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O menor infrator e a eficácia das medidas sócio-educativas

O menor infrator e a eficácia das medidas sócio-educativas

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RESUMO

            É de se ressaltar que a violência entre os adolescentes tem crescido vertiginosamente, de modo que estes estão assemelhados aos adultos em suas atividades delitivas, conscientes, pois, do que querem fazer, e não subprodutos indefesos de uma situação social que os pretere. Não é mais uma questão de cunho exclusivamente político-social, mas jurídico, notadamente no que tange à punição dos infratores. Entende-se que a preocupação exagerada dos legisladores em relação à elaboração de medidas sócio-educativas recuperativas é explicada pelo fato de o menor ser ainda um indivíduo em processo de construção da personalidade, que por um ou outro motivo, comete delito, mas que ainda pode ser resgatado para uma sociedade justa no futuro, afastando-o da grande possibilidade que o ronda, no sentido de continuar a delinqüir, quando de sua imputabilidade. Na verdade, os legisladores entendem a repressão tal qual no sistema aplicado aos imputáveis como sendo muito rigoroso e que na maioria das vezes não recupera. Assim, o adolescente submetido à tal tratamento, passaria de sua personalidade ainda não formada para a deformada pelos procedimentos inconsistentes e ausentes de propostas recuperativas dos presídios, que não raras vezes, revolta e aguça a tendência para o crime. Essa posição evidencia que o tratamento dos menores é muito mais amplo que a simples repressão aos atos infracionais, mas trata-se de uma política de caráter assistencial, que visa educá-lo e regenerá-lo, de modo a torná-lo útil ao país e a si próprio. Não há, pois, o interesse da legislação em apenas punir, mas tentar resgatar esse adolescente entregue á delinqüência enquanto ele ainda é passível de tratamento eficaz de revitalização. É, pois, possível que as medidas sócio-educativas da atual legislação menorista estejam sendo eficazes para combater a crescente marginalização dos menores? Ou, por sua brandura tem concorrido para o aumento da criminalidade entre os menores? Na verdade, é possível sentir a problemática social do menor infrator, suas dimensões, causas, e obviamente, a aplicação da legislação menorista em relação àqueles. Atualmente, a sociedade se vê vitimada com as mais diversas expressões de violência. A grande maioria dessa violência começa a povoar os pensamentos e nortear as ações dos indivíduos ainda na adolescência. Segundo o sistema jurídico-penal brasileiro, o menor de 18 anos é inimputável e está sujeito a uma legislação específica, mais branda, dado o seu peculiar estado de desenvolvimento psicossocial que, entendem os legisladores, não torná-los aptos a serem punidos por suas ações delituosas como se adulto fosse. A verdade é que a grande maioria das legislações do século recém findo utilizam o critério cronológico para responsabilizar penalmente os indivíduos. Ora, é sabido que o mundo evoluiu e que as crianças e jovens, cada vez mais precoces, bem como, tendo acesso a muitas informações e experiências que antes eram restritas aos adultos, evoluíram também e atingem um grau de desenvolvimento mental muito antes do que pregam os arcaicos comandos legais. Assim, gozam de uma situação relativamente privilegiada quando praticam um ato criminoso, visto que o legislador o vê como vitima e não como o agressor. O trabalho que ora se apresenta busca compreender as causas originárias da atividade delituosa dos jovens, desde os primórdios até os dias atuais, evidenciando a eficácia das medidas sócio-educativas da legislação em vigor, bem como alternativas para o combate dessa marginalização dos adolescentes.

            Palavras-chave: menor infrator; medidas sócio-educativas; eficácia.


ABSTRACT

            It is of standing out that the violence among the adolescents has been grew up vertiginously, the away that these are resembled alike the adults in their criminal activities, conscious, because, that they want to do, and not defenseless by-products of a social situation that the preteres them. It is not more a stamp subject exclusively political-social, but juridical, notedly in what it plays to the offenders´´ punishment. It understands that the exaggerated concern of the legislators in relation about elaboration of measures partner-educational recuperativas, it is explained by the fact of the younger been still an individual in process of construction of the personality, that for an or other reason, it makes crime, but that can still be rescued for a igual society in the future, moving away him from the great possibility that rounds him, in the sense of continuing to offend, when of his imputability. In fact, the legislators understand the repression just as in the system applied to the imputable ones as being very rigorous and that most of the time doesn´´t recover. Therefor, the adolescent submitted to this treatment, would still pass his still non-formed personality for the deformed by the inconsistent and absent procedures of having proposed recuperative of the prisons, not rarely, riots and sharpens the tendency for the crime. That position evidences that the treatment of the smallest ones is much wider than the simple repression to the infraction acts, but it is a politics of character assistencial, that seeks to educate him and to regenerate him, in way to turn him useful to the country and himself. There is not, therefore, the interest of the legislation in just to punish, but to try to rescue this adolescent given to the deliquency while he is still passible of effective treatment of revitalization. Is it, therefore, possible the partner-educational measures of the current legislation being effective to combat the growing "marginalização" of the smallest ones? Or, for its softness it has been competing for the increase of the crime rate among the smallest ones? Actually, it is possible to feel the smallest offender´´s social problem, its dimensions, causes, and obviously, the application of the legislation in relation to them. Nowadays, the society sees itself slain with the most several violence expressions. The great majority of that violence begins to come in to the thoughts and nortear the individuals´´ actions in the adolescence. According to the Brazilian juridical-penal system, the 18 year-old smallest is inimputable and he is subject to a specific legislation, more brandishes, given his peculiar state of development psych-social that, the legislators understand, not to turn them capable to be punished by their actions wrong as if adult are. The truth is the great majority of the legislations of the last century uses the chronological approach to make responsible punitivly the individuals. Now, it is known that the world developed and the children and young, more and more precocious, as well as, tends access to a lot of information and experiences that before were restricted to the adults, they developed too and reach a degree of mental development more quick before what they nail the archaic legal commands. Therefor, they enjoy a relatively privileged situation when they practice a criminal act, because the legislator sees it as it slays and not alike aggressor. The work that is prayed presents search to understand the original causes of the youths´´ activity wrong, since the beginning days to the current days, evidencing the effectiveness of the partner-educational measures of the nowadays legislation, as well as alternatives for the combat of this adolescents "marginalização".

            Word-keys: smaller offender; partner-educational measures; effectiveness.

            "marginalização" – action to a condition of a marginal man.


INTRODUÇÃO

            Este é um tema que sugere bastante sensibilidade, já que envolve crianças e adolescentes na iniciação da atividade delituosa, tão combatida, mas que atualmente só engrandece as tristes estatísticas do crime.

            A doutrina e a jurisprudência em torno da prática infracional por menores é divergente. Alguns buscam nivelar cada vez mais o adolescente ao indivíduo maior de 18 anos, ou seja, imputável, argumentando que a complacência sugerida pela legislação só concorre para o aumento do desvirtuamento social dos menores. Em outras palavras, acreditam que não há menor infrator vítima da pobreza, do abandono ou da falta de oportunidade de estudo ou trabalho, mas produtos de exposições continuadas a situações de carência moral e que entregam-se ao crime por vontade própria, mesmo porque, a consciência dos jovens da atualidade, acerca do que é ou não salutar para o seu desenvolvimento em sociedade, está aguçada desde o fim da segunda infância. Assim, o adolescente já é plenamente capaz de saber o que lícito. Lado outro, alguns doutrinadores pregam ser o adolescente marginalizado, vítima de disfunções sociais, que não dispõem de renda suficiente para usufruírem de bens e serviços básicos como saúde, educação, habitação, lazer, etc., e que revoltados ou ansiosos por experimentarem o que da vida lhes é suprido, enveredam pela criminalidade. Para esses, a melhor solução é o processo de ressocialização, não com vistas á punição, mas a reinserção desse indivíduo, na sociedade que ele mesmo repudiou.

            Este trabalho divide-se, pois, em duas etapas, sendo a primeira uma localização temporal do Direito da Infância e da Juventude ao longo do tempo, desde o surgimento das primeiras codificações até as causas mais prováveis e freqüentes que ensejam a criminalidade juvenil. A segunda trata das medidas sócio-educativas, dispostas uma a uma, suas aplicações e como elas têm sido absorvidas pelos infratores.

            A análise da eficácia das medidas sócio-educativas da legislação atual é urgente para que se possa aferir se estão sendo eficientes para ressocializar o adolescente infrator, ou estão lhes oferecendo chances reiteradas de persistir na criminalidade dada a sua relativa brandura. Na verdade, o direito do menor decorre do famigerado direito penal, essencialmente repressivo, mas que devido a sua falibilidade, vem tornando-se mais recuperativo, contudo essa política ainda é pouco utilizada, mesmo porque não tem demonstrado resultados positivos e tem recebido muitas críticas.


1. A EVOLUÇÃO DO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

            O ato infracional nada mais é do que a conduta descrita como tipo ou contravenção penal, cuja denominação se aplica aos inimputáveis. Ocorre que, na maioria das vezes, esses menores não praticam atos condizentes com a sua condição legal de incapacidade, quando surge então a delinqüência juvenil, que segundo diversos doutrinadores e diferentes opiniões, apresentam causas diversas, uns vislumbrando o fato como resultado de uma situação de abandono a que o menor está exposto, outros entendendo-o como um modo de viver escolhido pelo próprio adolescente, não raras vezes estimulados pelos pais, entregando-se à atividade delitiva conscientes do caminho escolhido.

            1.1.Esboço Histórico do Direito do Menor

            O fato é que a responsabilidade do menor foi alvo de constantes discussões, desde os tempos mais remotos, em todos os sistemas jurídicos. Admitia-se que o homem não poderia ser responsabilizado pessoalmente pela prática de um ato tido como contrário ao julgamento da sociedade, sem que para isso tivesse alcançado uma certa etapa de seu desenvolvimento mental e social. Contudo, os menores passaram por exaustivos sacrifícios, inclusive tendo que pagar com a própria vida até garantir uma codificação de seus direitos mais fundamentais.

            Assim, na Grécia Antiga, era costume popular que seres humanos fossem sacrificados se nascessem com alguma deformidade física. Seguindo-se ainda pela época antiga, se faz necessário lembrar a perseguição de Herodes, rei da Judéia, que mandou executar todas as crianças menores de dois anos, na tentativa de atingir Jesus Cristo, já então conhecido como o rei dos Judeus. Vê-se, assim, que a época do paganismo foi concentrada nas agressões e desrespeitos aos direitos fundamentais dos menores.

            Omarco, pois, do inicio das garantias às crianças e adolescentes, foi o Cristianismo que conferiu direitos àqueles, com vistas ao seu bem-estar físico e material, o que hoje raramente ocorre, sobretudo nos países subdesenvolvidos, onde sobejam as condições de abandono e pobreza.

            O Direito Romano exerceu grande influência sobre o direito de todo o ocidente, de onde se mantém a noção de que a família organiza-se sob um forte poder do pai. Contudo, o caminhar dos séculos atenuou esse poder absoluto, que poderia matar, maltratar, vender ou abandonar os filhos. Ainda assim, o Direito Romano adiantou-se ao estabelecer de forma especifica uma legislação penal adotada aos menores, distinguindo os seres humanos entre púberes e impúberes. Para esses últimos era reservado o discernimento do juiz, porém tendo este a obrigação de aplicar penas bem mais moderadas. Já os menores de até 7 anos eram considerados infantes absolutamente inimputáveis. Dentre as sanções atribuídas, destacam-se a obrigação de reparar o dano causado e o açoite, sendo, contudo, proibida a pena de morte, como se extrai da Lei das XLI Tábuas, assim explicada por MEIRA (1972, p. 168-171):

            TÁBUA SEGUNDA

            Dos julgamentos e dos furtos

            5.Se ainda não atingiu a puberdade. que seja fustigado com varas, a critério do pretor, e que indenize o dano.

            TÁBUA SÉTIMA

            Dos delitos

            5.Se o autor do dano é impúbere, que seja fustigado a critério do pretor e indenize o prejuízo em dobro.

            A idade média, através dos Glosadores, suportou uma legislação que determinava a impossibilidade de serem os adultos punidos pelos crimes por eles praticados na infância.

            O Direito Canônico ateve-se fielmente às diretrizes cronológicas de responsabilidade preestabelecidas pelo Direito Romano.

            No ano de 1791, com a instituição do Código Francês, viu-se um lento avanço na repressão da delinqüência juvenil com aspecto recuperativo, com o aparecimento das primeiras medidas de reeducação e o sistema de atenuação de penas.

            De grande importância para a garantia dos direitos dos menores foi a Declaração de Genebra, em 1924. Foi a primeira manifestação internacional nesse sentido, seguida da não menos importante Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1959, que estabelece onze princípios considerando a criança e o adolescente na sua imaturidade física e mental, evidenciando a necessidade de proteção legal. Contudo, foi em 1979, declarado o Ano Internacional da Criança, que a ONU organizou uma comissão que proclamou o texto da Convenção dos Direitos da Criança, no ano de 1989, obrigando aos países signatários a sua adequação das normas pátrias às internacionais.

            Outro acordo moral em prol dos direitos da criança foram as Regras Mínimas de Beijing, adotado pela ONU em 1985.

            Consagrava-se, pois, uma das mais modernas legislações menoristas do mundo, qual fosse, a Lei 8069 de 17 de julho de 1990, ou simplesmente Estatuto da Criança e do Adolescente.

            1.2.A Legislação de Menores no Brasil

            A partir do século XIX, o problema do menor começou a atingir o mundo inteiro, não sendo diferente no Brasil. O crescente desenvolvimento das indústrias, a urbanização, o trabalho assalariado, notadamente das mulheres, que tendo que sustentar os lares, teve que ir trabalhar fora de casa, deixando os filhos ao ócio, concorreram para a instabilidade e a degradação dos valores dos menores, culminando com o crime.

            Um dos costumazes problemas no âmbito da problemática menoril está na ausência de estabelecimentos correcionais que contribuam para a formação salutar da personalidade do infrator.

            Muitas foram as legislações criadas e aplicadas no Brasil. Cada uma, à sua época, foi demonstrando-se ineficaz frente à descontrolada arrancada da criminalidade juvenil. Outro dos mais combatidos problemas relacionado com as normas menoristas repousa no discernimento que até hoje é reservado ao juiz de menores. Não há reprimendas com penas fixas para os infratores. Essa discricionariedade atribuída ao Juiz, dificulta a eficácia da aplicação das medidas sócio-educativas.

            A esteira das legislações menoristas continuou a evoluir, de modo que em 1926 passou a vigorar o Código de Menores instituído pelo Decreto Legislativo de 1º de dezembro do mesmo ano, prevendo a impossibilidade de recolhimento do menor de 18 anos que houvesse praticado ato infracional à prisão comum. Em relação aos menores de 14 anos, consoante fosse a sua condição peculiar de abandonado ou pervertido, ou nenhuma dessas características, seria abrigado em casa de educação ou preservação, ou ainda, confiado à guarda de pessoa idônea até a idade de 21 anos. Poderia ficar, outrossim, sob a custódia dos pais, tutor ou outro responsável se a sua periculosidade não reclamasse medida mais assecuratória. E de salientar-se, que em todas as legislações supracitadas, entre os 18 e 21 anos de idade, o jovem era beneficiado com circunstância atenuante.

            Com o advento do Código Penal de 1940, fixou-se o limite da inimputabilidade aos menores de 18 anos que, qualquer que seja a idade, não será submetido a processo criminal, mas a procedimento e normas previstas em legislação especial, que adota a presunção absoluta da falta de discernimento, quando um menor pratica um fato descrito como crime ou contravenção penal. Entendeu o legislador que a pena criminal não seria objeto de reajuste para o menor de 18 anos, de personalidade incompleta e mal formada.

            Em 1969, o Decreto-Lei 1004 de 21 de outubro, voltou a adotar o caráter da responsabilidade relativa dos maiores de 16 anos, de modo que a estes seria aplicada a pena reservada aos imputáveis com redução de 1/3 até a metade, se fossem capazes de compreender o ilícito do ato por ele praticados. A presunção de inimputabilidade ressurge como sendo relativa. A maior e esmagadora maioria da doutrina alienígena entende que a fixação da inimputabilidade aos 16 anos aumenta a responsabilidade social dos jovens.

            A Lei 6016 de 31 de dezembro de 1973, modificou novamente o texto do art. 33 do Código de 1969, de modo que voltou a considerar os 18 anos como Limite da inimputabilidade penal, já que a adoção da responsabilidade relativa havia gerado inúmeras criticas.

            O Código de Menores instituído pela Lei nº 6697/79, disciplinou com louvor a lei penal de aplicabilidade aos menores, mas foi no âmbito da assistência e da proteção que alcançou os mais significativos avanços da legislação menorista brasileira, acompanhando as diretrizes das mais eficientes e modernas codificações aplicadas no mundo. Contudo, ressalte-se que essa legislação não tinha um caráter essencialmente preventivo, mas um aspecto de repressão de caráter semi-policiais. Evidentemente que durante a sua vigência surgiram algumas leis especificas que o adequaram à realidade, suprindo-lhe algumas lacunas.

            A Constituição Federal de 1988 corroborou, em seu art. 228, os arts. 1º, II e 41, § 3º do então Código de Menores, vigente ainda à época, no sentido da inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos.

            O surgimento da Lei nº 8069/90, ou simplesmente Estatuto da Criança e do Adolescente, trouxe grandes avanços para a responsabilidade menoril, tentando aproximar-se da realidade social desfrutada pelo Brasil, que é das mais amargas face ao vertiginoso crescimento da marginalização de menores. Promotores e Juizes da Infância e da Juventude são categóricos ao afirmar que tal Diploma determinou critérios bem mais rígidos de punição, ao mesmo tempo em que criou medidas de recuperação aplicáveis aos menores que ainda possuem condições para tal.

            1.3. Causas da Prática Infracional por Menores

            Importa considerar que não há uma opinião pacifica na doutrina sobre as possíveis causa da delinqüência juvenil. O que há são suposições, primordialmente de caráter social acerca desses desvios de conduta que culminam com a reprovação da sociedade. Analisa PAULA (1989, p.146):

            A família foi colocada como a grande orquestradora da marginalidade, eis que os pais ou responsáveis são considerados como causadores da ‘situação irregular’ de seus filhos ou pupilos, seja ela concebida como carência de meios indispensáveis à subsistência, abandono material e até mesmo a prática de infração penal.

            E acrescenta:

            Verifica-se no texto legal que o Estado não pode ser responsabilizado por nada, somente aparecendo depois de instalada qualquer hipótese que configure situação irregular, fazendo-se presente unicamente através de seu poder coercitivo, que o autoriza a intervir, amena ou drasticamente na vida do menor e/ou de sua família.

            Cumpre ainda ressaltar que a violência entre os menores tem aumentado nos últimos anos, defasado dia-a-dia a legislação menorista vigente dada a prática de delitos graves como estupros e homicídios, que não têm conotação econômica, afastando totalmente a tese das condições subumanas a que são submetidos os jovens, sobretudo nos grandes centros, e que os levariam a delinqüir. Além disso, o número de menores infratores entre a classe média e alta tem aumentado, não só no Brasil, mas na maioria dos países desenvolvidos. As causas da marginalidade entre os adolescentes são, pois, muito amplas e desconhecidas, não se restringindo somente à vadiagem, mendicância, fome ou descaso social. Tende ainda pelo lado das más companhias, formação de bandos, agrupamentos excêntricos, embriaguez, drogas, prostituição, irreverência religiosa ou moral e vontade dirigida para o crime, configuram-se como as principais delas.

            1.4.O conselho tutelar e a criança infratora

            O art. 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente reza que: "O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei". Esse órgão é criado por Lei Municipal, estando, pois, vinculado ao poder Executivo Municipal.

            Sendo órgão autônomo, suas decisões estão à margem de ordem judicial, de forma que as deliberações são feitas consoante as necessidades da criança e do adolescente sob proteção, não obstante esteja sob fiscalização do Conselho Municipal, da Autoridade Judiciária, do Ministério Público e entidades civis que desenvolvam trabalhos nesta área.

            À criança, cuja definição repousa no art. 20 da lei 8069/90, quando da prática de ato infracional a ela atribuída, surge uma das mais importantes funções do Conselho Tutelar, qual seja, a aplicação das medidas protetivas previstas no art. 101 da lei supra.

            Quando a criança pratica um ato infracional, deverá ser apresentado ao Conselho Tutelar, se estiver funcionando ou ao Juiz da Infância e da Juventude que o substitui nessa hipótese. A primeira medida a ser tomada será o encaminhamento da criança aos pais ou responsáveis, mediante Termo de Responsabilidade. É de grande importância que o menor permaneça junto à família, onde se presume encontrar apoio e incentivo, contudo se a convivência com esta for desarmoniosa, condição esta verificada após exaustivo estudo da equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, mediante laudo circunstanciado e apreciação do Conselho Tutelar ou do Magistrado, a criança será entregue à entidade assistencial, que será medida excepcional e provisória, enquanto não for feita a colocação em família substituta, não implicando em privação da liberdade. O apoio, orientação e acompanhamento temporários são procedimentos de praxe num e noutro caso. Os incisos III e IV do art. 101 do Estatuto acolhem a inclusão do menor na escola e de sua família em programas comunitários como forma de dar sustentação ao processo de reestruturação social.

            O Estatuto prevê ainda a possibilidade de requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, bem como a inclusão em programa oficial de auxilio a alcoólatras e toxicômanos. E necessário lembrar ainda que, todas essas medidas requerem a apresentação do menor aos órgãos competentes para avaliação do procedimento de reeducação social, bem como que serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, excetuando-se a medida de colocação em família substituta e os relacionados com perda e destituição do Poder Familiar, que serão julgados pela Justiça da Infância e da Juventude.


2. MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS: APLICAÇÃO E EFICÁCIA

            Relutando-se ou não em nomeá-las como medidas sócio-educativas, as reprimendas impostas aos menores infratores não se furta do caráter punitivo-sancional, embora alguns doutrinadores as queiram colocar livre do enfoque penalista. O que se apura é a mesma coisa, ou seja, ato definido como crime ou contravenção penal.

            Orienta GUSMÃO apud PAULA (1989, p.469) na justificação de seu esboço:

            ... o Juiz fará a aplicação das medidas segundo a sua adaptação ao caso concreto, atendendo aos motivos e circunstâncias do fato, condições do menor e antecedentes. A liberdade, assim, do magistrado é a mais ampla possível, de sorte que se faça uma perfeita individualização do tratamento. O menor que revelar periculosidade será internado até que mediante parecer técnico do órgão administrativo competente e pronunciamento do Ministério Público, seja decretado pelo juiz a cessação da periculosidade, assim, é um traço marcante no tratamento de menores. Toda vez que o juiz verifique a existência da periculosidade, ela lhe impõe a defesa social e ele, está na obrigação de determinar a internação.

            Contudo, ao administrar as medidas sócio-educativas, o Juiz da Infância e da Juventude não se aterá apenas às circunstâncias e à gravidade do delito, mas sobretudo, às condições pessoais do adolescente, sua personalidade, suas referências familiares e sociais, bem como a sua capacidade de cumpri-la.

            2.1.Da Advertência

            Talvez seja a medida de maior tradição no Direito do Menor, tendo constado tanto no primeiro Código de Menores pátrio, o Código Mello Mattos, de 1927, no art. 175, como também no Código de Menores de 1979, no art. 14, I, figurando entre as chamadas "Medidas de Assistência e Proteção".

            Disciplinada no art. 115 do Estatuto vigente, é a primeira das medidas aplicável ao menor infrator que pratica infrações de pequena gravidade: pequenos furtos, vadiagem, agressões leves. Diz o lacônico comando legal supra que "a Advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada, sendo, logo após, o menor entregue aos pais ou responsável". Importa ressaltar que, para a sua aplicação basta a prova de materialidade e indícios de autoria, acompanhando a regra do art. 114, parágrafo único do ECA.

            O fato é que nem sempre a advertência é a medida mais adequada, de sorte que o juiz deve examinar cautelosamente os fatos no sentido de apurar a sua gravidade. Por outro lado, a redução a termo da advertência se faz necessária para que se dê credibilidade à medida, ou seja, para demonstrar ao infrator o seu caráter de reprimenda, a fim de se obter o objetivo final, qual seja, a reeducação.

            Trata-se, pois, de uma medida singela, que busca principalmente repreender àqueles que, pelos impulsos próprios da juventude, cometem algum ato infracional.

            2.2.Da Obrigação de Reparar o Dano

            No caso da prática infracional com reflexos patrimoniais, o juiz pode utilizar-se da medida sócio-educativa disposta no art. 116 do Estatuto, determinando que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma compense o prejuízo da vítima. Havendo, contudo, manifesta impossibilidade, a medida pode ser substituída por outra adequada. Assim, a obrigação de reparar o dano imposta ao infrator não tem somente o escopo literal da medida, mas visa inserir no menor as conseqüências do ato ilícito que praticou, atendendo mais uma vez a finalidade da medida, qual seja, a sua ressocialização.

            Questão relevante é a que diz respeito à pessoa que irá suportar a responsabilidade pela reparação do dano causado pela prática de ato infracional, Consoante o art. 928 do Código Civil atual, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. No art. 5º do Diploma supracitado, está definido que a menoridade cessa aos 18 anos completos. Extrai-se, pois, que quando um adolescente com menos de 16 anos for considerado culpado e obrigado a reparar o dano causado, em virtude de sentença definitiva, a responsabilidade dessa compensação caberá, exclusivamente aos pais ou responsável, a não ser que o adolescente tenha patrimônio que possa suportar essa responsabilidade. Acima de 16 anos e abaixo de 18 anos, o adolescente será solidário com os pais ou responsável quanto à obrigações dos atos ilícitos por ele praticados. Isso conclui-se da interpretação do art. 932, I do Código Civil atual.

            É de ressaltar-se, por fim, que a condição financeira dos infratores que os impedem até mesmo de construir um patrono, não raras vezes, inviabilizam a aplicação dessa medida, quando a mesma deverá ser substituída por outra de mesma adequação, de modo que a medida tem tido alguma aplicação na Justiça da Infância e da Juventude especialmente aos adolescentes de classe alta, bem como àqueles pichadores do patrimônio público e privado. Em ambos os casos, notadamente neste último, a reparação dos prédios danificados tem sido efetuada com cautelas para não submeter o adolescente à humilhação pública.

            2.3.Da Prestação de Serviço à Comunidade

            Cuida-se de uma das inovações do estatuto, que veio acolher a medida introduzida na área penal, em 1984, pelas Leis nº 7.209 e 7.210, como alternativa à privação de liberdade.

            Esta é uma das medidas mais aplicadas aos adolescentes infratores dado o seu caráter dúbio, ou seja, ao mesmo tempo que contribui com assistência a instituições de serviços comunitários e de interesse geral, desperta neles o prazer da ajuda humanitária. Assim, a finalidade primária que é a ressocialização passa a ser apenas urna conseqüência do trabalho realizado. Cumpre salientar que a aplicação dessa medida a menores infratores da classe média alcança excelentes resultados, pois os põe de frente com a realidade fria e palpitante das instituições públicas de assistência, fazendo-os repensar de maneira mais intensa o ato infracional por eles cometido, afastando a reincidência. A ressocialização é nesses casos é visível e freqüente. Afinal, a segregação raramente recupera e o trabalho comunitário é salutar tanto para os adolescentes como para a sociedade. Institui naqueles o instinto da responsabilidade e o estimula a interessar-se pelo trabalho, além do impulso extra imposto pela autoridade judiciária no sentido da retomada aos estudos por aqueles que o abandonaram. A medida sócio-educativa, prevista no art. 112, III, e disciplinada no art. 117 e seu parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, consiste na prestação de serviços comunitários, por período não excedente a seis meses, junto a entidade assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais.

            A grande importância dessa medida reside no fato de constituir-se uma alternativa à internação, que só deve ser aplicada em caráter excepcional.

            2.4.Da Liberdade Assistida

            De plano, convém ressaltar que essa medida sócio-educativa tanto restringe direitos como liberdade. Não é exatamente uma medida segregadora, mas assume um caráter semelhante.

            Entre as diversas fórmulas e soluções apresentadas pelo Estatuto, para o enfrentamento da criminalidade infanto-juvenil, a medida sócio-educativa da Liberdade Assistida se apresenta como a mais gratificante e importante de todas, conforme unanimemente apontado pelos especialistas na matéria. Isto porque possibilita ao adolescente o seu cumprimento em liberdade junto à família, porém sob o controle sistemático do Juizado e da comunidade.

            Através dessa medida, disciplinada no art. 118 do Estatuto, o infrator será encaminhado a uma pessoa capacitada que acompanhará o caso, além de auxiliá-lo e orientá-lo. Assim, durante o prazo fixado pelo magistrado, que será de no mínimo 6 meses, podendo a qualquer tempo ser revogada, prorrogada ou substituída por outra, ouvido o orientador, o Promotor e o defensor, o infrator deverá comparecer mensalmente perante o orientador para assinar sua freqüência. A medida destina-se, em princípio, aos infratores passíveis de recuperação em meio livre, que estão se iniciando no processo de marginalização.

            Ao fixar essa medida, o juiz também determinará o cumprimento de algumas regras compatíveis com o bom andamento social do jovem, tais como: não se envolver em novos atos infracionais, não andar armado, não andar em más companhias, não freqüentar certos locais, obedecer aos pais, recolher-se cedo à habitação, retornar aos estudos, assumir ocupação lícita, entre outros. Além disso, algumas regras de Beijing foram implantadas na aplicação da medida.

            A cada 3 meses é feito um relatório comportamental do infrator, remetendo-se ainda ao seu relacionamento familiar e social. Nota-se, pois, que a finalidade precípua da mediada é a de vigiar, orientar e tratar o mesmo, de forma a coibir a sua reincidência e obter a certeza da recuperação.

            2.5.Do Regime de Semiliberdade

            Na definição de LIBERATI (1), veja-se: "por semiliberdade, como regime e política de atendimento, entende-se aquela medida sócio-educativa destinada a adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e à noite recolhem-se a uma entidade especializada".

            Na verdade, são dois os tipos de semiliberdade, a saber: tratamento tutelar determinado desde o inicio pela autoridade judicial, mediante aplicação do devido processo legal; progressão de medida, passando o adolescente internado para a semiliberdade, como beneficio.

            À guisa do próprio termo, a semiliberdade consiste num tratamento tutelar feito, na maioria das vezes, no meio aberto, o que sugere, necessariamente, a possibilidade de realização de atividades externas, tais como a freqüência à escola, relações de emprego, entre outras. Note-se que essas são finalidades precípuas da medida, que se não aparecerem, aquela perde a sua essência.

            A grande ocorrência dessa medida é verificada mesmo no processo de transição do meio fechado para o aberto. Assim como a Liberdade Assistida apresenta elevados índices de satisfação, notadamente em virtude a assistência prestada pelas equipes de psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e recreadores que supervisionam de perto todo o processo. É obrigatória a escolarização e profissionalização do menor, não comportando a medida, prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

            2.6.Da Internação

            Está disposta no art. 121 e parágrafos do Estatuto. Constitui-se de uma das mais complexas medidas sócio-educativas a serem aplicadas, pois embora o Diploma preveja objetivamente os casos para a sua utilização, o famigerado discernimento do juiz, aumenta-lhe o arbítrio.

            Um dos maiores problemas enfrentados pelo direito menorista, trata-se, da eficácia da cadeia para os jovens infratores. Daí emerge outra discussão veemente: a redução da maioridade penal. Os punicistas defendem essa diminuição porque a marginalidade está crescendo a cada nova estatística, o que demonstra a ineficiência das reprimendas atuais. Em contrapartida, surge a opinião daquelas que entendem a justiça dos menores, operacionalizada adequadamente, emendando-se as falhas do estatuto, que fez ressurgir a onda pela redução da idade da responsabilidade penal, é a solução. O ideal é que o menor continue sempre sob os cuidados paternos, no seio de sua família legitima ou substituta, evitando-se ao máximo o seu possível internamento, que só deve ocorrer em última hipótese, em caso excepcional, tratando-se de menor abandonado ou infrator.

            É importante salientar que três princípios norteiam a aplicação da medida sócio-educativa de internação, a saber: da brevidade; da excepcionalidade; do respeito a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Analisemos, pois, cada uma.

            Pelo princípio da brevidade entende-se que a internação deverá ter um tempo determinado para a sua duração, qual seja, o mínimo de seis meses (art. 121, §2º, ECA) e o máximo de 2 anos (§ 3). A exceção fica por conta do art. 122, § lº, III, que estabelece o período máximo de três meses de internação nas hipóteses de descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta; o mínimo, neste caso, fica a critério do juiz.

            Pelo principio do respeito ao adolescente, em condição peculiar de um ser em desenvolvimento, o estatuto reafirma que é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança (art. 125, ECA).

            O certo é que a medida sócio-educativa de internação tem que continuar no sistema penal juvenil. É impossível que a sociedade continue à mercê dos delitos cada vez mais graves dos adolescentes violentos e frios. Isso não quer dizer que a internação seja uma forma cruel de punir seres humanos em estado de desenvolvimento psicossocial. Afinal, a medida é até muito branda, já que tem prazo máximo de 3 anos, podendo a qualquer tempo ser revogada ou sofrer progressão, conforme os relatórios apresentados pelo centro de internação sejam favoráveis reinserção do menor na sociedade e na família. Além disso, a internação é a medida última, extrema, aplicável somente aos indivíduos que revelam perigo concreto à sociedade, costumazes delinqüentes. O que não se pode é fechar os olhos a esses criminosos, que já se apresentam perigosos, pelo simples fato de serem menores.

            A internação nem de longe lembra os calabouços sujos e sombrios dos presídios. São unidades especiais, dotadas de todos os serviços psicossociais, as mais variadas e modernas formas de terapias, sejam elas com fins exclusivamente terapêutico ou de ocupação, recreação, educação religiosa. O objetivo não se afasta da ressocializacão, repelindo totalmente a punição, que já se sabe, não recupera.

            Será sempre cumprida em local exclusivo para adolescentes, observados os critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

            Oart. 122 do Estatuto elenca as possibilidades de aplicação da medida, a saber: quando o ato infracional for cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Ressalte-se, que essa enumeração é taxativa, de modo que não será aplicada a medida em situações em que a lei não preveja.

            A internação provisória, determinada pelo Magistrado, dar-se-á nas seguintes hipóteses: prática de ato infracional com as características evidenciadas nos incisos I, II e III do art. 122; bem como se não for possível a imediata liberação do adolescente infrator a seus pais ou responsável; ou ainda, se as conseqüências e gravidade do ato praticado reclamarem a segurança e proteção do adolescente.

            Assente-se que, a medida de internação submete-se ao principio da excepcionalidade, não podendo ser aplicada se houver outra adequada que a substitua.


CONCLUSÃO

            Foi ressaltado no início deste artigo o quão profundo é este tema, já que envolve crianças e adolescentes, ditos marginais pela sociedade, mas que guardam em seu interior, na sua personalidade ainda não formada e já deformada, uma profundidade de receios, medos, tristeza e abandono. Na verdade, os jovens infratores são postos em grande evidência pela sociedade, que critica as suas ações descompassadas com a normalidade social. É bem verdade que muitos deles são mesmo aprendizes de marginais perigosos, com tendência inegável para o crime, mas a grande maioria sofre o abandono social que começa pela família, constituída muitas vezes de pais drogados, alcoólatras, desempregados, que não oferecem qualquer sensação de segurança a seus filhos, que acabam esbarrando nas facilidades enganosas do crime.

            As políticas sociais básicas de saúde, educação e segurança estão muito aquém das necessidades das famílias brasileiras, e as crianças e jovens, acostumados a encarar essa realidade desde muito cedo, sentem-se desprotegidos, desiguais. Começa a migração desesperada para as ruas, e meninos e meninas começam a participar de uma realidade escura e triste, que contrapõe-se às luzes de seus sonhos. Expostos às mais diferentes e perigosas sensações de liberdade, adquirem uma independência precoce, forçada, e freqüentemente suportada por delitos. São na maioria negros e pobres arrancados do seio da família por situações adversas. Nas ruas, sofrem privações e preconceitos, potencializando a sua revolta e indignação. Não se pode justificar o vertiginoso crescimento da delinqüência juvenil pela falta de esteio familiar, falta de educação, de saúde e lazer satisfatórios, pela inchação das grandes cidades e o desemprego. Nada justifica o crime, mas impulsiona o ser humano para ele e estas são situações de impulso. Também existem, é bem verdade, jovens de má índole e com desvio moral.

            Em todo caso, aquilo que se previne é mais fácil de corrigir, de modo que, a manutenção do Estado Democrático de Direito e das garantias constitucionais dos cidadãos deve partir das políticas assistenciais do governo, sobretudo para as crianças e jovens, de onde parte e para onde converge o crescimento do país e o desenvolvimento do seu povo. A repressão, a segregação, a violência e a tenacidade com o jovem infrator estão longe de serem instrumentos eficazes de combate à marginalidade. O ECA é uma grande arma de defesa dos direitos da infância e da juventude. Um modelo de legislação copiado por muitos países, capaz de conscientizar as autoridades para a necessidade de prevenir a criminalidade no seu nascedouro, evitando a solidificação dessas mentes desencontradas em mentes criminosas na idade adulta.

            As medidas sócio-educativas aplicadas como reprimenda aos atos infracionais praticados por menores servem para alertar o infrator à conduta anti-social praticada e reeducá-lo para a vida em comunidade. Se o jovem deixa de ser causador de uma realidade alarmante para ser agente transformador dela, porque esteve em contato com situações que lhe proporcionaram cidadania, a finalidade da medida estará cumprida. Estão aqui, pois, rompidos os liames com a família e a sociedade. As possibilidades de restauração despencam e os jovens, sem projetos, sem oportunidades, expostos à verdadeiras "faculdades" do crime, não se recuperam. A volta para o seio da sociedade mostra-nos um cidadão muito pior, ainda mais violento e anti-social. Daí a excepcionalidade da medida, que, não obstante, tem sido muito aplicada dada a periculosidade dos infratores. Conclui-se, por conseguinte, que a redução da imputabilidade penal, o aumento do tempo de internação, o rigor excessivo das punições não recuperam. Só o tratamento, a educação, a prevenção são capazes de diminuir a delinqüência juvenil. Para combater a que já existe, o que se pode afirmar é que a segregação não recupera, ao contrário, degenera. Rigor não gera eficácia, mas desespero, revolta e reincidência. E isso é justamente o que não se espera para os nossos jovens.


REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

            AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 5. ed. rev. e amp. São Paulo: Editora Malheiros, 2002.

            LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 5. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2000.

            MEIRA, Silvio A. B. A Lei das XII Tábuas - Fonte do Direito Público e Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972.

            PAULA, Paulo Afonso Ganido de. Menores, Direito e Justiças: Apontamentos para um novo Direito das crianças e adolescentes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989.


Nota

            01. Wilson Donizete. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 5. ed. São Paulo: Malheiros,2000.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. O menor infrator e a eficácia das medidas sócio-educativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4584. Acesso em: 25 abr. 2024.