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Inconstitucionalidades formais e materiais contidas na Emenda Constitucional nº 39/2002

Inconstitucionalidades formais e materiais contidas na Emenda Constitucional nº 39/2002

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EMENTA: Tributário – Ofensa ao processo legislativo – Ofensa a princípios e garantias constitucionais – Inconstitucionalidade formal e material do Art. 149 – A da Constituição da República, e das leis municipais instituidoras da COSIP.


1 – Breves considerações sobre a antiga Taxa de Iluminação Pública

No decorrer dos anos [1], a doutrina e jurisprudência pacificaram o entendimento de que as "taxas de iluminação pública", instituídas pela municipalidade em geral, seriam inconstitucionais, por afrontarem o art. 145, II da Carta Magna e o art. 77 do Código Tributário Nacional.

A iluminação pública é um serviço genérico, colocado à disposição de todos os cidadãos, o que lhe dá a natureza jurídica de serviço público. Segundo o Prof. JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO [2], tais serviços constituem "as atividades prestadas pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade".

Por ser cobrada como contraprestação a um serviço público, isento dos requisitos essenciais de especificidade e divisibilidade exigidos pela Carta Maior, sedimentou-se, de forma consistente, o entendimento acerca da inconstitucionalidade da referida taxa, o que motivou o ajuizamento de inúmeras ações judiciais, em todo o País, visando a obstação da cobrança, e a repetição dos valores indevidamente pagos nos últimos cinco anos (art. 1º do Decreto 22.910/32).

Vejamos a ementa abaixo, proveniente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que transparece o entendimento pacífico, abraçado de forma idêntica por nossos Tribunais Superiores:

"TRIBUTÁRIO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA COBRANÇA.

1 – É inconstitucional a cobrança da Taxa de Iluminação Pública, por ausência dos requisitos da divisibilidade e especificidade. Precedentes.

2 – Em reexame necessário, confirmo a sentença, prejudicado o recurso voluntário."

O Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro, extinto em 1998, chegou até mesmo a editar Súmula, visando findar qualquer discussão:

"Súmula 12. É ilegítima a cobrança de Taxa de Iluminação Pública Municipal, porque ausentes as características da especificidade e divisibilidade".

Todavia, com a aprovação de recente emenda constitucional, o tema se tornou alvo de novas discussões doutrinárias, que mais uma vez tendem a afirmar a existência de inúmeras inconstitucionalidades, que devem ser, o quanto antes possível, apreciadas pelo Poder Judiciário.


2 – Inconstitucionalidades formais e materiais contidas na Emenda Constitucional nº 39/02

Com o intuito de burlar o entendimento pacificado pelos Tribunais, a Câmara dos Deputados aprovou, em 18/12/02, a PEC n. 559/02, que deu origem à Emenda Constitucional n. 39/02, promulgada no dia seguinte pelo Congresso Nacional. Tal emenda, segundo a melhor e majoritária doutrina, é inconstitucional, em âmbito formal e material. Vejamos:

2.1 – Inconstitucionalidade formal (por ofensa ao processo legislativo)

A E.C. nº 39/02 é formalmente inconstitucional, uma vez que, durante a sua votação, junto à Câmara dos Deputados, não foi respeitado o interstício mínimo de cinco sessões entre os dois turnos de votação, o que configura afronta reflexa ao art. 60, §2º da Carta Magna, por violação direta ao art. 202, §6º do Regimento Interno da Casa, que regulamenta a referida norma constitucional.

Tal inconstitucionalidade foi registrada em 18/12/2002, pela "Agência Câmara", órgão de publicidade da própria Câmara dos Deputados, quando veiculou notícias sobre a votação da PEC n. 559/02 (proposta que deu origem à E.C. nº 39/02). Vejamos, trechos das referidas notícias:

18/12/2002 - 15h38m:

"O Plenário acaba de aprovar, por 327 votos a favor, 20 contra e 5 abstenções, a Proposta de Emenda Constitucional 559/02, que institui contribuição de custeio do serviço de iluminação pública nos municípios e no Distrito Federal. A VOTAÇÃO REFERE-SE SOMENTE AO PRIMEIRO TURNO. O presidente Efraim Morais anunciou que vai ouvir as lideranças partidárias sobre a possibilidade de convocação de nova sessão extraordinária PARA DAQUI A 30 MINUTOS, PARA QUE A PEC SEJA VOTADA EM SEGUNDO TURNO". (grifos nossos)

15h53m:

"O PRESIDENTE EFRAIM MORAIS declarou encerrada a sessão extraordinária do Plenário e CONVOCOU NOVA SESSÃO PARA DAQUI A 5 MINUTOS, DESTINADA A COLOCAR EM VOTAÇÃO A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL 559/02 (...). Essa PEC foi aprovada há pouco pelo plenário, em primeiro turno, e, CONFORME EXIGE A CONSTITUIÇÃO, precisa ser submetida a votação também em segundo turno".

19/12/2002 – 9h19m:

"O PLENÁRIO DA CÂMARA APROVOU, ONTEM, EM DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO A PEC 559/02 (...). Foram 329 votos a favor, 18 contra e quatro abstenções. A Emenda Constitucional 39 será promulgada ainda hoje, em sessão do Congresso Nacional, à tarde, no plenário do Senado. CRÍTICAS - O requerimento das lideranças partidárias para não observar o interstício regimental de cinco sessões entre os dois turnos de votação provocou grande debate, pois não havia consenso de todos os deputados nesse sentido." (grifos nossos)

Verifica-se das notas acima transcritas, que a Mesa da Câmara dos Deputados acatou requerimento formulado pelos líderes partidários, deferindo, de forma absurda, a inobservância do interstício mínimo de cinco sessões entre os dois turnos de discussão e votação da PEC. N. 559/02, exigido pelo art. 202, §6º, do Regimento Interno da referida casa legislativa.

É óbvio que tal decisão viria a gerar fortes críticas, por parte de vários parlamentares, como por exemplo, da Deputada Federal LUIZA ERUNDINA, que assim se manifestou, na ocasião:

"Votações de outra sessão legislativas não podem ser tomadas como precedente. O parágrafo sexto do artigo 202 do Regimento Interno é claro quanto à necessidade de haver esse prazo (de cinco sessões), PARA QUE A SOCIEDADE POSSA DISCUTIR MELHOR E CONHECER O QUE ESTÁ SENDO ALTERADO NA CONSTITUIÇÃO". (grifos nossos)

Assiste razão à Exma. Deputada. Ao acatar o requerimento da liderança partidária, a Mesa da Câmara dos Deputados afrontou, de forma grave, o art. 202, §6º de seu Regimento Interno, que elenca norma de proteção à sociedade em geral (que, inclusive, não deixa de ser um direito fundamental inviolável). Vejamos o que dispõe a mencionada norma regimental:

"Art. 202. A proposta de emenda à Constituição será despachada pelo Presidente da Câmara à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, que se pronunciará sobre sua admissibilidade, no prazo de cinco sessões, devolvendo-a à Mesa com o respectivo parecer.

(..)

§5º Após a publicação do parecer e interstício de duas sessões, a proposta será incluída na Ordem do Dia.

§6º A proposta SERÁ submetida a dois turnos de discussão e votação, COM INTERSTÍCIO DE CINCO SESSÕES". (grifos nossos)

E como já mencionamos acima, a referida norma regulamenta o art. 60, §2º da Constituição Federal, que assim dispõe:

"§2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros". (grifos nossos)

Além da procedente crítica apresentada pela Exma. Deputada, há também que se fazer referência ao fundamento adotado pela Mesa da Câmara dos Deputados para afastar a incidência do art. 202, §6º de seu regimento: o de que a matéria já teria sido votada na casa, em legislatura anterior (2001), sem ter havido posterior alteração em relação ao texto final.

Não podemos concordar com tal entendimento. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados foi criado através de uma Resolução (n.º 17/89), que, nos termos do art. 59, inciso VII, da Constituição da República, é também um ato normativo integrante do processo legislativo brasileiro.

Conforme leciona o Prof. ALEXANDRE DE MORAES [3], "resolução é o ato do Congresso Nacional ou de qualquer de suas casas, tomado por procedimento diferente do previsto para a elaboração das leis, destinado a regular matéria de competência do Congresso Nacional, ou de competência privativa do Senado Federal, ou da Câmara dos Deputados."

A resolução, em regra, gera apenas efeitos internos, inerentes ao âmbito da Casa Legislativa que o editou. Todavia, irá gerar, em caráter excepcional, efeitos externos, quando estivermos diante de uma resolução que assuma o papel de ato – condição [4] para o exercício da função legislativa estatal.

E é o que efetivamente ocorre com a Resolução n.º 17/89, da Câmara dos Deputados, uma vez que regulamenta, de forma direta, o art. 60, §2º da Constituição da República, ou seja, define a forma como ocorrerá a votação de uma proposta de emenda à constituição.

Assim, entendemos que o art. 202, §6º do referido regimento é norma cogente, cuja aplicação não pode ser afastada mediante acordos celebrados por líderes de bancadas partidárias. Admitir-se entendimento em sentido contrário, seria o mesmo que trazer ao âmbito do processo legislativo brasileiro, o mais profundo espírito de insegurança jurídica, o que é, deveras, inaceitável!

Além disso, por se tratar de uma norma federal, em posição hierárquica idêntica a uma lei federal (vide, novamente, o art. 59, VII da Carta Magna), a afronta a uma resolução enseja a adoção de medidas idênticas às utilizadas para o combate de abusos perpetrados contra normas legais e constitucionais, entre elas, o controle difuso de constitucionalidade, colocado à disposição de qualquer cidadão.

Por fim, importante destacar que o Poder Constituinte Originário criou procedimento rigoroso para a aprovação de emendas constitucionais, justamente com o intuito de não permitir que a Constituição da República (de caráter nitidamente rígido), possa ser alterada sem que a sociedade discuta, através de seus representantes, de forma mais abrangente e racional, a mudança que é proposta, no texto constitucional.

Diante de tais constatações, não há como negar as aberrações latentes e inaceitáveis preconizadas pelo Poder Legislativo Federal, em face da Constituição Federal de nosso País.

Observa-se, que a Câmara dos Deputados efetuou os dois turnos de votação da PEC n. 559/02 em sessões consecutivas, com um intervalo de apenas trinta minutos entre ambas. Tal fato configura, como já dito acima, latente descumprimento da vontade perpetrada pelo Poder Constituinte Originário, que é a de promover sérios debates e discussões acerca das propostas de mudança na Lei Maior.

Como se pode constatar, a decisão tomada pela Mesa da Câmara dos Deputados, lamentavelmente, teve fundamento não em questões institucionais e legítimas, mas sim em aspectos puramente políticos, oriundos da forte pressão exercida pelas bancadas dos mais de 5.000 municípios brasileiros.

Exemplo de tal pressão, é a notícia veiculada pelo Jornal do Senado, em 27/11/2002, com os seguintes dizeres:

"JUCÁ PEDE À CÂMARA QUE VOTE A PEC QUE CRIA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA

O senador Romero Jucá (PSDB – RR) apelou ontem à Câmara dos Deputados para que coloque em sua pauta de votações, se possível esta semana, a proposta de emenda constitucional (PEC), já aprovada pelo Senado, que cria a Contribuição de Iluminação Pública em substituição à Taxa de Iluminação Pública. De acordo com o senador, a taxa já é cobrada pelos municípios e tem recebido contestações..

Para Jucá, é muito importante que a cobrança da contribuição seja regularizada, e com rapidez. Ainda este ano, caso a PEC seja aprovada, explicou o senador, as câmaras de vereadores precisarão compatibilizar a nova contribuição às respectivas legislações municipais..." (grifos nossos)

Justificável era, para os municípios brasileiros, a urgente aprovação da referida proposta, uma vez que, com isso, seriam eles beneficiados com um aumento considerável na arrecadação, que, diga-se de passagem, da forma como vem sendo feita, deve ser bem superior ao efetivo e real gasto com os serviços de iluminação pública prestados à população [5].

Além disso, através da atuação superveniente das Câmaras Legislativas Municipais, pretendiam, esses mesmos municípios, dar uma "pseudo – legitimidade" à "COSIP", através da cínica e simplória alegação de que o princípio constitucional da anterioridade tributária estaria sendo devidamente respeitado (haja vista a edição de lei municipal instituindo o tributo, no apagar das luzes do exercício de 2002).

Tal conduta, absolutamente lamentável, adotada não só pelos deputados e senadores, mas também pelos vereadores espalhados pelo País, que editaram e aprovaram leis municipais regulamentando a COSIP, já foi alvo de críticas do político, e hoje Ministro de Estado da Integração Nacional, CIRO GOMES [6]:

"Não há no Brasil uma legislação transparente regulamentando o exercício do lobby, e que, ao mesmo tempo, estabeleça explicitamente, e com penas graves e específicas, as ilicitudes a serem punidas com rigor, inclusive com a cassação de mandatos e cadeia para os transgressores privados e públicos".

O Poder Judiciário não pode se afastar de sua missão, que é a de restabelecer o equilíbrio democrático através do sistema de freios e contrapesos (check and balances), visando, assim, a contenção dos excessos perpetrados pelo Legislativo, em razão das fortes pressões exercidas pelo Executivo.

Os interesses mesquinhos e econômicos não podem, de forma alguma, prevalecer sobre aqueles estipulados pela vontade geral da nação, através da Assembléia Nacional Constituinte realizada em 1988.

Logo, entendemos que o Poder Judiciário deve ser urgentemente provocado a se manifestar sobre as inconstitucionalidades acima apontadas, sob pena de vermos a manutenção da vigência de um "novo" tributo claramente inconstitucional.

2.2 – Inconstitucionalidades materiais

Ainda que não ocorressem as inconstitucionalidades formais acima apontadas, ainda assim é possível demonstrar que a E.C. nº 39/02 é também materialmente inconstitucional, por ofensa clara a diversos preceitos constitucionais.

a) Por ofensa a garantias constitucionais:

A E.C. n.º 39/02 jamais poderia ter sido votada, aprovada ou promulgada pelo Congresso Nacional, uma vez que é materialmente inconstitucional, por ofender claramente o art. 60, §4º, inciso IV da Carta Magna, que assim preceitua:

"§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(...)

IV – os direitos e garantias individuais." (grifos nossos)

Com efeito, vários direitos e garantias individuais, tidos como cláusulas pétreas pela Constituição Federal, foram restringidos e desrespeitados em função da promulgação da referida emenda constitucional.

Conforme ressalta TATIANA CRISTINA LEITE DE AGUIAR [7], em artigo publicado na internet, antes da promulgação da E.C. n.º 39/02, o ordenamento jurídico brasileiro já havia criado uma GARANTIA CONSTITUCIONAL ao contribuinte, quando estabeleceu a existência de somente três espécies de contribuições sociais, dentro do Sistema Tributário Nacional: 1 - as de intervenção no domínio econômico; 2 - as de interesse das categorias profissionais ou econômicas; e 3 – as relativas à seguridade social. Aos Estados, Distrito Federal e Municípios, caberiam apenas a instituição dessa última modalidade, de seus respectivos servidores, para fins de arrecadação aos sistemas de previdência e assistência social.

Segundo a Ilustre Advogada, as únicas exceções à referida garantia constitucional, encontravam-se presentes somente nos arts. 154 e 195, §4º da Carta Magna, que dispõem sobre a competência residual da União para instituir novas contribuições. Com isso, pode-se concluir, com facilidade, que, antes da promulgação da E.C. nº 39/02, aos demais entes federados só seria permitido a instituição de espécies tributárias já previstas na lei maior.

Por se tratar de uma garantia constitucional, elevada ao status de cláusula pétrea pelo art. 60, §4º, inciso IV da Constituição Federal, conclui-se facilmente que o Poder Constituído (ou derivado) jamais poderia nela efetuar qualquer mudança ou restrição, o que, absurdamente, acabou ocorrendo com a aprovação da E.C. n. 39/02.

Vejamos a redação do art. 149-A, criado pela referida Emenda à Constituição:

"Art. 149-A. OS MUNICÍPIOS e o DISTRITO FEDERAL poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III."

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica." (grifos nossos)

Inúmeras são as críticas da doutrina acerca do referido artigo. Ao criar competência para os Municípios instituírem uma nova "contribuição", o Legislador ofendeu, de forma grave, diversas garantias constitucionais (tais como a citada acima), protegidas pela própria Carta Magna por iniciativa do Poder Constituinte Originário.

Retornamos às lições da Dra. TATIANA AGUIAR, que melhor retratam a questão. Vejamos:

"... à medida que o Constituinte derivado dá permissão para que os Municípios e Distrito Federal criem contribuições para o custeio do serviço de Iluminação Pública, FERE FERRENHAMENTE A GARANTIA ORIGINARIAMENTE CONFERIDA AOS CONTRIBUINTES, DE INCOMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DE TAIS ENTES PARA INSTITUIÇÃO DE ESPÉCIE TRIBUTÁRIA DIVERSA DAS QUE LHES ERAM PRÓPRIAS". (grifos nossos)

No mesmo sentido, HUGO DE BRITO MACHADO [8]:

"A própria emenda constitucional (n. 39/02) pode ser considerada inconstitucional, na medida em que tende a abolir direitos fundamentais dos contribuintes, entre os quais o de serem tributados dentro dos limites que o Sistema Tributário Nacional estabeleceu".

Idem para OMAR LEITE DE MELO [9], também citado pela Dra. Tatiana, que de forma mais profunda, argumenta:

"Com efeito, a "contribuição" municipal prevista pela Emenda nº 39/02, lamentavelmente, esbarra em garantias fundamentais do contribuinte, tais como:

a) trata-se de um imposto com vinculação a uma despesa específica - custeio do serviço de iluminação pública, o que é vedado pelo artigo 167, IV da Constituição;

b) afronta o princípio da igualdade, estampado no art. 150, II da CF, pois é impossível aferir quanto cada sujeito passivo se aproveita do serviço e, por conseguinte, com quanto cada sujeito passivo deveria contribuir; e

c) ignora a garantia fundamental dos contribuintes municipais (encontrada nas normas implícitas de competência tributária), de não sofrerem a cobrança de outros tributos além daqueles previamente autorizados pelo Poder Constituinte Originário, ou seja, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições previdenciárias e assistenciais (cobradas só dos servidores municipais), o IPTU, o ITBI e o ISS."

Sem falar que a contribuição prevista pela E.C. n.º 39/02 não se coaduna com nenhuma das três espécies admitidas pela Carta Magna, ou seja, não se pode considerá-la contribuição social, de intervenção no domínio econômico, e muito menos, uma contribuição de caráter cooperativista.

As inconstitucionalidades são tantas, que, ainda que pudéssemos inserir a "COSIP", de forma fictícia, em uma das espécies de contribuição existentes, os Municípios não seriam competentes para instituí-la, já que a Constituição Federal prevê que somente a União está apta para tanto, mediante a edição de LEI FEDERAL.

Mais do que pertinentes são as palavras do Ilustre jurista ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA [10], que assim leciona:

"Com efeito, entre nós, os limites de toda competência estão perfeitamente traçados e bem articulados, de tal sorte que não pode haver, em seu exercício, quaisquer atropelos, conflitos ou desarmonia. Se, porém vierem a surgir, pela má inteligência da Carta Magna e de suas superiores diretrizes, ela própria nos fornece os remédios jurídicos bastantes para afastá-los, fazendo com que, desse modo, as indesejáveis dissensões sejam afinal reconduzidas ao status quo ante da exata coordenação das pessoas políticas(e de suas respectivas funções), debaixo de sua subordinação às normas constitucionais." (grifos nossos)

Por fim, é importante ressaltar outras garantias constitucionais também afrontadas pelo novo ordenamento em vigor. A título de exemplo, pode-se citar o art. 145, §1º da própria Carta Magna, que dispõe que os tributos devem ter caráter pessoal, e serem graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.

Ao contrário do que determina o referido dispositivo constitucional, o art. 149-A possibilita a instituição de um tributo genérico, sem efetuar qualquer indicação de parâmetros sobre graduação da capacidade econômica de cada contribuinte. Tal falha era, aliás, previsível, haja vista o fato de a iluminação pública ser serviço público, isento das características de especificidade e divisibilidade.

Clara também é a afronta a princípios constitucionais, tais como o da isonomia, o da vinculação ou afetação da receita tributária, e ainda, veladamente, o da anterioridade tributária.

b) Em razão da real natureza jurídica da COSIP: a de "TAXA", travestida sob o pseudômino de"CONTRIBUIÇÃO":

Outro fundamento para o reconhecimento da inconstitucionalidade material da E.C. n. 39/02 é obtido de uma análise dos aspectos formais e materiais do próprio tributo criado pelo novo art. 149-A da Constituição Federal.

Foi visto, no tópico anterior, que a "COSIP" não pode ser considerada uma "contribuição", visto que não se adequa a nenhuma das três modalidades previamente estabelecidas no Sistema Tributário Nacional.

Outro forte argumento, que fundamenta tal acertiva, é apresentado pelo Advogado JOÃO HENRIQUE GONÇALVES DOMINGOS, em recente artigo [11] publicado na internet:

"Outro ponto que merece destaque é o fato de que o aspecto material (que faz surgir a obrigação tributária) das contribuições é duplo, necessitando de uma ação do estado e um fato da esfera do contribuinte. Logo a hipótese de incidência de uma contribuição está condicionada a uma determinada atividade estatal intimamente ligada com determinado fato do contribuinte, pelo que inexistindo tal requisito, restará IMPOSSÍVEL a criação de uma contribuição". (grifos nossos)

Tendo sido comprovado à exaustão, que a "COSIP" não possui natureza de "contribuição, cumpre-nos destacar, com base na doutrina, a verdadeira natureza jurídica desse tributo.

A corrente majoritária, defendida, dentre tantos, por LUCIANO AMARO [12], sustenta, e com razão, que o elemento de suma relevância, a ser analisado para tal identificação, é a DESTINAÇÃO DO TRIBUTO, e não a DOS RECURSOS provenientes de sua cobrança.

Diz o Ilustre Professor, que "há situações em que a destinação do tributo é posta pela Constituição como aspecto integrante do regime jurídico da figura tributária, na medida em que se apresenta como condição, requisito, pressuposto ou aspecto do exercício legítimo (isto é, constitucional) da competência tributária. Nessas circunstâncias, não se pode, ao examinar a figura tributária, ignorar a questão da destinação, nem descartá-la como critério que permita distinguir de outras a figura analisada". (grifos nossos)

Ora, se a destinação do tributo compõe a própria norma jurídica constitucional definidora da competência tributária, ela se torna um dado jurídico, que, por isso, tem relevância na definição do regime jurídico específico da exação, prestando-se, portanto, a distingui-la de outras.

É com base nessa conclusão que podemos dizer que o tributo instituído pelo art. 149-A seria, na verdade, uma nova taxa de serviço, com as mesmas características da antiga "taxa de iluminação pública", e que, por essa razão, se encontraria eivada dos mesmos vícios de inconstitucionalidade já reconhecidos de forma pacífica pela doutrina e jurisprudência [13].

Vejamos o raciocínio lógico perpetrado por JOÃO DOMINGOS [14]:

"De plano, salta aos olhos a figura esdrúxula que foi criada – contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública.

Primeiro porque, conforme citado acima, a figura das contribuições não se presta para o financiamento de todas as atividades estatais, mas somente às destinadas ao custeio das metas fixadas na Ordem Social, Título VIII da Constituição e dos direitos sociais. (...).

Segundo porque, levando-se em consideração que o ente arrecadador não pode ter superávit na arrecadação da contribuição, fica difícil evidenciar qual será a base de cálculo adotada, a alíquota e a sujeição passiva, ressaltando-se a necessidade de lançamento para a cobrança do tributo, tal qual dispõe o art. 142 do Código Tributário Nacional".

E assim, ele conclui:

"É o que basta para se denotar que estamos diante de outra figura tributária, muito semelhante à famigerada TIP - Taxa de Iluminação Publicada, que era cobrada dos munícipes, (...) julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e devidamente rechaçada de nosso ordenamento jurídico pátrio".

No mesmo sentido, HUGO DE BRITO MACHADO [15]:

"O nome evidentemente não basta. Se bastasse, seria muito fácil burlar as normas da Constituição que atribuem competência para a instituição de impostos. Pudesse a União Federal, com fundamento no art. 149 da Constituição, instituir um imposto batizado de contribuição para um fim específico qualquer, além de poder burlar a vedação contida no art. 167, inciso IV, da Constituição, a sua partilha da competência impositiva estaria reduzida à mais absoluta inutilidade. Pela mesma razão se há de entender que o art. 149-A, inserido na Constituição pela EC 39, não autoriza o Município a instituir imposto, nem taxa, com o nome de contribuição."

Realmente, não há como discordar dos referidos autores, se levarmos em consideração, o fato de o art. 149-A estipular, de forma literal, que a "COSIP" tem como destinação obrigatória, o "custeio do serviço de iluminação pública".

Trata-se de estipulação da destinação do próprio tributo, o que o torna idêntico à uma taxa, cujo conceito perpetrado pela doutrina engloba a necessidade de observância dos já mencionados arts. 145, II da Constituição Federal, e arts. 77 e 79 do Código Tributário Nacional.

Assim, estamos diante da velha problemática das taxas de iluminação pública, que hoje mascaradas pela denominação de "COSIP", são cobradas em razão da prestação de serviços não específicos e indivisíveis, o que é flagrantemente inconstitucional!

Importante ressaltar, que o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS já deixou antever seu posicionamento, recentemente, sobre a inconstitucionalidade da "COSIP". Vejamos trecho do voto do Desembargador NILSON REIS, em reexame necessário, no processo n. 000302908-9/00 [16]:

De início, faça-se o registro de que, por diversas oportunidades, votei pela constitucionalidade e legalidade da cobrança da taxa de iluminação pública (...). Entretanto, revi meu posicionamento a respeito, em razão da forte e predominante jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça e do excelso Supremo Tribunal Federal, assentando a inconstitucionalidade da cobrança da taxa de iluminação pública, justamente para considerar tratar-se de serviço prestado "uti universi", beneficiando a população em geral, não se caracterizando como um serviço público específico e divisível.

ACRESCENTE-SE, QUE MEU NOVO ENTENDIMENTO SE ROBUSTECE EM FACE DA EMENDA CONSTITUCIONAL 39, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2.002, QUANDO FACULTA AOS MUNICÍPIOS E AO DISTRITO FEDERAL INSTITUÍREM CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA E, AINDA, PARA FACILITAR A SUA COBRANÇA, QUE O VALOR RESPECTIVO SEJA INSERIDO NA FATURA DE CONSUMO DA ENERGIA ELÉTRICA. Com estes fundamentos, em reexame necessário, mantenho a r. sentença, prejudicado o recurso voluntário. Custas, ex lege." (grifos nossos)

Idêntico e louvável destaque merece recente acórdão, proveniente da 11ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que, de forma unânime, negou provimento a recurso de agravo de instrumento, interposto pelo Município de Niterói/RJ, contra decisão que determinou a imediata cessação da cobrança da COSIP nas contas de energia elétrica dos autores. Vejamos trecho do voto do Eminente Relator, Des. CLÁUDIO DE MELLO TAVARES [17]:

"No mérito, restaram evidenciados o periculum in mora e o fumus boni juris a ensejar a concessão da liminar, porquanto HÁ NA HIPÓTESE A POSSIBILIDADE DE LESÃO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO, CALCADA NA LENTIDÃO QUE ASSOLA OS INÚMEROS CASOS EM QUE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA É COMPELIDA A REPETIR ALGUM INDÉBITO. E ainda, a fumaça do bom direito, comquanto A COBRANÇA DA COSIP, ESTABELECIDA NA LEI MUNICIPAL Nº 2.040/2002, TENDE A IR DE ENCONTRO A INTERPRETAÇÃO EXAUSTIVAMENTE EXPLICITADA SOBRE A TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, QUE LEVOU AO RECONHECIMENTO DE SUA INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF". (grifos nossos)

A E.C. n. 39/02, buscou afastar o cerne de inconstitucionalidade da "T.I.P." (consubstanciada na cobrança de uma taxa, em decorrência da utilização efetiva ou potencial se um serviço público que não é nem específico e nem divisível, em desrespeito ao art. 145, II da Constituição Federal), alterando o nomen juris do tributo, intitulando-o "contribuição", sem no entanto adequar suas características a essa modalidade de tributo. E como se observa, a jurisprudência pátria começa a adotar esse entendimento.

As contribuições, de acordo com sua previsão constitucional, caracterizam-se não pelo destino de sua arrecadação, mas sim pela finalidade preconizada pelo art. 149, caput, da Carta Magna. O poder constituinte derivado, obviamente, não se atentou para tal fato, ao acrescentar o art. 149-A na Constituição da República, visto que efetivamente não estamos diante de uma "contribuição". Trata-se de atecnicidade imperdoável, fruto de sua dissídia e má – fé.

Por fim, ressalte-se que o STF, de forma reiterada, já decidiu que o serviço de iluminação pública deve ser custeado por via dos impostos gerais. Logo, ainda que a COSIP fosse realmente uma contribuição, ainda assim seria inconstitucional.


3 – Breves comentários sobre possíveis inconstitucionalidades contidas nas leis municipais que instituíram a COSIP no âmbito dos municípios brasileiros

Como foi visto, inúmeras são as inconstitucionalidades contidas na E.C. nº 39/02.

Nossos governantes municipais, porém, não exitaram em sancionar, já no apagar das luzes do exercício de 2002, as suas respectivas leis municipais instituidoras do tributo, sob a justificativa de que estariam se adequando ao recém criado art. 149-A da Constituição Federal.

Partindo para o campo da mera abstração, ousamos dizer que muitas dessas leis sofrem de inafastáveis vícios de inconstitucionalidade formal e material, haja vista afrontarem diversos princípios e garantias fundamentais preconizados em nossa Carta Magna. Vejamos:

a)Inconstitucionalidade formal reflexa

Todas as leis municipais que instituíram a COSIP, têm por base o art. 149-A da Constituição da República, que, como vimos, é formalmente inconstitucional. Logo, em detrimento do que dispõe a teoria dos frutos da árvore envenenada, há que se considerar padecedor do mesmo vício, todas as normas infraconstitucionais baseadas em dispositivo enxertado de forma viciosa no texto da Carta Magna.

b) afronta velada ao princípio da anterioridade tributária

Vejamos o que preceitua o art. 150, III, b, da Constituição da República:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III – cobrar tributos:

(...)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;" (grifos nossos)

Efetuando-se uma interpretação literal do referido dispositivo constitucional, poderíamos chegar à conclusão de que um determinado tributo, para ser cobrado pela municipalidade, teria somente que ser instituído antes do término do exercício anterior, através de lei. Essa, sem sombra de dúvida, é a interpretação dada pelos municípios brasileiros, a fim de defenderem a constitucionalidade de suas leis municipais, sancionadas nos últimos dias do ano de 2002.

Todavia, não podemos concordar com tal entendimento. Segundo a melhor doutrina, a interpretação literal do art. 150, III, b não é adequada para trazer à tona as verdadeiras razões que motivaram a criação do mencionado princípio constitucional de proteção ao contribuinte, pelo Poder Constituinte Originário.

Conforme leciona EDUARDO MANEIRA [18], o princípio da anterioridade tributária tem como um de seus corolários, outro princípio, denominado "princípio da não – surpresa", que visa a proteção do contribuinte contra eventuais surpresas, a serem eventualmente perpetradas por qualquer um dos entes federativos.

São mais do que pertinentes os comentários de LUCIANO AMARO [19] sobre o tema. Vejamos:

"Esmaeceu-se, no princípio da anterioridade, o fundamento do velho princípio da anualidade. As preocupações não mais se concentram no emparelhamento de despesas e receitas no orçamento; o que se enfatiza é a proteção do contribuinte contra a surpresa de alterações tributárias ao longo do exercício, o que afetaria o planejamento de suas atividades. À vista do princípio da anterioridade, sabe-se, ao início de cada exercício, quais as regras que irão vigorar ao longo do período". (grifos nossos)

É incontestável o fato de que milhões de contribuintes brasileiros foram tomados de surpresa, com a instituição de um novo tributo nos últimos dias do exercício financeiro de 2002, tendo a exigência do referido tributo, sido prevista para o primeiro dia do exercício seguinte, ou seja, 01 de janeiro de 2003!

Com base nesse entendimento, podemos dizer que todas as leis municipais editadas entre 19/12/2002 (data da aprovação da E.C. 39/02) e 31/12/2002, são inconstitucionais, por afrontarem, de forma velada, o princípio da anterioridade tributária.

c) afronta ao princípio da igualdade e isonomia tributária

Três possíveis ofensas podem ser identificadas, em ralação às leis instituidoras da COSIP, em face ao princípio constitucional da igualdade e isonomia tributária:

Primeira Ofensa:

No momento em que uma norma tributária municipal restringe o sujeito passivo da obrigação aos consumidores de energia elétrica ela viola pela primeira vez o princípio da isonomia tributária, uma vez que cria um discrímen injustificado entre os beneficiários do serviço de iluminação pública, que usufruem de forma igualitária de um serviço público universal, independentemente da condição de serem ou não consumidores de energia elétrica.

Para que a norma respeitasse a isonomia tributária, deveriam ser incluídos dentre os sujeitos passivos do tributo, todos aqueles que se beneficiam do serviço de iluminação pública, independentemente da relação de consumo firmada entre o contribuinte da "COSIP" e a concessionária fornecedora de energia elétrica, tais como proprietários de imóveis não ligados à rede de energia pública, ou munícipes que utilizem fontes alternativas de energia elétrica, como a energia solar, a energia hidráulica, de geradores elétricos movidos à gasolina ou diesel, dentre outros.

Segunda ofensa:

Leis municipais que estipulam graduações para a cobrança da COSIP de seus contribuintes através de critérios objetivos, acabam por afrontar, novamente, o princípio constitucional da isonomia tributária.

As graduações são usualmente feitas com base no consumo mensal de energia elétrica do contribuinte, e/ou ainda, com base na classificação de seu relógio medidor junto à empresa concessionária (normalmente, nas modalidades residencial, comercial ou industrial).

Tratam-se de critérios puramente objetivos de distinção, que, por terem essa característica, não dão condições de a Fazenda Pública Municipal auferir a real capacidade financeira dos contribuintes, o que afasta, inclusive, qualquer alegação de caráter social ou de igualdade material, em normas legais dessa espécie.

Terceira ofensa:

Não obstante a falta de conformidade da "COSIP" com o regime jurídico constitucional, observa-se, que em muitas das leis municipais instituidoras da COSIP, a base de incidência do "tributo" é o consumo de energia elétrica. Logo, os sujeitos passivos da obrigação tributária passam a ser, tão somente, os consumidores de energia elétrica residentes no município.

Todas aquelas pessoas que visitam o município, seja a trabalho ou a passeio, apesar de usufruírem sistematicamente do serviço de iluminação pública, não são tributados por tal utilização, o que demonstra a desigualdade de tratamento, na cobrança da COSIP. Dessa forma, surge a inaceitável conclusão de que, em vários municípios brasileiros, existe hoje uma parcela da população custeando o serviço de iluminação pública em favor de outra, que acaba não sendo atingida pela cobrança do bizarro tributo.


4 – Conclusões

Como foi visto, o art. 149 – A da Constituição da República é formalmente e materialmente inconstitucional.

O controle difuso de constitucionalidade, também chamado pela doutrina de "via de exceção", é remédio efetivo e célere contra eventuais agressões perpetradas ao princípio da supremacia da Constituição. Apesar de ser mais restrito (por gerar efeitos apenas inter pars), tem ele a vantagem de estar acessível a todos os cidadãos, não havendo qualquer legitimação expressa no texto constitucional.

Além disso, conforme proclama de forma unânime a doutrina e jurisprudência, o controle difuso ou concreto pode ser tranqüilamente exercido pelos Juízos de 1º Grau de Jurisdição, uma vez que a parte interessada não visa obter a declaração abstrata de inconstitucionalidade de determinado ato normativo, mas apenas o reconhecimento incidental de tal vício, visando, desta forma, a proteção de um direito subjetivo seu, oriundo de garantias constitucionais pré – existentes.

Não há como, neste momento, deixar de fazer referência às lições dos Profs. SYLVIO MOTTA e WILLIAM DOUGLAS [20], que de forma brilhante sintetizam a questão:

"Diferentemente do que acontece no controle abstrato que não está vinculado a uma situação subjetiva ou a qualquer outro evento do cotidiano, no controle concreto o que está em jogo é o sentimento de justiça inato no coração da parte litigante, que crê estar tendo um direito subjetivo vilipendiado pela aplicação de um ato normativo que reputa eivado de inconstitucionalidade material e/ou formal".

Assim, enquanto as autoridades legitimadas pelo Art. 103, caput, da Constituição da República não tomam a iniciativa de propor Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, contra o art. 149 – A da Constituição da República, cabe aos cidadãos, a instigação do Poder Judiciário, por via difusa, a fim de que, através de uma sentença com efeitos inter partes, possam ver resguardados seus direitos subjetivos claramente afrontados, em âmbito federal e municipal.

Espera-se, por fim, uma maior consciência dos parlamentares brasileiros, a fim de que condutas como as reveladas nesse artigo não sejam repetidas, manchando assim, o nobre caminho que nosso País vem percorrendo, como Estado Democrático de Direito.


Notas

1 Segundo Fernando Machado da Siva Lima, desde 1986, o Supremo Tribunal Federal tem julgado inconstitucional a cobrança da Taxa de Iluminação Pública (TIP), com fundamento na afronta ao art. 145, II da Constituição Federal.

2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo., 9ª Ed., Lumen Juris, 2002, p. 257.

3 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 9ª Ed., Atlas, 2001, p. 553.

4 Expressão adotada por FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 129.

5 É o que, por exemplo, vem sendo constatado, nos últimos meses, no Município de Muriaé/MG.

6 GOMES, Ciro. Um desafio chamado Brasil, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro: 2002, p. 161.

7 AGUIAR, Tatiana Cristina Leite de. COSIP- Reflexões sobre a Emenda Constitucional nº 39/02 e a Lei Complementar nº 047/03-RN. Tributário.NET, São Paulo, inserido em: 6/6/2003. Disponível em: < http://www.tributario.net/ler_texto.asp?id=25094 >. Acesso em: 10/7/2003.

8 Extraído de artigo publicado em 26/01/2003, em seu site, cujo endereço é http://www.hugomachado.adv.br/.

9 Transcrito do artigo da Dra. Tatiana Aguiar, a qual já fizemos exaustiva referência.

10 Curso de Direito Constitucional Tributário, 8ª ed. São Paulo, rev. e ampliada, p. 264.

11 DOMINGOS, João Henrique Gonçalves. Mais um Tributo – Cobrança de Contribuição de Iluminação Pública é Ilegal.. Usina de Letras, São Paulo, inserido em: 6/2/2003. Disponível em: <http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=1611&cat=Discursos >. Acesso em: 10/7/2003.

12 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 7ª Ed. Atualizada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 76.

13 Vide farta jurisprudência, em anexo, proveniente da 2ª Vara Cível desta Comarca, do TJ – MG, STJ e STF.

14 Ob. cit. na internet.

15 Idem

16 TJ – MG: 2ª Câmara Cível, Proc. n. 000302908-9/00, Rel. Des. Nilson Reis, j. em 20/05/2003

17 TJ – RJ: 11ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento n.º 2003.002.08508, Rel. Des. Cláudio de Mello Tavares, j. em 24/09/2003, acórdão registrado em 03/12/2003.

18 MANEIRA, Eduardo. Direito Tributário. Princípio da Não – Surpresa, p. 24.

19 Ob. cit. p. 122.

20 MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Controle de Constitucionalidade: teoria, jurisprudência e questões, 3ª Ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2000, p. 86.


Autor

  • Roberto Galluzzi Costa Fraga

    Roberto Galluzzi Costa Fraga

    Graduado em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis Pós - Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá Pós - Graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) Analista Judiciário junto ao Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo

    Ex - Advogado

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRAGA, Roberto Galluzzi Costa. Inconstitucionalidades formais e materiais contidas na Emenda Constitucional nº 39/2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 281, 14 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5075. Acesso em: 5 maio 2024.