Caros Leitores, decidi gozar neste artigo de um direito constitucional de supra importância num país de índole democrática, e que somente aqueles que sentiram a dor da mordaça podem testemunhar. Rrefiro-me à livre manifestação do pensamento, grafado como direito fundamental a todas as pessoas deste país, ou às que por aqui circulam. Pretendo brevemente voltar-me contra o pensamento utilitarista de um processo penal, que não se coaduna com a Constituição Federal tupiniquim, e dizer que sou profissional da segurança pública e sou a favor da legalização da maconha. Isso mesmo!
Há mais de 15 anos exercendo minha profissão, cumprindo com meu dever (art. 5, inciso II, art. 301 do Código de Processo Penal), prendi e vi pessoas sendo presas por apenas portarem uma trouxa de maconha. Isso é dever imposto por Lei. E como tal, deveria e devo cumpri-la, logo, ao verificar qualquer pessoa nas circunstâncias do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), sem dúvida alguma, como reza o sistema jurídico o meio será a condução para elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Certa vez, sentado no sofá de minha casa, assisti um apresentador chamar um jovem de 18 anos que portava uma trouxa de maconha pela primeira vez de maconheiro, como destruidor de lares, escancarando seu rosto pela TV, em seguida, vieram os comerciais, e para minha, e repito, minha, indignação vi também uma propaganda de cerveja (droga lícita), a qual uma mulher ia e voltava com uma garrafa de cerveja, como se fosse um objeto, um instrumento de satisfação masculina, em minha opinião aniquiladora do gênero feminino.
Logo, sendo induzido pelo Filosofo Sócrates, comecei em meu íntimo refletir a respeito, e logo concluí que aquele jovem preso por portar uma trouxa de maconha para uso próprio havia sofrido uma violação irreparável em sua alma, em sua imagem, em sua dignidade, pois as chances de ser reconhecido, num concurso, numa entrevista de emprego, numa sala de aula, seriam enormes. Sofreu uma condenação ex lege.
Ao contrário, um jovem de 18 anos, se tivesse andando na rua a pé, como uma lata de cerveja, ou indo numa sexta-feira “bebemorar”, talvez nada ocorreria, mesmo que ao longo dos anos o uso de bebida alcoólica tenha efeito nocivo em seu organismo. Mas esse último jovem, que trago como exemplo, dispôs livremente de um direito, não ofendeu nenhum bem jurídico, somente trouxe consequências para seu próprio organismo.
Confesso que, diante dos exemplos, não consigo enxergar nenhuma diferença que permita o Estado utilizar suas agências de sequestro, como ensina Foucault, para etiquetar como crime a pessoa que faz uso próprio de maconha.
Ao longo de minha profissão, nunca presenciei uma pessoa usuária de maconha agredir alguém, atropelar, matar ou destruir patrimônio estando sob os efeitos psicotrópicos que a droga propicia. Mas, ao usuário de bebida alcoólica, tive a oportunidade de ver todas as condutas acima, e muitas outras ofensivas a bens jurídicos penalmente relevantes.
Peço desculpa antecipada, e aceito a opinião contraria a minha, pois o debate jurídico enriquece o saber e a alma, mas não me deixo seduzir pela política norte-americana da década de 70, extremamente fracassada em seduzir, principalmente, com seus jargões como: “se liberaram o uso as maconha, logo a pessoa vai querer usar outras drogas”. Essa construção de pensamento bem lapidada pela fase ditatorial ainda ecoa na sociedade sem nenhuma base cientifica e racional.
Confesso que tenho certa aversão à mídia policialesca, mas às vezes é inevitável deixar de ver que toneladas de drogas sendo apreendidas pelas nobres polícias, sejam em barreiras policiais, em abordagens a veículos, mas será que o verdadeiro dono do tráfico, o proprietário da droga, o dono da organização vai preso junto? Ou é a conhecida “mula”, ou o usuário com o único intento de sustentar seu vício que é preso?
O tráfico de drogas é equiparado a crime hediondo, conforme reza a Constituição Federal. Com isso concordo, mas, infelizmente, com raras exceções, quem deveria estar atrás das grades escapa da seleção do Direito Penal, pois utiliza de pessoas fungíveis em sua cadeia de organização, prisão, ou as fétidas cadeias e prisões brasileiras não são construídas para o dono do capital.
Para encerrar, sou casado, cidadão brasileiro e não sou a favor do consumo de droga alguma. Ensino meus filhos a não consumi-las, a recusa-las, pois a saúde padece, famílias se perdem no meio do consumo do álcool e da maconha, mas defendo o direito da pessoa se autodeterminar, e caso infrinja no gozo de seu direito do princípio penal da alteridade algum bem jurídico, aí, sim, está o Estado legitimado a agir dentro de um processo penal garantista e humanizado que ao final chegue a uma pena, justa, e polivalente como diria o saudoso jurista/poeta que deixará saudade Carlos Ayres Brito, ex Ministro do Supremo Tribunal Federal. O usuário/viciado não é caso de manchetes policiais, mas, sim de saúde pública.
[...] Na penitenciária o "índio fora da lei"
Conheceu os criminosos de verdade
Entrando, saindo e voltando
Cada vez mais perigosos pra sociedade
"Aí, cumpádi, tá rolando um sorteio na prisão
Pra reduzir a superlotação"
Todo mês alguns presos tem que ser executados
E o índio, dessa vez, foi um dos sorteados
E tentou acalmar os outros presos
"Peraí, vamo fumar um cachimbinho da paz"
Eles começaram a rir e espancaram o velho índio
Até não poder mais e antes de morrer ele pensou
"Essa tribo é atrasada demais
Eles querem acabar com a violência
Mas a paz é contra a lei e a lei é contra a paz"
E o cachimbo do índio continua proibido
Mas se você quer comprar é mais fácil que pão
Hoje em dia ele é vendido pelos mesmos bandidos
Que mataram o velho índio na prisão (Gabriel Pensador)