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Novas regras para alienação fiduciária e a ação de busca e apreensão, à luz da Lei 13.043/2014 e das recentes decisões do STJ

Novas regras para alienação fiduciária e a ação de busca e apreensão, à luz da Lei 13.043/2014 e das recentes decisões do STJ

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A Lei 13.043/2014 dá mais celeridade aos processos de retomadas de bens financiados com cláusula de alienação fiduciária em garantia, conforme as mais recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

1 - OBJETIVO

Este trabalho visa tecer algumas considerações acerca das principais mudanças na lei que trata dos contratos de Alienação Fiduciária e da Ação de Busca e Apreensão, fazendo os comparativos entre a Lei 13.043/2014 e texto antigo, bem como trazendo recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca dos temais mais controversos.

No mais, é válido frisar ao destinatário deste pequeno trabalho que o autor serve-se do presente apenas para trazer as primeiras impressões auferidas da Lei.


2 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Recentemente, entrou em vigor a Lei 13.043/2014, que alterou significativamente o Decreto Lei 911/69, no tocante aos procedimentos aplicáveis aos contratos de alienação fiduciária e a respectiva Ação de Busca e Apreensão.

De início, é mister observar o conceito de alienação fiduciária que o Dec. 911/69 traz:

Art 1º O artigo 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, passa a ter a seguinte redação:

"Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

O próprio termo “fidúcia” é sinônimo de algo que é “confiado” a alguém[1]. Assim, em linhas claras, a alienação fiduciária é a previsão contratual expressa, em que uma instituição financeira “libera” um financiamento a uma pessoa “confiando” que esta irá pagar as parcelas contratadas, mas exige também, como prova dessa “confiança”, que o financiado garanta a liquidação total do valor financiado através do próprio bem objeto do contrato de financiamento.

É, portanto, uma obrigação acessória, do campo dos direitos reais (posse e propriedade), haja vista que o credor fiduciário (Instituição Financeira) tem a propriedade e posse indireta do bem financiado, quando, de outro lado, o devedor fiduciante figura como depositário do bem e tem a posse direta do mesmo (usa) até que a obrigação principal seja integralmente liquidada, qual seja: a quitação do contrato. Daí o por quê do termo “domínio resolúvel”, pois o contrato já nasce prevendo a condição de extinção desse domínio (propriedade). 

Ex: A concessionária CARRÕES está vendendo um veículo no valor de R$ 30.000,00. O consumidor FULANO procura o “BANCO A”, a fim de financiar o referido veículo. O “BANCO A” então concede a FULANO o financiamento, com previsão contratual de alienação fiduciária do Bem, através do pagamento de 36 (trinta e seis) parcelas de R$ 1.000,00. Note-se que o “BANCO A” já quitou o veículo junto a concessionária CARRÕES e, por força da Alienação Fiduciária em garantia, torna-se proprietário do veículo e permite que FULANO o use diretamente até que quite integralmente a sua dívida contratual de R$ 36.000,00.


3 – DO DIREITO DE VENDA PARA PAGAMENTO DA DÍVIDA

Note-se o que dispõe o art. 2º do Dec 911/69:

Texto anterior

No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver.

Novo Texto          (Lei 13.043/2014)

No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.

Percebe-se uma alteração sucinta do texto legal, mas não menos importante, uma vez que reforça que, na hipótese de inadimplemento do devedor fiduciante, o credor fiduciário poderá se utilizar plenamente do seu direito de propriedade, mais especificamente quanto a venda do bem dado em garantia a fim de saldar a dívida, mas deixa expresso o dever de prestar contas com o devedor, a fim de que seja apurado se sobrou saldo positivo ou negativo ao mesmo.

Por sinal, esse primeiro dispositivo traz à tona um tema pouco entendido em matéria de alienação fiduciária: o chamado saldo remanescente ou saldo negativo. De forma bem objetiva, ocorre saldo remanescente quando o valor de venda do bem dado em garantia para liquidação do contrato é insuficiente para quitar integralmente a dívida contratual. E é possível que isso ocorra, haja vista que, via de regra, o bem financiado sofre depreciação de preço de mercado, quando, de outro lado, o valor do financiamento é estanque, salvo quando há quitação antecipada do contrato ou dependendo de negociação com a instituição financeira.


4 – DA CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR

Outro dispositivo que sofreu alteração considerável foi o parágrafo 2º do art. 2º, do Dec 911/69, conforme disposto abaixo:

Texto anterior

A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.

Novo Texto          (Lei 13.043/2014)

A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

A alteração colocou uma verdadeira “pá de cal” num dos temas mais controvertidos em matéria de Ação de Busca e Apreensão de bens gravados com cláusula de Alienação Fiduciária: a notificação extrajudicial.

Basicamente, dois pontos sempre foram muito discutidos: a competência para realização da notificação extrajudicial e a forma de entrega do documento notificatório.

Quanto à competência, a Lei agora revogada trazia a exigência de processamento da notificação extrajudicial através de cartório de títulos e documentos ou pelo protesto de título, a critério do credor. Note-se que tal exigência não mais existe, tendo a Lei simplificado o procedimento com a simples remessa da Notificação pelo próprio credor, através de carta registrada com aviso de recebimento. Com isso, caiu por terra também a discussão que já vinha sendo pacificada pelo STJ quanto à necessidade de processamento das notificações por cartório de título e documentos da comarca do domicílio do devedor[2].

Já quanto a forma de entrega da notificação, novamente a alteração legal trazida pela Lei 13.043/2014 só veio ao encontro daquilo que E. STJ vinha decidindo sobre o tema, qual seja: a validade da notificação mesmo quando não recebida pessoalmente pelo devedor.[3] Em verdade, verifica-se que a referida alteração visa reduzir os custos das notificações extrajudiciais e, como consequência, tornar cada vez mais célere e fácil o procedimento da recuperação do crédito, seja ele pela via judicial ou extrajudicial.

Portanto, doravante, a notificação extrajudicial pode ser enviada pelo próprio credor, através de carta registrada com aviso de recebimento, bem como basta que a mesma seja entregue no domicílio do devedor, podendo ser recebida por qualquer um que ali habite ou esteja.


5 – DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO / TUTELA DE URGÊNCIA e APRECIAÇÃO EM PLANTÃO JUDICIÁRIO

Vide a redação do art. 3º do Dec. 911/69 abaixo:

Texto anterior

O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.

Novo Texto          (Lei 13.043/2014)

O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.

O texto legal sofreu alterações, mas a sua essência continuou a mesma, salvo com a inclusão do termo “podendo ser apreciada em plantão judiciário” que veio a ratificar o entendimento doutrinário e jurisprudências de que os processos de Busca e Apreensão devem ser processados pelo Judiciário com a maior celeridade possível.

Nesse cotejo, o Juiz plantonista, verificando a existência da inadimplência e comprovação da mora do devedor fiduciante, deverá apreciar a Ação de Busca e Apreensão e, caso preenchidos os requisitos legais, conceder a respectiva tutela de urgência.


6 – DO CADASTRO DA RESTRIÇÃO JUDICIAL DO BEM NO SISTEMA RENAVAM

Assim dispõem os novos §9º e 10º do art. 3º do Dec. 911/69:

Nova Previsão

(Lei 13.043/2014)

§9.  Ao decretar a busca e apreensão de veículo, o juiz, caso tenha acesso à base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAM, inserirá diretamente a restrição judicial na base de dados do Renavam, bem como retirará tal restrição após a apreensão.

§10. Caso o juiz não tenha acesso à base de dados prevista no § 9o, deverá oficiar ao departamento de trânsito competente para que:

I – registre o gravame referente à decretação da busca e apreensão do veículo; e

II – retire o gravame após a apreensão do veículo

Mais uma inovação, trazida pela Lei 13.043/2014, foi a possibilidade de o Juiz inserir a restrição judicial do bem no sistema RENAVAM, logo então decretada a Busca e Apreensão do Bem, seja através do sistema RENAJUD ou, na falta deste, a requerimento ao departamento do transito (DETRAN).

Tal medida já era utilizada, mas somente quando o mandado de busca e apreensão não podia ser cumprido pelo fato de o bem não ter sido encontrado. Doravante, a medida restritiva do veículo deve ser realizada desde a concessão do mandado de busca e apreensão, mais uma vez com vista a garantir efetividade e celeridade ao processo.


7 – DA POSSIBILIDADE DE APREENSÃO DO BEM EM OUTRA COMARCA

Assim consta no §12 e 13, do art. 3º:

Nova Previsão

(Lei 13.043/2014)

§ 12.     A parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo da comarca onde foi localizado o veículo com vistas à sua apreensão, sempre que o bem estiver em comarca distinta daquela da tramitação da ação, bastando que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo.

§ 13.  A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas.

O dispositivo acima foi uma das mais importantes inserções legais trazidas com a Lei 13.043/2014. Ao intentar a Ação de Busca e Apreensão, é corriqueiro o credor fiduciário se deparar com situações, em que o bem não é encontrado no endereço do domicílio do devedor fiduciante, seja porque este mudou de endereço sem informar o credor, ou seja porque o bem encontra-se sob a posse de terceiros.

Com vistas nisso, o legislador possibilitou ao credor fiduciário a Apreensão do bem em qualquer comarca em que se tenha a notícia da localização do bem, sem que para isso seja necessário redistribuir o feito ou expedir carta precatória.

Assim, verificada a localização do bem em comarca distinta daquela onde tramita a ação de busca e apreensão, basta que o Requerente peticione perante o Juízo da comarca onde encontra-se o bem, juntando cópia da petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo.

Um trecho do dispositivo que traz certa dúvida é quando diz que “e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo”. Isso dá margem à interpretação de que seria possível a distribuição dessa “petição”, mesmo sem que o Juízo da Ação de Busca e Apreensão já tenha concedido o respectivo mandado?

Em que pese a verdadeira dúvida que traz o texto, acredita-se que a prévia concessão da Busca e Apreensão seja condição sine qua non para a distribuição da petição noutro juízo onde esteja localizado o bem, uma vez que, do contrário, estar-se-ia possibilitando que dois juízes façam análise de duas ações com mesmas partes, causa de pedir e pedido – caracterizando, assim, a litispendência.

Resta, por ora, o entendimento de que o meio mais acertado para distribuição dessa “petição” seja através de uma espécie de Ação Cautelar Incidental.


8 – DA NECESSIDADE DE QUITAÇÃO DO CONTRATO A QUANDO DA EFETIVAÇÃO DA BUSCA E APREENSÃO DO BEM

Assim já constava no §1 e 2, do art. 3º:

§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.

O dispositivo acima não sofreu nenhuma alteração, mas merece atenção, pois traz um dos temas mais discutidos em sede Ação de Busca e Apreensão com base no Dec. 911/69.

Ocorre que, durante muito tempo, permeou o instituto da “purgação da mora”. Este instituto, pautado na antiga redação do §1º do art. 3º e por força da súmula 284-STJ, dava a possibilidade ao devedor fiduciante, no prazo de três dias após a execução da liminar de Busca e Apreensão do bem e, desde que já tivesse pago pelo menos 40% (quarenta por cento) do preço financiado, de pagar tão somente as parcelas atrasadas com os devidos encargos.

Todavia, com a entrada em vigor da Lei 10.931/2004, o instituto da purgação da mora, em matéria de contratos de alienação fiduciária, foi extinto do ordenamento jurídico. Destarte, passou-se a exigir do devedor fiduciante, após o cumprimento da liminar de Busca e Apreensão do bem, que faça o pagamento da “integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial”.

Note-se que a referida previsão legal só veio a coadunar com aquilo que o próprio Dec. 911/69 já previa, conforme disposto no §3º do art. 2º, in verbis:

§ 3º A mora e o inadimplemento de obrigações contratuais garantidas por alienação fiduciária, ou a ocorrência legal ou convencional de algum dos casos de antecipação de vencimento da dívida facultarão ao credor considerar, de pleno direito, vencidas tôdas as obrigações contratuais, independentemente de aviso ou notificação judicial ou extrajudicial.

Assim, já era facultado ao credor, em casos de caracterização do inadimplemento do devedor, considerar vencidas antecipadamente todas as obrigações contratuais, ainda no que se refere as parcelas vincendas.

Mesmo assim, verificava-se uma série de interpretações divergentes dos Tribunais quanto ao instituto em comento, o que fomentava o prolongamento das discussões judiciais e, por via de consequência, a interposição de uma série de Recursos dirigidos aos Tribunais. Este fato acabara por forçar o Superior Tribunal de Justiça a dar uma decisão no fito de unificar o entendimento, através do Julgamento do Recurso Repetitivo, conforme disposto abaixo:

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária". 2. Recurso especial provido.(STJ - REsp: 1418593 MS 2013/0381036-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 14/05/2014, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/05/2014) (grifo nosso)

Aliás, a decisão, apesar de ter sido acertada, trouxe, data maxima venia, uma certa incoerência quanto à aplicabilidade da exigência do pagamento da integralidade da dívida. Diz-se isso, pois a decisão traz em sua ementa a redação de que “Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida (...)”.

Diz-se isso, pois, salvo melhor juízo, entende-se que o Dec. 911/69 e alterações, principalmente no tocante ao seu art. 3º e §§, traz regras de cunho evidentemente processuais. Nesse cotejo, em via do princípio da aplicação imediata da norma processual, a regra do §1º do art. 3º deveria ser aplicada a qualquer Ação de Busca e Apreensão, mesmo aquelas que versem sobre contrato firmado antes da entrada em vigor da Lei 10.391/2004, do contrário, também seria necessário aplicar os efeitos da Lei 13.043/2014 somente aos contratos firmados a partir de então, o que é inconcebível.


9 – DA POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA BUSCA E APREENSÃO EM AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA

Reza o novo art. 4º do Dec. 911/69:

Texto anterior

Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil.

Novo Texto          (Lei 13.043/2014)

Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil..

Antes da Lei 13.043/2014, o credor fiduciário, caso não encontrasse o bem em mãos do devedor ou estivesse o bem em estado de conservação que tornasse a apreensão do mesmo inviável financeiramente, podia requerer em Juízo a conversão da Busca e Apreensão em Ação de Depósito ou em Ação de Execução.

Agora, de acordo com a nova norma, houve a supressão da possibilidade de conversão em Ação de Depósito, subsistindo tão somente a possibilidade da conversão em Ação de Execução (por quantia certa). O fato de ter ocorrido a supressão não foi prejudicial, mas sim uma mera verificação do legislador de que a conversão em Ação de Depósito, na prática, não surtia os efeitos almejados pela Lei, uma vez que somente em pouquíssimos casos “forçava” o devedor a quitar seu débito, bem como ainda atrasava a solução da lide.

Vale ressaltar que, assim como já era permitido anteriormente, é facultado ao credor fiduciário eleger diretamente o ajuizamento da ação de execução.


10 – DA PRESERVAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE DO CREDOR FIDUCIÁRIO

Outras importantes inovações estão contidas agora nos art’s. 6º-A e 7º-A do Dec 911/69:

Nova Previsão

(Lei 13.043/2014)

Art. 6º-A. O pedido de recuperação judicial ou extrajudicial pelo devedor nos termos da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não impede a distribuição e a busca e apreensão do bem.

Art. 7º-A. Não será aceito bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária nos termos deste Decreto-Lei, sendo que, qualquer discussão sobre concursos de preferências deverá ser resolvida pelo valor da venda do bem, nos termos do art. 2o.

Os retro citados dispositivos atendem a uma preocupação que vinham sofrendo os credores fiduciários: a perda do bem objeto da garantia fiduciária.

Alguns juízes, tribunais e serventuários de justiça vinham adotando o procedimento de constrição de bens, mesmo estes estando gravados por cláusula de alienação fiduciária. Penhoras oriundas de execuções trabalhistas, execuções fiscais e até mesmo pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial vinham recaindo sobre bens alienados fiduciariamente, impedindo que os credores fiduciários efetivassem a busca e apreensão de bens e, com isso, cerceando o direito de propriedade na sua integralidade: que é o direito de dispor, vender, usar e gozar da coisa.

O art. 6º-A preserva o direito do credor propor da Ação de Busca e Apreensão do bem, conforme previsto no art. 3º, mesmo quando o devedor alienante é sujeito ativo de um processo de recuperação judicial ou extrajudicial.

Já o Art. 7-A foi além, pois deixou clarividente que não é permitido o bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária. No mais, caso o devedor fiduciante tenha outros débitos com terceiros (ex: dívidas trabalhistas, fiscais, comerciais e etc...), o credor fiduciário tem inteira prioridade na venda do bem para liquidação do contrato (na forma do art. 2º) e somente no caso de restar saldo que deveria ser restituído ao devedor fiduciante, aí sim é que ficará disponível para discussão sobre concursos de preferências entre outros credores.


11 – DA APLICAÇÃO DO DEC. 911/69 AOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL

O parágrafo 4º do art. 2º, do Dec 911/69, assim prevê:

Nova Previsão

(Lei 13.043/2014)

Os procedimentos previstos no caput e no seu § 2o aplicam-se às operações de arrendamento mercantil previstas na forma da Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974.

O dispositivo foi uma inovação no Dec. 911/69, mas que também foi fruto de uma construção doutrinária e jurisprudencial que já vinha sendo aplicada aos contratos de Areendamento Mercantil (Leasing).

Nesse sentido, em caso de inadimplemento do devedor (arrendatário), o credor (arrendador) poderá se utilizar plenamente do seu direito de propriedade, mais especificamente quanto a venda do bem dado em garantia a fim de saldar a dívida, mas também se exigindo a prestação de contas com o arrendatário, caso reste saldo devedor em aberto.

Outrossim, aplicam-se aos contratos de arrendamento mercantil as mesmas regras para constituição e mora do devedor contidas no §2ª do art. 2º do Dec. 911/69, conforme já exposto nas linhas superiores (capítulo IV).

Ademais, segue ainda o Dec. 911/69, em seu §15, do art. 3º:

Nova Previsão

(Lei 13.043/2014)

As disposições deste artigo aplicam-se no caso de reintegração de posse de veículos referente às operações de arrendamento mercantil previstas na Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974.

Mais uma vez o legislador equiparou os procedimentos aplicáveis à Ação de Busca e Apreensão ao da Ação de Reintegração de Posse de bens gravados por cláusula de Arrendamento Mercantil (Leasing).

Portanto, de acordo com a literalidade da lei, todas as regras do art. 3º do Dec. 911/69, devem ser seguidas também nas Ações de Reintegração de Posse previstas na Lei no 6.099/74, tais quais: prazo 05 (cinco) dias para pagamento da integralidade da dívida, sob pena de consolidação da posse e propriedade do bem em mãos do credor; regras para contestação; inclusão da restrição judicial na base de dados do RENAVAM; possibilidade de Reintegração de Posse do bem em qualquer comarca em que se tenha a notícia da localização do mesmo e etc...


 12 – CONCLUSÃO

 Conforme vimos no presente trabalho, a Lei 13.043/2014 trouxe muitos avanços quanto à matéria da alienação fiduciária de bens móveis, avanços estes certamente pautados na verificação, durante muito tempo, da prática dos processos de busca e apreensão, assim como levando em consideração as decisões do Superior Tribunal de Justiça quanto às matérias mais controvertidas.

Entretanto, como já de costume no ordenamento jurídico brasileiro, a lei não é perfeita e deixou algumas obscuridades (dúvidas) ou alguns procedimentos não tão claros quanto a forma de aplicação. De qualquer sorte, cabe mais uma vez aos operadores do direito a missão de realizarem estudos sobre a temática a fim de que, com o devido tempo, a doutrina e jurisprudência possam dirimir as incertezas e dar a devida efetividade à norma.


Notas

[1] http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=fid%25C3%25BAcia

[2] Vide julgado: STJ, REsp nº 1.184.570 - MG (2010/0040271-5), Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 09/05/2012.

[3] Vide julgado STJ, AgRg no AREsp 419667 / MS, T4 - QUARTA TURMA, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, in DJe 13/05/2014.


Autor

  • Carlos Gondim Neves Braga

    Advogado, Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Pará. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade de Anhanguera – UNIDERP/LFG. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Anhanguera – UNIDERP/LFG. Pós-graduando em Auditoria Governamental pela Universidade Estácio de Sá.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Carlos Gondim Neves. Novas regras para alienação fiduciária e a ação de busca e apreensão, à luz da Lei 13.043/2014 e das recentes decisões do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4773, 26 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35344. Acesso em: 3 maio 2024.