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Normas constitucionais inconstitucionais

(Verfassungswidrige Verfassungsnormen)

Normas constitucionais inconstitucionais. (Verfassungswidrige Verfassungsnormen)

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Escorada no sentimento de justiça que deve permear toda a sociedade, a norma constitucional só será legítima se ela mesma respeita esses valores. A preservação do Estado de Direito coloca-se na necessidade de garantir um mínimo existencial de justiça a todos, sem discriminações.

"I went to the woods because I wanted to live deliberately... I wanted to live deep and suck out all the marrow of life! To put to rout all that was not life and not, when I came to die, discover that I had not lived."

By Henry David Thoreau

SUMÁRIO: I – Introdução histórica; II – A Constituição e o Ordenamento Jurídico; III – As incompatibilidades; III.1 – As antinomias – conflito de normas; III.2 – A colisão de princípios; III.3 – As incoerências – conflitos de valor; IV – Inconstitucionalidade e ilegitimidade; V – A Ordem de Valores Supralegais; V.1 – O Conceito de Valor; VI – Direito constitucional escrito; VI.1 – Norma constitucional de grau inferior em face de norma constitucional de grau superior; VI.2 – Norma constitucional violadora de direito supralegal positivado na Constituição; VII – Direito constitucional não escrito; VII.1 – Violação aos princípios constitutivos não escritos perante o sentido da Constituição; VIII – Sistema Misto de controle; VIII.1 – Controle de legitimidade da norma; IX – Jurisprudência do STF – Adin nº 815-3; X –Conclusão; XI – Bibliografia.


I – INTRODUÇÃO HISTÓRICA

Inicialmente, uma retomada histórica se faz mister para indicar a época em que se desenvolveu a formulação teórica das normas constitucionais inconstitucionais, tentando compreender a importância e preocupação do jurista alemão Otto Bachof (elemento fundador dessa polêmica), seu ambiente político e as aspirações da Alemanha no pós-Guerra, transmudando de um Estado Totalitário para um Estado de Direito.

Assim, partindo do ponto em que a história da humanidade é feita pelos homens, e como seres racionais que são, extremamente mutáveis e de ambições das mais criativas, a Europa dos anos 40 não poderia ser diferente. Vivenciou o holocausto de uma Alemanha dominada pelo medo e pelo regime totalitário irracional, em que as pessoas perderam seu senso de pessoalidade dentro do sistema.

Impulsionados pela força propulsora de uma crise econômica decorrente da perda na 1º Grande Guerra, os alemães impuseram-se um Estado de não-direito, alicerçado em bases discriminatórias e preconceituosas, que não correspondiam aos anseios primários de um poder legítimo e justo.

Superada essa fase totalitária de anulação da individualidade humana, o pós-Guerra na Alemanha determinou aos juristas da época toda uma reformulação de sua Ordem Jurídica Constitucional, objetivando a criação de um Estado Social de Direito.

Assim exposto, foi nesse contexto de transição, de mudanças na Ordem Jurídica da Alemanha, que o professor Otto Bachof apresentou suas idéias sobre o tema em uma conferência em Heidelberg, precisamente em 20 de julho de 1951.

A grande virtude desse renomado jurista fora sua preocupação com que não houvessem, no corpo da Constituição, normas que conflitassem com os preceitos fundamentais de justiça, lastreados pelo Direito Natural, uma vez que é o próprio povo, titular do poder constituinte, que deve consentir com as propostas constitucionais, no intuito de que seja um puro reflexo daquele sentimento de justiça incrustado em cada membro da coletividade. Ainda a esse respeito, Karl Schimid diz, no Congresso Jurídico de Constança, em 1947: "Temos que aprender de novo que a justiça está antes do direito positivo e que são unicamente as suas categorias intocáveis pela vontade dos homens que podem fazer das leis direito – seja o legislador quem for, um tirano ou um povo" [1].

Talvez, preliminarmente, sob a ótica política, o cerne do questionamento encontra seu nascedouro na seguinte indagação: Como pode um Estado de Direito conceder direitos e determinar obrigações a seus cidadãos, se tal Direito não está alinhado com os preceitos fundamentais de justiça de um povo? Qual a legitimidade desse direito? Como torná-lo obrigatório? Como aplicá-lo efetivamente?

Acredito que pode ter sido essa a real preocupação do jurista alemão, que vivenciando uma troca de regime jurídico, tenta resguardar aquilo que de mais intocável existe na sociedade: seus valores fundamentais. Escorada no sentimento de justiça que deve permear toda a sociedade, a norma constitucional só será legítima se ela mesma respeita esses valores.


II – A CONSTITUIÇÃO E O ORDENAMENTO JURÍDICO

Nas relações de direito constitucional, compreendemos que a Teoria do Ordenamento Jurídico está intimamente ligada às questões de: Unidade, Coordenação, Validade, Antinomias e relações entre Ordenamentos. Ainda nessa trilha, é fundamental a apresentação da idéia filosófica sobre a Teoria Tridimensional do Direito, do professor Miguel Reale. Assenta-se a idéia do Direito ser uma integração normativa de fatos segundo valores, concedendo os postulados fundamentais de um povo como parâmetros ou nortes orientadores do Constituinte Originário e Derivado.

Por esse prisma, um Estado de Direito caracteriza-se pela obrigatoriedade em que são colocadas e conservadas todas as normas jurídicas provenientes de um Poder Soberano, que se diz legítimo pela soberania popular que assim o consagrou.

A obrigatoriedade das normas advém da situação em que todos as seguem por terem a profunda convicção de que tais normas são válidas, isto é, possuem validade formal (vigência), validade social (efetivas) e validade ética (fundamento).

Sob esta ótica, enfileiramos nosso entendimento pelo que se entende por validade ética nas lições de Stammler, trazidas ao nosso convívio pelo professor Miguel Reale [2], como sendo: "O Direito deve ser sempre uma tentativa de Direito Justo, por visar à realização de valores ou fins essenciais ao homem e à coletividade".

Percebe-se então que o lastro da validade ética está na presença de valores expressos ou implícitos, que são eleitos, no consenso geral, por uma sociedade de homens livres como aquilo que já está sedimentado e presente na consciência coletiva. Corporifica-se em algo inalienável e irredutível, em constante aperfeiçoamento, operando assim a legitimidade e obrigatoriedade do Direito. Logo, podemos observar que o Ordenamento Jurídico possui esse conjunto de valores que geram o lastro de validade ética.

Com arrimo nos argumentos expendidos, esse Ordenamento deve possuir características próprias que o distingue de um mero amontoado de normas. Tal fato é a própria unidade que um Sistema de Direito, como fruto de um Ordenamento, deve possuir para ter operacionalidade, ressalvando-se a hipótese de incoerências, onde haja a quebra da unidade.

Compreendendo, então, que a perspectiva do Direito deve ser entendida como um Sistema, sustentando-se na unidade e na ordenação, conceitua-se Sistema, na visão de Kant, assinalado por Claus-Wilhelm Canaris [3], como sendo a Unidade sob uma idéia de conhecimentos variados ou um conjunto de conhecimentos ordenado segundo princípios.

Por consegüinte, cabe destacar a visão Kelseniana do fundamento de validade do Ordenamento Jurídico. Nele, a Constituição em seu sentido lógico-jurídico é caracterizada como a norma fundante do Ordenamento e, no sentido jurídico-positivo, como a positivação dos preceitos reguladores dessa Ordem. Nesse passo, funciona como o fundamento de validade do Ordenamento Jurídico.

Validade assim, apresenta-se, sob uma ótica particular, como um dos graus de sanção dentro de incompatibilidades normativas realizadas dentro do mesmo âmbito normativo. Se houver incompatibilidade material ou formal com os preceitos fundamentais prescritos pela Constituição, deve ser declarada inválida essa norma, uma vez que a validade é pressuposto para a norma ser seguida. Nesta passagem, Norbeto Bobbio [4] enuncia que a validade é a pertinência de uma norma a um Ordenamento.

Seguindo esse raciocínio, escalonamos os graus de sanção das normas existentes dentro das incompatibilidades normativas, denominando-as de invalidade e ilegitimidade. A primeira, já descrita acima, encontra lugar dentro do mesmo âmbito normativo pelo conflito real que ocorra entre normas, em que a inferior não obedeça a superior, seja no conteúdo ou na forma. Já a ilegitimidade tem seu campo de atuação num plano superior e abrangente, em que a própria Constituição irá buscar sua validade para realmente ser legítima ou não.


III – AS INCOMPATIBILIDADES

As incompatibilidades podem ser classificadas em duas categorias próprias: as antinomias, que ocorrem dentro do mesmo âmbito normativo e as incoerências, que ocorrem em diferentes ambientes, numa esfera que transcende a própria órbita interna, tendo em vista uma relação norteada pela coordenação e subordinação, que indicará o rumo a ser tomado pelo legislador constituinte.

A meu ver, os conflitos podem se manifestar entre normas, entre princípios e entre valores. Para solucionar o conflito de normas usamos os critérios hermenêuticos tradicionalmente conhecidos (hierárquico, cronológico e especialidade). Para solucionar a colisão de princípios usamos a técnica da ponderação de interesses. No entanto, para solucionar a colisão de valores, estes plasmados no texto constitucional ou não, iremos nos socorrer no sistema de controle de legitimidade da norma, que é o objeto deste trabalho. Sistema esse, ainda de lege ferenda. Primeiro, falemos das antinomias.

III.1 – AS ANTINOMIAS – CONFLITO DE NORMAS

Na intenção de conceituar, chamamos ao nosso convívio os ensinamentos de Tércio Sampaio Ferraz Jr., a que alude a professora Maria Helena Diniz [5]: "A antinomia jurídica é a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa situação insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado". (grifo nosso).

Nesse contexto, a Teoria Geral do Direito elenca três critérios que, em um primeiro momento, irão conseguir mostrar saídas sensatas ao intérprete para que, dentro de duas normas, possa esquecer uma e aplicar a outra, é o que se denomina de interpretação ab-rogante. Utliza-se principalmente, quando há duas normas elaboradas e promulgadas ao mesmo tempo pela mesma autoridade competente, no mesmo plano hierárquico e ambas gerais, ex. gr., dentro de uma mesma Lei Federal. Não devemos esquecer que estamos no campo da aplicação do Direito, em que o intérprete somente detém o poder de não aplicar a norma, deixando-a de lado, como o magistrado faz diante do caso em concreto, visto que só o Poder Legislativo possui a competência constitucional de revogar as normas jurídicas.

Assim, tradicionalmente o conflito de regras se desenrola na dimensão da validade e, por isso, é resolvido pela aplicação hermenêutica dos critérios hierárquicos (lex superior derogat inferiori), cronológico (lex posterior derogat priori) e da especialidade (lex specialis derogat generali).

No entanto, superado o conflito de normas, irá surgir a colisão de princípios [6], que é resolvida pela técnica da ponderação de interesses. O que veremos a seguir.

III.2 – A COLISÃO DE PRINCÍPIOS

Os princípios informam todo o sistema jurídico. Eles são normas e as normas compreendem as regras e os princípios. As regras, segundo o mestre de Harvard, Dworkin, são aplicáveis à maneira do tudo ou nada [7]. Enquanto os princípios, além de atuarem normativamente, podem ser relevantes, em caso de conflito, para um determinado problema legal, mas não estipulam uma solução particular [8]. Na feliz síntese do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, os princípios são abstrações de segundo grau, normas de normas, em que se buscam exprimir proposições comuns a um determinado sistema de leis [9]. Eles dispõem de maior grau de abstração e menor densidade normativa. Como enunciados genéricos que são, estão a meio passo entre os valores e as normas na escala da concretização do Direito e com eles não se confundem, assim observa com muita acuidade o professor Ricardo Lobo Torres [10].

Como principal característica, são funcionais. Cimentam a unidade do Ordenamento, indicam o conteúdo de direito de determinado tempo e lugar, fixando, assim, os standards de justiça [11]. As disposições principiológicas sintetizam a idéia de direito e justiça vigentes no momento social, por refletirem diretamente os valores escolhidos pela sociedade no texto constitucional. Desta sorte, dirigem-se aos Poderes de Estado, condicionando-os na aplicação e interpretação das normas [12].

Os princípios laboram como a principal ferramenta na solução de distúrbios sistemáticos que, de vez em vez, assolam o Ordenamento Jurídico. A visão formalista do passado cede a uma visão substancial na análise do Direito. O conteúdo demonstra sua força. Os intérpretes mais arraigados à visão formalista estão se curvando perante a eficácia jurídica insofismável dos princípios. A fase do pós-positivismo [13] inaugura uma nova concepção sobre a eficácia e importância dos princípios. A normatividade dos princípios [14], cada vez mais acentuada pela sua positivação em texto constitucional, traduz uma eficácia vinculativa e obrigatória sobre comportamentos públicos ou privados, bem como sobre a interpretação e a aplicação de outras normas [15]. Passamos a linha divisória da ordem jusprivatista (os princípios estavam insertos nos Códigos) para a ordem juspublicistica (inserção no texto Constitucional) [16].

Assim, os princípios podem entrar em conflito num caso concreto, como por exemplo, na aplicação da norma antielisiva. De um lado, a legalidade tributária e a liberdade privada, protegendo o contribuinte das investidas do fisco na busca de seu patrimônio e, de outro, a capacidade contributiva, autorizando o fisco a identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, como prescreve o artigo 145, § 1°, da CF 88.

Não nos resta alternativa, senão recorremos à técnica da ponderação de interesses, na busca de compor esses pontos de tensão principiológica. O professor Luis Roberto Barroso, com seu curial brilhantismo, entende tratar-se de uma linha de raciocínio que procura identificar o bem jurídico tutelado por cada uma delas (normas), associá-lo a determinado valor, isto é, ao princípio constitucional ao qual se reconduz, para, então, traçar o âmbito de incidência de cada norma, sempre tendo como referências máximas as decisões fundamentais do constituinte [17].

Essa técnica torna-se mister quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre, pelo menos, dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto (em pauta, na aplicação da norma antielisão, os princípios da legalidade e da liberdade conflitam com o princípio da capacidade contributiva).

Desta sorte, para solucionar o conflito, deverá o juiz aplicar o princípio da proporcionalidade [18] na sua tríplice dimensão: a) adequação, a restrição a cada um dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência do outro; b) necessidade, tal restrição deve ser a menor possível para a proteção do interesse contraposto e c) proporcionalidade estrita, o benefício logrado com a restrição a um interesse tem de compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico [19].

Na terceira dimensão do princípio da proporcionalidade, a estrita, devemos ainda, aplicar o raciocínio baseado na Lei de Ponderação [20], ordenando que quanto mais intensa for a intervenção em um direito tanto mais graves devem ser as razões que a justificam. Para isso, é necessário passar por três fases: 1) determinar a intensidade da intervenção; 2) determinar as razões que a justificam; 3) ponderação estrita, por meio de atribuição de pesos específicos aos interesses em jogo [21]. Neste caso, a restrição imposta a um interesse deve ser a mínima possível para que seja indispensável à sua convivência com o outro, de forma a que nenhum deles desapareça por completo. Se isso acontecer, não haverá ponderação de interesses, e sim, preponderância de interesses, pois o pressuposto dessa técnica é a convivência harmônica dos interesses. Logo, os dois interesses sobrevivem juntos, lado a lado. Na verdade, há um acordo de interesses, onde cada um cede espaço ao outro, sem sacrifícios por inteiro de nenhum deles.

III.3 – AS INCOERÊNCIAS – CONFLITOS DE VALOR

Neste item encontra-se o suporte principal do pensamento de nosso estudo. Primeiramente, desejo lastrear essa tese na Teoria da Argumentação de que o raciocínio jurídico é detentor. A argumentação, em oposição à tradição cartesiana, revela-se nas palavras de Chaim Perelman, descritas com muita clareza em um dos clássicos da literatura jurídica internacional, que foi traduzido para o português pelo professor Plauto Faraco de Azevedo [22], como sendo: "A argumentação tem seu sentido no verossímil, no plausível e no provável, escapando estes à certeza de um cálculo exato de que resulte uma única solução justificável em termos absolutos [...]" (grifo nosso).

A Teoria da Argumentação não nos deixa sucumbir às forças irracionais, aos canhões do poder, às vontades impostas, enfim, à violência. Pelo contrário, coloca à nossa disposição ferramentas de muita utilidade. Serviçal do Direito, colima a repulsa a qualquer ato belicoso, que possa, por vias, até oblíquas, despojar o intérprete do Direito de seus apetrechos necessários ao combate à opressão ou qualquer forma de tolhimento dos valores intrínsecos e essenciais pertencentes ao homem, por ser o próprio homem a maior fonte desses valores.

É de se notar que a argumentação jurídica tem um campo próprio de operação. Utiliza a norma como seu arrimo fundamental. Será a própria norma que indicará os limites máximos e mínimos para a argumentação, tendo em vista a sua própria elasticidade. Assim é que o intérprete poderá articular de várias formas para compreendê-la sem usurpar da Teoria, pois ultrapassando os limites do razoável, estaria deturpando a própria mens legis. Seria, então, o rompimento da norma, devendo ela ser eliminada, porque não mais condiz com os fatos reais da vida e com os valores nela realizados. Por assim dizer, haveria um choque para o sistema, podendo contaminá-lo com conceitos distorcidos sobre os valores essenciais daquele povo. Por isso devemos ir à nascente da norma constitucional, na busca de legitimá-la ou não. Desta forma, em espeque na Teoria Tridimensional do Direito, do professor Miguel Reale [23], que iremos encontrar a segunda fundamentação das normas constitucionais inconstitucionais (ilegítimas), porque, assim, assevera: "A norma jurídica é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor".

Na elaboração de uma nova Carta Constitucional, haverá o rompimento com a antiga Ordem, sendo recepcionado o Direito anterior compatível com essa nova Ordem e revogado o incompatível, partindo para uma nova produção de Direito. Desta sorte, o constituinte em sua jornada de elaboração da norma constitucional, que é um processo de integração normativa, leva em conta a forte carga de valor existente na sociedade, ficando, assim, vinculado aos valores essenciais do homem.

Tendo como o produto final desse processo a norma constitucional, deverá ela comportar-se, perante o Direito, consoante entendimento do professor Miguel Reale [24]: "A norma é a forma que o jurista usa para expressar o que deve ou não deve ser feito para a realização de um valor ou impedir a ocorrência de um desvalor".

Diante do exposto, depreende-se que o valor detém uma autonomia viva frente ao Ordenamento Jurídico. Se pensássemos numa Ordem Jurídica sem valores, ainda assim haveriam valores que determinariam o conteúdo das normas, pois eles fundam o dever ser da norma, nascem com os homens, são indissociáveis desses e possuem funções bem determinadas de criar, alterar e modificar a realidade. De toda a sorte, seriam o parâmetro para uma nova realidade.

Logo, toda a produção de Direito será oriunda de uma Carta Constitucional que deverá estar em consonância com a Ordem de Valores de um povo, inserido em determinada cultura, sob pena de ser declarada ilegítima a norma constitucional que estiver em desalinho com ela. Daí surge a preocupação do legislador constituinte originário e derivado de seguir a trilha dos valores essenciais de um povo. Assim, segundo Hessen [25]: "[...] os valores essenciais de um povo trajam as vestes da imutabilidade e permanência, em cada tempo e espaço social, autorizando o próprio povo, que é o legítimo detentor do poder constituinte, a excluir da Constituição normas que colidam com esses valores essenciais". Este é o elemento fundamental na abordagem da colisão de valores, a troca de lente.

Para concluir, propomos um modelo esquemático das incoerências:

ESQUEMA DAS INCOERÊNCIAS

ORDENS DIFERENTES, DIFERENTES AMBIENTES

Nesta linha de montagem, as incoerências seriam algo inaceitável, por colidirem com aquilo que de mais sagrado existe no corpo social. Estaríamos, portanto, frente a uma incoerência quando houvesse esse choque entre uma norma constitucional e um valor essencial (valores que são consagrados pelo direito supralegal). E, nesse conflito, ou se elimina uma das referências ou ter-se-á uma probabilidade muito grande de injustiça.

Exemplo disso, é a contradição existente entre o artigo 100 e artigo 33 dos ADCTs, ambos da Carta Política de 1988, consoante doutrina da professora Maria Helena Diniz [26].


IV – INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGITIMIDADE

Pelo descrito acima, infere-se que há uma distinção entre os conceitos de inconstitucionalidade e ilegitimidade, assim como ocorre entre antinomias e incoerências.

Por inconstitucionalidade a doutrina é fértil em conceituá-la de forma a abranger situações de contradição material ou formal entre um ato normativo e uma disposição da Constituição. Assim dispõe Marcelo Neves [27]: "A definição de lei inconstitucional deve denotar não só a incompatibilidade resultante de contradição ou contrariedade entre conteúdos normativos (legal e constitucional), mas também a proveniente da desconformidade entre procedimento de produção normativa (legislativa) e conteúdo normativo (constitucional)". Ou ainda por Regina Maria Macedo Nery Ferrari, citada por Clèmerson Merlim Clève [28] como sendo: "Um ato normativo cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, de modo expresso ou implícito, ao conteúdo de dispositivo constitucional".

Já a ilegitimidade, comporta-se num plano de maior abrangência, sendo vinculante e transcendendo a Ordem Jurídica. É a própria Constituição que deverá estar alinhada com a Ordem de Valores essenciais de um povo, sob pena de banimento da norma constitucional desobediente aos valores que por ela deveriam ser consagrados e realizados, ainda que sejam valores não positivados no texto constitucional. É a garantia do Ordenamento Jurídico.

A norma deverá ser declarada ilegítima por meio de Ação Declaratória de Legitimidade, dentro de um processo de controle de legitimidade da norma constitucional a ser realizado perante um Tribunal Constitucional. Declarada a ilegitimidade da norma constitucional, o povo, na qualidade de titular do poder constituinte, usando de sua soberania, será consultado sobre a permanência ou alteração da norma constitucional em vigor. Esse desenho, de lege ferenda, afigura-se de acordo com o modo de democracia participativa escolhida pelo povo na própria Constituição, artigo 1º, § único c/c artigo 14, incisos I, II, e III ambos da CF88. Logo, o titular do poder constituinte originário constatará que algum valor essencial por ele escolhido não está sendo atendido na sua plenitude, porque a norma declarada ilegítima não o realiza.


V – A ORDEM DE VALORES SUPRALEGAIS

Para alcançar a serenidade de uma Carta Magna vinculada às idéias fundamentais de justiça, os valores essenciais de um povo, sedimentados na consciência coletiva ou que virão a ser, devem ser elementos condicionantes do sistema jurídico. Valores esses que possuem uma carga muito forte de realidade, feita dos fatos e relações de natureza política, econômica e social.

Os valores [29] essenciais de um povo são esses bens jurídicos na sua forma maximamente otimizada, porque constituem, em última análise, aquilo que o Direito positivado ou não almeja conferir aos seus sujeitos, dentre o muito a que estes aspiram ou perseguem, partindo da valoração de fatos e situações históricas, donde a normatização. Logo, vinculam o dever-ser de forma a jungir, no tempo e espaço, a obrigatoriedade legítima, que traz os valores, com o princípio que os realiza e a norma que os concretiza.

Portanto, é plausível perceber a existência de uma infindável gama de valores existentes ou a se descobrir, que predominando na sociedade, o direito vem a positivar. Esses valores foram o ponto de partida na elaboração das normas jurídicas. Todos os valores que já conhecemos como: paz, ordem, segurança, bem-estar, desenvolvimento, intimidade, igualdade, acomodação, liberdade, respeito, conforto, solidariedade, dignidade e justiça, de uma forma ou de outra fundaram as normas. Neste sentido, observa Revorio [30] que a ordem de valores fundantes das normas jurídicas há de ser social, humana, científica e dialética, e que, do ponto de vista sociológico, os valores cumprem três funções: a) dar coerência e sentido ao código de normas e modelo destas; b) coagir psiquicamente as pessoas; c) contribuir para a integração social da comunidade.

Estando eles jungidos ao cerne da norma-princípio ou da intenção dela, ficam assim positivados ou não, explícitos ou implícitos. Note-se, então, a multiplicidade de valores que o Direito reconhece e, que a cada dia, consagra em seus princípios e normas. Reconhecimento este que também se observa nas normas constitucionais, pois, como norma suprema, tem seu fundamento de legitimidade assentado nesses valores, objetivando sempre realizá-los. O exemplo mais característico está nas normas programáticas. Essas trazem um programa de Estado visando à concretização de valores consagrados na sociedade, ex. gr., construir uma sociedade livre, justa e solidária, artigo 3° , inciso I, da Constituição Federal de 1988. Tais normas explicitam comandos-valores que dirigem-se ao legislador para realizá-los na elaboração da norma, ao administrador público para aplicá-los de ofício e ao juiz para efetivá-los no caso concreto.

Há quem sustente a possibilidade de hierarquizar os valores, tanto na filosofia quanto no Direito. Assim não concordamos. Nesse sentido, observa Francisco Menton Marques de Lima [31]: "É importante frisar que a posição de um valor na escala axiológica depende da sua necessidade em determinado tempo e espaço". No entanto, o Tribunal Constitucional Federal Alemão elaborou uma ordem hierárquica dos valores para o Direito: (a) Em primeiro grau a proteção e liberdade da pessoa; (b) Em segundo grau estão os direitos, a integridade física e moral, a inviolabilidade corporal, a intimidade pessoal, o segredo das comunicações, a inviolabilidade do domicílio, o direito a fixar livremente sua residência; (c) Em terceiro grau, a proteção à propriedade e à liberdade de escolha profissional; (d) Em quarto grau está a liberdade de exercício profissional.

Na esteira do pensamento do profesor Otto Bachof, os valores fundamentais estão plasmados no direito supralegal positivado ou não no texto constitucional. Por tais razões sempre haverá uma ordem de valores a ser respeitada, dentro de cada contexto social, temporal e espacial. Assim, não concordamos com a hierarquia de valores suscitada acima, pois elas ficam suscetíveis às variações sociais, dependendo do momento histórico vivenciado por aquela sociedade. Neste sentido, Mário Ferreira dos Santos [32] explica que há uma hierarquia nos valores em-si, para-si e para-outrem. Os valores em-si apresentam uma hierarquia, pois há valores que valem mais que outros. Os valores para-si apresentam uma hierarquia variante, pois variarão de acordo com o interesse do seu ser na sua existência. Os valores para-outrem também possuem hierarquia variante, pois o que hoje oferece maior desirabilidade para um ser, pode não oferecer posteriormente. Na verdade, se o valor possui uma hierarquia que varia de acordo com o contexto social, é o mesmo que dizer que não há hierarquia.

Por fim, corroborando com o alcance e significado desse enunciado, o professor Edvaldo Brito [33] explicita seu pensamento dessa forma: "[...] o "conceito" Constituição (essência) carece de permanente estudo no âmbito da Teoria da Constituição, seja porque ele não se encaixa, apenas, no de Constituição jurídica, seja porque os valores fundamentais devem conformar as normas inseridas nessa Constituição jurídica para que elas tenham legitimidade". (grifo nosso).

V.1 – O CONCEITO DE VALOR

A conceituação do que vem a ser valor é muito discutida e difundida entre os filósofos que se ativeram ao assunto. O professor Reale conclui que é impossível definir o valor e recorre a Lotze para dizer que valor é o que vale. Já Robert Alexy conceitua o valor a partir da diferenciação dos significados "algo tem um valor e algo é um valor". No entanto, podemos simplificar e conceituar o valor, no sentido filosófico, como "aquilo que é bom, útil, justo, honesto, belo, agradável para o homem" [34] e que conduz à perfeição, rumo a Deus. Ou ainda, na filosofia Realeana [35], "os valores apresentam uma forma de ser que não é subordinada ao espaço nem ao tempo. Eles não admitem nenhuma possibilidade de quantificação. Enquanto tais os valores são imensuráveis. Eles fazem referência ao plano do ‘dever-ser’". Logo, o valor é um ente autônomo, acessível a partir do âmbito do dever-ser, que estima a realidade como ela deveria ser, ou seja, sob a ótica de algum valor. Finalmente, os valores são atualizados, objetivados nos objetos culturais, embora não sejam reduzidos a eles. Uma verdadeira compreensão e interpretação dos valores passa por uma análise precisa da realidade histórico-cultural humana, porque é aí que eles se manifestam.

O valor [36], no sentido jurídico, entende-se como a máxima revelação do complexo de bens, direitos, interesses, poderes e faculdades das pessoas, dos grupos, das coletividades e do próprio Estado – em sua função estrutural de meio para a consecução dos fins da sociedade organizada.


VI – DIREITO CONSTITUCIONAL ESCRITO

VI.1 – NORMA CONSTITUCIONAL DE GRAU INFERIOR EM FACE DE NORMA CONSTITUCIONAL DE GRAU SUPERIOR

Em supedâneo nas correntes doutrinárias alemãs, especialmente Krüger e Giese, esses autores acreditavam na hipótese de serem materialmente inconstitucionais as normas de grau inferior (norma só formalmente constitucional) infensas a preceito nuclear da Constituição. Relatado por Otto Bachof, suas defesas espelham-se na seguinte afirmação [37]: "Contudo, poderia suceder que uma norma constitucional de significado secundário, nomeadamente uma norma só formalmente constitucional, fosse de encontro a um preceito material fundamental da Constituição: ora, o facto é que por constitucionalistas tão ilustres como Krüger e Giese foi defendida a opinião de que, no caso de semelhante contradição, a norma constitucional de grau inferior seria inconstitucional e inválida".

O professor Otto Bachof, analisando essa situação, irá desconsiderar a hipótese da norma de grau superior conter timbre de direito supralegal, porque essa hipótese configuraria outra situação e a inconstitucionalidade, na realidade, adviria do contraste com o direito supralegal, e não no fundamento de escalonar com graus a diferentes tipos de normas irrogando superioridade a umas pela corporificação de princípios basilares da Constituição, como conceberam Krüger e Giese.

No entanto, houve na doutrina pátria quem sustentasse que haveria, com base no tipo de normas formal e materialmente constitucionais, um diferente peso normativo para certas normas que trouxessem conteúdo fundamental, expressando preceitos nucleares do Estado de Direito. Portanto, serão qualificadas de inconstitucionais aquelas que contrariassem as normas de maior peso normativo, posto que essas normas contêm o âmago vital do Estado, sua espinha dorsal, sua fonte reveladora, sua própria identidade.

Essa discussão fora preconizada pelo Prof. Nelson Sousa Sampaio que deflagrou a contenda à época da Emenda Constitucional nº 01/69 que punia com a perda do mandato parlamentar a infidelidade partidária, que se encontrava apoiada em instruções partidárias, subordinando o parlamentar à vontade do partido e não à sua livre consciência política. Desta sorte, amordaçado estava o parlamentar, ficando o exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos ao sabor dos comandos impostos pelo partido. Assim, descreve o professor Nelson Sousa Sampaio [38]: "Enquanto a inviolabilidade do legislador é consagrada no artigo 32, sua negação, sob forma de fidelidade partidária coativamente prescrita, se encontra no bojo do artigo 152 do diploma constitucional. Jungido às instruções partidárias, como se poderá sustentar que o legislador brasileiro somente deve obediência aos ditames de sua consciência?"

O cerne de seu pensamento estribava-se na idéia de que dentro do texto constitucional poderiam existir normas de mais alto valor contrapondo-se a normas de mais baixo valor (peso), havendo, assim, um escalonamento, uma dosimetria axiológica entre as normas. Constata-se essa formulação na seguinte passagem [39]: "Minha tese, pois, não é nenhuma inovação, a não ser na doutrina brasileira. Ademais, nada tem de revolucionário, tendo, antes, a feição do óbvio, porquanto somente considero inaplicável uma norma do constituinte originário quando em flagrante e insanável conflito com outra norma do mesmo texto constitucional reputada de maior peso ou de mais alto valor".

VI.2 – NORMA CONSTITUCIONAL VIOLADORA DE DIREITO SUPRALEGAL POSITIVADO NA CONSTITUIÇÃO

A idéia central do trabalho do professor Otto Bachof encontra guarida na análise do relacionamento vivo que existe entre o direito supralegal, vinculador do constituinte originário, colocando limites a um Poder originariamente ilimitado, com sua obra, a Constituição.

Entende que, como o direito supralegal é inerente ao Estado de Direito, atribui também às normas formalmente constitucionais a incrustação desse direito, tendo já destacado ser matéria de Constituição o direito supralegal. Assim, classifica de inconstitucional a norma legal que infringir norma constitucional positivadora de direito supralegal (tanto faz ser formal ou material a norma constitucional) e qualifica de ilegítima, no atributo de sua obrigatoriedade, a norma constitucional que violar direito supralegal positivado na Constituição. Destaca-se ainda que coloca no mesmo patamar de igualdade o direito supralegal com conteúdo fundamental da Constituição. Na sua dicção [40], compreende que: "[...] a incorporação material (Ipsen) dos valores supremos na Constituição faz, porém, com que toda a infração de direito supralegal, deste tipo, apareça necessária e simultaneamente como violação do conteúdo fundamental da Constituição".

Desta sorte, com o amadurecimento dos Estados de Direito, podemos encontrar com melhor clareza a aceitação dos preceitos de direito natural. Nas Constituições atuais deparamo-nos mais e mais com normas que detêm essa nobreza de corporificar os direitos inerentes ao homem. Afinal, há uma positivação real desses preceitos na Constituição.

Neste sentido, hoje temos positivado na Constituição mais um instrumento de jurisdição constitucional, qual seja, a argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos moldes do § 1º, do artigo 102 da CF88. Esta medida judicial visa a proteger o preceito fundamental, que mais se coaduna com o direito supralegal positivado, pois no conceito de Clémerson Mèrlin Clève [41] "[...] os preceitos fundamentais são aquelas normas constitucionais que garantem a identidade da Constituição".

Esse nobre pensamento filosófico não se coaduna com medidas legislativas arbitrárias, desprovidas de qualquer conteúdo mínimo dos valores incrustados na Ordem Jurídica. Assim como não reduz o direito natural a mera formalidade, como sendo algo imutável e universal, mas, pelo contrário, admite, relativizando que, como defensor desse direito, não pode ficar consignado que o respeito e obrigatoriedade aos preceitos do Direito Natural sejam consectários de mera aceitação dos postulados, devido à sua natureza formal. Não fica atrelado apenas a essa formalidade. Não é o formalismo desses preceitos que atribui ao direito natural a sua força vinculante, e sim, pelo reconhecimento efetivo de respeito à regra moral e à obediência à busca da Justiça.

Acentua ainda que não está demonstrado o fato de que positivar o direito supralegal signifique ter esgotado seu conteúdo. A natural existência de valores metafísicos que ainda não foram positivados confirma essa assertiva.

Acredita também que a positivação do direito supralegal tem a finalidade de controlar as tensões existentes no choque entre esse direito e o direito positivo. E ainda, mesmo alçando o direito supralegal ao cargo de imutabilidade dentro da Constituição, não se tem nenhuma garantia que esse direito será resguardado para sempre, tendo em vista a possibilidade de quebra da Ordem Jurídica por meio da força dos canhões de outrora ou por meio da força do capital predatório. Esse último, pelas aparências, veste-se com o manto protetor da estabilidade, da segurança, proferindo o discurso da salvação, mas, no fundo, bem lá no fundo, na parte mais recôndita e profunda do iceberg, traz toda a perversidade daqueles que não têm compromisso com os valores essenciais de um povo, como a justiça, a dignidade, a honestidade e o equilíbrio. Na realidade traduz-se numa falácia, pois apenas são guiados pelo valor financeiro das relações. A tentativa de igualar os natural e socialmente desiguais certamente não vislumbra obter a atenção desse salvador, posto que esse programa ideológico não se coaduna com sua natureza.

A legitimidade da Constituição, portanto, advém da obrigatoriedade de suas normas. A escolha do rumo legítimo pelo Constituinte originário deve ter como objetivo fixo atender aos ditames da regra moral, escorando-se nos princípios informadores e criadores da Ordem Jurídica. Razão pela qual, devem traduzir a busca pela justiça, evitando assim condutas desarrazoadas, desequilibradas, descompassadas, desproporcionais com os valores fundamentais. Somente nesse caso estaremos falando de uma Ordem Jurídica legítima, por refletir a essência valorativa de seu povo. Nesta trilha, o professor Otto Bachof demonstra toda a nobreza de sua concepção ideológica na seguinte passagem [42]: "Esta obrigatoriedade só existirá, em primeiro lugar, se e na medida em que o legislador tome em conta os <<princípios constitutivos de toda e qualquer ordem jurídica>> e, nomeadamente, se deixe guiar pela aspiração à justiça e evite regulamentações arbitrárias". Mas, além disso, só existirá ainda – e nesta medida vou além do limite antes mencionado, traçado por E.v. Hippel [43] - se o legislador atender aos mandamentos cardeais da lei moral, possivelmente diferente segundo o tempo e o lugar, reconhecida pela comunidade jurídica, ou, pelo menos, não os renegar conscientemente.

Reconhecendo essa ordem de valores conformadora da Constituição, acrescenta-se o conhecimento doutrinário do professor Edvaldo Brito [44], que pontifica no seguinte trecho: "É por causa da necessidade de conformação dessas normas com esses valores que se pode examinar se o legislador delas exorbitou, ou não, da sua função que é de potência e não de competência. Ainda que seja, como o é, uma potência, o legislador constituinte não poderá ferir o direito suprapositivo, balizador desse legislador". É neste sentido que a doutrina alemã fala de normas constitucionais (da Constituição jurídica) inconstitucionais (se ferem valores fundamentais constantes da Constituição essência).

Por outro lado, a legitimidade da Constituição não se reduz à positivação dos preceitos naturais em seu texto, sob pena de equacionar a legitimidade numa igualdade entre o poder e o direito. Vai mais além esse conceito. O direito supralegal positivado na Constituição não cria direito, mas antes tem a função de reconhecer totalmente os direitos inerentes ao homem já assegurados pela razão natural de sua existência. Seria uma conclusão errada irrogar a função de criador de direito ao direito supralegal, haja vista a sua condição de pré-direito positivo de que é detentor. Saliente-se que nos regimes de Estado de não direito, as Constituições refletem o poder do Ditador, e nem por isso, mesmo sem estar positivado, o direito supralegal deixará de existir. Melhor nas palavras do professor Otto Bachof [45]: "A restrição da legitimidade de uma Constituição à sua positividade redundaria ao fim e ao cabo, como E. v. Hippel convincentemente mostrou, na igualdade poder = direito [...] [46]".

Por fim, cabe ainda uma última preocupação do professor Otto Bachof, que coloca a afirmação de que todo o direito supralegal positivado pertence à Constituição, dela não podendo ser alijado. Contudo, no que diz respeito ao direito supralegal não positivado, paira a dúvida: faria parte do Direito Constitucional na qualidade de elemento não escrito da Ordem Jurídica?

A dúvida é pertinente, já que demonstra a séria preocupação do jurista compromissado com o Direito. Além de ser louvável, é de uma dignidade de caráter incontestável, por consignar um sentimento tão nobre de reflexão perante sua interrogação. Compreendendo a dúvida, iremos buscar as respostas no próprio Ordenamento Jurídico, que respeita essa vinculação do direito supralegal não positivado. Respeito esse que encontramos incorporado em sede constitucional quando falamos do Princípio da Razoabilidade e, antes da Emenda à Constituição nº 19/98, do Princípio da Eficiência, hoje positivado no artigo 37 caput da Magna Carta. A doutrina, capitaneada pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello, é segura em afirmar a existência desses princípios em nosso Ordenamento, mesmo sabendo da não positivação. Nem poderia deixar de ser. São princípios que estão alinhados com a Ordem de Valores essenciais, por acentuarem o equilíbrio das atitudes, o sopesamento dos fatos e a adequada conduta para se alcançar o fim colimado pela norma. Reconhecem o valor de sua natureza, o equilíbrio. São, portanto, balizas orientadoras tanto da Administração Pública quanto da Privada.


VII – DIREITO CONSTITUCIONAL NÃO ESCRITO

VII.1 – VIOLAÇÃO AO DIREITO SUPRALEGAL NÃO POSITIVADO

Anteriormente abordada, suscita-se a indagação de se saber se o direito supralegal não positivado também faria parte do direito constitucional, na qualidade de elemento não escrito da Ordem Jurídica e se poderia existir norma constitucional que violasse esse direito supralegal não positivado.

Nesse tema, o professor Otto Bachof responde a seus questionamentos de forma a admitir a incorporação desse direito supralegal não positivado na Constituição, não obstante reconhecer que, na Alemanha, a Constituição já teria positivado vastamente o direito supralegal, sendo muito generosa nesse processo de incorporação.

Na linha de seu pensamento, aduz dois argumentos que irão afastar quaisquer dúvidas para o reconhecimento da obrigatoriedade do direito supralegal não positivado. Primeiramente, sustenta que uma Ordem Jurídica deverá ter o direito supralegal a ela inerente para que possa ser chamada de legítima. Segundo, quando a Constituição reconhece efetivamente a existência do direito supralegal ao realizar a positivação em seu texto, não poderá alegar um reconhecimento parcial, ou seja, deverá reconhecer todo o direito supralegal, inclusive o não positivado. Conclusão a que se chega é que não se reconhece um direito somente pela metade. Reconhece-se por completo a sua existência.

Como já citado, a incorporação de direito supralegal em nosso Ordenamento ocorre de forma sistemática, deixando crer como é importante esse questionamento no direito atual. Não obstante as críticas a seu pensamento, esse direito supralegal não positivado faz parte da Ordem Jurídica, tendo como manifestações consistentes de seus postulados os princípios da Razoabilidade, da Proporcionalidade, da Eficiência, agora positivado, e quem sabe, da Cooperação Mútua e da Responsabilidade Fiscal, consagrando a existência, portanto, de uma Ordem de Valores Supralegais.

Infere-se, então, que norma constitucional infensa a direito supralegal não positivado é carecedora de legitimidade, no que toca à sua obrigatoriedade.


VIII – SISTEMA MISTO DE CONTROLE

VIII.1 – CONTROLE DE LEGITIMIDADE DA NORMA

Inicialmente, por lealdade ao debate, a tese aqui proposta é de lege ferenda. Não há previsão constitucional para o controle de legitimidade como defendemos. No entanto, boa parte do pensamento tem sustentação na Carta de 1988, como a idéia da participação popular nas decisões políticas fundamentais para a nação. Em nosso caso, o ideal consubstancia-se em conferir efetividade e aplicabilidade à Constituição. Vale dizer, o princípio constitucional de democracia participativa (artigo 1º, § único) e o direito político de participação popular (artigo 14) devem ser exercidos concretamente pelo titular do poder constituinte, i.e., pelo povo. Estaremos, sim, confirmando a prática da soberania popular e não deixando-a abandonada numa "folha de papel", como Ferdinand Lassale prescreveu em sua obra clássica "A Essência da Constituição". A Constituição pode ou não representar o efetivo poder social mas, na hipótese de não espelhar os fatores reais de poder, seria apenas a folha de papel. No Estado Democrático de Direito, devemos concretizar os mecanismos de participação popular nas decisões políticas fundamentais, sob pena de ficarmos com uma democracia participativa apenas em uma folha de papel.

Após muita análise no seio doutrinário, verificamos que, na esteira da doutrina italiana, o referendo [47] vincula-se à deliberação sobre ato prévio dos órgãos estatais, para ratificar ou rejeitar lei já em vigor ou projeto de lei, projeto ou norma constitucional, enquanto o plebiscito [48] seria uma consulta de "caráter geral, ou pronunciamento popular sobre fatos ou eventos (e não atos normativos) excepcionais e que, justamente por isso fogem à disciplina constitucional [49]".

Neste sentido [50], Santi Romano considera o referendo como na aprovação ou desaprovação de um ato normativo, seja ele de uma carta constitucional, seja uma lei ordinária ou um ato jurídico. Oswaldo Aranha Bandeira de Melo defende o referendo como "the gun behind the door" para os casos de emergência, pois na sua forma facultativa é organizado de modo a ser usado só em ocasiões extraordinárias, como último recurso legal de que o povo possa lançar mão contra os excessos dos legisladores, parece-nos ser uma garantia de paz e progresso, evitando os abusos. José Afonso da Silva entende que referendo versa sobre aprovação de textos de projeto de lei ou emenda constitucional, já aprovados; o referendo ratifica ou rejeita o projeto aprovado. Para Dalmo de Abreu Dallari, o referendo consiste numa consulta à opinião pública para a introdução de uma emenda constitucional ou mesmo uma lei ordinária, quando esta afeta um interesse público relevante. Assim, em vários países, o referendo é obrigatório para o caso de reforma constitucional, como Cuba, Panamá, Peru, Paraguai, Venezuela, Áustria, Dinamarca, França, Suécia, Coréia, Filipinas e Japão.

Somando argumentos favoráveis ao referendo, podemos apresentar o professor Paulo Bonavides, que cita o professor Jorge Xifras Heras advogando as seguintes razões [51]: "[...] serve de anteparo à onipotência eventual das assembléias parlamentares; torna verdadeiramente legítima pelo assenso popular a obra legislativa dos parlamentos; dá ao eleitor uma arma com que sacudir o ‘jogo dos partidos’; faz do povo, menos aquele espectador, não raro adormecido ou indiferente às questões públicas, do que um colaborador ativo para a solução de problemas delicados e da mais alta significação social; promove a educação dos cidadãos; bane das casas legislativas a influência perniciosa das camarilhas políticas; retira dos ‘bosses’ o domínio que exercitavam sobre o governo".

Assim, o sistema misto de controle de legitimidade seria realizado em duas fases. Na primeira fase, o exercício da democracia participativa terá seu início com a propositura de uma Ação Declaratória de Legitimidade da norma constitucional perante um Tribunal Constitucional. Esse Tribunal não tem apenas a função de guardar a Constituição, mas também de proteção da Ordem de Valores supralegais. A legitimidade ativa para a propositura da Ação fica a cargo dos Chefes dos Poderes Executivo e Legislativo Federal e Estadual, do Procurador Geral da República, das entidades de classe com representatividade nacional e da iniciativa popular com participação de pelo menos cinco Estados da Federação.

Na segunda fase, sendo declarada ilegítima a norma constitucional, o Tribunal Constitucional remeterá o processo ao Congresso Nacional, que realizará uma consulta popular por meio de um referendo. Assim o povo, na qualidade de titular do poder constituinte, será consultado sobre a permanência ou alteração da norma constitucional em vigor. Neste caso, estaríamos dando efetividade à Constituição no exato termo de que o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido. Este desenho afigura-se de acordo com o modo de democracia participativa escolhida pelo povo na própria Constituição, artigo 1º, § único c/c artigo 14, incisos I, II, e III ambos da CF88. Logo, o titular do poder constituinte originário constatará que algum valor essencial por ele escolhido não está sendo atendido na sua plenitude, porque a norma declarada ilegítima não o realiza. Essa solução visa a colmatar a quebra da unidade no Ordenamento Jurídico.

Nesse passo, além de politizar mais a sociedade, pelos debates políticos que surgiriam, provocaríamos um deslocamento da força popular, que somente comparece às urnas de quatro em quatro anos, por apenas alguns minutos. Advogamos a tese de que o exercício da soberania popular e a discussão de questões que afetem diretamente o cotidiano formarão pessoas mais responsáveis e conscientes.

Assegura-se, então, o ciclo de legitimidade, pois o poder de criar uma Constituição estaria retornando a seu titular originário. O próprio poder que concede é o que pode retirar.


IX – O ENTENDIMENTO DO STF – ADIN Nº 815-3

No direito brasileiro, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal manifestou seu entendimento sobre o tema no leading case, Adin 815-3, que foi proposto pelo Governador do Rio Grande do Sul, questionando a constitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Carta Política de 1988. O argumento central da Ação Direta de Inconstitucionalidade está escorado no tratamento desigual e desproporcional feito ao voto dos cidadãos brasileiros. Acentua, juridicamente, que a norma constitucional em pauta fere princípios constitucionais superiores, que estão albergados pelas cláusulas pétreas, e por consubstanciarem concreções positivas do direito supralegal, estariam num patamar superior de hierarquia. Alega a violação dos princípios da Igualdade (artigo 5º da CRFB/88), da Igualdade do Voto (artigo 14 da CRFB/88), do exercício, pelo povo, do poder (artigo 1º prágrafo único da CRFB/88), da cidadania (artigo 1º, inciso II, da CRFB/88), da Democracia (artigo 1º da CRFB/88) e do Regime Federativo (artigo 60, parágrafo quarto, inciso I c/c artigo 1º da CRFB/88). E sob fundamento lógico-jurídico, explica de forma técnica que há uma real desproporção e discriminação na divisão existente entre a população do país, participação no PIB e composição do Congresso Nacional. Assim, demonstra que a região do SUL/SUDESTE detém 57,7% da população do país, participa de 77,4% do PIB e compõe de 45% o Congresso Nacional. Enquanto isso, a região NORTE/NORDESTE detém 42,3% da população, participa com 22,6% do PIB e compõe de 54,3% o Congresso Nacional. Complementa, ainda, exemplificando que essas distorções invadem todas as atividades legislativas, ocorrendo esse fenômeno na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional e na Comissão Mista criada para avaliar exatamente os desequilíbrios regionais. Dessa forma, sublinha que há uma disparidade, um descompasso real nessa divisão, que se torna discriminatória e injusta, tendo em vista que atribui pesos diferentes a cidadãos absolutamente iguais. Há uma colisão entre os valores de justiça e de eqüidade.

A título de reconhecimento, há entendimento doutrinário na mesma linha da argumentação do Governador do Rio Grande do Sul, consignado pela voz do professor José Afonso da Silva [52] que pontifica: Essa expressão – voto com valor igual para todos, constante do artigo 14 – é mais do que a simples relação de igualdade de voto entre eleitores. Ela, além do princípio one man, one vote, traz a idéia da igualdade regional da representação, segundo a qual a cada eleito, no País, deve corresponder o mesmo número ou um número aproximado de habitantes. Contraria a regra do valor igual o fato de que um voto, por exemplo, no Acre, vale cerca de vinte vezes mais do que um voto em São Paulo, pois para se eleger um Deputado Federal naquele bastam cerca de dezesseis mil votos, enquanto neste são necessários aproximadamente trezentos mil votos.

E por último, o Supremo Tribunal Federal, na dicção do Sr. Ministro Moreira Alves, discorda do pensamento desenvolvido pelo Governador do Rio Grande do Sul, lembrando que esse Governador não sustenta que as normas impugnadas são violadoras de direito supralegal não positivado na Constituição. E sim, que as normas impugnadas ferem direito supralegal positivado na Constituição ou ferem normas de grau superior da Constituição.

Ressalta a impossibilidade de controle do Poder Constituinte Originário por parte do Poder Judiciário, um Poder Constituído. O Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Poder Judiciário, tem a função precípua de guardião da Constituição, no sentido de impedir qualquer ataque à Constituição por meio de atos infraconstitucionais. Assim que se observa a sua jurisdição. Admitir a função de verificar se o constituinte originário desrespeitou o direito suprapositivo seria despropositada e usurpadora de uma função, que cabe somente ao constituinte originário. Do contrário, teríamos que fazer uma nova Constituição.

Dissolve, também, a idéia de hierarquia entre normas constitucionais apoiada em normas de grau superior, como as cláusulas pétreas. Compreende que esse entendimento não tem cabimento no sistema de rigidez constitucional adotado pela Constituição de 1988 (a rigidez constitucional coloca limites à atividade legislativa). As cláusulas pétreas servem como limites ao constituinte derivado, impondo-lhe maior rigidez na escolha das matérias que poderão ser alteradas por via de Emenda Constitucional, e não como parâmetro de superioridade frente às outras normas. Porquanto, assevera que todas as normas inseridas no texto constitucional são ditas constitucionais, não cabendo a denominação de normas formal ou materialmente constitucionais.

Ademais, como prescrito na ementa da Adin, verifica-se que o fundamento do julgado foi igual ao que ocorreu em Portugal, quando o Tribunal Constitucional Português rechaçou a hipótese de norma constitucional inconstitucional [53], mas não adentrou no fundo da questão. O Supremo Tribunal Federal descartou a questão julgando pela impossibilidade jurídica do pedido. Porém, não penetrou no cerne do problema para discutir sobre a órbita dos valores capitais vinculantes do constituinte originário, que traduz o pano de fundo dessa Adin. O STF poderia ter avançado nesta matéria, sendo o guardião também da Ordem de Valores.


X – CONCLUSÃO

O momento de concluir um trabalho talvez seja o mais difícil. As preocupações com a clareza no raciocínio e na consistência técnica sempre geram pertubações. Em apertada síntese podemos dizer que:

(a) A hipótese de norma constitucional inconstitucional restaria configurada quando houvesse a violação de valores fundamentais de justiça, sedimentado em direito supralegal não positivado na Constituição, levando a crer que os valores a sustentar essas normas estariam em colisão, pois o processo de concretização dos valores é feito por meio dos princípios, depois pelas normas e depois pelos demais atos normativos, inclusive as sentenças. Logo, restaria insustentável a permanência das incoerências no Ordenamento Jurídico. A violação à Ordem de Valores, em medida insuportável dos postulados fundamentais de justiça, importaria no controle de legitimidade da norma, pois não foi possível a resolução das antinomias pelos critérios da hermenêutica e da técnica da ponderação de interesses. Pensamento que sustentamos em espeque nas reflexões do professor Otto Bachof;

(b) O controle de legitimidade da norma constitucional seria realizado em duas fases. A base de sustentação desse controle é a democracia participativa, um sistema misto de controle. A primeira fase é exercida pelo mais alto órgão técnico da Justiça, um Tribunal Constitucional. Nele, o Tribunal reconheceria a existência da incoerência das normas constitucionais e enviaria ao Congresso Nacional para que realizasse uma consulta popular, sob a forma de referendo, visando à permanência ou à alteração do texto constitucional.

Em suma, desejo aqui plantar uma semente no intuito de gerar uma reflexão atualizada sobre o tema. A intenção maior está no repensar contínuo do direito. A preservação do Estado de Direito coloca-se na necessidade de garantir um mínimo existencial de justiça a todos, sem discriminações. Acredito que os dias de hoje devem ser escritos com os olhos no amanhã. Porquanto, algumas perguntas colocadas pela filosofia do direito mais valem pelas indagações que provocam do que pelas respostas que produzem.


NOTAS

1 Apud: BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais. Coimbra, Almedina, 1994. p.45.

2 REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. São Paulo: Saraiva, 20° ed, 2002. p. 115.

3 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2º ed, 1996. p.10

4 Op. cit. p.60

5 DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2º ed, 1996. p 19.

6 Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão ampla quanto possível das possibilidades fáticas ou jurídicas. Princípios são, portanto, mandamentos de otimização. Como tais, eles podem ser preenchidos em graus diferentes. A medida ordenada do cumprimento depende não só das possibilidades fáticas, senão também das jurídicas, in ALEXY, Robert. Ob. cit., p. 75.

7 DWORKIN, apud BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 253.

8 DWORKIN, apud BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 254.

9 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 61.

10 TORRES, Ricardo Lobo. Ob. cit., p. 79.

11 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 1995. p. 35.

12 Não custa assinalar a consagrada definição dos princípios pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu Curso de Direito Administrativo, p. 450, que, pela extensão e profundidade do conceito, sempre é citada pela maioria dos doutrinadores pátrios: "Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico[..].".

13 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 41. Pela clareza e profundidade da obra, recomendamos a leitura do que há de melhor na literatura constitucional carioca.

14 Os princípios têm normatividade? Para essa indagação houve resposta, em 1952, por Crisafulli, que já atribuía ao princípio a qualidade de norma como determinante de uma ou de muitas outras normas subordinadas, assim como Norberto Bobbio na sua conhecida obra Teoria do Ordenamento Jurídico, apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel, Conceitos de Princípios Constitucionais. São Paulo: RT, 1998. p. 56, fazendo menção, ainda, a Paulo Bonavides.

15 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel, ob. cit., p. 55.

16 Tendo em vista a riqueza de elementos e conceitos, recomendamos a esmerada obra de ESPÍNDOLA, Ruy Samuel, ob.cit.

17 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p.185.

18 Para um estudo mais aprofundado desse tema, recomendamos a belíssima obra de BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da Proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996.

19 SARMENTO, Daniel. Ob.cit., p.104.

20 ALEXY, Robert. Ob.cit., p.78.

21 A atribuição de peso específico torna-se tarefa árdua, já que interesses e valores não possuem uma escala de grandeza com hierarquia. São grandezas quantitativamente imensuráveis. O que se contorna pelo uso da lógica do razoável, de Luís Recaséns Siches, que a definiu: "La logica de lo humano o de lo razonable es una razón impregnada de puntos de vista estimativos, de critérios de valorización, de pautas axiológicas, que además leva a sus espaldas como allecionamiento las ensinanzas recebidas de la experiência [...]" (Apud: SARMENTO, Daniel. ob. cit. p.106.) Assim, também, o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ensina-nos que interesses e razões são dados apenas experimentalmente referenciáveis, sujeitos a valorações subjetivas, exigindo, não uma lógica para conhecer, mas uma lógica para decidir. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 55.

22 FULLER, Lon L. O Caso dos Exploradores de Caverna. Tradução de Plauto Faraco de Azevedo. São Paulo: Sergio Antonio Fabris, 1993. Introdução, p. XII.

23 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Editora Saraiva, 5° ed, 1994. p.119.

24 REALE, Miguel. Ob Cit. p.125.

25 Apud: LIMA, Francisco Melton Marques de. O resgate dos valores na interpretação constitucional. São Paulo: ABC Editora, 2001. p.58.

26 DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2º ed, 1996. Essa autora alega uma antinomia real na Constituição Federal de 1988, concretizada no conflito entre o artigo 33 das Disposições Constitucionais Transitórias e os artigos 5º e 100 da Carta Política, no que tange ao pagamento dos precatórios judiciais. A contradição estaria consubstanciada na desigualdade feita pelo artigo 33 dos ADCTs, que dispõe de forma discriminatória aos credores do Erário Público anteriores à Constituição. Esses credores somente irão receber seus créditos em face da Fazenda Pública no prazo de oito anos. Enquanto isso, os novos credores que se habilitarem após a promulgação da Constituição, irão receber no prazo exíguo de um ano, consoante artigo 100 da Carta Magna. Então, afirma que seria uma desigualdade evidente esse tratamento diferenciado para quem se coloca na mesma situação perante o Erário Público. Os credores anteriores à Constituição sofreriam claro prejuízo, recebendo uma punição temporal de oito anos, pelo simples fato de terem cobrado seu crédito anteriormente à promulgação da Constituição. Desta forma, ficaria criada uma lacuna na ordem de pagamentos. Aqueles que chegaram em primeiro, antes da promulgação da Constituição, seriam ultrapassados pelos afortunados credores que chegaram mais tarde, depois de promulgada a Constituição. Seu argumento central apóia-se na violação de princípios constitucionais consagrados na Constituição Federal, como a isonomia e fundamentos de justiça, consubstanciados no respeito à ordem de pagamentos pelo critério cronológico de ajuizamento dos precatórios judiciais. Pontifica, neste passo, que: "Ao dispor que os precatórios judiciais, pendentes na data da promulgação da Constituição, sofrerão paralisação por oito anos, a norma constitucional, de perfil transitório, está a desigualar pessoas colocadas na mesma situação jurídica de credores do Poder Público ". Cabe assinalar que a transitoriedade do artigo 33 das ADCTs se consumou em 30/06/1997. No entanto, a EC 30/2000 restaurou o parcelamento do precatório em até dez anos, salvo os de natureza alimentar, repristinando a incoerência.

27 NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 74.

28 CLÈVE, Clèmerson Merlim. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 1995. p.29.

29 LIMA, Francisco Menton Marques de. Ob. cit., p.203.

30 REVORIO, Francisco Javier Díaz. Los valores superiores en la constituciòn española, p.34, apud in LIMA, Francisco Menton Marques de. Ob. cit., p.39.

31 Op. Cit. p.68.

32 LIMA, Francisco Menton Marques de. Ob. cit., p.68.

33 BRITO, Edvaldo. Limites da Revisão Constitucional. São Paulo: Sergio Fabris, 1993. p. 35.

34 ROCHA, Antônio Luiz de Souza. Ética e a crise global em que vivemos, p.141, apud in LIMA, Francisco Menton Marques de. O resgate dos valores na interpretação constitucional. Fortaleza: ABC Editora, 200. p.29.

35 REALE, Miguel. Filosofia do Direito, p.187, apud GARCIA, Angeles Mateos. A teoria dos valores de Miguel Reale. São Paulo: Saraiva, 1999. pp.14 e 20.

36 LIMA, Francisco Menton Marques de. Ob. cit., p. 202.

37 Ob. Cit. p. 55.

38 SAMPAIO, Nelson Sousa. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, nº 85, jan./ mar., 1985. p. 06.

39 Ob. Cit. p.08

40 Ob. Cit. p.63.

41 Apud: DANTAS, Ivo. O valor da Constituição. Do controle de constitucionalidade como garantia de supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2º ed, 2001. p.260.

42 Ob. Cit. p. 42 e 43.

43 Loc. Cit., p. 548. O próprio E.v. Hippel traça hoje estes limites manifestamente mais pelo largo, como creio poder concluir do seu escrito sobre Die Krise des Staatsgedankens und die Grenzen der Staatsgewalt ( Stuttgart, 1950 ): cfr. Aí em especial, p. 53, onde Hippel fala dos limites de competência <<que, tendo em conta Deus, a Humanidade, cada homem individualmente considerado, bem como as comunidades naturais, valem por si como limites à autoridade do Estado>>, e onde estes limites são designados <<como o mínimo de exigências que também o Estado tem de respeitar para poder ser visto como um Estado no sentido de uma ordem com força obrigatória>>.

44 Ob. Cit. p.35.

45 Ob. Cit. p.45

46 Loc. Cit., p.548. Cfr. Ainda a este respeito Karl Schmid, com Congresso Jurídico de Constança, em 1947 (DRZ 1947, 205 ss., 206): << Temos de aprender de novo que a justiça está antes do direito positivo e que são unicamente as suas categorias intocáveis pela vontade do homem que podem fazer das leis direito – seja o legislador quem for, um tirano ou um povo. Velar por isso é a nossa função, a função própria dos juristas. Se o esquecermos, degradamo-nos em auxiliares e servos do poder>>.

47 Referendo vem de ad referendum e origina-se da prática, em certas localidades suíças, desde o século XV – como os cantões de Valais e Grisons – de consultas à população para que se tornassem válidas as votações nas Assembléias cantonais.

48 Plebiscito vem do latim plebis + scitum e originariamente designava, na Roma antiga, a decisão soberana da plebe, expressa em votos.

49 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Editora Ática, 1991. p.33 apud in MELO, Mônica de. Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular. Mecanismos constitucionais de participação popular. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2001. p.114.

50 Recomendamos a belíssima obra da Procuradora de Estado de São Paulo, Mônica Melo, que realizou profunda pesquisa sobre o tema, podendo com isso adicionar ao nosso meio uma cultura jurídica da melhor qualidade. MELO, Mônica de. Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular. Mecanismos constitucionais de participação popular. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2001. pp.111, 112, 115, 119.

51 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 10º ed, 1996. p.285.

52 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 14º ed, 1997. p.338.

53 Discussão a respeito da legitimidade da norma constitucional proibitiva do lock-out, ver: CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Portugal: Almedina, 2002. p.235.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTRELLA, André Luiz Carvalho. Normas constitucionais inconstitucionais. (Verfassungswidrige Verfassungsnormen). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 268, 1 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5021. Acesso em: 25 abr. 2024.