelo sistema normativo, na dependência do que houver decidido a Constituição a respeito, atentando-se, ainda, para o fato de que, sendo obra do Poder Constituinte Reformador, estará o instituto da Súmula Vinculante em dependência do permissivo disposto pelo Constituinte Originário para tanto.

Nesse sentido, entende-se que, por questões de técnica constitucional, a CF/88 conferiu ao Congresso Nacional a competência para elaborar emendas a ela, de modo que foi atribuído, a um órgão constituído, o poder de emendar a Constituição.

Todavia, o poder de reforma, por se tratar de competência constituinte derivada, é limitado por normas de procedimento e de agir, nos estritos termos estatuídos na Carta Maior. Por esta razão, não se pode esquecer que o Poder Reformador é um poder-dever delimitado normativamente e vinculado a uma finalidade de interesse comum a todos os que a ele se submetem, preso ao direito positivo constitucional, perdendo o cunho de autonomia imanente ao Poder Constituinte Originário[31].

Nesse ponto, para que seja cogitada a tendência à violação da separação de poderes, é necessário que seja atribuído a um dos poderes o exercício da atividade precípua de um outro poder – o que efetivamente não ocorre com a Súmula Vinculante, ao preservar, tal qual disposto na Carta Maior, as previsões relativas às atividades afetas ao Executivo, ao Judiciário e ao Legislativo.

Nesse sentido, impende observar que por permissivo constitucional, todos os poderes podem atuar exercendo funções executivas em sentido amplo, não havendo, de modo diverso do que ocorre com as funções legislativa e jurisdicional, vinculação ao critério orgânico-funcional no tocante à necessária vinculação entre um órgão e uma função principal.

Além disso, sobreleva destacar que o STF é órgão de cúpula do Poder Judiciário ao qual, nos termos do art. 102 da CF/88, compete precipuamente a guarda da Constituição, função esta que tem de ser conciliada com a sua função de julgar.

A Súmula Vinculante vem, justamente, reafirmar esta atividade do STF, enquanto guardião da Constituição Federal, ao manifestar o entendimento pacificado da mais alta corte do país sobre matérias constitucionais, alvo de inúmeros processos idênticos, de modo a tornar possível a busca de uma resposta judiciária de melhor qualidade e não apenas a eliminação pura e simples de uma divergência, analisada em demandas diversas levadas à juízo.

Nesse sentido, MANCUSO (2007) destaca que a divergência na interpretação da lei não é, em si mesma, nenhum mal, até mesmo porque a própria evolução da jurisprudência se processa a partir de interpretações novas que se contrapõem às antigas. Contudo, há de se convir que o mal é a decisão errônea ou a divergência que não corresponda a nenhuma evolução dos fatos que presidiram a criação da norma interpretada, provocando excesso e descontrole na atuação judicial e tornando-a uma fonte prolongada de angústia (seja quanto à duração do processo, seja quanto ao resultado da demanda, ou ainda, seja quanto à sua exiqüibilidade) a refluir, desta feita, para o desprestígio da função jurisdicional e para a desconfiança social quanto ao próprio caráter científico do direito.

São justamente estes problemas concretos que a Súmula Vinculante visa resolver, de modo que, individualizadas as competências do Estado, em órgãos e funções delimitadas, exsurge a compreensão da necessidade de equilíbrio, independência e harmonia entre os poderes, admitindo-se, inclusive, a interferência entre eles, ganhando força a idéia de controle e vigilância recíprocos, relativamente ao cumprimento das funções constitucionais de cada um.

Dessa forma, no caso da Súmula Vinculante, haverá atuação do Judiciário com a finalidade de assegurar a legalidade e a legitimidade do resultado judicial visado em exercício de uma atividade política, de orientação do Estado, praticando, por conseguinte, ato sujeito ao regime jurídico executivo, afeito aos atos políticos ou de governo.

Assim, a atuação do STF frente à Súmula Vinculante denota a garantia da continuidade do regime democrático e da supremacia das decisões constitucionais, além do resguardo de direitos e valores fundamentais, e, ainda, a busca pela realização de uma justiça substantiva, compreendida como aquela que, no caso concreto, assegure a igualdade e a proteção dos direitos.  

Com estas razões, fica claro que a Súmula Vinculante não viola a separação de poderes do Estado e, por este motivo, não se traduz em exacerbação do poder-dever conferido ao Poder Constituinte Derivado Reformador, o qual é delimitado normativamente, preso ao direito positivo constitucional e vinculado a uma finalidade de interesse comum a todos os que a ele se submetem.


CONCLUSÃO

O pressuposto indeclinável das conclusões a seguir traçadas encontra-se no fato de que a Constituição Federal de 1998 é norma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que a identificação do regime jurídico da Súmula Vinculante, necessariamente, é realizada a partir da definição da competência estatal a que a mesma se vincula, tal qual disposto na CF/88 a respeito.

Isso posto, importa frisar que a necessidade de se recorrer à análise do regime jurídico reside no fato de que apenas após o delineamento do conjunto de normas e princípios associados a certo instituto jurídico será possível verificar-se a conformação do mesmo com a ordem constitucional vigente, com a precisão exigida pela ciência jurídica, sem que se perca de vista a organização do ordenamento jurídico como um todo.

Neste contexto, a presente pesquisa cuidou de estabelecer o regime jurídico da Súmula Vinculante a partir das normas afetas à separação de poderes do Estado, a fim de se verificar a compatibilidade deste instituto com um dos pilares fundamentais do nosso Estado de Direito que, inclusive, compõe o rol das cláusulas pétreas delineado no art.60, §4º, inciso III da CF/88.

É possível observar, dessa forma, que a tripartição de poderes definida pela CF/88 encontra-se aliada aos modelos do pensamento clássico, ao dispor, em seu art. 2º, os três feixes de competência estatais afetos aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, prevendo tratar-se de poderes harmônicos e independentes entre si.

As competências definidas a cada poder estarão associadas a essa divisão principal, de modo que, para tanto, é possível notar a atuação do Poder Constituinte Originário, a princípio, a partir de um critério orgânico-funcional que associa um determinado órgão a uma função específica, delimitando, a partir desses dois requisitos, a conformação dos poderes.

Com este pressuposto, o regime jurídico legislativo pôde ser compreendido como sendo aquele associado aos atos praticados pelo Congresso Nacional, com vistas à criação de norma jurídica primária, ou seja, aquela capaz de inovar na ordem jurídica, criando direito e retirando fundamento hierárquico de validade da Constituição Federal.

Ainda valendo-se do critério orgânico-funcional é possível visualizar que o Poder Constituinte Originário apontou como parâmetro ao regime jurídico da função jurisdicional a atuação dos órgãos componentes da estrutura judiciária nacional, incumbidos da função de julgar, com o fim de promover a solução de casos concretos, levados a juízo, em caráter de definitividade, com o intento de se ter promover a pacificação social.

Todavia, ao analisarmos o tratamento dispensado pelo Poder Constituinte Originário à função executiva, observamos que o critério orgânico-funcional não se mostra suficiente à compreensão deste feixe de competências estatais, ao contrário do que ocorre com os demais poderes.

Isso ocorre, em primeiro lugar, porque a Carta Maior previu a possibilidade de a função executiva ser exercida por todos os poderes do Estado, seja quanto à prática de atos políticos e de governo, seja quanto à realização de atos administrativos. Assim, a função executiva se perfaz através da análise do conteúdo material do ato praticado, sem que seja possível a determinação a priori do órgão exercente da atividade.

A função política ou de governo, portanto, não se concentra com exclusividade nas mãos do chefe do Executivo. A premissa de que um só indivíduo, o Presidente da República, ainda que auxiliado por Ministros de Estado[32], exerce as funções de Chefe de Estado e de Chefe de Governo, de modo a englobar toda a vasta gama de atividades relacionadas ao braço do poder estatal identificado pela função executiva mostra-se, no mínimo, desarrazoada.

A Constituição determina o exercício da função de governo por órgãos componentes dos demais poderes, sem que, com isso, seja comprometida a atividade do Chefe do Executivo nesse sentido, que está a simbolizar o órgão executivo por se encontrar intimamente associado ao sistema de governo adotado pela CF/88, qual seja, o presidencialista.

Todavia, não haverá vinculação direta, tal qual prevista pelo critério orgânico-funcional, entre a função executiva, a figura do chefe do Executivo e o exercício de atos de chefia de Estado e de Governo.

Com estes esclarecimentos e traçadas as características particulares de cada função estatal, evidencia-se que o art. 103-A criou instituto jurídico afeto à função política ou de governo, caracterizada por se tratar de atividade de ordem superior, referente à direção suprema e geral do Estado, em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado, coordenando, ainda, o exercício das outras funções, em busca da unidade de orientação, fundamental à unidade da soberania estatal, não estando restrita à mera execução das leis, derivando, portanto, diretamente das normas constitucionais.

Nota-se, por conseguinte, que o art. 103-A da CF/88 acompanhou as características delimitadas aos atos político ou de governo, impondo-se a estes um regime jurídico uniforme.

Observa-se, então, que a introdução da Súmula Vinculante no ordenamento jurídico constitucional brasileiro não acarretou a usurpação de competência de qualquer dos poderes, mantendo-se íntegra e harmônica a existência de feixes de competências diversos específicos de cada poder, tendo, por conseguinte, atuado o Poder Constituinte Reformador adstrito aos limites a ele impostos pela ordem constitucional delineada na CF/88.

A Súmula Vinculante, inclusive, está a promover novos mecanismos de freios e contrapesos, também no tocante à atuação do Legislativo, que não ficará adstrito aos enunciados vinculantes criados pelo Judiciário.

Por derradeiro, a assertiva de que o instituto jurídico da Súmula Vinculante não viola a separação de poderes resguardada pela CF/88 não está a admitir, lado outro, a sua aplicação prática sem as necessárias razoabilidade e proporcionalidade de utilização.

Deve-se atentar, a todo tempo, para o objeto da Súmula e para as implicações desta orientação no sistema jurídico como um todo, não sendo admissíveis atuações dissociadas dos fundamentos e finalidades intrínsecos à inserção deste instituto no ordenamento jurídico pátrio, sobrelevando o necessário resguardo do bem comum e dos ditames maiores da justiça social insculpidos na Carta Maior.


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Notas

[1] Tanto é assim que se costuma falar em “constitucionalismos” - constitucionalismo francês, constitucionalismo alemão e assim por diante.

[2] Vale destacar que o princípio da separação de poderes foi, inclusive, transformado em dogma pelo artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ao dispor que “Toda sociedade que não assegura a garantia dos direitos, nem determina a separação dos poderes, não tem Constituição”.

[3] A referência, exemplificativamente, nos remete às teorias de Aristóteles e Locke acerca da separação dos poderes.

[4] Deve-se observar que a primeira vez que a máxima de Montesquieu entrou nos documentos políticos do liberalismo moderno foi em 1776, com a Declaração de Direitos da Virgínia (“Virginia Bill of Rights”).

[5] A título de ilustração, “Os Federalistas” ressaltam que em uma república acaba por haver a prevalência de Poder Legislativo (haja vista seu poder de editar leis de alcance geral). Para conter a supremacia do Legislativo, medidas adicionais foram criadas. A bicameralidade foi uma dessas medidas, pois as ações de uma Casa acabam por moderar as ações da outra. Hamilton admite que a atribuição da Corte Suprema do poder de interpretação final sobre o documento constitucional é uma forma de se fortalecer o Judiciário e, por via de conseqüência, frear o próprio Legislativo.

[6] Após, a primeira Constituição da República, “Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil”, consagrou a tradicional tripartição dos poderes, repudiando a monarquia e adotando o presidencialismo norte-americano como solução para a titularidade do poder executivo. Segue-se a efêmera Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 que, ao seguir a tradição inaugurada pela primeira carta da República, elenca três órgãos da soberania nacional: Legislativo, Executivo e Judiciário. A Constituição de 1937, em seguida, outorgada por Getúlio Vargas, silencia em relação ao princípio da separação dos poderes, existindo, todavia, previsões dos poderes Legislativo, Judiciário, e, emblematicamente, do Presidente da República. Este último identificava-se com a autoridade suprema do Estado, que coordenava a atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirigia a política interna e externa, promovia ou orientava a política legislativa de interesse nacional e superintendia a administração do país. Ao indicar o Presidente da República como autoridade suprema, obviamente, esta Constituição não poderia falar em equilíbrio ou harmonia. Com o término da ditadura Vargas, o país se reconcilia com a Democracia e, em 1946, promulga nova Constituição. Dentre outros importantes avanços, o Brasil reata-se com a melhor tradição consagradora do princípio da separação dos poderes. É o constituinte de 1946 que inaugura a técnica de redação utilizada nas constituições posteriores para enunciar este princípio, substituindo a idéia de coordenação entre os poderes, presente na Carta de 1934, pela de harmonia, conforme, aliás, constava das constituições anteriores. A Constituição do último período autoritário, formalmente, não inovou com relação à constituição democrática de 1946 no que se refere ao princípio da separação dos poderes. Registre-se, tão somente, a introdução da Constituição de 1967 (art. 55 da emenda nº 01/69) do instituto do Decreto-lei, que na prática, em virtude principalmente da previsão de sua aprovação por decurso de prazo em face da omissão do Congresso Nacional, conferia competência legislativa plena ao chefe do poder executivo.      

[7] Art. 2º, CF/88: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

[8] Nesse sentido, há de se destacar que esse modo de ser próprio do poder estatal assume relevo em uma dupla direção: externa, na medida em que o Estado é independente perante outros ordenamentos externos ao seu território e, interna, em razão da posição de supremacia frente aos indivíduos e a toda comunidade existente no interior do seu território. Aliado a isso, em razão dos atributos da soberania, cabe ao poder do Estado decidir sobre a extensão de suas próprias competências, daí se falar em “soberania de competência” ou “competência das competências”. Afastar-se-ia, assim, a influência de fatores exógenos e de limites internos na produção normativa, no reconhecimento de direitos e na imposição de deveres ao Estado. Ademais, esta unidade do poder é plenamente compatível com a existência de um sistema de coordenação funcional que, buscando prevenir o arbítrio, distribua o seu exercício entre distintos órgãos, os quais exercerão de forma derivada e adstrita aos contornos estabelecidos por uma estrutura central, a chamada “soberania dos órgãos”. Esta, a par da relativa independência conferida aos órgãos estatais, aponta para o fato de que estes estão estritamente ligados às diretrizes constitucionalmente traçadas para sua atuação.

[9] GORDILLO, Agustín. Después de la Reforma del Estado. 2 ed. Buenos Aires: FDA,1998. Disponível em: www.gordillo.com/obras.htm. Acesso em: 10 ago.2007. Em tradução livre, o trecho retro transcrito pode ser compreendido nos seguintes termos: “É de certa importância recordar que, no passado, se incorria no erro de considerar que a divisão de poderes significava que cada um dos três poderes era ‘soberano em sua esfera’, ou seja, que cada poder legislava, administrava e julgava no que dizia respeito à sua própria atividade. Tal concepção é completamente errada, pois o essencial da teoria analisada está na comunhão da divisão de funções e da divisão em órgãos: uma divisão em órgãos não acompanhada de uma divisão de funções não é verdadeiramente garantia de liberdade nem corresponde à finalidade buscada”.

[10] Exemplo importante da integração entre as competências estatais está no mecanismo de freios e contrapesos que pode ser observado no caso da previsão constitucional da possibilidade do veto do poder executivo à elaboração legislativa, do controle da constitucionalidade das leis produzidas pelo Legislativo pelo poder Judiciário, do controle exercido pelo Legislativo através das Comissões Parlamentares de Inquérito, dentre outros.

[11] Tendo como fundamento o resguardo do Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal estabelece, do art. 53 ao art. 56, o chamado Estatuto dos Congressistas. Este contém regras instituidoras das imunidades e vedações parlamentares, as quais se orientam à garantia da liberdade e independência do parlamento, em razão do que se outorgam privilégios e prerrogativas ou se impõem restrições à atuação de deputados e senadores e, por extensão, aos demais membros do legislativo estaduais e municipais, por aplicação do princípio da simetria (art. 27, §1º, da CF/88).

[12] Segundo lição de SILVA (2003), a Constituição Federal fixa garantias que podem ser agrupadas em duas categorias: i) garantias de independência dos órgãos judiciários e ii) garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários. As garantias de independência dos órgãos judiciários são: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Já as garantias de imparcialidade dos órgãos aparecem na CF sob a forma de vedações aos juízes, tal qual previsto no art. 95 da CF/88.

[13] A Constituição Federal estabeleceu regras especiais quanto às garantias do Presidente da República, merecendo destaque os arts. 102, I, “b”, 52, I, 86, § 3º, relativos, principalmente, à prerrogativa de foro e à imunidade formal.

[14] Quanto a este aspecto, nos remetemos aos tópicos anteriores, os quais destacam a importância da constituição como norma fundamental no ordenamento jurídico.

[15] Art.5º II – “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

[16] Art. 44 – “O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”.

Art. 48 – “Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...)”.

[17] Importante notar que a referência expressa ao Congresso Nacional diz respeito à análise na órbita federal o que repercute, nos termos da nossa forma de estado (Federação) nas esferas estaduais e municiais, bem como no Distrito Federal, tal qual anteriormente mencionado, por aplicação do princípio da simetria.

[18] É importante considerar que o apego à criação legislativa formal tem origens históricas, sobretudo ao considerarmos que com o liberalismo o direito natural foi positivado e a lei passou a se identificar com o direito. Lado outro, com o advento do Estado Social, as exigências de atuação positiva do Estado fizeram com que este passasse a aumentar a criação legislativa e a utilizar outros mecanismos que não a lei para a inovação normativa no ordenamento jurídico. Nesse sentido, é a utilização da lei como instrumento de implementação de políticas públicas, consideradas as novas exigências sociais não acompanhadas pelo legislativo (com destaque para o aspecto da celeridade e da exigência de conhecimento técnico), forçando a atuação normativa do Executivo, por exemplo. Destacada a importância da análise contextual, sobrelevando a nossa forma de Estado, a descentralização legislativa vem se desenvolvendo de maneira impressionante, fenômeno caracterizado pela criação de atos normativos sob a forma de lei ou não, por outros órgãos que não propriamente o Legislativo.

[19] “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

[20] Com relação a classificação das normas constitucionais, em linhas gerais, normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata são aquelas que independem de qualquer regulamentação posterior para sua aplicação integral.

[21] Neste ponto, vale destacar que decisões em procedimentos administrativos não são exercício de função jurisdicional, sobretudo ao considerarmos que estas decisões não fazem coisa julgada, no sentido que não encerram em definitivo a questão posta à análise.

[22] Importante esclarecer que a Súmula Vinculante pode ter sua eficácia e validade questionada sob enfoques diversos, como é o caso da limitação ao duplo grau de jurisdição. Todavia, o que se pretende, neste momento, é analisar este instituto a partir do regime jurídico que o informa, tendo em vista a separação dos poderes do Estado, nos termos previstos na CF/88.

[23] A Lei nº 11.417 de 19 de dezembro de 2006 regulamenta o art.103-A da CF/88.

[24] Nos termos do art. 103 da CF/88, podem propor a ação de inconstitucionalidade, I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrit;o Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

[25] Deve-se observar que há aplicação subsidiária do Regimento Interno do STF aos procedimentos relativos às Súmulas Vinculantes, inclusive no que diz respeito à previsão do “amicus curiae”. Neste caso, o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, pode admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades, com vista a conferir caráter pluralista ao processo, permitindo a legitimidade do mesmo, com a participação do “amigo da corte”, que irá se manifestar apresentando informações e posicionamentos relevantes, afetos à melhor compreensão da causa.

[26] Importante notar que a proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de Súmula Vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão (art. 6º, Lei nº11.417/06).

[27] Vale destacar que a Súmula Vinculante é mecanismo diverso das súmulas impeditivas de recursos. Estas últimas, de acordo com o artigo 518, §1º, do Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas pela Lei nº 11.276 de fevereiro de 2006, apontam para os casos em que a sentença esteja de acordo com súmulas do STF e do STJ, de tal sorte que o juízo de primeiro grau poderá não receber o recurso de apelação interposto contra a sentença por este proferida. Nestes casos, verifica-se que o juízo que receber a apelação deverá analisar não só os pressupostos recursais objetivos e subjetivos, mas também a conformidade da sentença em relação à súmula sobre a matéria editada pelo STF ou pelo STJ.

[28] Importante notar que, neste sentido, parece-nos que o autor se utiliza apenas da configuração das funções dos poderes do Estado sob o aspecto orgânico, de modo que a conclusão apresentada pelo mesmo, quanto ao fato de ser a Súmula Vinculante sujeita à função jurisdicional, não se confunde com a proposta da presente pesquisa, que identifica as funções (ou competências) do Estado sob a ótica do regime jurídico destas funções, a partir da análise da CF/88.

[29] PENA, Eduardo Chemale Selistre. Súmulas Vinculantes e a solução oferecida pelas súmulas impeditivas de recursos. Disponível em: http://www.tex.pro.br/ wwwroot/01de2004/ reformadojudiciarioeduaardochemaleselistrepena.htm#_ftn1. Acesso em: 02 out.2007.

[30] Importante destacar que em situações de sentença de mérito, anterior à Súmula Vinculante, que não foram objeto de recurso, não será possível que a edição posterior de súmula possa ser utilizada como fundamento da ação rescisória (após o transcurso do prazo desta) em razão do ato jurídico perfeito, protegido constitucionalmente. A referência ao ato jurídico perfeito permite definir com maior clareza as disposições aplicáveis a dadas situações jurídicas que somente produzirão efeitos no futuro, uma vez que identifica a impossibilidade de previsão normativa posterior alterar o plano de validade de ato anterior, sendo este último consumado segundo a lei vigente do tempo e ao tempo em que se efetuou. Dessa forma, por impedimento constitucional (art. 5º, inciso XXXVI da CF/88), não haveria de se cogitar a desconstituição da coisa julgada através da Súmula Vinculante, que apenas possuirá validade a partir de sua instituição no mundo jurídico, ou seja, através de sua publicação.

[31] Nesse sentido, importante mencionar, no contexto dos condicionamentos do poder constituinte derivado, a existência de limitações circunstanciais, procedimentais, materiais e temporais, correspondendo, nessa ordem, à vedação da modificação da Constituição em tempo de estado de defesa, estado de sítio ou intervenção federal; à existência de um rito especial, mais dificultoso, relativo ao processo legislativo de reforma; aos conteúdos considerados inalteráveis por via de reforma e, ainda, aos períodos em que a Constituição não poderá ser alterada.

[32] Nesse sentido, art. 76 da CF/88. Importante observar que no âmbito estadual o Poder Executivo é exercido pelo Governador do Estado, auxiliado por Secretários de Estado, fato este que se repete na esfera distrital. Nos Municípios, o Poder Executivo caberá aos Prefeitos Municipais.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Maria Cristina Barbosa. Súmula vinculante: Análise do regime jurídico, a partir da compreensão da separação dos poderes do Estado, à luz do ordenamento constitucional positivo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4217, 17 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35339. Acesso em: 2 maio 2024.