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Da ação de adjudicação compulsória resultante do contrato preliminar

Da ação de adjudicação compulsória resultante do contrato preliminar

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Sumário: 1. Introdução – 2. Concepção tradicional do contrato – 3. A teoria da vontade na concepção alemã – 4. Nova concepção social do contrato – 5. Elementos constitutivos da obrigação – 6. Fungibilidade da declaração de vontade – 7. Infungibilidade jurídica – 8. Adjudicação compulsória – 9. Adjudicação compulsória no direito brasileiro – 10. O instituto perante o vigente Código de Processo Civil – 11. Objeto da declaração de vontade – 12. Natureza jurídica da ação de adjudicação compulsória – 13. Obrigatoriedade do registro do contrato – 14. Considerações finais.


1. Introdução

Indubitável ser o contrato o centro de atenção do direito das obrigações e, porque não dizer, do direito econômico. Representa o contrato a expressão maior do princípio da autonomia da vontade. O pacto de contrahendo, como uma modalidade de contrato, não dispunha de um título ou capítulo específico no Código Civil de 1916. No entanto, o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002), disciplinou essa matéria a partir do art. 462, dando-lhe uma seção própria no Título IV (Dos Contratos em Geral), Capítulo I, Seção VIII, visando preparar o caminho da realização do contrato definitivo.

Por inúmeras razões, que vão da impossibilidade momentânea de estruturar-se o contrato final à pura conveniência pessoal dos estipulantes, não raro as pessoas não podem ou não querem realizar, desde logo, o definitivo. Mas pactuam uma forma de assegurar sua efetivação no futuro. Daí a promessa de contratar ou de prestar declaração de vontade. É a obrigação firmada de concretizar num futuro o contrato definitivo, fruto da autonomia da vontade.

Não há confundir negociações preliminares com o contrato preliminar a que se refere o art. 462 do Código Civil. As negociações preliminares representam mera fase anterior à própria proposta, sem poder vinculante quanto ao elo de ligação visualizado pelos interessados. Descumprimento de negociações preliminares daria ensejo, quando muito, a discussão de perdas e danos. Em contrapartida, discussão acerca do cumprimento ou não do contrato preliminar, reflete justamente no objeto da obrigação descumprida ou da própria contratação.

O século XIX foi marcado pela reelaboração do direito, atingindo todos os setores da ciência jurídica, particularmente o direito econômico e o direito processual civil. Na segunda metade desse século teve início autêntica reformulação de conceitos, dotando o direito processual civil de bases científicas, dissociadas do direito materal.

Seria inócuo ao credor uma obrigação não cumprida sem a sanção e, consequentemente, sem a atuação do órgão jurisdicional, para atuar a vontade concreta da lei.

Tanto o direito material quanto o processual passaram e ainda passam por profundas reformas, principalmente na área dos contratos e na área da efetividade do processo respectivamente.

Nessa nova ordem teve ampla repercussão a reforma do processo civil em sua área obrigacional, com a introdução, em nosso sistema positivo, de institutos como da antecipação da tutela e uma mais rígida e eficiente disciplina das obrigações de fazer ou não fazer. [1]

O processo civil está intimamente ligado ao direito das obrigações. Seria impertinente uma obrigação insatisfeita, sem a instrumentalidade do processo; enfim, sem os atos coativos tendentes à satisfação do direito declarado ou reconhecido num título. Daí o equacionamento do direito obrigacional com as normas do processo, notadamente para obtenção de uma sentença visando a condenação do devedor a prestar declaração de vontade.

Sucessivas formas de contratação dão margens ora à sua rescisão, ora à sua execução e ora a uma sentença que possa substituir a vontade do contratante inadimplente, funcionando mencionada sentença como comando substitutivo da vontade do devedor.

Conviveu-se no passado distante com a impossibilidade de o Estado-Juiz compelir o devedor a prestar declaração de vontade, quando o objeto dessa declaração decorresse de uma obrigação infungível. Imperou a idéia de reputar inadmissível a substituição da vontade omitida por ato judicial, supostamente agressivo à liberdade do cidadão, motivo por que ao prejudicado caberia, somente, pretensão a perdas e danos. [2]

A evolução do processo civil como ciência acabou contribuindo para o nascimento do conceito de obrigação juridicamente infungível, a permitir que a vontade não cumprida do devedor fosse substituída por uma sentença, que tivesse o mesmo valor caso fosse a obrigação espontaneamente cumprida.

O provimento jurisdicional pretendido, nesse caso, se dá através da ação condenatória de emitir declaração de vontade, forma genérica descrita no art. 641 do Código de Processo Civil, com a nova ênfase trazida pelo novo Código Civil, principalmente em seu art. 463 e seu parágrafo único.

O presente trabalho procura analisar a natureza jurídica da sentença que condena o devedor a prestar declaração de vontade, à luz também dos arts. 463 e 464 do novo Código Civil.


2. Concepção tradicional do contrato

Exerce o direito das obrigações fundamental importância na nossa sociedade de consumo. Na verdade o direito das obrigações constitui a base não somente do direito civil, senão de todo o direito (principalmente direito comercial, direito administrativo, direito internacional privado e público). Está assentado no princípio da autonomia da vontade, pois, fixando normas gerais, inclusive dos contratos, deixa à vontade individual um campo enorme para sua manifestação. [3]

Certo é que no moderno sistema econômico, o dogma da autonomia da vontade, de ordem individual, cede a uma quantidade enorme de interesses coletivos, restringindo, sobremaneira, o império da vontade.

De uma forma genérica, toda a sociedade está centralizada na idéia de um contrato. Traz o direito econômico enorme contribuição às teorias do contrato, pois situa claramente o contrato como um meio pelo qual as partes contratantes participam direta ou indiretamente da "política econômica" posta em prática pelo Estado. [4]

Para a escola do direito natural, escreve RADBRUCH,

... o contrato era como se sabe, o fundamento de todo o Direito, fornecendo a solução do problema básico da Filosofia jurídica individualista – isto é, o problema de saber como é possível que o Direito, que foi inventado para servir exclusivamente os indivíduos, pode também obrigá-los e vinculá-los ao mesmo tempo. Fundar o Estado com todo o seu poder jurídico soberano sobre a idéia dum contrato celebrado entre os seus membros, pareceu ser o suficiente para poder apresentar, em última análise, toda a obrigação como uma auto-obrigação. Julgou-se encontrar assim na idéia de contrato social o meio que permite reconduzir com pleno êxito toda a heteronomia a uma autonomia e deste modo resolver todo o direito público no direito privado. [5]

Nesse norte, todo o contratualismo visa resolver a oposição entre autonomia e heteronomia; entre a exigência de não serem obedecidas senão as normas ditadas direta ou indiretamente pelos sujeitos e a exigência oposta de serem editadas normas por uma entidade distinta das pessoas às quais as normas se destinam.

O contratualismo, porém, nem sempre consegue ser uma realização de autonomia. É que o contrato dá origem a uma situação de fato, mas não a uma vinculação ou a uma obrigação. A obrigatoriedade não resulta da vontade, mas sim da norma que rege a situação de fato posta pela vontade. É a lei que obriga e, se assim é, na afirmação de RADBRUCH, não é o vínculo ou a obrigação contratual que poderá jamais servir de fundamento filosófico para justificar a sujeição à lei, mas será a sujeição à lei que poderá servir de fundamento filosófico para justificar a obrigatoriedade resultante dum contrato. [6]

A ciência jurídica do século XIX foi marcada pelo dogma da autonomia da vontade. A concepção de vínculo contratual desse período está centrada na idéia de valor da vontade, como fonte única e como legitimação para o nascimento de direitos e obrigações. É a época do liberalismo na economia e do chamado voluntarismo no direito. [7] Nas grandes codificações do século XIX, o contrato era a própria expressão da autonomia privada, reconhecendo às partes a liberdade de estipularem o que lhes conviesse, servindo portanto como instrumento eficaz da expansão capitalista, na observação de Leonardo MATTIETTO. [8]

Nesse período, para fomentar a economia de mercado, deixou o Estado de intervir na maioria absoluta dos atos de manifestação de vontade. Só posteriormente é que houve uma mudança de comportamento por parte do Estado, mais precisamente a partir do momento da percepção de que a concentração de renda provocada pelo livre mercado, nas mãos de pessoas ou de grupos econômicos sólidos acabava impondo às partes contratantes de menor poder aquisitivo, condições excessivamente onerosas, abusivas e incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.

Na sociedade moderna há uma tendência de um abrandamento cada vez maior do dogma da autonomia da vontade, que passa a não ser absoluta, como se pretendeu no liberalismo.


3. A teoria da vontade na compreensão alemã

Calcado no direito romano e aperfeiçoado principalmente na Alemanha, pelos pandectistas, o direito das obrigações ganhou contorno próprio no século XIX. A teoria formulada pela Escola das Pandectas, na Alemanha, embora tenha dado enorme contribuição a uma sistematização obrigacional, por outro lado legitimou abusos, ao favorecer a prepotência das pessoas economicamente fortes.

Na época imperava o liberalismo, sonho da política econômica que premiava o individual, em detrimento do coletivo. A dogmática do direito obrigacional no período do liberalismo mereceu a crítica de VON IHERING, que introduziu surpreendente revolução na cultura jurídica, ao se inclinar em favor do coletivo contra o indivíduo, com a afirmação de que o Direito se determina pelo que é útil à sociedade, como narra ORLANDO GOMES. [9]

Como era de se esperar, a doutrina individualista boi batida em seus próprios fundamentos éticos e culturais, ruindo, com ela, os conceitos e pressupostos filosóficos tão excelentemente construídos pelos pandectistas.

Anota ainda ORLANDO GOMES que

O positivismo científico florescente no século XIX concebia o Direito como sistema de preceitos e decisões derivados de princípios deduzidos racionalmente, sem levar em conta, como proclamou Windscheid, considerações éticas, políticas ou econômicas". A tarefa obsessiva dos positivistas era de burilar conceitos. [10]

Para os pandectistas o ordenamento jurídico nada mais era do que um sistema totalmente organizado e independente, isento de lacunas, de sorte que todo o caso jurídico pudesse ser resumido num conceito. A função do juiz era reduzida a mero autômato. Julgava pelo processo da subsunção, numa sucessão sistemática, totalmente ordenada sob forma estritamente lógica. O método dessa Escola se caracterizava pelo abuso de abstrações lógicas.

Desta forma, previsível que houvesse gradativamente a decadência do voluntarismo jurídico.

De fato. Transformações econômicas, políticas e sociais provocaram a decadência do voluntarismo no Direito Privado. O individualismo instituiu o dogma da autonomia da vontade, sem levar em conta que "Admitir a força criadora da vontade individual era consagrar o arbítrio". [11]

Evidente que gigantescos grupos privados exercem um poder de fato não menos ameaçador que o Estado, convertendo em pura ilusão a teórica igualdade das partes e a autonomia da vontade. [12]


4. Nova concepção social do contrato

Gradativamente a sociedade moderna vem rompendo com certos dogmas, nascendo uma concepção social do contrato, como tendência moderna inclusive no âmbito constitucional. [13] É o direito como instrumento de conformação social, como ilustra CANOTILHO. [14]

Para essa nova concepção, não só o momento da manifestação da vontade (consenso) é o que importa; importa também os efeitos do contrato na sociedade. Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social, com a imposição de um novo paradigma, notadamente o princípio da boa-fé objetiva. [15]

Tem sido uma constante a revisão dos contratos, tanto para coibir abusos quanto para adequá-lo à sua função social. Lembra Heloísa CARPENA que ao indivíduo serão reconhecidos direitos, poderes e faculdades, na medida em que venham a contribuir com o bem-estar da coletividade, que sejam socialmente úteis. [16]

Há uma tendência de ceder a autonomia da vontade diante de matéria de ordem pública ou de ofensa ao consumidor ou, ainda, nos pactos marcados pela manifesta desproporcionalidade entre os promitentes ou que revelam cláusulas abusivas ou injusta desvantagem para uma das partes, prevalecendo o coletivo ao individual. Desta forma, a defesa dos direitos difusos e uma nova ordem social tendem para uma consolidação ainda maior da teoria da confiança ou da validade, de sorte a coibir formas usuais de abusos na celebração dos contratos.

O novo Código Civil reflete um direito contratual reestruturado. Celebra a primazia dos chamados valores plurais ou coletivos em face dos equivalentes axiológicos do plano individual. Está o novo estatuto civil concentrado na função social do contrato (art. 421) e na proteção do hipossuficiente da relação contratual (art. 423). Em sua nova concepção, diz Miguel REALE ser o contrato um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele que o cria, mas, de outro lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida. [17]

O poder da vontade humana, criadora de obrigações, sempre se pautou no princípio da autonomia da vontade. O Código Civil Francês de então, ao dispor em seu art. 1.134 que "as convenções legalmente formadas têm o valor das leis para aqueles que a fizeram", mereceu de RIPERT a crítica de parecer extraordinariamente forte a fórmula preconizada por seu legislador. [18]


5. Elementos constitutivos da obrigação

O vínculo envolvendo credor e devedor não deve ser investigado exclusivamente sob o prisma da norma positiva, pela qual a lei manda que se respeite a palavra dada e obriga à observância do contrato, mas ir mais além e indagar qual a razão suprema pela qual qualquer ordenamento, ainda o mais primitivo e imperfeito, abraça tal norma [19]. De nada serve recorrer, como BENTHAM, ao conceito do interesse individual, que leva por motivos utilitários a observar as promessas; ou como PUFENDORF ao de um pacto social tácito, no qual cada homem se compromete para com os outros a manter a sua palavra; ou como GIORGI, ao outro da veracidade pelo qual, sendo ao homem imposto o dever de dizer a verdade, tal dever o vincula quando manifesta uma vontade sua, destinada a obrigar-se. [20]

Cotejando esses sistemas, RUGGIERO chega a um outro conceito quanto ao fundamento de obrigatoriedade, que é o da unidade da vontade contratual, segundo o qual, as simples vontades dos contraentes no momento em que, declaradas, se encontram, perdem cada uma a autonomia própria e fundindo-se dão lugar a uma nova vontade unitária (a vontade contratual). [21]

O contrato preliminar é uma forma de se pactuar uma vontade que ainda será objeto de um contrato definitivo.

PUIG PEÑA emite laborioso conceito, capaz de elucidar o contrato de promessa e suas características:

Se puede definir el contrato de promesa em general o contrato preliminar, diciendo que es aquel por cuya virtud dos o más personas se comprometen a celebrar en un plazo cierto determinado contrato, que por el momento no quieren o no pueden estipular. De esta definición se deducen las características siguientes:

a)Se trata de un contrato, pese al giro de la palabra precontrato (que parece indicar que no estamos ante un proprio contrato, sino ante una situación precontractual), pues hay la necesaria coincidencia de voluntades sobre um objeto y com una causa determinada (...).

b)Es un contrato de tipo consensual, pues que se perfecciona com el simple consentimiento de las partes. (...).

c)Por él las partes proyectan su voluntad sobre la conclusión en el futuro de un determinado contrato. Ésta es la esencia própria del contrato preliminar, que le diferencia del definitivo que luego estipularán las partes. [22]

O vínculo jurídico eclético é o que mais se harmoniza com o nosso sistema. O elo de ligação envolvendo os contratantes se constitui numa verdadeira unidade. Se não há espontaneamente o cumprimento da obrigação (endonorma), provoca-se a jurisdição para aplicação da sanção (perinorma). Se houve o pagamento da obrigação, mas o credor se nega a dar a quitação, terá o devedor direito às conseqüências jurídicas positivas decorrentes do cumprimento do pacto. Em qualquer das situações é justificável sentença que possa substituir a vontade do proponente, mesmo para a obtenção da recusada quitação.


6. Fungibilidade da declaração de vontade

Quanto ao tema específico, ou seja, obrigação de prestar declaração de vontade, a ordem jurídica em muito avançou. Voltemos ao assunto.

Enquanto que na obrigação de fazer e de não fazer a prestação consiste num procedimento do devedor (positivo ou negativo), na obrigação de dar a prestação incide sobre coisas, certas ou incertas.

Nas obrigações de dar, é possível a atuação do Estado no sentido de se obter a execução específica da obrigação.

No entanto, tratando-se de obrigação de fazer normalmente ocorre o contrário, porquanto difícil ou impossível compelir compulsoriamente o devedor à realizar a prestação a que se obrigou, já que a ordem jurídica repudia o emprego de força física para tal mister.

Houve notável avanço do conceito de obrigação fungível para infungível no direito brasileiro. Essa distinção abrandou o rigor da impossibilidade da execução específica das obrigações de fazer.

Criou-se novo conceito de obrigações de fazer fungíveis e infungíveis.

Se de um lado temos as obrigações fungíveis, que, por sua natureza, ou disposição convencional, podem ser satisfeitas por terceiros, quando o obrigado não as satisfaça, nada impedindo que o credor as execute, mesmo se utilizando serviço de terceiros (artigos 633 e 634 do Código de Processo Civil), temos, de outro, as infungíveis, que somente podem ser satisfeitas pelo obrigado em razão de suas aptidões ou qualidades pessoais.

Tratando-se de obrigações infungíveis, descumprindo o devedor o contrato tudo se resolve em perdas e danos. Registre-se que essa infungibilidade pode decorrer do contrato (forma convencional) ou da própria natureza da prestação (infungilidade natural).

Durante muito tempo conviveu-se com a idéia de que o compromisso de contratar, como a declaração de vontade propriamente dita, representaria típica obrigação de fazer, ou seja, ato personalíssimo, que só o devedor poderia prestá-lo; portanto infungível. No caso de descumprimento da obrigação, só restaria ao credor o caminho das perdas e danos. Em defesa dessa posição sustenta RUGGIERO que, de tal promessa nasce apenas um direito de crédito à conclusão do contrato e o não cumprimento da mesma levará sempre e apenas à indenização do id quod interest e não aos efeitos que teria produzido o contrato a estipular se, na realidade, tivesse sido feito, não podendo a sentença que condena na indenização substituir o consenso que não foi prestado. [23]

Porém, tese contrária já sustentava o nosso derrogado Código de Processo Civil de 1939, admitindo a fungibilidade, pois permitia o suprimento da declaração de vontade omitida por uma manifestação judicial equivalente (art. 1006 e §§).

Com isso, do contrato preliminar sem cláusula de arrependimento já nasce ao credor o direito à conclusão do contrato principal. A rigor o promitente comprador não obtém do juízo uma condenação, mas sim uma sentença constitutiva, declarando-o investido da execução do contrato, produzindo a sentença o efeito da declaração não emitida. É a redação dos artigos 639 e 641 do atual Código de Processo Civil.

Da chamada fungibilidade da declaração de vontade decorrem certos efeitos, notadamente o de se sujeitar o promitente aos efeitos coativos de um provimento jurisdicional que produz o mesmo efeito se a declaração fosse regularmente cumprida.

Em determinadas situações a obrigação de fazer dispensa comportamento físico relevante do obrigado, como no compromisso de outorgar escritura pública de compra e venda, ou de prestar fiança, ou de celebrar locação ou comodato. O mesmo não ocorre se a obrigação fosse fisicamente relevante, como na edificação do prédio ou na construção da cerca divisória.

Nesse raciocínio, ao invés dos interessados convencionarem desde logo o contrato definitivo (no exemplo a escritura de compra e venda do imóvel), os figurantes convencionam as cláusulas e condições do pós-contrato (pactum de contrahendo), no instrumento tradicionalmente designado de compromisso ou de contrato preliminar de compra e venda. Não raro, com maior frequência o que leva o promitente vendedor a celebrar o compromisso ou é a ausência momentânea de documentos essenciais para o contrato definitivo ou a estipulação de pagamento do preço em parcelas, sem a cláusula de arrependimento. Claro, pois, se houvesse a previsão de arrependimento, só restaria aos contratantes a rescisão e a liquidação das perdas e danos e não a execução atípica ou a chamada adjudicação compulsória.

Nessas modalidades de compromisso sem cláusula de arrependimento, o compromitente se obriga a manifestar sua oportuna concordância no contrato definitivo. Pode ocorrer, no entanto, que ele, promitente vendedor, sem motivo plausível, se negue a cumprir o ato de vontade do contrato preliminar. Isto ocorrendo, a obrigação se revelará infungível e insub-rogável?


7. Infungibilidade jurídica

Em remoto passado, repita-se, imperou a idéia de ser inadmissível a substituição da vontade omitida por ato judicial, isto porque, se tal fosse possível, flagrante seria a agressão à liberdade do promitente. No caso, só restaria ao outorgado promitente comprador postular perdas e danos.

Essa corrente cedeu à crítica de CHIOVENDA [24] e, entre nós, do ensaio de LUIS EULÁLIO BUENO DE VIDIGAL [25], demonstrando se tratar, no caso, de infungibilidade jurídica e não material, o que facultaria ao órgão jurisdicional sub-rogar a vontade faltante. Afinal, bastaria que o Estado captasse a vontade originária do figurante inadimplente, no sentido de concluir o contrato, já que livre e eficazmente emitida no pactum de contrahendo.

Tal efeito é exclusivamente jurídico. A incolumidade física do executado permanece protegida. Tudo se passa no mundo jurídico, no primeiro momento, e no plano da eficácia. A sentença, que sub-roga a renitente volição do obrigado, não o compele a manifestá-la manu militari porque, simplesmente, dela prescinde, gerando no mundo jurídico consequência idêntica à declaração espontânea. A execução vem depois e nos atos materiais de cumprimento do julgado, como assinala ARAKEN DE ASSIS [26], lembrando sempre que o provimento de substituição da vontade do compromitente é simples exemplo e espécie do gênero mais amplo das obrigações de emitir declaração de vontade.

Se o gênero é de ações de obrigação de emitir declaração de vontade (artigos 639, 640 e 641 do Código de Processo Civil), temos inúmeras espécies ou nomen iuris de ações, cabendo destaque para a adjudicação compulsória de que trata o Decreto-lei 58 de 10 de dezembro de 1937; a remissão de imóvel hipotecado (art. 815 do Código Civil); a exoneração de fiança (art. 1.500 do Código Civil); o direito à quitação regular (art. 939 do Código Civil); a condenatória em prestar fiança ou a cumprir o comodato ou a locação, por força do contrato preliminar de compromisso; a prestação de caução coativa contra o obrigado, para que este a preste, sob pena de incorrer na sanção que a lei ou o contrato cominar para a falta (art. 830 do Código de Processo Civil), dentre outras ações.

Depois de assinalar que a parte interessada tem a faculdade de pedir a rescisão do contrato preliminar com a condenação do inadimplente em perdas e danos, MESSINEO, emérito professor da Universidade de Milão, já chamava atenção em ser mais freqüente a execução específica da obrigação e não a opção pelas perdas e danos:

Pero hay también (y será caso más frecuente), la possibilidad de provocar, mediante demanda judicial, el pronunciamiento de una sentencia especial que ocupe el lugar y produzca los efectos mismos del contrato definitivo no-concluso (sentencia llamada constitutiva (...): sentencia em la cual se concreta un caso de ejecución em forma específica (...); com el efecto de que la sentencia em cuestión (cuando pase em cosa juzgada) será también título para imponer ulteriormente, a la parte renitente, el cumplimiento de la prestación; y, especialmente, si la materia del contrato es la transferencia de um derecho real, la sentencia misma – en cuanto título ejecutivo – producirá (cuando sea ejecutada) la transferencia (coactiva) de ese derecho. [27]

Somente no caso de impossibilidade da execução in natura é que o credor se verá forçado a contentar-se com a indenização das perdas e danos. Tanto num como no outro caso, se socorre o interessado do poder jurisdicional, exercendo a actio.


8. Adjudicação compulsória. Conceitos.

Cumpre distinguir a adjudicação como ato jurídico ou administrativo da adjudicação compulsória como ação.

O vocábulo adjudicação, que se originou da adjucatio latina, tem extenso campo de aplicação na área do direito.

No direito administrativo serve para qualificar como aceitável uma proposta de fornecimento de bens ou serviços para a administração pública, mediante contrato. No direito processual civil vamos encontrar o vocábulo de forma típica para designar o pedido coativo que faz o exequente, para que o juízo lhe transfira bens do patrimônio do devedor, em pagamento da obrigação (art. 647, II, e 708, II, do CPC), mediante depósito do preço ou reposição da diferença. De forma atípica, o vocábulo se encontra implicitamente nos arts. 639 e 641 do C.P.C., para designar o nomen iuris também da ação colocada à disposição do promitente comprador com contrato quitado e sem cláusula de arrependimento, visando uma sentença de reconhecimento do domínio, por força do inadimplemento da obrigação por parte do promitente vendedor. No âmbito do direito civil, mais precisamente no campo sucessório, o vocábulo adjudicação designa o pedido feito por cessionários ou herdeiros, também de transferência de bens, ora em decorrência da própria cessão de direitos hereditários ou de meação, ora em decorrência de pagamento de despesas feitas por herdeiros ou sucessores, no curso do inventário ou arrolamento.


9. A adjudicação compulsória no direito brasileiro

Quando da instituição da adjudicação compulsória pelo Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937, o tema já não representava novidade.

O nosso sistema processual civil teve seu esboço com o Regulamento 737, que disciplinou normas para o processo comercial e contemplou a execução da sentença, a assinação de dez dias e a ação executiva. As normas processuais propriamente ditas foram recepcionadas pelo decreto 763, de 1890.

O Código de Processo Civil de 1939 distinguiu a execução de sentença da ação executiva. Aquela resultado de uma sentença condenatória proferida numa ação de conhecimento. Esta, de procedimento especial, ensejava execução por título extrajudicial, com um misto de conhecimento, por permitir defesa dentro dos próprios autos da execução.

A lei civil instrumental, desde a adoção do C.P.C. de 1939, já admitia a fungibilidade da obrigação constante de contrato preliminar, ao permitir o suprimento da declaração de vontade omitida por uma manifestação judicial equivalente (art. 1006 e §§).

A adjudicação compulsória decorre de um contrato de compromisso de venda e compra quitado, sem cláusula de arrependimento, com a recusa injustificada do promitente vendedor em outorgar o domínio sobre o bem objeto da contratação.

Conviveu-se durante longos anos com uma dupla exigência como condição de admissibilidade da ação de adjudicação compulsória: que a tutela só poderia ser concedida diante de obrigação não cumprida decorrente de contrato originário de loteamento registrado e, ainda, que tal contrato tivesse o prévio registro em títulos e documentos ou à margem do Registro Imobiliário, para que pudesse valer contra terceiros, isto é, para que tivesse eficácia erga omnes.

Houve acentuada evolução jurisprudencial e doutrinária, principalmente depois da instalação do novel Superior Tribunal de Justiça, dando dimensão maior a esse instituto, fazendo com que houvesse a admissão da adjudicação compulsória mesmo diante de imóveis não loteados, de bens móveis ou de semoventes e independentemente do registro em títulos e documentos. De ver-se que, com o advento do Código Civil de 2002, o registro passou a ser obrigatório, rompendo com a tradição jurisprudencial daquele sodalício.

Por outro lado, forçoso convir a natureza não condenatória da sentença que acolhe a adjudicação compulsória, não discrepando, esse conceito, do teor dos arts. 639 e 641 do Código de Processo Civil, o que, também, motivou a pesquisa.

A venda de terrenos a prestações e a crescente especulação imobiliária que já se sentia na época, acabou gerando o Decreto-Lei nº 58, de 10 dezembro de 1937, trazendo à baila a adjudicação compulsória como forma do Estado de substituir a vontade do devedor em mora, outorgando ao credor o título de domínio do imóvel objeto do contrato.

Considerável foi o avanço desse instituto ao longo do tempo. A evolução doutrinária e jurisprudencial acabou dinamizando ainda mais o instituto da adjudicação compulsória, premiando, acima de tudo, a autoridade do contrato.

Do início pífio da exigência prévia do registro do contrato preliminar, chegou-se à inexigência de registro; da impossibilidade da antecipação da tutela específica, chegou-se à permissibilidade de dita antecipação, ainda no início da fase cognitiva de conhecimento.


10. O instituto perante o vigente Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil de 1973 aboliu a distinção entre execução de sentença e ação executiva, unificando as vias executivas, dando tratamento igualitário tanto para o título executivo judicial como para o extrajudicial. Forçoso convir que a condenação em obrigação de prestar declaração de vontade só advém de um título executivo. Logo, não há lugar para a "condenação" em obrigação de prestar declaração de vontade por título extrajudicial.

Redação dúbia mereceu os artigos 639 e 641 do Código de Processo Civil vigente. Esses dispositivos foram inseridos dentro do capítulo das obrigações de fazer e de não fazer, quando, a rigor, retratam ação de conhecimento.

Seria justificável a inserção da ação condenatória para prestar declaração de vontade pelo procedimento comum (sumário ou ordinário). Poderia ser objeto, aliás, da discriminação do inciso II, do art. 275 do Código de Processo Civil, que contempla ações típicas de procedimento sumário, sem prejuízo da conversão de rito, do sumário para o ordinário, como prevê a lei civil instrumental.

Malgrado estar a ação catalogada no capítulo das execuções, o certo é que se trata de ação de conhecimento, de natureza nitidamente constitutiva, a ensejar o procedimento comum, ou seja, sumário ou ordinário.


11. Objeto da declaração de vontade

A sub-rogação da vontade nasceu originariamente para contemplar os negócios jurídicos disponíveis, destacando-se os contratos de compromisso de venda e compra, a remissão de imóvel hipotecado, a exoneração de fiança, o direito à quitação regular etc.

Tratando-se de direitos indisponíveis, se revela inadequada a pretensão de se obter sentença substitutiva da vontade do promitente. Efetivamente, de que maneira sub-rogar o vínculo matrimonial, se o casamento é reunião de corpos que se amam? [28] De ver-se que somente efeitos materiais, como na promessa de casamento, escapam à ação contemplada no art. 639 do CPC.

Ressalva-se a possibilidade da obtenção da tutela contra a Fazenda Pública, mormente para obter o devedor a quitação regular.

O instituto da adjudicação compulsória nasceu inicialmente para contemplar bem imóvel. Ordinariamente, não há qualquer impedimento na utilização dessa ação para bens móveis ou semoventes.

Mas há que se fazer uma diferenciação. Tratando-se de bens imóveis o domínio se demonstra através do registro do título aquisitivo perante o Serviço Registral de Imóveis. No que se refere aos bens móveis, a prova do domínio se dá com a simples tradição.

Ora, o promitente comprador de bens móveis pode ter interesse jurídico na obtenção de sentença constitutiva, servindo o ato judicial como título de aquisição, independentemente ou não do registro administrativo. Sabe-se que há determinados bens móveis ou semoventes que se sujeitam a registro administrativo, sem que tal registro possa garantir, com eficiência, o domínio. É o caso do registro de transferência de veículos automotores na repartição de trânsito [29] e a expedição de nota de compra e venda de animais, notadamente bovinos, perante a repartição fazendária. De ver-se que, quando não há recusa na outorga ou transferência de domínio, na impossibilidade material do cumprimento do ato de vontade, tudo se resolve pelo procedimento de jurisdição voluntária, notadamente através de pedido de simples alvará. [30]

Embora exista um registro administrativo de transferência de bens móveis ou de semoventes, tais registros não provam, por si só, o domínio, já que este se demonstra pela simples tradição. Diante da recusa no cumprimento da vontade, só a atuação do órgão jurisdicional é capaz de documentar o domínio, através da sentença constitutiva.

Portanto, a sub-rogação de vontade originária de negócios jurídicos de bens móveis, imóveis ou semoventes pode se sujeitar a uma sentença constitutiva no processo de adjudicação compulsória ou em processo condenatório ou constitutivo de prestar declaração de vontade, quando o objeto da obrigação for pessoal, como na prestação de fiança ou na quitação da dívida, cujo comprovante de pagamento foi negado pelo credor.

Possível também a sub-rogação para alcançar direitos ou cessão de contrato, por não depender de ato material do promitente, mas de simples ato volitivo. Assim, os compromissos de cessão de contrato ou de cessão de direitos, comportam pedido de sub-rogação da vontade, desde que preenchidas as condições para o exercício do direito de ação. É o caso da recusa por parte do comprador de cotas sociais de empresa, em promover a competente alteração perante o Registro do Comércio. [31]

Outra hipótese de substituição da declaração de vontade é encontrada no art. 830 do Código de Processo Civil, que retrata a caução. Segundo aquele dispositivo, aquele em cujo favor há de ser dada a caução requererá a citação do obrigado para que a preste, sob pena de incorrer na sanção que a lei ou o contrato cominar para a falta.

Assim, excluídos os direitos indisponíveis ou atos que necessitam de efeitos materiais (como na promessa de casamento) ou físicos, todos os demais atos de vontade se sujeitam à substituição a que se refere o art. 639 do Código de Processo Civil.


12. Natureza jurídica da ação de adjudicação compulsória

A ação de adjudicação compulsória decorre de uma obrigação juridicamente infungível e descumprida.

A rigor a adjudicação compulsória representa o nomen iuris da ação prevista no Decreto-lei 58, de 10/12/1937, art. 16, com a redação dada pela Lei 6.014, de 27/12/73. Compete ao promitente comprador que pagou o preço mas teve a outorga de domínio recusada pelo promitente vendedor.

Na verdade, a ação do art. 639 do C.P.C. e a ação de adjudicação compulsória constituem a mesma ação. O que muda é o nomen iuris, o que, aliás, é irrelevante para o direito. O que importa é a presença dos elementos da ação (partes, pedido e objeto), afinal, "o direito à obtenção do contrato definitivo pertence à órbita do direito material e, neste campo, deve ser investigado e avaliado. O remédio jurídico processual, que eventualmente o veiculo, à toda evidência não lhe altera a dimensão outorgada naquele âmbito, nem modifica sua natureza real ou obrigacional. [32]

Quanto à tutela jurisdicional pretendida, a ação é de natureza constitutiva, já que a pretensão é de modificar uma relação jurídica, criando uma nova ordem.

Merece reflexão alguns temas relacionados à sub-rogação da vontade.

Há alguns anos, pelo menos três grandes correntes jurisprudenciais insistiam na defesa das seguintes posições: a) inviabilidade da execução específica do compromisso de compra e venda não registrado (posição hoje referendada pelo novo Código Civil, por força do parágrafo único do art. 463); [33] b) a adjudicação compulsória não é ação real, mas pessoal; [34] e c) distinção entre adjudicação compulsória e condenação ao cumprimento de obrigação de contratar.


13. Obrigatoriedade do registro do contrato

O registro do contrato preliminar perante a matrícula imobiliária, ou perante o serviço de títulos e documentos, serve para dar publicidade ao ato. Serve para dar eficácia erga omnes àquela promessa, de modo que, terceiro, não venha alegar desconhecimento quanto à existência do pacto em contrahendo.

Dado o caráter pessoal desse vínculo obrigacional, a ausência de seu registro não impedia o reconhecimento da pretensão adjudicatória. Essa, aliás, era a posição do Egrégio Superior Tribunal de Justiça [35], que proclamava a irrelevância do registro, inclusive fazendo alusão à criteriosa obra de DARCY BESSONE. [36]

A corte infraconstitucional reiteradamente decidia que: "O direito à adjudicação compulsória é em si de caráter pessoal, não dependendo, para sua plena eficácia entre os próprios contratantes, de registro no ofício imobiliário"; [37] "O direito à adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrito aos contratantes, não se condicionando a obligatio faciendi à inscrição no registro de imóveis". [38]

Com o advento do Código Civil de 2002, fatalmente haverá profunda alteração nesse raciocínio, já que o novo estatuto impôs a obrigatoriedade do registro do contrato preliminar, no parágrafo único do art. 463.

O novo Código Civil aborda o contrato preliminar na seção VIII do Título V, que trata dos contratos em geral. Depreende-se de seu art. 463 que concluído o contrato preliminar e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. A novidade veio no parágrafo único, ao exigir o prévio registro do contrato preliminar, obviamente no Serviço Registral de Títulos e Documentos ou no Serviço Registral de Imóveis.

A exigência de prévio registro representa instrumento inibitório à prática de negócios jurídicos sucessivos sobre o mesmo bem, com lesão ao direito do primeiro adquirente ou de terceiros que venham adquirir o bem já negociado. O prévio registro frustra as tentativas de fraudes contra credores.

Essa inovação, ou seja, o requisito do registro para exigir-se a celebração do contrato definitivo, teoricamente revoga as Súmulas nºs 84 e 239 do Superior Tribunal de Justiça. Assim, é requisito de admissibilidade da ação de adjudicação compulsória, em favor do promitente comprador, o prévio registro do contrato preliminar. Sem o registro, passa o promitente comprador a não ter interesse processual para a adjudicação compulsória, não lhe restando outra alternativa se não pedir perdas e danos, na exegese do art. 465 do citado Código Civil.

O registro passou a ser elemento indispensável para a eficácia do contrato preliminar, de ordem individual, em face do adquirente, porquanto assegurador do direito de exigir, quando não constante cláusula de arrependimento, a celebração do contrato definitivo e de ordem generalizante (efeito erga omnes) em relação a terceiros que ficam obstados, pelo registro prévio, de adquirirem o bem objeto do contrato preliminar já concluído com outrem.

O professor Dilvanir JOSÉ DA COSTA não vê com bons olhos a redação do parágrafo único do art. 463 do Código Civil. Para ele, estando registrado e não contendo cláusula de arrependimento, o contrato preliminar passa a reger-se pelos arts. 1.417 e 1.418. Não estando registrado, o art. 464 prevê outra solução: a ação de outorga de escritura, mediante sentença, como já ocorre na forma prevista no art. 639 do Código de Processo Civil, sem necessidade de prévio registro. Conclui que se o contrato for levado à registro, transformar-se-á em direito real de aquisição (arts. 1. 417 e 1.418 do Código Civil). E se não for? Responde que é o caso de se aplicar o art. 464 do CC, c/c art. 639 do CPC. [39]


14. Considerações Finais

A partir de 1994 o processo civil brasileiro passou por uma completa reformulação, objetivando celeridade na prestação jurisdicional e sua efetividade.

Um dos maiores avanços da efetividade do processo na área obrigacional adveio com a Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que deu ao órgão jurisdicional a possibilidade da concessão da tutela específica da obrigação, reforçando, assim, a autoridade do contrato.

As chamadas liminares no processo de conhecimento, antes só concedidas em determinados procedimentos especiais como nas ações possessórias e nos mandados de segurança, passaram à categoria de regra geral em qualquer procedimento, estabelecendo-se a possibilidade de antecipação de tutela não só nas hipóteses genéricas do art. 273 do Código de Processo Civil, como, também, nas hipóteses específicas de obrigação de fazer ou não-fazer de que trata o art. 461 da referida lei instrumental.


NOTAS

01. Arruda ALVIM. Manual de direito processual civil, p. 60.

02. Araken de ASSIS. Manual do processo de execução, p. 405.

03. Álvaro VILLAÇA AZEVEDO. Teoria geral das obrigações, p. 24.

04. Washington Peluso Albino de SOUZA. Lições de direito econômico, p.135/136.

05. RADBRUCH, Filosofia do direito, trad. de Cabral de Moncada, São Paulo, 1937, p. 207, apud Miguel REALE, Fundamentos do direito, p. 18.

06. RADBRUCH, apud Miguel REALE, op. cit., p. 20.

07. Claudia LIMA MARQUES, Contratos no código de defesa do consumidor, p. 37.

08. O direito civil constitucional e a nova teoria dos contratos, p.174.

09. Orlando GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p.2.

10. Orlando GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p.3.

11. Orlando GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p.9.

12. Ricardo Luis LORENZETTI, Fundamentos do direito privado, p. 119.

13. A esse respeito a doutrina de Leonardo MATTIETTO, O direito civil constitucional e a nova teoria dos contratos, in Gustavo TEPEDINO (coord.), Problemas de direito civil-constitucional, p.163/185.

14. J.J. Gomes CANOTILHO, Direito constitucional, p. 326.

15. Claudia Lima MARQUES. Contratos no código de defesa do consumidor, p.102.

16. Abuso do direito, p. 133.

17. O projeto do Código Civil, p. 10.

18. Segundo Georges RIPERT, "Para chegar a esta concepção da vontade soberana, criando ela própria e unicamente pela sua força direitos e obrigações, foi preciso que na obra lenta dos séculos a filosofia espiritualizasse o direito para desembaraçar a vontade pura das formas materiais pelas quais se dava, que a religião cristã impusesse aos homens a fé na palavra escrupulosamente guardada, que a doutrina do direito natural ensinasse a superioridade do contrato, fundando a própria sociedade sobre o contrato, que a teoria do individualismo liberal afirmasse a concordância dos interesses privados livremente debatidos sobre o bem público. Pode então reinar a doutrina da autonomia da vontade que é ao mesmo tempo o reconhecimento e o exagero do poder absoluto do contrato. Hoje procura-se a fonte de todos os compromissos numa vontade expressa ou tácita, e ensina-se que a vontade pode sempre criar um compromisso lícito. A obrigação assumida não é mais que uma manifestação do direito natural que assiste a todo o homem de se obrigar e, portanto, de manifestar uma liberdade que ele não pôde alienar. A Escola do direito natural persuadiu todos de que este compromisso, porque é voluntário, é necessariamente conforme à lei moral. Quando alguém decide alguma coisa a respeito do outro, dirá Kant, é sempre possível que lhe faça alguma injustiça, mas toda a injustiça é impossível quando ele decide por si próprio" (A regra moral nas obrigações civis, p.53-4).

19. Roberto de RUGGIERO, Instituições de direito civil, v. 3, p.303.

20. Ob. cit., p.303-4.

21. Ob. cit., p.305.

22. Federico PUIG PEÑA, Compendio de derecho civil español, p.541.

23. Roberto de RUGGIERO, Instituições de direito civil, v. 3, p.339.

24. Giuseppe CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, p.294/8.

25. Luis Eulálio BUENO DE VIDIGAL, Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, p. 115-192.

26. Araken de ASSIS, Manual do processo de execução, p.405-6.

27. Francesco MESSINEO, Manual de derecho civil y comercial, p. 469.

28. Araken de ASSIS, Manual do processo de execução, p.408.

29. A esse respeito Acórdão do E. TJMS: APELAÇÃO CIVEL. TRANSAÇÃO COM VEICULO AUTOMOTOR. REGULARIZAÇÃO DE DOCUMENTOS JUNTO AO DETRAN. RECUSA DO VENDEDOR EM RECONHECER A FIRMA. SUPRIMENTO JUDICIAL. INTELIGENCIA DO ART. 639 DO CPC. NÃO-PROVIMENTO. Provada a realização do negócio e tendo o vendedor se recusado a comparecer no cartório competente a fim de reconhecer sua firma no documento de transferencia do veículo, pode o juiz suprir tal formalidade amparando-se na disposição do art. 639 do CPC. (Apelação Cível - Classe B - XV, 401603. Campo Grande. Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Mello. 2ª T. Cível. Unânime. J. 18/04/1995, DJ-MS, 16/06/1995, p. 06, RJTJMS-105/84).

30. (...) O requerente poderá obter a transferência e inscrição do automóvel no Registro em seu nome através de simples Alvará, obtido através do juízo que inventariou os bens deixados pelo comprador ao falecer. (TARS - APC - Nº 185052529, 3ª Câm. Cív. - Erexim - RS).

31. "Ação de Obrigação de Fazer - CPC, art. 639 - Aquisição de cotas sociais - Inércia em proceder a alteração contratual e registro perante os órgãos competentes - Sentença que produz o mesmo resultado - Recurso desprovido. Se a parte que adquiriu cotas sociais de uma empresa se recusa, injustificadamente, a proceder a alteração contratual e registro junto aos órgãos competentes, dessa avença, pode o outro contratante postular uma sentença que "servirá para condenar o réu a prestar a declaração ou, então, servir como sucedâneo dele" (Alcides de Mendonça Lima, Comentários, Forense, VI vol., Tomo II, 3a. ed., p 852). (TAPR – Ap. Cível - 117034900 - Cascavel – 7ª Câm. - j. 30/03/98 - Ac. 7648 - DJ. 24/04/98).

32. Araken de ASSIS, Manual do processo de execução, p.411.

33. Posição do S.T.F., agora adotada pelo novo Código Civil, é de que a ação do art. 639 do CPC pressupõe todos os requisitos essenciais e acidentais do contrato definitivo, pelo que não cabe adjudicação compulsória nem condenação à outorga de escritura se o compromisso não estiver registrado; resolve-se o contrato, no caso de inadimplemento, em perdas e danos (RTJ, 57/330 e 113/919; 114/844; 117/384; 122/343).

34. Tribunais inferiores passaram a discordar da orientação do S.T.F., decidindo reiteradamente que a adjudicação compulsória era forma de execução do compromisso de contratar e não de execução de direito real de aquisição, pelo que não depende do registro do contrato (Revista de Processo, 19/296; RT, 470/176; RF, 209/199).

35. RSTJ 42/407 e 25/465.

36. DARCY BESSONE de Oliveira Andrade, Da compra e venda - promessa e reserva de domínio.

37. S.T.J., 4ª T., Recurso Especial 8.944-SP, Rel. Min. Athos Carneiro, DJU de 08.09.92.

38. S.T.J., 3ª T., Recurso Especial 19.410-0-MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 08.06.92, RSTJ, 42/407.

39. Inovações principais do novo Código Civil, RT 796, fevereiro de 2002, p.49.


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SOUZA, Washington Peluso Albino de. Lições de direito econômico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editora, 2002.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Tadeu Barbosa. Da ação de adjudicação compulsória resultante do contrato preliminar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 149, 2 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4554. Acesso em: 3 maio 2024.