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O conceito de industrialização por encomenda e as alterações em sua tributação introduzidas pela Lei Complementar nº 116/03

O conceito de industrialização por encomenda e as alterações em sua tributação introduzidas pela Lei Complementar nº 116/03

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Com a entrada em vigor da Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza [1], de competência dos municípios e Distrito Federal, relevantes mudanças foram introduzidas na análise do fato gerador do ISS, hipóteses de incidência, base de cálculo e nas suas alíquotas.

Destacam-se aqui, as mudanças com relação ao conceito da Industrialização por Encomenda, que de acordo com o Decreto Lei nº 406 de 1968 (com as mudanças introduzidas pela Lei Complementar 56/87), inovou uma matéria que se encontrava pacífica no Direito Tributário brasileiro.

Extraindo-se um conceito da "Industrialização por Encomenda", esta nada mais é do que operações de acabamento, uma "atividade meio" para obtenção de nova mercadoria ou para aperfeiçoamento de produto destinados a posterior etapa de industrialização ou comercialização, constatando-se principalmente esta prática no ramo da construção civil. Desta forma se tería uma definição desta operação tributável, ou seja, uma atividade meio realizada em um objeto, que posteriormente será negociado, industrializado. [2]

De acordo com Decreto Lei 406/68 [3], revogado pela atual Lei Complementar 116/03, dispunha em seu art. 8º que: "O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa".

Na lista anexa referida neste artigo encontramos os seguintes serviços enumerados, os quais caracterizavam a Industrialização por Encomenda e são tributados pelo ISS:

(...)

69 - Conserto, restauração, manutenção e conservação de máquinas, veículos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto o fornecimento de peças e partes, que fica sujeito ao ICM).

(...)

72 - Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização. (grifo nosso)

(...)

74 - Instalação e montagem de aparelhos, máquinas e equipamentos, prestados ao usuário final do serviço, exclusivamente com material por ele fornecido.

(...)

Nesse viés, resta claro, visto o Decreto acima transcrito dispor sobre ICMS e ISS, que na hipótese de não tributação pelo ISS, que é de competência municipal, incidira o ICMS de competência estadual, sobre as operações destinadas a posterior industrialização ou comercialização, pois o decreto revogado dispunha sobre os dois tributos, ICMS e ISS, sendo que na não incidência de um, pratica-se a incidência do outro.

Este é o ponto principal deste estudo, pois com a entrada em vigor da Lei Complementar 116/03, esta revogou expressamente o que dispunha o Decreto Lei 406/68, dando nova redação aos dispositivos que enumeram as situações de prestações de serviços, in casu, Industrialização por Encomenda, agora tributada pelo ISS, que dispõe de acordo com seu art. 1º: "O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador". (grifo nosso)

Analisando-se a lista em anexo a norma, semelhantemente ao decreto revogado, foi redigido a nova lista de serviços, passando estes agora, principalmente o item número 14.05, antigo 72, a ser tributado unicamente pelo ISS:

(...)

14.01 - Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS).

(...)

14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer. (grifo nosso)

(...)

14.06 - Instalação e montagem de aparelhos, máquinas e equipamentos, inclusive montagem industrial, prestados ao usuário final, exclusivamente com material por ele fornecido.(...)

Desta forma, se constata uma mudança na redação do fato gerador do imposto sobre serviços na chamada Industrialização por Encomenda. O legislador retirou do anexo [4] nº 14.05 a expressão "de objetos não destinados à industrialização ou comercialização" que constava na antiga redação do Decreto Lei 406/68.

Observa-se desde já, uma realidade tributária diferente e preocupadora, pois anteriormente era cediço que a Industrialização por Encomenda era tributada pelo ICMS, de competência estadual. Agora, com a nova redação introduzida pela Lei Complementar 116/03, delinha-se que este instituto será tributado pelo ISS, de competência municipal e do Distrito Federal.

Esta Lei Complementar, mesmo revogando o Decreto Lei 406/68 gerará conflitos de competência tributária, pois os estados federados não irão se sujeitar a perder receita, nos termos que dispõe os artigos acima transcritos. De outro lado, os municípios, na sua sede arrecadatória, suplicantes por receitas, imediatamente irão autuar os contribuintes exercentes da chamada Industrialização por Encomenda para pagarem o Imposto Sobre Serviços, embasados no que propõe a Lei Complementar introduzida no ordenamento brasileiro.

Frente ao acima relatado, haverá disputas entre os municípios e estados para a arrecadação desses tributos, o que tornará mais acirrada a discordância e busca de receitas entre as prefeituras e os governos estaduais.

Como se viu, anteriormente havia uma regulamentação específica com relação à incidência do ICMS sobre a Industrialização por Encomenda, com previsão de reduções sobre o valor tributado no serviço contratado. Com a entrada em vigor da nova lei, revogando as disposições anteriores, o contribuinte deverá munir-se, para no final da contratação não pagar duplamente impostos sobre os mesmos serviços realizados, uma bi-tributação do mesmo fato gerador, qual seja a industrialização por encomenda.

Claro que com o intuito de sempre proteger o contribuinte, entende-se que com a entrada em vigor da Lei Complementar 116/03, o instituto da industrialização por encomenda estará sujeito à tributação pelo ISS, e não mais pelo ICMS como era disposto anteriormente. Ademais, se observarmos as alíquotas incidentes, o ICMS geralmente é cobrado no valor de 18% sobre o valor total da nota, enquanto o ISS, segundo a nova lei terá um máximo de 5 % sobre o valor final da nota.

O preço do serviço compõe a base de cálculo do ISS, o que permite outra exclusão relevante. Serviço que não é lucrativo, ou mesmo serviço realizado sem proveito econômico próprio, não compõe a base de incidência [5]. Ora, perfeitamente perceptível o benefício fiscal da nova lei, e que se considerarmos o montante de um faturamento de uma empresa, terá reflexos na tributação de outros fatos geradores, principalmente no Imposto de Renda.

Outrossim, em sua defesa, os estados da federação, se utilizando de matéria constitucional, poderão argüir que os referidos serviços acima delineados não poderão sofrer a incidência do ISS, mas tão somente continuarem a ser tributados pelo imposto estadual, isso em decorrência da norma constitucional, artigo 156, III da CF/88 [6] vedar a incidência do ISS quando os serviços estiverem no campo de tributação do ICMS.

Ademais, as atividades-meio, como a industrialização por encomenda não podem ser tributadas durante suas fases de execução através do ISS, pois este somente incide sobre as atividades fim. "Alvo de tributação é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. (...).. . somente podem ser tomadas, para compensação do ISS, as atividades entendidas como fim, correspondentes a prestação de um serviço integralmente considerado em cada item. Não se pode decompor um serviço porque previsto, em sua integridade, no respectivo item específico da lista da lei municipal nas várias ações que o integram, para pretender tributá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas corresponde-se a um serviço autônomo, independente. Isso seria uma aberração jurídica, além de construir-se em desconsideração à hipótese de incidência do ISS." [7]


Notas

01. Imposto que teve origem através da Emenda Constitucional nº 18, de 1965, posteriormente alterado pelo Dec. 406/68, que posteriormente sofreu alterações através da Lei Complementar 56/87 e Lei Complementar nº 100/99.

02. Segundo Aliomar Baleeiro em seu livro Direito Tributário Brasileiro, discorrendo acerca dos processos equiparados à industrialização: "Este pressupõe um processo de transformação da matéria-prima em produtos finais ou semi-acabados ou destes naqueles. (...) Todavia, não são todas as operações, como, p. ex., a quebra ou fragmentação do minério bruto, ou a lavagem de lã suja e engordurada após tonsura, mas aquela ação que "modifique a natureza da finalidade da coisa", isto é, a que lhe acrescente uma utilidade nova, ou a aperfeiçoe para o consumo, como a pintura, a estampagem, o envernizamento etc." (11º ed. RJ, Forense, 1999)

03. É importante destacar desde já, que este decreto estabelecia normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) e sobre serviços de qualquer natureza (ISS), sendo a não incidência de um presumir a incidência do outro.

04. Não há dúvidas em relação a legalidade desta enumeração, pois "Os serviços exclusivamente tributáveis pelos Municípios, por intermédio do ISS, acham-se relacionados em lista cuja taxatividade constituindo natural conseqüência do princípio da legalidade tributária, tem sido reconhecida tanto pela doutrina (Rui Barbosa Nogueira in RT 482/263; Aliomar Balleeiro, Direito Tributário Brasileiro, p. 270, 8º ed., 1976, Forense) quanto pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 68/198 – RTJ 89/281 – RTJ 97/357 RDA 118/155..." (STF, RE 156.568-3/SP, excerto do Min. Celso de Mello, nov/1993) (PAULSEN, Leandro, Direito Tributário-Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 3º ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado: ESMAFE, 2001.

05. Leia-se o Mestre Bernardo Ribeiro de Moraes, no seu clássico Doutrina e Prática do ISS: "O fato gerador da obrigação tributária relativa ao ISS representa uma negociação de caráter oneroso, isto é, retribuída mediante preço. Somente são alcançados pelo imposto municipal os serviços prestados com fito de lucro ou remuneração, isto é, prestados com finalidade lucrativa."

06. Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 03/93)

07. Aires Barreto, ISS: serviços de despachos aduaneiros/momento de ocorrência do fato imponível/local da prestação/base de cálculo/arbitramento, em Revista de Direito Tributário nº 66, Ed. Malheiros, p. 114/115.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLZAN, Eduardo Augusto Cordeiro; ZAMPIERI, Marcelo. O conceito de industrialização por encomenda e as alterações em sua tributação introduzidas pela Lei Complementar nº 116/03. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 240, 4 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4886. Acesso em: 19 abr. 2024.