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A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor

A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor

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O tema é de grande relevância, principalmente face ao advento do novo Código Civil, que inseriu na legislação civil brasileira o instituto da imprevisão. Apesar de não ser nenhuma novidade jurídica, a imprevisão ainda é alvo de críticas.

SUMÁRIO: Introdução; 1.Noções básicas de contrato, 1.1.Conceito, 1.2.História do contrato, 1.2.1.A evolução do contrato, 1.3.Formação do contrato, 1.4.A teoria da vontade, 1.4.1 A teoria do contrato( Stricto sensu), 1.4.2. A teoria da declaração, 1.5.Princípios do direito contratual, 1.5.1.A autonomia da verdade, 1.5.2.O dirigismo contratual, 1.5.3 A obrigatoriedade, 1.5.4.A boa- fé; 2.A teoria da imprevisão, 2.1.Conceito da teoria da imprevisão, 2.2.Origem e evolução da teoria da imprevisão, 2.3.Harmonia entre os princípios " Pacta sunt servanda e Rebus sic stantibus", 2.4. O caso fortuito/ força maior e a imprevisão, 2.5.Natureza jurídica da teoria da imprevisão, 2.6.Campo de aplicação da teoria da imprevisão, 2.6.1.Os contratos unilaterais, 2.6.2.Os contratos bilaterais, 2.6.3.Os contratos aleatórios; 3. A teoria da imprevisão no Direito Brasileiro, 3.1.A inserção da teoria da imprevisão no Direito brasileiro, 3.2.A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil brasileiro, 3.2.1.Análise do artigo 47864, 3.2.2.Análise do artigo 47973, 3.2.3.Análise do artigo 48074; 4.A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor, 4.1.A teoria da excessiva onerosidade e a revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor; 5. Conclusão; Referências Bibliográficas; Notas.


INTRODUÇÃO

O contrato, desde seu surgimento, tem sido utilizado como meio eficaz de circulação de riquezas. Porém, não raro, está sujeito às situações e aos acontecimentos que o envolvem desde sua formação até a execução da obrigação a que se propôs. Assim, objetivando um estudo aprofundado desses incidentes contratuais, este trabalho procura analisar de forma crítica a importância e as peculiaridades da Teoria da Imprevisão.

O tema é de grande relevância, principalmente face ao advento da lei nº 10.406 de 10 janeiro de 2002, que inseriu na legislação civil brasileira o instituto da imprevisão. Apesar de não ser nenhuma novidade jurídica na história do Direito, a imprevisão ainda é alvo de críticas e incompreensões, sendo até repudiada pelo absolutismo do pacta sunt servanda.

Contudo, busca-se, de forma clara e precisa, desenvolver o tema, recorrendo, nas diversas construções doutrinárias, nas legislações vigentes e principalmente na história do Direito, o surgimento da Teoria da Imprevisão e suas implicações jurídicas. Procura-se também, demonstrar as conseqüências jurídicas dessa teoria na esfera contratual.

Para um melhor estudo dessa temática foram construídos vários paralelos entre a Teoria da Imprevisão e a revisão contratual, o rebus sic stantibus e o princípio do pact sunt servanda, e também entre a revisão contratual do Código Civil e a prevista pelo Código de Defesa do Consumidor.

Julga-se ser oportuno o desenvolvimento deste trabalho, haja vista, as atuais discussões em torno da teoria da imprevisão. A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor vêm sanar as concepções errôneas que ainda perduram, trazendo ao leitor mais uma fonte de conhecimento sobre a imprevisibilidade e suas implicações na esfera contratual.


1. NOÇÕES BÁSICAS DE CONTRATO

1.1 CONCEITO

Etimologicamente o contrato vem do latim "contractu", significando "trato com". Representa a combinação de interesses de pessoas sobre determinada coisa.

Juridicamente, tem-se o contrato como uma espécie de negócio jurídico, pois o mesmo se forma pelo concurso de vontades em torno de um "objeto". [1] Para se entender melhor essa classificação, deve-se buscar na Teoria do Negócio Jurídico a sua fundamentação.

A teoria do negócio jurídico é de origem alemã, presente no BGB, código alemão de 1896. Tendo como pilares ideológicos liberdade e igualdade jurídica presentes no Estado Liberal francês, essa teoria foi desenvolvida pelos estudiosos da escola pandectista alemã, embasada na rigidez de um sistema fechado, constituído de normas jurídicas e na crença da razão do legislador. O Direito naquela época era equiparado à lei.

Assim, face à influência de um Estado Liberal, a Escola das Pandectas foi responsável pela criação de uma categoria jurídica mais abstrata que o contrato, denominada negócio jurídico. O conceito de negócio jurídico partia de um sistema lógico, representado por uma pirâmide conceitual onde o negocio jurídico está acima do contrato e abaixo do ato jurídico lato sensu. Durante o século XIX, o negocio jurídico foi tido como uma declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos e mais tarde veio a gerar o dogma da autonomia da vontade segundo a concepção clássica. [2]

Foi nessa época que se encontrou o primeiro ensaio da concepção tradicional de contrato, através de Savigny. Segundo ele, o contrato é a união de mais de um individuo para uma declaração de vontade em consenso, através da qual se define a relação jurídica entre estes. É por meio dessa simples definição que vamos encontrar os princípios básicos formadores do contrato, que vigoram até nossos dias.

Dessa forma, partindo da classificação do contrato como uma espécie de negócio jurídico e ainda baseando-se na definição do grande sistematizador do século XIX, faz-se necessário à formação do contrato uma bilateralidade ou plurilateralidade de partes, onde se convergem as declarações livres de vontade, aflorando deveres, obrigações e ações para ambas as partes. Havendo, portanto, dever e contra-dever, obrigação e contra-obrigação, a que correspondem direito e contra-direito, pretensão e contrapretensão na relação entre as partes. [3]

Disso pode-se concluir que o contrato é todo acordo de vontades destinado a constituir uma relação jurídica de natureza patrimonial e eficácia obrigacional. Constitui-se de acordo de vontades, pois há necessidade de convergência das pretensões sobre um mesmo objeto; é uma relação jurídica porque envolve partes distintas e suas manifestações têm repercussão no Direito. É de natureza patrimonial, pois o objeto para onde convergem as pretensões possui um valor pecuniário, ou seja, mensurável economicamente e, por fim, de eficácia obrigacional porque envolve direitos e deveres de ambos os pólos da relação, podendo o Estado obrigar a parte inadimplente ao cumprimento do acordo de vontade pactuado.

Orlando Gomes [4] acrescenta que:

[...] o contrato é uma categoria jurídica que está a se alargar no próprio campo do Direito Civil; além de ser fonte de obrigações, na sua função tradicional atribuída no Direito Romano, opera, em alguns sistemas jurídicos, na esfera das relações reais, constituindo e transferindo direitos reais. Admite-se, demais disso, que o contrato não é apenas constitutivo de obrigações, mas também modificativo e extintivo.

Corroborando as palavras de Gomes, segue Caio Mário [5], afirmando que:

[...] o fundamento ético do contrato é a vontade humana, desde que em conformidade com a ordem jurídica. Seu habitat é a ordem legal. Seu efeito é a criação de direitos e obrigações.

Diante do exposto, chega-se a definição de contrato como um "ato bilateral, pois depende de no mínimo duas declarações de vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações". [7]

1.2 HISTÓRIA DO CONTRATO

Buscando na história a formação e a definição de Contrato, vamos encontrar no mundo românico sua consolidação em meio a um clima de forte religiosidade e formalismo. Inicialmente o contrato objetivava a regulamentação da vontade humana apenas como formação de obrigações. Mais tarde foi-se firmando no Direito Canônico a necessidade de orientar essa manifestação de vontade como instrumento de aproximação de pessoas, de circulação de bens e riquezas, passando a exercer uma função na sociedade.

A teoria da vontade, ato propulsor da formação do contrato, teve como defensoras duas correntes: a canonista e a jusnaturalista. Os Canonistas davam mais ênfase ao consenso e à fé jurada. Segundo eles, preconizando o consentimento, a declaração de vontade era fonte geradora da obrigação, possibilitando a formulação dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo. Assim, para a concretização de uma obrigação, bastava a exteriorização do ato de vontade, no entanto a declaração de vontade e o dever de veracidade (fé jurada), obrigaram à criação de normas jurídicas que garantissem o cumprimento de tais obrigações pactuadas. Esta corrente encontrou grande aceitação entre os enciclopedistas, filósofos e juristas do século XVIII, sendo responsável pela ênfase dada à obrigatoriedade ao cumprimento das convenções livremente pactuadas.

Com os jusnaturalistas o contratualismo atingiu seu apogeu. Partindo de uma formação racionalista e individualista, essa escola contribuiu historicamente para o conceito de contrato ao defender, fundamentada no racionalismo, que a obrigação se formaria com a livre expressão da vontade entre os contratantes. Foi através dessa teoria do direito natural que se encontrou a base teórica formadora dos dogmas da concepção clássica de contrato, como a autonomia da vontade e da liberdade contratual. De conformidade com os Canonistas, esta corrente também preconizava a declaração de vontade e, conseqüentemente, o consentimento como princípio para se obrigarem as partes nas relações pactuadas. O contrato, a partir desse momento, deixou de ser visto apenas como um instrumento de criação de obrigações, passando a modificá-las e também extingui-las, transpondo o campo dos direitos pessoais para atingir o dos direitos reais.

Segundo historiadores, o Direito Romano pregava apenas que o contrato se tratava de um acordo de vontades a respeito de um mesmo ponto, não chegando a desenvolver uma declaração doutrinária específica dos contratos. Isso tem justificativa na própria origem desse Direito — sendo de natureza consuetudinária e jurisprudencial, os costumes e as decisões dos pontífices é que ditavam as normas jurídicas daquela sociedade. Desse modo, na época feudal, período compreendido entre os séculos X e XIII, o simbolismo e o formalismo desempenharam papel importante, uma vez que os contratantes firmavam o contrato bebendo nas tavernas e quando as partes davam as mãos o contrato estava selado.

Prosseguindo nessa linha histórica, descobre-se que foi a partir do Código Napoleônico que do contrato teve sua maior expressão. Em seu art.1.134, erigiu à condição de lei a manifestação da vontade contratual. O Código Civil Francês representou, como se sabe, a maior obra legislativa do governo de Napoleão Bonaparte [8], nasceu da crença jusnaturalista na lei; no entanto, sua estrutura interna e sua imagem do direito foram, sobretudo, promovidas pela revolução e pelo brilho da grandeza napoleônica.

Uma das características deste código foi o cultivo do liberalismo e da igualdade das partes contratantes, que elegeram a propriedade privada e o contrato como os principais institutos desse ordenamento jurídico. Assim:

[...] o iluminismo, apesar da sua função filosófica, foi uma ruptura moral, ou, em última análise, religiosa, no sentido de uma nova atitude perante a vida, da qual surgiu uma modificação da opinião pública e de grandes reformas da vida política. [9]

O Código de Napoleão de 1804 foi o primeiro grande código da idade moderna, procurou harmonizar o Direito Romano com o direito público costumeiro e, em essência, rendia homenagem à doutrina dos direitos do homem, colocava o indivíduo frente ao Estado em posição superior e sancionava a autonomia do direito privado em relação ao direito público. Seu espírito reflete a mentalidade individualista da época. Foi considerado o Código da Burguesia por ter atendido aos interesses e às aspirações dessa classe, porém, não se redigiu no propósito de ser lei de privilégios ao contrário, a intenção foi elaborar um código impessoal, expressão eterna das coisas, para ser aplicado sem distinção de classe e sem limite de tempo.

Fundou-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade como direito absoluto e na responsabilidade civil fundada na culpa provada pelo lesado. Tal foi sua importância que influenciou na codificação civil de vários países, inclusive na elaboração e, posteriormente, na interpretação do Código Civil Brasileiro de 1916 [10].

1.2.1 A evolução do contrato

O contrato, assim como o Direito, é um fenômeno histórico-social, sujeito a variações e a evoluções no tempo e no espaço. Desse modo, o contrato não é fruto apenas de um momento histórico, pelo contrário, ele vem sofrendo mutações ao longo dos tempos e se adequando a uma nova realidade social.

Fazendo uma análise histórica, o contrato apresentou seu ponto culminante e aglutinador com a evolução teórica do direito, após a idade média e a evolução social e política ocorrida nos séculos XVIII e XIX, com a Revolução Francesa, com o nacionalismo crescente e com o liberalismo econômico. O século XIX foi o auge do liberalismo, que surgiu como resposta ao absolutismo estatal da Idade Media e as limitações impostas pela igreja católica.

A liberdade naquela época foi posta como uma espécie de remédio para todos os males, cabendo ao direito dar forma a esse espírito individualista, criando, assim, a concepção tradicional de contrato, fundada na igualdade, na liberdade individual e no dogma da autonomia da vontade. As partes, na relação contratual, tinham posições de igualdade perante o direito, ou seja, podiam discutir individual e livremente as cláusulas do acordo de vontades. Tal preceito surgiu como espinha dorsal do sistema capitalista, já que o contrato se mostrou um instrumento jurídico eficaz e capaz de proporcionar a circulação de riquezas na sociedade.

No entanto, a suposição de que a igualdade formal dos indivíduos dada pelos tradicionalistas asseguraria o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse a sua condição, foi descartada na vida real.

Frente às grandes mudanças no mundo urbano e industrial, proporcionadas pelo sistema capitalista do século XIX, surgem as primeiras contradições entre os ideais de igualdade e de liberdade e a realidade social da época. O desenvolvimento industrial — a produção em larga escala, a concentração de renda e o crescente empobrecimento da maioria da população, a mão-de-obra barata, o desemprego, bem como os monopólios e a formação dos grandes conglomerados econômicos, principalmente a partir do mundo pós-guerra — veio praticamente anular aquelas ideais de igualdade e de liberdade. O anseio da população mais pobre, que sofria de fato com os problemas gerados por essas contradições, começou a reivindicar do Estado uma postura mais ativa, visando assegurar um equilíbrio nas relações interpessoais e à solução dos problemas sociais.

Em resposta a essa problemática social, surgem as primeiras Constituições sociais. Um exemplo é a Constituição Francesa de 1848, que passa a demonstrar novas pretensões políticas sob a forma de direitos econômicos e sociais merecedores da proteção estatal. A Constituição de 1848, assim como o código civil francês, influenciou outras constituições, por exemplo, a alemã, a mexicana, entre outras, que viram na intervenção estatal a forma de combate às desigualdades sociais e às idéias comunistas que se afloravam.

No Brasil, com as Constituições de 1934, 1946, 1967, 1969 e principalmente a de 1988 fizeram referências a essa nova ordem econômica e social. A Constituição de 1988, constituição social, criou princípios básicos da legislação trabalhista (art.7º), da função social da propriedade, dos direitos sociais, da ordem econômica. A legislação extravagante abarcou tais preceitos constitucionais, por exemplo: o Código Civil de 2002 deu mais ênfase ao princípio da boa-fé, da probidade e da função social do contrato (art.421 e 422); o Código de Defesa do Consumidor (lei nº8.078/1990), veio estabelecer normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos art.5º, inciso XXXII e art.170, inciso V, da Constituição Federal; e as legislações trabalhistas que obedecem às diretrizes do art.7º desse mesmo instituto.

Por fim, a necessidade de maiores recursos para o Estado atender às suas novas responsabilidades: a defesa da moeda, a defesa nacional no plano econômico, a proteção dos elementos mais fracos e a necessidade de impedir que os interesses privados se sobreponham aos interesses públicos, fez surgir o dirigismo estatal. Essa nova ordem, teve grande repercução no plano contratual. A interferência estatal na vida econômica implicou a limitação legal da liberdade de contratar e o encolhimento da autonomia da vontade, passando a ser descartada e censurada a liberdade de determinar o conteúdo na relação contratual. Tais mudanças repercutiram no regime legal e na interpretação do contrato.

Quanto ao regime legal, foram dadas as devidas proteções às categorias de pessoas social e economicamente mais fracas, a fim de compensar juridicamente a debilidade da posição contratual de seus componentes e eliminar o desequilíbrio. No que se refere à interpretação das cláusulas contratuais, essa também sofreu limitações, por exemplo, os arts. 112,113 e114 do C.C.(lei nº10.406/2002) e o art.47 do CDC (lei n°8.048/1990), preceituam que os contratos serão interpretados estritamente, observando a boa-fé, a intenção da vontade declarada, os costumes e, nas relações de consumo, a forma mais favorável ao consumidor.

A intervenção do Estado tornou-se, na realidade, um meio de assegurar a manutenção do regime democrático, fazendo limitações aos contratos de adesão e aos contratos de massa, surgindo em contrapartida os contratos dirigidos e os contratos forçados sobre a tutela estatal.

1.3 FORMAÇÃO DO CONTRATO

Tratando-se de contrato, vê-se que é uma espécie de negócio jurídico e por conseqüência um ato jurídico, por isso devemos analisar os requisitos necessários à sua formação.

O primeiro requisito que se pode citar é a bilateralidade ou plurilateralidade de partes. Aqui, faz-se necessária a distinção entre a bilateralidade de partes e os efeitos produzidos quanto a essas. Segundo Orlando Gomes [11]:

Parte não se confunde com pessoa. Uma só pessoa pode representar as duas partes, como no autocontrato ou contrato consigo mesmo, e uma só parte, pode compor-se de várias pessoas, como na locação de um bem por seus condôminos.

Os contratos, como condição de existência, possuem sempre uma bilateralidade de partes. Já quanto aos efeitos eles podem ser unilaterais ou bilaterais (plurilaterais). Os contratos unilaterais são assim chamados, porque apenas um dos lados adquire crédito, prestação ou ação,(por exemplo o mútuo e a promessa de doação) ou porque o crédito, a prestação ou a ação de um não equivale ao crédito, a prestação ou a ação do outro (exemplo o mandato, depósito gratuito e o comodato). "A unilateralidade do contrato não significa que só possa existir uma obrigação, mas que somente uma das partes é sujeito passivo de obrigação". [12]

Já os contratos bilaterais são aqueles que produzem efeitos para ambas as partes. Há uma equivalência de contraprestação, criando obrigações para os figurantes dos dois pólos do negócio jurídico, por exemplo, a compra e venda (o comprador deve pagar o preço e o vendedor deve entregar a coisa). Resta mencionar que, em regra, os efeitos produzidos pelos negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais são apenas entre os figurantes.

Outro requisito é as declarações convergentes de vontade emitida pelas partes, mecanismo de formação do contrato. A esse respeito, acrescenta Orlando Gomes [13]:

[...] para a perfeição do contrato, requer-se: em primeiro lugar, a existência de duas declarações, cada uma das quais, individualmente considerada, há de ser valida e eficaz; em segundo lugar, uma coincidência de fundo entre as duas declarações.

Assim, pode-se dizer que é através do acordo de vontades entre as partes contratantes, seja ele tácito ou expresso, que se manifesta de um lado a oferta e de outro a aceitação. Esse acordo de vontade há de ser sobre relação jurídica de fundo pecuniário, pois o efeito pretendido pelas partes é a criação, extinção ou modificação de um vínculo obrigacional de conteúdo patrimonial. Quanto à proposta e à aceitação, essas são elementos indispensáveis à formação do contrato, entre elas gira toda a controvérsia sobre a força obrigatória do contrato, sobre o momento exato em que ambas se fundem para produzir a relação contratual e sobre o lugar em que se reputará celebrado o negócio jurídico.

Visto que o contrato pressupõe declarações convergentes sobre um mesmo objeto, cada parte terá sua denominação própria, não havendo contrato pela simples integração de declarações que se completam, uma há de anteceder necessariamente a outra. A declaração de quem tem iniciativa do contrato chama-se proposta ou oferta. Do outro lado da relação, ocorre a aceitação. Quem faz a proposta denomina-se proponente ou policitante e quem a aceita, oblato ou aceitante.

A convergência das declarações de vontades é essencial à formação do contrato. Chama-se doutrinariamente de consenso a essa convergência ou coincidência. Havendo dissenso não nasce o contrato ou mesmo em determinados casos será ineficaz.

Por fim, todo ato de convergência de vontade entre as partes pressupõe uma causa e uma motivação, que se caracterizam como objeto do contrato. No instituto do renomado civilista Caio Mário, [14] para a caracterização da causa:

[...] é preciso expurgá-la do que sejam meros motivos, e isolar o que constitui a razão jurídica do fenômeno, para abandonar aqueles e atentar nesta. Na causa há, pois, um fim econômico ou social reconhecido e garantido pelo direito, uma finalidade objetiva e determinante do negócio que o agente busca além da realização do ato em si mesmo. Como este fim se vincula ao elemento psíquico motivador da declaração de vontade, pode ser caracterizado, sob outro aspecto, como a intenção dirigida no sentido de realizar a conseqüência jurídica do negócio. Mas sempre haverá distinguir da causa a motivação, pois que esta, mesmo ilícita, não chega a afetar o ato, desde que àquela não se possa irrogar a mesma falha.

Assim, o objeto do contrato não é a prestação e nem mesmo o objeto desta. A prestação, que se resume num dar, fazer e em não fazer, é objeto da obrigação, podendo ser a entrega de uma coisa, como o exercício ou não de uma atividade, ou mesmo a transmissão de um direito. O objeto do contrato é um conjunto dos atos, que as partes se comprometeram a praticar, singularmente considerados, não como fim do consenso ou do intercâmbio entre as prestações ou entre as partes, pois este é a causa.

Desse modo, para Washington de Barros [15], o objeto do contrato:

[...] constitui a operação que as partes visaram realizar, o interesse que o ato jurídico tem por fim regular, ele é idêntico em todas as estipulações da mesma espécie e mais amplo que o objeto da obrigação.

Além desses requisitos de formação existem outros, pois o contrato é uma categoria jurídica que se alarga no próprio campo do Direito Civil e, dessa forma, por ter seu habitat na ordem legal, obedecerá a certos requisitos impostos por esta, para que tenha validade e surta efeitos no mundo jurídico. Esses requisitos ou elementos destinados a dar validade ao negócio jurídico estão previstos no Código Civil em seu art. 104, dividindo-se em três pressupostos: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita e não defesa em lei.

Logo, as partes contratantes devem possuir capacidade genérica para praticar os atos da vida civil, uma vez que todo negócio jurídico pressupõe um agente capaz. Quanto ao objeto do contrato, esse deve ser lícito, ou seja, idôneo e possível, pois a impossibilidade frustra o negócio. Havendo impossibilidade essa pode ser física ou material, ao contrariar a lei da natureza ou ultrapassar as forças humanas, como também legal ou jurídica, sempre que a estipulação se refira a objeto proibido em lei. O objeto também deve ser determinado ou determinável, ou seja, individualizado conhecido ou mesmo possível de ser conhecido ao tempo da realização da prestação.

Ainda como relação ao objeto dos contratos, deve versar sempre sobre interesse economicamente apreciável, pois a impossibilidade de se atribuir um quantum, deixa de interessar ao mundo jurídico, faltando-lhe o necessário suporte para a propositura de uma ação judicial e conseqüentemente uma posterior condenação.

Outro elemento a ser observado na realização do contrato é a forma. Sem ela, o negocio jurídico não passará de uma ação humana estranha à vida jurídica. Em princípio, o negócio jurídico não está ligado à forma. A manifestação de vontade se exterioriza verbalmente ou por escrito, segundo o que querem as pessoas. Só excepcionalmente é que a ordem jurídica estabelece determinada forma, à qual o agente fica sujeito e reflete na sua validade. O próprio Código Civil preceitua tal fato no art. 107 ao ditar que "a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir". Assim, o agente deverá atender à forma que a lei prescrever ou evitar aquela que é defesa, sob pena de nulidade do negocio jurídico.

1.4 A TEORIA DA VONTADE

A Teoria da Vontade de certa forma esta intimamente ligada à concepção do negócio jurídico. Assim, ao falar de Teoria da Vontade, deve-se levar em conta dois aspectos: a Teoria da Vontade (propriamente dita) e a Teoria da Declaração.

Essas duas teorias são formulações doutrinárias, não sendo adotadas de maneira estrita por nenhuma codificação. A teoria da vontade caracteriza-se por ser mais subjetiva, enfatizando a vontade psíquica do declarante, enquanto a teoria da declaração possui cunho objetivo, voltado para o conteúdo declarado em si, independentemente do foro íntimo do emitente da declaração. [16]

As formações da teoria da vontade (Willenstheorie) e da teoria da declaração (Erklärungstheorie) são anteriores à formulação do BGB, surgindo quando a teoria da declaração já se havia afirmado na Alemanha em posição de quase igualdade com a teoria da vontade e posteriores ao Código de Napoleão (Fabiana Rodrigues, 2002, p. 41).

1.4.1 A teoria da vontade (stricto sensu)

Nas palavras do civilista Orlando Gomes [17] :

[...] constituem-se, pois os negócios jurídicos pela conjunção de dois elementos: a vontade interna e a declaração de vontade, que devem ser, portanto, coincidentes. A vontade interna não é apenas o suporte da declaração, mas a força criadora dos efeitos do negócio jurídico, não passando esta de meio pelo qual chega aquela ao conhecimento de outros. Inexistente juridicamente é, por conseguinte, o ato a que falta a vontade interna, e anulável aquele em que está viciada. Havendo divergência entre a vontade e a declaração, decide-se, como diz Brinz, em favor da vontade contra a declaração. Na interpretação dos negócios jurídicos deve-se atender à intenção do declarante, à sua vontade real, visto que a declaração não passa de simples processo de sua revelação."

O motivo dessa concepção está na vontade interior, convergente e harmônica com os fins psíquicos do declarante. Diz respeito à intenção ou faculdade livre do declarante de praticar ou deixar de praticar algum ato. A vontade aqui é um ato mental (consciência). E, enquanto reserva mental, não pode ser disciplinada pelo Direito. Tem-se a vontade (reserva mental) baseada na liberdade de pensamento e de consciência, [18]só vindo a ser tutelada pelo Direito quando se projetar para o mundo exterior, através da declaração de vontade.

Segundo Pontes de Miranda [19], a consciência (vontade) é essencial à declaração da vontade e à manifestação de vontade [20], faltando aquela, exclui-se a existência destas para compor o suporte fático do negócio jurídico, não, então, havendo contrato. "Quando não há vontade, ou quando não há consciência da exteriorização da vontade, não há declaração de vontade, ou ato volitivo adeclarativo (tácito) que possa ser suporte fático de negócio jurídico".

Assim, o elemento impulsionador da criação do negócio jurídico é a vontade. Exteriorizada, essa vontade passa a fazer parte do mundo jurídico e fica sujeita às conseqüências ditadas pela ordem legal, se isso não ocorrer, não há formação do negócio jurídico. Entretanto, havendo falta de harmonia entre a vontade e a declaração, seja por espontaneidade seja sob influência de outrem, o negócio nasce viciado (vício de consentimento), defeituoso e não encontra respaldo legal.

Nos vícios de consentimento tem-se a vontade exteriorizada em divergência com a consciência do declarante, que nasce sob grande influência de elementos externos. O próprio Código Civil prioriza uma harmonia entre a vontade e sua exteriorização ao determinar no art.112 que "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem". Outro exemplo é o art.138 [21]do C.C., nesse caso há uma discordância entre a vontade que de fato se pretendia e a vontade diversa que teria se exteriorizado por influência de motivos estranhos. A declaração de vontade teria sido outra se o declarante conhecesse os vícios.

Por fim, no dizer de Emilio Bett [22], a vontade é consagrada como:

[...] fato psicológico meramente interno, é qualquer coisa em si mesmo incompreensível e incontrolável, que pertence, unicamente, ao foro íntimo da consciência individual. Só na medida em que se torne reconhecível no ambiente social, quer por declaração, quer por comportamento, ela passa a ser um fato social, suscetível de interpretação e de valoração, por parte dos consorciados.

1.4.2 A teoria da declaração

A Teoria da Declaração de Vontade teve sua concepção ao longo dos séculos, com raízes na Lei das XII Tábuas quando foram registradas as primeiras manifestações da vontade. Depois da Lei 48 do Código de Hamurabi (1690 a.C.), surgiu a necessidade de revestir a vontade declarada de uma obrigatoriedade, considerando-a como "lei entre as partes." Mas foi no século XVIII que essa teoria, aplicada pelos canonistas, teve grande aceitação entre os estudiosos da época. Tanto os canonistas como os jusnaturalistas foram os responsáveis, através dessa teoria da manifestação da vontade, pela ênfase à obrigatoriedade do cumprimento das convenções livremente estabelecidas na maneira de Ulpiano, como lei entre as partes.

Para se constituir o negócio jurídico, faz-se necessária à existência de dois elementos: a vontade interna e a declaração ou manifestação dessa vontade. Faltando a vontade do negócio, não há negócio, ou seja, não há negócio sem vontade do negócio. Exemplo, o testamento é negocio jurídico, não havendo uma consciência ou vontade de testar, não haverá intuito de divulgá-lo e, dessa forma, não existe suporte fático e não gera efeitos ao destinatário.

Assim, para dar suporte fático, isto é, para que o negócio exista de fato e produza efeitos no mundo jurídico, há necessidade de que a intenção (vontade) do agente se projete para o exterior, através da declaração daquela vontade. O negócio jurídico só passa a ser tutelado pelo Direito quando declarado. Se faltar declaração ou manifestação, que é suporte fático do negócio jurídico, este será nenhum. Já a falta de consciência do conteúdo do ato declarado pode gerar a nulidade ou anulabilidade deste contrato, conforme as disposições dos arts. 138 a 184 do Código Civil.

É na declaração suficiente de vontade que o negócio jurídico passa a existir e a ser disciplinado pelo ordenamento jurídico, bem como a gerar efeitos para seus consórcios.

1.5 PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL

A palavra "princípio" pode aparecer com sentidos diversos. Porém, para fins desta pesquisa a palavra "princípios" será empregada no sentido de direcionamento e fundamento do Direito Contratual. Assim, buscando na melhor doutrina, Celso Antônio Bandeira de Mello [23], define princípio como:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério de sua compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Prosseguindo a análise, os princípios onde descansam o Direito Contratual são quatro: a autonomia da vontade; a supremacia da ordem pública ou dirigismo contratual; a obrigatoriedade e a boa-fé.

1.5.1 Autonomia da vontade

A autonomia da vontade nasceu em razão do liberalismo individualista do século XIX, como reação ao Estado controlador e limitador da Idade Media, consagrando o postulado da liberdade do homem no plano contratual. À mercê desse princípio, toda pessoa capaz tem ampla liberdade de contratar e criar vínculo obrigacional com outra. No entanto, apesar do contrato ter como requisito de formação a declaração de vontade criada pelo consentimento entre as partes, o que faz com que tenha força obrigatória, ele nasce da vontade livre segundo o principio da autonomia da vontade.

Para os estudiosos, a vontade livre de contratar tem expressão máxima na liberdade que, por sua vez, passa a existir com o próprio Direito, já que esse faculta às pessoas criar, modificar ou extinguir obrigações. O próprio Direito na sua concepção surge da liberdade. O Direito não é a criação do homem isolado, mas sim em sociedade. Logo, é um produto da liberdade do ser humano. O Direito nasce da liberdade como forma de proteger e resguardar a sociedade. Dessa forma, conclui-se que não existe Direito sem liberdade e nem liberdade sem Direito.

O próprio Jean-Jacques Rousseau, na introdução de O Contrato Social prevê tal axioma: "O homem nasceu livre, e não obstante está acorrentado em toda parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar ser tão escravo como eles." [24] Pode-se observar, que o contratualismo tem suas raízes na própria trajetória do homem, só vindo a ser estruturado no mundo românico. Indo mais além, o contratualismo foi utilizado como fundamento à existência do Estado, que por sua vez originou da vontade dos membros da sociedade humana, em estabelecer um ordenamento que pudesse proporcionar o bem comum, baseando-se na igualdade dos homens. Essa teoria ganhou ênfase com Hobbes, Spinosa, Grotius, Puffendorf, Tomasius, Locke e Rousseau que defenderam a origem contratual do Estado.

Consoante ao exposto, Direito e liberdade andam juntos, tendo seus reflexos na esfera contratual quando se tratar da autonomia da vontade. Segundo Arnoldo Wald, [25] a autonomia da vontade pode apresentar-se de duas formas: na liberdade de contratar e na liberdade contratual. A liberdade de contratar fundamenta-se na faculdade de contratar ou não, ficando a pessoa na livre escolha de decidir, de acordo com os seus interesses e conveniência, se e quando constituirá com outrem determinado contrato. Baseia-se na possibilidade de realizar ou não um negócio jurídico-contratual, como também na liberdade de escolha das partes com quem deva fazê-lo e o tipo de negócio a se pactuar.

A liberdade contratual, por sua vez, baseia-se na possibilidade das partes fixarem o conteúdo do negócio que desejam contratar. As partes ficam livres para estabelecer, de acordo com suas consciências e conveniências, a modalidade do negócio a contratar, bem como de atribuírem redação própria, estipulando obrigações, condições e contraprestações. É na liberdade contratual que se permite a criação dos contratos atípicos, isto é, aqueles não especificados pela norma jurídica vigente, importando a possibilidade das partes criarem normas subjetivas ou dispositivas, dando conteúdo próprio ao contrato pactuado, desde que observadas as condições mínimas fixadas pelo ordenamento jurídico.

Em termos gerais, tendo em vista a realidade jurídica e social, pode-se dizer que a liberdade de contratar vem se sobrepondo à liberdade contratual, devido às limitações que se estabelecem ao conteúdo do negócio, tornando-o verdadeiro contrato de adesão sujeito a aprovação do Estado ou não. Neste aspecto, a autonomia da vontade não pode e nem deve ser entendida como princípio absoluto no direito contratual, pois não reflete a realidade social em sua plenitude. Em determinados casos essa liberdade sofre restrições em virtude da ordem pública, que defende a projeção social do interesse social nas relações interindividuais. Esta intervenção do Estado, como se verá a seguir, busca estabelecer uma igualdade de fato, ou melhor, um equilíbrio entre a parte economicamente mais forte e a outra economicamente mais fraca, que desejarem estabelecer algum vínculo obrigacional.

Utilizando as sabias palavras de Nelson Borges [26], conclui-se que:

No campo obrigacional a liberdade de escolha das partes é tutelada pelo direito que lhes é outorgado de legislarem para si mesmas. Esta liberdade é total no momento da manifestação de vontade de se obrigar ou não. Feita a opção, a vontade se exaure. Qualquer manifestação contrária – excetuada a denúncia de vícios de consentimento – não terá eficácia. Não seria exagerado concluir que a assunção de uma obrigação representa restrição de liberdade individual, embora consubstancie o exercício do livre direito de contratar. Por outra forma: a liberdade só existe até o instante da manifestação da vontade, em contexto de absoluta normalidade. O exercício dessa liberdade (contratação) traz como decorrência a restrição da própria liberalidade (assunção consciente de obrigação).

1.5.2 O dirigismo contratual

A passagem de um Estado Liberal de Direito, que se fundava na igualdade e na liberdade individual, para um Estado Social de Direito, cujo escopo era a proteção dos interesses sociais e da justiça social, ocorreu por meio do intervencionismo estatal. O Estado moderno frente às desigualdades sociais do século XIX viu-se na necessidade de estabelecer uma igualdade de fato que os ideais de igualdade e de liberdade do liberalismo não foram capazes de tutelar, como demonstrado no Titulo "1.2.1 A Evolução do Contrato", deste trabalho.

O intervencionismo estatal apresentou-se como adaptação aos fenômenos econômicos e sociais da sociedade. Assim, o princípio do pacta sunt servanda, o contrato que faz lei entre as partes, foi cedendo lugar ao dirigismo contratual. As relações contratuais passaram a ser tuteladas pelo Estado, que restringiu enormemente a autonomia da vontade, mas em contrapartida, houve uma proteção maior às partes social e economicamente mais fracas, tentando estabelecer uma igualdade de fato entre os contratantes.

É importante se observar que a liberdade de contratar e a autonomia da vontade nunca foram tão absolutas como se prega historicamente, "na verdade, a liberdade de contratar já nasceu relativa, uma vez que as normas de ordem pública, cogentes, proibitivas e relacionadas com os costumes, sempre foram indisponíveis". [27] Dessa forma, trazendo esse relativismo à nossa realidade social, percebe-se que não é a simples vontade das partes que dá origem ao vínculo obrigacional. Este só existirá se a manifestação de vontade for expressa de acordo com a ordem legal. Só assim, o negócio produzirá efeitos no mundo jurídico. Nosso ordenamento jurídico deixa bem claro tal preceito no Parágrafo único do art.2.035 do Código Civil [28], dispondo que "nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos". [grifo nosso]

A respeito dessa nova ordem jurídica e social, Arnoldo Wald [29]sabiamente acrescenta:

[...] atualmente, o contrato se transformou num bloco de direitos e obrigações de ambas as partes, que devem manter o seu equilíbrio inicial, e num vínculo ou até numa entidade. Vínculo entre as partes, por ser obra comum das mesmas, e entidade, constituída por um conjunto dinâmico de direitos, faculdades, obrigações e eventuais outros deveres, que evolui como a vida, de acordo com as circunstâncias que condicionam a atividade dos contratantes. Assim, em vez de contrato irrevogável, fixo, cristalizado de ontem, conhecemos um contrato dinâmico e flexível, que as partes podem e devem adaptar para que ele possa sobreviver, suportando, pelo eventual sacrifício de alguns interesses das partes, as dificuldades encontradas no decorrer de sua existência.

O contrato, na verdade, passou a atender sua função social, cabendo-lhe conciliar os interesses individuais com os da coletividade, sem afastar a função individual a que se propôs. O legislador, sob este aspecto, começou a admitir a revisão contratual nos contratos bilaterais e unilaterais, por motivo de onerosidade excessiva e ainda a anulação dos negócios jurídicos que desrespeitarem os parâmetros legais de validade e existência. O Estado, através de sua supremacia, começou a dar um conteúdo de ordem pública aos contratos. A rigidez do dogma do pacta sunt servanda passou a ser visto com certo relativismo, surgindo a predominância do rebus sic stantibus, teoria da imprevisão, como forma de manter um certo equilíbrio contratual naqueles casos de reconhecida anormalidade, onde não foi possível a identificação prévia no ato da contratação. Assim, em nome da boa-fé, da estabilidade e do equilíbrio na relação contratual, tal princípio vem sustentado pelo nosso Código Civil, nos arts.477, 478 e 479 cumulados com os arts.421 e 422 desse mesmo diploma legal e pelo Código de Defesa do Consumidor nos art.6º,V, 83 e 5,§1º,III.

Por fim, Orlando Gomes, citado por Nelson Borges (2002, p. 69), acrescenta: "que o mais importante para nós, juristas, se formos lúcidos, é compreender a inutilidade de tentar reconduzir a realidade jurídica ao modelo da liberdade contratual, expressão da livre iniciativa".

1.5.3 A obrigatoriedade O princípio da obrigatoriedade dos contratos baseia-se na premissa de que o acordo de vontade faz lei entre as partes, pacta sunt servanda.

Como foi posto anteriormente, o elemento mais importante para a formação do vínculo obrigacional no contrato é a livre manifestação de vontade do agente. Assim, a pessoa exerce livremente uma faculdade de contratar ou não, feita a opção de contratar, a liberdade na qual se fundou a escolha se exaure. É claro que por traz dessa manifestação de vontade, prevalece a supremacia da lei. O contrato só terá força obrigatória se a manifestação de vontade, que lhe deu origem, obedecer aos requisitos mínimos de legalidade impostos pela ordem pública. Exemplos de tais argumentos seria o disposto nos arts.104 e 106 do Código Civil, bem como o parágrafo único do art.2035, deixando bem claro que "nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos."

Diante do exposto, pode-se estabelecer, quanto ao conteúdo da obrigação gerada pelo contrato, dois elementos: um de natureza pessoal, de caráter eminentemente privado, criado pela livre manifestação de vontade e resultante da opção feita pela parte de assumir uma obrigação. O outro elemento é um princípio de ordem pública, de cunho patrimonial e se caracteriza pela responsabilidade da parte em cumprir a obrigação contratada. Contudo, feita a opção de assumir uma obrigação, a parte fica responsabilizada pelo cumprimento desta. A parte credora no entanto, fica com o direito subjetivo de propor a execução dos bens do devedor, caso este não satisfaça espontaneamente a obrigação.

Dessa forma, o Estado, para garantir a execução das obrigações firmadas entre os contratantes dentro dos parâmetros legais, estabelece a obrigatoriedade dessas relações que se realizam tendo em vista a situação patrimonial das partes. Através de sua função judiciária, o Estado, por provocação, pode intervir nessas relações coagindo ou mesmo intervindo no patrimônio das partes para garantir o cumprimento do contrato.

Entretanto, os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, já mencionados, não podem ser postos em termos tão absolutos, como o foram pelos jusnaturalistas e pelo Código Civil francês em seu art.1.134. Observa-se que, atualmente, não é a simples vontade das partes que dá origem à obrigatoriedade do vínculo contratual. Esse vínculo só existirá e produzirá efeitos jurídicos se essa manifestação de vontade for expressa de acordo com a lei.

Como exceção à regra da obrigatoriedade dos contratos, haverá casos em que cláusulas primitivas deverão ser compulsoriamente alteradas, independentemente da vontade particular de qualquer das partes. Por exemplo, em se ocorrendo caso fortuito ou força maior (artigo 393 do Código Civil) haverá derrogação automática dos ajustes diretamente atingidos.

A teoria da imprevisão, vertente moderna da antiga cláusula rebus sic stantibus, também é outro exemplo nítido da relatividade do princípio exposto pelo pacta sunt servanda. Veja-se o comentário de Washington de Barros Monteiro [30], verbis:

Revisão dos contratos – Acentua-se, contudo, modernamente, um movimento de revisão do contrato pelo juiz; conforme as circunstâncias, pode este, fundando-se em superiores princípios de direito, boa-fé, comum intenção das partes, amparo do fraco contra o forte, interesse coletivo, afastar aquela regra, até agora tradicional e imperativa.

No entanto, a concepção extraída da teoria da imprevisão não pode levar ao exagero. A regra geral ainda é a da força obrigatória dos contratos e somente situações extremamente excepcionais podem mitigar o primado do pacta sunt servanda, de modo a preservar a justiça e o equilíbrio das relações jurídicas.

Ante o exposto, fica patente que a obrigatoriedade dos contratos, imposta pela lei, visa estabelecer a paz social, garantindo o cumprimento dos contratos dentro da situação patrimonial das partes. Resta mencionar que este princípio não pode ser tomado em termos absolutos, pois admite exceções.

1.5.4 A boa-fé

A boa-fé remota ao Direito Romano, doutrinariamente, pode ser classificada em boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva.

A boa-fé subjetiva se refere à consciência ou à convicção da prática de um ato conforme o direito. É um estado psíquico de conhecimento ou desconhecimento, de intenção ou falta de intenção para aquisição dos direitos. Nesse contexto, o agente manifesta sua vontade, crendo ser correta e tendo em vista o grau de conhecimento que possui sobre o negócio. Para a análise desta boa-fé, própria da convicção do indivíduo, deve-se sempre considerar os fatos sociais que o envolvem. Sob este prisma, a simples ignorância do agente na feitura ou na execução do contrato basta para caracterizar a boa-fé.

Entretanto, em se tratando da boa-fé objetiva, tem-se uma compreensão diversa, pois esta se refere a uma conduta que impõe às partes determinado comportamento, dentro de uma realidade contratual. Aqui, se considera o padrão de conduta do homem médio, tornando-se mais perceptível como uma regra de conduta, que possibilita a sua aplicação de acordo com os padrões sociais já estabelecidos e reconhecidos.

Nesta modalidade, o fator basilar é a objetividade que se impõe à boa-fé, podendo ser resumida na boa conduta, no equilíbrio, na fidelidade e na honestidade, que é esperada ou desejada pela sociedade. Pode-se dizer que esta objetividade deriva de princípios ético-jurídicos, por isso passível de uma percepção.

Em certos códigos, o princípio da boa-fé é expresso como no Código Civil francês, no italiano e no alemão. Há de se observar que o nosso Código de Defesa do Consumidor [31], em 1990 já trazia a boa-fé objetiva como um dos princípios norteadores das relações de consumo. Assim, o art.4,inciso III do Código de Defesa do Consumidor, dispõe que:

A Política Nacional de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica(art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. [grifo nosso]

Deste modo, o Código de Defesa do Consumidor vem estabelecer como fundamento, nas relações em fornecedores e consumidores, a boa-fé objetiva. Impondo-lhes uma conduta que prime pelos preceitos daquele código, pelo dever de lealdade e transparência para com o consumidor e, de certa forma, atendendo às expectativas das partes de acordo com a proteção do princípio da confiança.

Quanto ao Código Civil brasileiro, somente a partir da lei nº10.406/2002, é que se adotou expressamente o princípio da boa-fé, visto que o Código de 1916 não o trazia expressamente. Assim, tal princípio foi posto de forma aberta, ampla, de modo a preponderar o exame do caso concreto na esfera contratual, dispondo no art.422 que "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e de boa-fé."[grifo nosso]

Nesta mesma linha de raciocino, o legislador pátrio também contemplou a boa-fé em outros dispositivos legais. Dispôs no art.112 que: "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração".[grifo nosso] Da mesma forma, ao disciplinar o abuso de direito no art.187: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."[grifo nosso]

Sobre esses aspectos, acrescenta Sílvio de Salvo Venosa [32] que:

[...] sob o prisma do novo código, há três funções nítidas no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa (art112), função de controle dos limites do exercício de um direito (art.186) e função de interpretação do negócio jurídico (art.421).

Retornando à função da boa-fé dentro da relação contratual, lembra-se que ela deve ser entendida como a imposição de condutas voltadas à probidade, à integridade de caráter e honradez, bem como à honestidade, de modo que haja lealdade e cooperação entre as partes. Neste ponto de vista, não se pode desprezar a boa-fé subjetiva, pois dentro de um contexto social, o seu exame dependerá da impressão do julgador na análise do caso concreto.

O nosso ordenamento jurídico, tomando por base o princípio maior de uma sociedade livre, justa e solidária, expressão do art.3° da Constituição Federal, refletiu tais preceitos no Código Civil (lei nº10.406/2002) e no Código de Defesa do Consumidor (lei nº8.078/1990). Assim, tais dispositivos impõem aos contratantes condutas efetivas que primam pela solidariedade e cooperação entre os contratantes, o que implica uma postura objetiva para o alcance desse fim.

Por fim, a boa-fé objetiva também é princípio interpretativo, que deve acompanhar o juiz na decisão do caso concreto, devendo sempre observar as condições em que o contrato foi firmado, o nível sócio-cultural dos agentes e seu momento histórico.


2 A TEORIA DA IMPREVISÃO

2.1 CONCEITO DA TEORIA DA IMPREVISÃO

A Teoria da Imprevisão é o que se chama de cláusula Rebus Sic Stantibus, podendo ser entendida como "estando as coisas assim" ou "enquanto as coisas estão assim". Buscando na origem, esta cláusula pronuncia-se rébus sik stántibus e deriva do trecho de uma glosa, atribuída a Nerácio: "Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur". Significando que os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro, entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas.

A cláusula Rebus Sic Stantibus é de origem romana, do Direito Canônico, foi aceita e aplicada largamente na Idade Média, contexto no qual, praticamente, ressurgiu e se consolidou. Até a metade do século XX, entre nós, somente a doutrina a acolhia majoritariamente, embora já houvesse decisões que aceitavam tal cláusula. Tem-se por exemplo, em nosso país, a decisão pioneira de Nélson Hungria e do Supremo Tribunal Federal que, em 1938, a aceitou integramente.

O surgimento desta teoria, segundo o postulado de Julien Bonnecase, citado por Nelson Borges (2002, p. 71), é aptidão do direito natural, emanado da consciência do próprio homem que necessitava de princípios, que definissem a harmonia social na sua essência e indicasse os meios para alcança-la. Assim, nasceram as primeiras idéias sobre uma teoria que pudesse ser aplicada aos contratos e que visasse à manutenção dos mesmos dentro de certos aspectos de equilíbrio e boa-fé. Motivadas em princípios de direito já existentes como o da boa-fé, o do não-enriquecimento sem causa e o da eqüidade, aquelas idéias amadureceram e se somaram para criar a Teoria da Imprevisão como forma de manter o equilíbrio contratual e harmonizar as relações intersubjetivas.

Como é típico da Ciência jurídica, nada deve ser posto em termos tão absolutos, capazes de gerar a imutabilidade de qualquer ato. Assim, como reflexo de um fenômeno histórico-social, o Direito se coloca sujeito às variações e mutações no tempo e no espaço. Sob o prisma evolutivo a Teoria da Imprevisão se porta como exceção à cláusula pacta sunt servanda, expressão da força obrigatória dos contratos.

Face a essa tendência evolutiva do Direito, muitas vezes, a melhor solução para a inexecução contratual, por causa superveniente, não será a resolução pura e simples do pactuado. Destaca-se, desse modo, como solução a esta problemática a Teoria da Imprevisão, na qual a doutrina dominante sinaliza para a revisão contratual, como forma de manter e atingir um equilíbrio suportável entre os contratantes, conseqüentemente visando resguardar a função social do contrato.

Sob esse aspecto, o julgador se presta a um papel importante em seu postulado como agente do intervencionismo estatal e, no tocante ao espírito revisionista, deve manter o pactuado dentro da intangibilidade da livre manifestação da vontade da partes, se possível; mas sempre atendendo o equilíbrio contratual, as igualdades entre as partes e função social a que o contrato se propõe, buscando o bem comum.

Tais preceitos são postos com bastante propriedade por Cláudia Lima Marques [33]:

À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.

Conceitos tradicionais como os do negócio jurídicos e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado para que os particulares auto-regulem suas relações será reduzido por normas imperativas, como as do próprio Código de defesa do Consumidor. É uma nova concepção de contrato no Estado Social, em a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social. Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social, como a imposição de um novo paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. É o contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas assim como o direito de propriedade, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função social.

Diante de tais considerações, faz-se necessário enfocar os estágios evolutivos percorridos pela Teoria da Imprevisão até a consolidação e a construção da atual realidade contratual, segundo os estudos de Nelson Borges [34]:

a) Para determinados estudiosos a cláusula rebus sic stantibus já nascia implícita nos contratos de execução continuada (contratos de duração sucessiva). O contrato deveria obedecer a mesma base fática ao tempo da contratação, bastando uma causa superveniente e imprevisível para ser resolvido.

b) Esta corrente, mais voltada sobre os aspectos de formação do contrato, dispunha que ninguém iria declarar sua vontade de se vincular a outrem sabendo que sofreria uma lesão.

c) Uma outra corrente, embasada no plano ético, fundamenta a Teoria da Imprevisão sob o aspecto Moral. Assim, dividiu-se em duas concepções: a primeira fundamentava-se na lesão superveniente e a segunda no abuso de direito. Deve-se mencionar que ambas convergiam para a boa-fé e o enriquecimento sem causa como fundamento para exonerar-se da obrigação contratual.

d) Esta ultima corrente, caracterizando-se como a mais aceita, dispunha que a aplicação da imprevisão estava embasada nos princípios de eqüidade. Seria um caso de exceção, onde havendo alguma causa superveniente que traga excessiva onerosidade ao contrato, capaz de desestabilizar o negócio, esse poderia ser revisto. O fundamento seria manter o equilíbrio contratual, conseqüência direta do princípio da boa-fé e do princípio ético-jurídico da eqüidade.

Diante dos diversos entendimentos dados pelos juristas da imprevisão, é de salutar importância observar que a liberdade contratual projeta-se no tempo e no espaço. Assim, caso não ocorra nenhum percalço entre o termo inicial e final de um contrato, esse deve ser cumprido fielmente, pois a regra geral que impera é a cláusula pacta sunt servanda. Ressalvando-se que, surgindo algum incidente contratual, o contrato deve ser revisto ou mesmo resolvido em nome da boa-fé e da eqüidade.

Isto posto, fica claro que a teoria da imprevisão é uma exceção dentro da regra de obrigatoriedade contratual, tornando relativo o absolutismo do pacta sunt servanda, pregado pelo liberalismo do século XIX. Deste modo, ocorrendo alguma causa superveniente ao contrato, capaz de gerar mudanças em sua base econômica, aplica-se a cláusula rebus sic stantibus.

A superveniência de causa deve ser reflexo da própria imprevisão, aplicando assim, a cláusula diretamente na base negocial pura e simplesmente afetada, ou diretamente nos efeitos anormais que incidirem sobre o contrato. Há de se considerar que a superveniência de causa não pode ser atribuída a uma das partes, seja por ato comissivo seja por ato omissivo. Quando se pretende valer desta teoria, tais preceitos podem ser auferidos dos art.150 e art.883 do Código Civil. [35]

Por fim, a Teoria da Imprevisão defini-se como um remédio jurídico destinado a sanar incidentes que venham alterar a base econômica, ou seja, a base negocial do contrato. Por isso, é aplicada excepcionalmente às situações extracontratuais que o atinja. Tanto o credor quanto o devedor podem servir-se deste remédio jurídico, desde que não estejam em mora, e ainda que tenha sobrevindo causa superveniente e imprevisível. Essa causa superveniente há de ser um fato extraordinário, capaz de alterar a própria base negocial do contrato; gerando, a uma das partes ou a ambas, uma dificuldade no cumprimento das prestações pactuadas. Deste modo, se o contrato fosse cumprido acarretaria uma lesão à parte adimplente.

Essa teoria se resume, em um incidente contratual, por isso aceitável como limitadora da força obrigatória dos contratos. Além do mais, permite a alteração do contrato sem ferir a autonomia da vontade, pois só atingirá o que não estiver adstrito ao ato volitivo, mas apenas aqueles atos sujeitos a imprevisibilidade.

2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO

Traçar a origem e o desenvolvimento histórico da Teoria da Imprevisão, não é tarefa fácil, para tal proeza deve-se reportar à história antiga, mais especificamente, à história da codificação.

Por muito tempo, tinha-se a convicção de que o Código de Hamurábi seria o mais antigo Código até hoje encontrado, no entanto, atualmente, sabe-se que o mais antigo é o Código de UR-Namu. Quanto ao momento histórico, principalmente em relação ao surgimento do Código de Hamurábi, há inúmeras divergências, alguns historiadores datam-no de 2.700 aC, outros de 2000 aC. Mas o certo é que, até hoje, não são pacíficas estas datações.

Hamurábi, segundo os historiadores, foi o maior rei da Antigüidade e imperador da Mesopotâmia antiga, é uma das figuras mais eminentes da história universal, sendo o consolidador do Império Babilônico. Sua importância não foi apenas pelas conquistas grandiosas, mas também por reunir seus esforços na unificação da aplicação do direito e na sistematização da administração da justiça. Com seu esforço e determinação, conseguiu reunir em um só Código seus 282 preceitos, englobando uma diversidade de assuntos como matérias criminais, patrimoniais, familiares, sucessões, obrigações, salários, entre outras disciplinas. Tudo isso, aproximadamente 2.000 aC. Há quem diga que Hamurábi foi o rei que teve as idéias mais avançadas para sua época.

Tal retrocesso histórico não é despropositado, pois a Lei 48 do Código de Hammurabi, grafado em pedra, muito antes de nossa era, já trazia as primeiras manifestações sobre a imprevisibilidade. Dispunha aquela que:

Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano.

No início, aquele dispositivo foi registrado como caso fortuito e força maior e seria qualquer acontecimento ligado à natureza ou ao homem, previsíveis ou imprevisíveis que afetassem a contratação. Este período retratou, ainda que primitivamente, o surgimento da Teoria da Imprevisão, todavia, aquelas idéias de imprevisibilidade não se propagaram ao longo dos séculos de forma a influenciar outros ordenamentos jurídicos da época.

Só mais tarde, já no império romano, Ulpiano, jurista, nascido na cidade de Tiro, na Fenícia, por volta do ano 170 da Era Cristã, empenhou-se na busca de um princípio que estruturasse e proporcionasse segurança às contratações. Tecendo suas idéias chegou a concluir que a vontade manifestada no contrato deveria ser cumprida como "lei entre as partes". Dessa concepção, surgiu a primeira regra que se projetaria para o futuro sob a expressão pacta sunt servanda. [36]

O Direito Romano, apesar de não ter sido a origem da cláusula rebus sic stantibus, contribuiu com os primeiros germes para a formação desse princípio, tendo em vista os efeitos na mudança das circunstâncias presentes na contratação e ausentes na execução do contrato. Neste sentido, extrai-se dos escritos de três juristas: Cícero, Sêneca e Polybios, as primeiras referências à essência da cláusula rebus sic stantibus, semente da moderna teoria da imprevisão [37].

No entanto, durante quase 13 séculos de existência da civilização romana, pouquíssimos foram os escritos sobre os reajustes na execução contratual em razão de acontecimentos posteriores e anormais, que mudassem a base contratual e que causassem efetiva possibilidade de lesão aos contratantes. O princípio do rebus sic stantibus embora tivesse sido aplicado no Direito Romano, aparece naquele período de forma assimétrica.

O adormecimento ou mesmo a inércia das idéias de imprevisibilidade deveu-se exclusivamente ao Direito Romano, que era extremamente formalista, individualista e absolutista. Neste aspecto, quaisquer tentativas de abrandamento do princípio do pacta sunt servanda, raramente eram bem sucedidas, pois ali reinava, de forma absoluta, a premissa de que o contrato faz lei entre as partes.

Somente na Idade Média encontrar-se-ão as primeiras construções teóricas sobre a imprevisão. Impulsionados pelo fenômeno da "Recepção do Direito Romano", ocorrido no fim do século XI e princípios do XII, os glosadores, por determinação de Justiniano, estudaram o direito romano, culminando na identificação do Direito Canônico com Direito Romano determinantes da obra justiniana do "Corpus Iuris Civilis".

Apesar do direito comum, na Idade Média, ter sofrido influência do Direito Romano, se constituía pelo Direito Canônico e pelo Direito Feudal. Por força do cristianismo e o poder que a Igreja Católica exercia na época, o Direito Canônico ganhou sua importância principalmente a partir dos decretos de Gregório. Seus decretos não se limitaram a normas de natureza religiosa propriamente ou mesmo naquelas de condutas gerais, indo mais além e influenciando, por exemplo, a noção de boa-fé e da obrigação da palavra dada.

Assim, sob a autoridade moral exercida pelo Direito Canônico, dá-se o nascimento e a estruturação da cláusula rebus sic stantibus em meados do século XIII, tendo como protagonistas os filósofos católicos e os juristas canônicos que, através das decisões dos tribunais eclesiásticos, endossaram tal idéia. Segundo os canonistas, foi no Digesto do Corpus Iuruis que Neratius teria cunhado a celebre frase: "Contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur" (Os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas). Sua essência e denominação clássica foram reduzidas na expressão: rebus sic stantibus.

Neste contexto histórico, observa-se que o auge da cláusula rebus sic stantibus se impõe no direito entres os séculos XIV e XVI, onde se verificam as ebulições doutrinárias sobre o tema. Até a metade do século XVIII, ainda havia constatações de suas influências e algumas aplicações a casos concretos, mesmo que esparsas. Entretanto, já no final do século XVIII e início do século XIX, a cláusula passa a sofrer franco declínio devido às conjunturas históricas e a política emergente, principalmente em virtude do controle político obtido pela burguesia em 1789, com a Revolução Francesa.

Conseqüência direta desse momento histórico foi a criação do Código de Napoleão de 1804, consagrando o princípio do pacta sunt servanda como forma de dar segurança às relações jurídicas contratuais. Baseado no liberalismo, este código foi implantado como resposta ao absolutismo estatal da Idade Média e as limitações impostas pela igreja católica. Traço marcante desse período, o liberalismo atingiu sua culminância no século XIX, fundado no espírito individualista, que criou a concepção tradicional do contrato, instituído na igualdade, na liberdade individual e no dogma da autonomia da vontade. Diante dessa rigidez contratual, conseqüência desse liberalismo exacerbado, aquele período foi palco de enormes injustiças, face às diferenças sociais e econômicas daquela sociedade.

Somente a partir dos fins do século XIX, é que a cláusula rebus sic stantibus vai apresentar sua real importância no campo jurídico e os tratadistas modernos a transformarão na atual Teoria da Imprevisão.

O mundo que antes era estável, passa a sofrer brutais transformações sociais, econômicas e monetárias em virtude das grandes guerras e das inflações galopantes. A moeda que era estável já não gozava de tal prerrogativa. Essa conjuntura exigiu dos legisladores e julgadores mecanismos, que mantivessem os contratos e ao mesmo tempo não prejudicassem os interesses individuais e sociais.

Assim, passaram a existir nas diversas legislações, inclusive na legislação brasileira, mecanismos que possibilitassem o reajuste por vontade das partes ou por ato judicial, o equilíbrio contratual e a manutenção de sua função social. Sob este aspecto é introduzida a Teoria da Imprevisão em nossa legislação.

2.3 HARMONIA ENTRE OS PRINCÍPIOS "PACTA SUNT SERVANDA E REBUS SIC STANTIBUS"

Analisando o princípio pacta sunt servanda e a cláusula rebus sic stantibus, pode-se dizer que, até bem pouco tempo, traçaram caminhos antagônicos no decorrer da história. Reportando a esses registros históricos; constata-se que, do início da Era Cristã até meados do século XIII, predominava a imutabilidade do contrato, uma vez que naquele período feudal o simbolismo e o formalismo imperavam.

Posteriormente, já no final do século XIII e início do século XIX, a cláusula rebus sic stantibus passa a exercer um papel relevante e, então, começam as ebulições doutrinárias ao seu redor, direcionando a matéria para se tornar um verdadeiro princípio científico. Todavia, em pleno século XIX a cláusula entre em flagrante declínio, principalmente em decorrência do Código de Napoleão, característica da ascensão burguesa, que consagrou o princípio pacta sunt servanda.

Como se vê, até então, os dois princípios sempre percorreram caminhos opostos. Mas é no início do século XX, em decorrência das grandes transformações, tanto no campo econômico quanto no social, que levaram os dois princípios a um mesmo destino, objetivando o mesmo fim.

Assim, em face dessas turbulências econômicas e sociais, agravado pelo absolutismo da obrigatoriedade contratual, é que o rebus sic stantibus ressurge, sofrendo as influências externas da sociedade: a religião, a ética e o sentimento de justiça social. Tudo isso, sustentado na moral, na boa-fé, na eqüidade e no equilíbrio das prestações.

Prosseguindo a análise, o que se queria era uma postura mais ativa do Estado, visando assegurar um equilíbrio nas relações interpessoais e à solução dos problemas sociais. No campo do contratualismo, o que antes se pregava como igualdade e liberdade contratual, transformava-se em instrumento de vinculação, dominação e opressão. Dai o anseio social e a missão para o Direito mudar o estado das coisas e passar a intervir e disciplinar a liberdade contratual.

Analisando o encontro daqueles dois princípios, antagônicos – de um lado, a exigência de respeito absoluto aos pactos regularmente celebrados e, do outro, a atenuação do rigor excessivo da obrigação contratual, e valendo-se, para tanto, da boa-fé, da eqüidade, da moral e de outros fundamentos, René Savatier explicou que o quadro apresentava duas forças poderosas, originárias da mesma fonte. Uma tentava se firmar, economicamente, em espaço do mundo fático, no campo obrigacional; e a outra buscava seu lugar, em nome da justiça, apenas como regra de exceção quando impossível a conformação à regra geral de respeito à palavra empenhada. Enquanto a primeira se ligava indissoluvelmente à idéia de segurança jurídica, a segunda, conservando e revigorando a mesma idéia, procurava se manter no contexto social baseada na eqüidade, entre outros suportes (Borges, Nelson, 2002, p. 134).

Tanto é assim que, apesar do princípio da força obrigatória procurar resguardar a autonomia da vontade, da liberdade de contratar e a segurança jurídica nos contratos, o rebus sic stantibus vem proteger o bem comum, o equilíbrio contratual, a igualdade fática entre as partes e principalmente ter a certeza de que os interesses particulares não irão prevalecer sobre o social. De certo modo, a obrigatoriedade contratual nunca foi e nem pode ser entendida em termos tão absolutos como já foi posto, afinal o contrato sempre esteve adstrito à legalidade para que pudesse existir e surtir efeitos no mundo jurídico. Nesse aspecto, coexistem em nosso ordenamento jurídico, tanto o princípio da obrigatoriedade quanto o da boa-fé, da eqüidade, da igualdade e, principalmente, o da legalidade, os quais se integram aos Princípios Gerais do Direito para formar um sistema harmônico.

Ao contrario do que pregavam os anti-revisionistas, adeptos do absolutismo do pacta sunt servanda, os dois institutos, sobre a égide da moderna Teoria da Imprevisão, passam a coexistir e se completar num todo harmônico em busca de um mesmo fim, que é o equilíbrio e a manutenção dos contratos. Certamente os não-revisionistas estavam totalmente desprovidos de bom senso, pois ainda detinham uma concepção de que essa teoria seria aplicada em caráter geral, prejudicando totalmente a segurança contratual e favorecendo a inadimplência nos contratos. Tal concepção não é pertinente, pois a Teoria da Imprevisão é uma incidental nos contratos, só sendo aplicada em caráter de exceção — naqueles casos em que haja mudança na base negocial do contrato, imprevisível ao tempo da contratação.

O que se quis com a Teoria da Imprevisão, não foi o rompimento com a obrigatoriedade contratual, mas sim dar uma nova remodelagem a esse princípio, em que o contrato é condicionado ao estado fático ao tempo da contratação. De modo que, ocorrendo um evento imprevisível, não se poderá exigir o cumprimento do contrato puro e simplesmente, pois houve uma modificação na situação fática em que se deu a vinculação das partes.

Sobre essa situação fática do contrato não se pode omitir a brilhante exposição do jurista platino Carlos Cossio, citado por Nelson Borges (2002, p.143), referindo-se ao pacta sunt servanda e a Teoria da Imprevisão:

Aquelas cláusulas como significadoras da linguagem cada uma nega a outra, dando a impressão de que se anulam ao conjugar-se, de maneira que se complementam e se compenetram porque nenhuma pode existir sem a outra, enquanto que todo contrato esta ontologicamente sempre em uma situação. Somente o fato impossível de existência de um contrato fora de toda situação permitiria dissociar aquelas cláusulas. Porém a estrutura da vida humana é situacional e por isso todo contrato está necessariamente sempre em uma situação. Por isso ambas as cláusulas são forçosamente paralelas e inseparáveis, uma como referencial ao contrato em situação e a outra como referência à situação do contrato.

Assim sendo, pode-se concluir que, estando o contrato em uma situação, (dentro do mesmo estado fático da contratação) este deve ser respeitado e cumprido, obedecendo a regra geral do pacta sunt servanda. Mas, se a situação do contrato tiver sido alterada por acontecimento imprevisível (situação fática ao tempo da execução do contrato) aplicasse a exceção da cláusula rebus sic stantibus.

2.4 O CASO FORTUITO /FORÇA MAIOR E A IMPREVISÃO

No campo do contratualismo, apesar de prevalecer a regra geral da obrigatoriedade do cumprimento das prestações pactuadas, há exceções: como o caso fortuito/força maior e a imprevisibilidade (Teoria da Imprevisão). Estabelecer uma correlação entre os dois institutos, não é mera pretensão, mas uma necessidade que se impõe à matéria discutida, eis que ambos têm campos distintos de aplicação.

O caso fortuito e a força maior, por sua vez, são evidenciados por acontecimentos que ultrapassam as forças humanas, onde não se torna possível evitar ou mesmo impedir a ocorrência do fato danoso. Nosso ordenamento jurídico, no entanto, não se preocupou em distinguir o caso fortuito e a força maior, tão pouco se preocupou em conceituá-los uma vez que suas conseqüências na esfera jurídica são as mesmas, como dispõe o art.393 do Código Civil. [38].

Sob esse aspecto, coube à doutrina, o trabalho árduo de defini-los, chegando alguns autores a afirmar que são expressões sinônimas e outros a defender que há distinção, surgindo assim duas correntes: a subjetiva e a objetiva, a fim de diferenciá-los. Não obstante à divergência, de forma simples e objetiva, Washington de Barros [39] define a força maior como sendo os eventos físicos ou naturais, de índole ininteligente, citando como exemplos a chuva de granizo, os raios e as inundações. Já o caso fortuito seria aqueles acontecimentos causados por eventos alheios à vontade do devedor, gerador de obstáculo insuperável em diligência comum, por exemplo, greves, motim e guerras.

Nesse sentido, Arnoldo Medeiros da Fonseca [40], concluiu citando os ensaios de Demolombe, que "a força maior exprimiria a idéia de um acidente da natureza", enquanto que "o caso fortuito indicaria a idéia de um fato do homem". Ainda, considerou que o sentido das expressões era precisamente o oposto: força maior refere-se à ação de forças ininteligentes; ao passo que a caso fortuito designaria o fato de terceiros, citando respectivamente como exemplos as guerras, as violências etc; e as inundações, os raios etc.

Como a regra nos contratos é o cumprimento, há casos resultantes de fatos que impossibilitam a execução dos mesmos. Essa inexecução, por sua vez, como acrescenta Orlando Gomes [41], pode ser voluntária ou involuntária. A inexecução voluntária refere-se ao não cumprimento do contrato por vontade imputável à própria parte a quem caberia a prestação. Por ser ato faltoso, contrário à fé jurada e ao princípio da confiança, a culpa é atribuída ao devedor, que se responsabiliza civilmente pelas perdas e danos causados a parte contrária [42].

Por sua vez, a inexecução involuntária, não tem caráter volitivo. O devedor mesmo que queira cumprir o contrato, estará impossibilitado. Nesse caso a parte estará excluída de qualquer responsabilidade e a contrato se resolve automaticamente. Essa inexecução decorre de uma impossibilidade superveniente à contratação, em decorrência de acontecimento extraordinário proveniente do caso fortuito e da força maior, cujos efeitos não se podia resistir ou mesmo evitar.

Ressalta-se, no entanto, que essa impossibilidade deve ser conhecida de forma objetiva e que necessariamente decorra do caso fortuito e força maior. Por exemplo, uma pessoa que tem um determinado compromisso em determinado horário em outra cidade e o avião atrasou, impossibilitando a realização do negócio, não poderá utilizar dessa justificativa. Nesse caso, não haveria caso fortuito e força maior, pois a pessoa tinha a alternativa de pegar outro avião mais cedo e chegar no horário. Desse modo, a impossibilidade objetiva aqui se refere à não concorrência do devedor para tornar a prestação impossível. E ainda, essa impossibilidade deve ser definitiva e total, pois se temporária, em se tratando de prestação continuada, as partes podem interessar na continuidade da contratação depois de determinado lapso temporal, ou mesmo dar continuidade ao contrato no estado em que se encontre.

Outras características dessa inexecução seriam a superveniência, a inevitabilidade e a irresistibilidade do fato danoso. A superveniência se caracteriza pela ocorrência de evento precedente à execução do contrato, gerando causa impeditiva de seu cumprimento. Por fim, o evento deve ser inevitável e irresistível, no sentido de se tornar impossível sua obstaculação, seja ele natural seja ele humano e ao mesmo tempo imponível por qualquer empenho ou diligência comum.

Diante do exposto, verifica-se que um dos fatores determinantes da resolução do contrato e sua conseqüente inexecução seria a impossibilidade superveniente, objetiva, total e definitiva, decorrente de evento inevitável e irresistível. Assim, torna-se pacífica a regra de exclusão da responsabilidade do devedor pelos prejuízos resultantes do caso fortuito e da força maior. Ressalta-se ainda que tal preceito não se aplica ao devedor em mora, como determina a inteligência do art.395 do Código Civil. O efeito da resolução do contrato, por conseguinte, é retroativo à data da contratação.

Sob esta ótica, ensina o Prof. Orlando Gomes [43] que:

A resolução do contrato pela extinção da obrigação por força maior, ou caso fortuito, tem conseqüências que não podem ser ignoradas. Se o contrato é unilateral, quem suporta o risco é o credor-res perit creditori. Uma vez que a prestação não pode ser satisfeita, a parte que deveria recebê-la se vê privada do proveito que esperava do contrato. Mas, se o contrato é bilateral, a interdependência das obrigações complica o problema. A regra dominante é a de que a exoneração de uma parte acarreta a da outra. Extingue-se a prestação de quem deixou de cumprir, mas fica impossibilitado de exigir a contraprestação, já que a obrigação perde a sua causa, rompendo-se, em verdade, o vínculo de conexão entre as obrigações. Se a prestação da outra parte já foi cumprida, a parte liberada é obrigada a restituir o que recebeu, pois, do contrário, haveria enriquecimento sem causa. O pagamento seria indébito, pelo que a lei autoriza a repetição. Resolvido, pois, o contrato, as partes voltam à situação anterior à sua celebração.

Outro caso de exceção ao princípio da obrigatoriedade contratual seria a imprevisibilidade. Neste sentido, a Teoria da Imprevisão se impõe como remédio jurídico destinado a sanar as anomalias decorrentes de eventos imprevisíveis e extraordinários, que venham atingir a base negocial do contrato.

A questão da imprevisão está ligada a superveniência de acontecimentos inesperados, não passível de previsão, que, na esfera contratual, podem acarretar uma onerosidade excessiva da prestação prometida. Neste sentido, uma inovação do nosso Código Civil (lei nº10.406/2002), foi a regulamentação deste instituto no art.478. A inteligência deste dispositivo é bastante objetiva ao prever como causa de resolução dos contratos de execução diferida, continuada ou periódica, a excessiva onerosidade que, em virtude de acontecimento extraordinário e imprevisível, sobrevenha dificuldade extrema ao cumprimento da obrigação por um dos contratantes. Neste caso, operar-se-á a revisão ou mesmo a resolução contratual, em decorrência da excessiva onerosidade, conseqüência direta de "acontecimentos extraordinários e imprevisíveis".

A onerosidade excessiva da prestação cria um obstáculo ao cumprimento da obrigação por extrema dificuldade a uma das partes. Não se tratando, naturalmente, de uma inexecução por impossibilidade, mas apenas por uma onerosidade excessiva. Vale salientar que é necessário que seja excessiva a diferença do valor do objeto da prestação entre o momento de sua contratação e de sua execução, o que a torna apta a causar a uma das partes uma extrema dificuldade ao cumprimento da obrigação. Essa dificuldade não deve atingir apenas o devedor, mas toda e qualquer pessoa que vier a figurar no pólo passivo da obrigação. Como se vê, a prestação da obrigação contratual torna-se notadamente mais gravosa ao tempo da execução do que na contratação.

Outro aspecto que se refere à imprevisão ou Teoria da Imprevisão é que a onerosidade excessiva decorra de evento extraordinário e imprevisível, capaz de alterar radicalmente a base negocial do contrato. Essa base negocial nada mais é do que as condições econômicas sob as quais foi celebrado o contrato. De modo que o acontecimento deve ser extraordinário, ou seja, anormal e imprevisível ao tempo da contratação.

A imprevisibilidade, vale mencionar, refere-se à impossibilidade das partes, no momento da celebração do contrato, de prever a ocorrência de eventos anormais (extraordinários), que poderiam atingir a base negocial do contrato. Do contrário, se o evento fosse previsível, dentro de condições razoáveis da imaginação e da inteligência humana, não se resolveria o contrato pelo instituto da imprevisão.

Por outro lado, verificando-se os requisitos da excessiva onerosidade, do acontecimento imprevisível e extraordinário, só se aplica a rescisão contratual aos contratos comutativos de execução continuada ou periódica.

Finalmente, pode-se afirmar que a onerosidade excessiva é causa de resolução ou mesmo de revisão contratual, determinante de uma inexecução involuntária relativa ou absoluta. Se a inexecução for absoluta aplicar-se-á a resolução do contrato; do contrário, sendo relativa e nesse caso havendo possibilidade de dar continuidade ao contrato, dentro de certas limitações, operar-se-á a revisão contratual. No entanto, deverá ser pleiteada a resolução ou a revisão contratual, antes mesmo do prazo estipulado para o cumprimento da obrigação, pois se o devedor não a fizer, essa se constituirá em mora.

A resolução ou mesmo a revisão contratual, neste caso, só se dará por intervenção judicial, pois somente o juiz é quem decide se há onerosidade excessiva, bem como o nexo causal entre o acontecimento extraordinário e imprevisível e a excessiva onerosidade. O próprio art.478 do Código Civil, evidencia na ultima parte, a necessidade de uma sentença. Assim, a sentença judicial que resolver o contrato tem efeito retroativo à data da citação válida e não há ensejo de perdas e danos, pois o devedor se exonerou da obrigação por se tornar "excessivamente oneroso" o seu cumprimento.

2.5 NATUREZA JURÍDICA DA TEORIA DA IMPREVISÃO

Criada pelos canonistas e pós-glosadores, a Teoria da Imprevisão se impõe no direito entre os séculos XIV e XIII, propagando-se até o final do século XVIII. Nesse período se constatam as principais criações doutrinárias sobre o assunto, passando essa teoria a ser aplicada pelos tribunais eclesiásticos e aceita pelo direito comum. Entretanto, como foi salientado neste trabalho, esta teoria entra em franco declínio já no final do século XVIII e início do século XIX.

Prosseguindo a análise, frente à necessidade de autorizar a intervenção judicial nos contratos cuja contraprestação fora alterada por eventos externos, alheios à vontade das partes e de proporcionar um equilíbrio contratual, trouxe à baila diversas doutrinas que pretendiam justificar a Teoria da Imprevisão. Dentre essas diversidades encontram-se diferentes fundamentos àquela teoria, mas deve-se ressaltar que todos eles têm como fator basilar princípios éticos e ético-jurídicos no tocante à vontade contratual.

Um dos primeiros expoentes neste campo foi Bártolo que, apoiado na vontade das partes, em meados do século XIII, considerou que qualquer pacto que tivesse dependência do futuro, a teoria da imprevisão estaria inserida tacitamente na vontade contratual manifestada. De modo que todos as vezes que ocorressem eventos imprevisíveis os quais gerassem uma excessiva onerosidade à prestação obrigacional, o contrato estaria resolvido. Argumentava ainda que se as partes contratantes tivessem conhecimento prévio das alterações contratuais ao tempo da contratação, não teria fechado o negócio. No entanto, essa doutrina não apresentou um processo técno-jurídico capaz de justificar, de forma satisfativa e adequada, a revisão contratual.

Outra justificativa para imprevisão é a teoria da pressuposição de Windischeid, expressão da Escola dos Pandectistas. Segundo essa teoria o contratante, ao manifestar sua vontade, pressupõe determinada condição e, se tal condição não ocorrer, o efeito jurídico não corresponderia à vontade, portanto o contrato seria anulável. Estas concepções influenciaram bastante a formação moderna da teoria da imprevisão, mas foi bastante criticada sob o argumento de que afetaria a segurança jurídica das contratações.

Assim, fazendo referência à doutrina de Bártolo, considerou-se que na ocorrência de fatores anormais e imprevisíveis incidentes ao contrato, capazes de torná-lo excessivamente oneroso, este poderia ser revisto ou mesmo resolvido. Quem manifesta sua vontade sob determinada situação ou circunstâncias deseja que o efeito jurídico decorrente daquela relação venha a existir e a permanecer, à semelhança de quem emite uma vontade condicionada. A vontade estaria condicionada às circunstâncias e às situações em que foram emitidas as vontades dos contratantes ao tempo da celebração do contrato. Esta teoria em termos gerais é muito mais abrangente do que a teoria da imprevisão, pois, para Windscheid, a vontade estaria condicionada a qualquer ato jurídico, não apenas ao contrato.

Merece destaque ainda, a teoria da vontade marginal de Giuseppe Osti, segundo o qual, as manifestações de vontade nos contratos estavam divididas em dois tempos. O primeiro tempo seria a vontade contratual, a vontade no ato da celebração e o segundo seria a vontade marginal, ocorrida ao tempo da execução do contrato. Assim, caso ocorresse uma modificação na situação do contrato sob a qual foi emitida a primeira vontade, esse estaria suspenso por força da vontade marginal. A vontade marginal seria aquela estranha à vontade emitida na celebração do contrato.

Uma nova concepção foi posta por Paul Oertmann, tendo como fundamento a base do negócio jurídico. Segundo ele, a base do negócio seria a base sobre a qual os contratantes emitiram suas vontades. De modo que, qualquer modificação nesta base negocial poderia ensejar na resolução contratual. O fundamento desta teoria estaria no equilíbrio das prestações pactuadas entre os contratantes.

Várias foram as doutrinas, que tentavam fundamentar a teoria da imprevisão, pode-se citar além dessas, outras como a teoria do erro de Giovene, a teoria da boa-fé de Naquet, entre tantas que, de alguma forma, deixaram suas contribuições.

Prosseguindo a fundamentação jurídica da Teoria da Imprevisão, esta não pode ser encontrada em uma única teoria, ou mesmo ser justificada apenas através do positivismo jurídico. Como se pôde observar ao longo deste trabalho a teoria da imprevisão é fruto de um fenômeno histórico-cultural surgido do anseio social por um mecanismo, que proporcionasse dentro de determinadas condições o equilíbrio e a boa-fé nas relações contratuais. Com efeito, coube ao Direito disciplinar tal idéia e criar os meios de aplicação ao caso concreto.

Dessa forma, a teoria da imprevisão tem natureza incidental nas relações contratuais, fundamentada no equilíbrio das prestações, na manutenção da base negocial sobre a qual foi emitida a vontade de contratar. Independente desta fundamentação, ainda estão presentes os requisitos de eqüidade, boa-fé, moralidade, confiança e do não-enriquecimento sem causa de uma parte em detrimento da outra. Tais requisitos são fatores basilares e indispensáveis a qualquer estrutura jurídica que se insere no campo do Direito.

No tocante à natureza incidental, a teria da imprevisão é pressuposto da revisão contratual. De modo que, uma vez exercida a liberdade de contratar e emitida a vontade sobre determinada base negocial, as partes se vinculam a esta situação contratual. Porém, se porventura ocorre algum acontecimento imprevisível, capaz de tornar a prestação excessivamente onerosa, afetando a base negocial sobre a qual se deu a contratação, este contrato poderá ser revisto ou mesmo resolvido.

2.6 CAMPO DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO

Quanto ao campo de aplicação da teoria da imprevisão, em regra geral, esta é aplicável a todos os contratos que tenham execução diferida, ou seja, futura. Assim, para melhor entendimento, faz-se necessário uma análise de alguns tipos de contratos, tais como os contratos unilaterais, os bilaterais e os aleatórios.

2.6.1 Os contratos unilaterais

Os contratos unilaterais "são aqueles em que só uma das partes se obriga em face da outra; mercê deles, um dos contratantes é exclusivamente credor, enquanto o outro é exclusivamente devedor". [44] A principal característica deste tipo de contrato é que o dever jurídico somente recai sobre uma das partes. Exemplos típicos de contratos unilaterais são: depósito, mútuo, mandato, comodato e doação.

Voltando à teoria da imprevisão, segundo alguns doutrinadores, só poderia ser aplicada aos contratos bilaterais. Vistos que um evento imprevisível afetaria a comutatividade das prestações das partes e, assim, possibilitando a revisão contratual. Por não existir, nos contratos unilaterais, essa comutatividade, esses estariam de fora.

No entanto, sondando a essência da imprevisão, mais especificamente na célebre frase de Neratius: "Contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur" (Os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas), percebe-se que não foi feita nenhuma distinção entre os contratos unilaterais ou bilaterais. Apenas definiu-se como campo de aplicação os "contratos de trato sucessivo ou de dependência do futuro".

Assim, é perfeitamente possível a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos unilaterais. Indo mais além, nesse tipo de contrato, a teoria da imprevisão poderia ser argüida tanto pelo credor quanto pelo devedor. A utilização desta prerrogativa pelo devedor é fácil de se compreender, já que o mesmo figura no pólo passivo da obrigação e suporta os encargos da prestação. Sob este aspecto qualquer mudança da base negocial do contrato, decorrente de fato imprevisível, seria capaz de tornar a prestação ainda mais onerosa ao devedor.

No tocante ao credor, não é pacifico entre alguns doutrinadores, a possibilidade do mesmo se valer da teoria da imprevisão. Nos contratos unilaterais pode haver casos de depreciação do valor da prestação devida ao credor, advindo de eventos imprevisíveis, causando a este uma diminuição no seu patrimônio e uma vantagem ao devedor, que terá esforço reduzido no cumprimento da obrigação. Vale ressaltar o disposto por Nelson Borges [45] sobre o assunto:

Quando o beneficiado é o devedor todos os autores admitem o uso da imprevisibilidade, assentados na excessiva onerosidade da prestação. Ora, admiti-la em contratos unilaterais somente em benefício do devedor é postura que se reveste de odiosa discriminação, sem qualquer juridicidade. Aceitar que o beneficiário receba a prestação aviltada ou que deva "contentar-se com ela diminuída (...) uma vez que nada paga", ou, ainda, "não receber tudo aquilo que se esperava receber (...) porque (...) isto parece melhor do que nada", como raciocinaram os juristas lusitanos (Vaz Serra e Rocha de Gouveia), é usar dois pesos e duas medidas para aferir o mesmo valor – o que para o Direito é inadmissível.

Diante do exposto, pode-se afirmar que é aplicável a teoria da imprevisão nos contratos unilaterais. Podendo ser argüida tanto pelo devedor, quanto pelo credor, desde que amparados pelos pressupostos do acontecimento imprevisível e na mudança na base negocial do contrato, bem como na possibilidade de lesão às partes em caso de cumprimento da obrigação, para a revisão ou mesmo a resolução contratual.

2.6.2 Os contratos bilaterais

Os contratos bilaterais são aqueles que "criam deveres jurídicos para ambos os contratantes". [46] Esse tipo de contrato também é chamado de sinalagmático por existir uma reciprocidade entre as obrigações contratadas. Assim, os contratos bilaterais são campos férteis para a aplicação da teoria da imprevisão, haja vista que dentro dessa reciprocidade de obrigações, existe uma certa comutatividade de prestações. Exemplo são os contratos de locação, compra e venda etc.

A teoria da imprevisão deve adequar-se a esse tipo de contrato, justamente pela existência de obrigações recíprocas das interdependentes. Desse modo, ocorrendo algum acontecimento imprevisível capaz de alterar a base econômica sob a qual o pacto foi celebrado e ainda sobrevindo a possibilidade de lesão (lesão virtual) a uma das partes, o contrato poderá ser revisto ou resolvido, invocando a teoria da imprevisão.

Como se vê, a possibilidade de aplicação do instituto da imprevisão nos contratos bilaterais é mais evidente do que nos contratos unilaterais, pois aqui, a potencialidade de lesão é perceptível quando há um desequilíbrio entre a reciprocidade das prestações pactuadas. Até mesmo, por ser a finalidade da teoria da imprevisão tentar restabelecer o equilíbrio contratual e a comutatividade de prestações. A aplicação dessa teoria se torna evidente nos contratos bilaterais.

2.6.3 Os contratos aleatórios

Para melhor compreensão do que seja os contratos aleatórios, deve-se buscar na melhor doutrina a sua definição, assim, segundo Washington de Barros Monteiro: [47]

É aleatório o contrato em que as prestações de uma ou de ambas as partes são incertas, porque sua qualidade ou extensão está na dependência de um fato futuro e imprevisível (alea) e pode redundar numa perda, em vez de lucro. Exemplos, o contrato de seguro, a constituição de renda, a emptio apei, a emptio rei aperatae, o jogo e a aposta.

A característica desse tipo de contrato é já nascer fadado pela incerteza e pela indeterminação de receber as prestações pactuadas ao tempo do vencimento. No entanto, deve ser ressaltado que todo contrato, de certa forma, possui uma aleatoriedade normal, ou seja, os contratos estão sujeitos a acontecimentos estranhos à contratação, ao longo de sua duração. Contudo, tais acontecimentos são considerados normais, passiveis de previsão e que não afetariam a base negocial do contrato.

Por outro lado, existem os contratos aleatórios propriamente ditos, ou seja, estão sujeitos à dependência de fatores incertos, favoráveis ou não a um determinado evento. Esses fatores identificam-se como extraordinários e imprevisíveis, que podem atingir a base do negócio jurídico. Neste tipo de contrato, onde se pode identificar previsão da aleatoriedade, melhor dizendo, a possibilidade da ocorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis, não há que se falar na não-aplicação da teoria da imprevisão.

A teoria da imprevisão só tem cabimento nos contratos onde, por fatores imprevisíveis e extraordinários, venha alterar a base contratual em relação ao tempo da contratação. Já nos contratos aleatórios, até mesmo por sua característica de incerteza, não se aplica a teoria da imprevisão, pois sua base negocial já nasce impregnada de dúvida, eventualidade e incerteza quanto às prestações contratuais. Os contratantes, por sua vez, têm a consciência da possibilidade da ocorrência de fatos imprevisíveis e extraordinários ao tempo da contratação.

Dando prosseguimento à análise, há contratos que possuem uma aleatoriedade relativa, como menciona Arnoldo Wald [48] uma parcela das prestações depende de condição. Continua o referido autor, dispondo que "tais contratos se regulam pelos princípios gerais dos contratos comutativos quando o princípio básico do negócio é a equivalência das prestações". Assim, de modo peculiar, se admite a esses contratos aleatórios a teoria da imprevisão.

Sobre tal admissibilidade da teoria da imprevisão nos contratos relativamente aleatórios, determina Nelson Borges, com bastante propriedade:

A teoria da imprevisão sempre será aplicável aos pactos aleatórios desde que o evento alterador da base contratual não se relacione com sua álea específica de incertezas Se àquela álea estiver ligado, seu emprego estará afastado (Nelson Borges, 2002, p. 716).

Como se vê, somente se aplica a teoria da imprevisão nas prestações onde esta afastada a aleatoriedade quanto à ocorrência dos fatos previstos na contratação.


3 A TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 A INSERÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO BRASILIEIRO

A história do Direito Civil Brasileiro caracterizou-se por seu desenvolvimento arraigado no período monárquico, trazendo em seu bojo o centralismo jurídico implantado pelas Ordenações Manuelinas em Portugal e mais tarde pela supressão das Ordenações Filipinas, que foram trazidas na íntegra para o Brasil colonial.

Saindo desse período e passando para o Brasil republicano, especialmente ao referente à construção de nossa legislação civil, verificou-se, de certa forma, a ruptura formal com o direito português. Essa ruptura se deu em virtude da proclamação da República e da necessidade de uma legislação civil própria, culminando com a promulgação da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que deu redação ao Código Civil Brasileiro. O dispositivo do art.1.807 deste código demonstra perfeitamente aquele momento histórico ao determinar que: "Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código."[grifo nosso]

No entanto, a criação do Código Civil não afastou a influência européia, haja vista que a classe intelectual e política estavam culturalmente ligadas às tendências daquele continente, até mesmo devido a fatores históricos. Desse modo, o Código Civil brasileiro de 1916 surge sob influência do Código Napoleônico, trazendo a característica de ser um código liberal.

Apesar de já existirem algumas ebulições doutrinárias sobre a matéria da imprevisibilidade no continente europeu, o Código Civil brasileiro praticamente incorporou o liberalismo e o formalismo do Código Civil francês, nem sequer fazendo menção a Teoria da Imprevisão. Talvez fosse reflexo de uma época estável e feito para um mundo estável, onde as moedas eram firmes e não sofriam oscilações e os contratos não sofriam alteração, a não ser por vontade de seus agentes.

Mas é a partir de 1930 que a teoria ganha ênfase e começam a aparecer as primeiras legislações, trazendo os fundamentos da imprevisibilidade. A economia, que antes poderia ser considerada estável, sofreu um choque de instabilidade advindo da crise de superprodução de 1929, que afetou o mundo todo.

Assim, no meio jurídico brasileiro, a teoria da imprevisão passou a ser estudada e seus preceitos incorporados a algumas normas. Na doutrina, destacou-se o mestre Arnoldo Medeiros da Fonseca por ser o pioneiro no estudo da matéria, chegando a publicar uma obra sob o título "O Caso Fortuito e a Teoria da Imprevisão". A legislação também se referiu à matéria no Decreto 19.573/1931 ao prever a rescisão do contrato de locação de funcionário público ou militar em caso de remoção ou mesmo em redução de seus subsídios. Outro Decreto de nº24.150/1934, a chamada Lei das Luvas, previu a renovação do contrato de locação de fins comerciais e econômicos e mesmo a revisão em caso de modificação econômica da situação local.

Na jurisprudência, destacou-se o pioneiro julgado do jurista Nélson Hungria em 1930 que, na condição de juiz no Rio de Janeiro, proferiu decisão fundamentada na eqüidade e nos princípios gerais de direito, inserindo a teoria da imprevisão no direito brasileiro. Ressalta-se que essa decisão não logrou êxito nos Tribunais, mas foi um marco na ruptura das idéias conservadoras e arcaicas da época. O Supremo Tribunal Federal só em 1938 acolhe expressamente a teoria da imprevisão, dispondo que a cláusula rebus sic stantibus não contraria a legislação nacional.

A onerosidade excessiva, fundamento da teoria da imprevisão, só recentemente passou a ser prevista na legislação nacional com a lei n° 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, dispondo na inteligência do inciso V, do art.6º o seguinte:

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas."

Este dispositivo, no entanto, não mencionou o requisito da imprevisibilidade, mas abarcou suas idéias, talvez devido à hipossuficiência do consumidor na relação contratual de consumo.

Mas é na lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que a teoria da imprevisão se põe expressamente em nossa legislação civil, definindo suas bases estruturais e fundamento. O novo Código Civil brasileiro prevê a matéria nos arts. 478, 479 e 480.

3.2 A TEORIA DA IMPREVISÃO E A REVISÃO CONTRATUAL NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

A teoria da imprevisão no atual Código Civil [49] está prevista no Livro I "Do Direito Das Obrigações", Título V "Dos Contratos Em Geral", na Seção IV que trata "Da Resolução Por Onerosidade Excessiva", sendo disciplinada nos artigos 478 a 480.

Característica marcante deste Código é a roupagem social que trouxe em seu conteúdo, principalmente reiterando os preceitos de nossa "Constituição Social". São vários os dispositivos que enumeram o caráter social deste código, demonstrado a preocupação e intervenção estatal quanto à ordem social, mesmo na tutela de direitos privados. Essa intervenção estatal é evidenciada no Parágrafo Único do art.2.035 deste código.

Assim, acompanhando esta tendência e embasada nos princípios da probidade, da boa-fé [50] e do não-enriquecimento sem causa [51], "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato" [52]. Nesse ambiente, a teoria da imprevisão (rebus sic stantibus) é introduzida na legislação civil brasileira fundamentada na excessiva onerosidade.

Na verdade, o Código Civil Brasileiro não inovou quanto a esta matéria, pois os artigos que tratam da imprevisão são cópias fieis dos artigos 1.467, 1.468, 1469 do Código Civil Italiano. Nossos legisladores não se preocuparam em disciplinar o instituto da imprevisão, aprofundando-se na essência de seus fundamentos, simplesmente transferiram para nosso ordenamento as imperfeições do código italiano. Pode-se dizer que o nosso código civil perdeu a oportunidade de trazer em seu bojo uma previsão moderna e eficaz da teoria da imprevisão a qual atendesse a nova realidade contratual, visando sempre à manutenção dos pactos e à função social do contrato.

O instituto da imprevisão não é recente, ele vem sendo debatido durante séculos e, no meio jurídico brasileiro, sua admissão já era pacífica, não se tratando de uma inovação propriamente dita do nosso código, mas sim de mera previsão legal. Contudo, o legislador brasileiro disciplinou o instituto de forma equivocada, não respeitando o fim a que se propôs a teoria, que é a manutenção dos pactos. O que fez o código foi ressaltar a resolução em vez da revisão contratual. Ora, nem sempre a melhor solução para o caso concreto será a resolução, o que deve ser colocado como regra é a possibilidade de revisão contratual a fim de manter o vínculo contratual.

Nesse aspecto, o grande mestre Arnoldo Medeiros da Fonseca [53] acrescenta a necessidade de:

[...] investigar, em síntese, se é justo, e em que termos, admitir a revisão ou resolução dos contratos, por intermédio do Juiz, pela superveniência de acontecimentos imprevistos e razoavelmente imprevisíveis por ocasião da formação do vínculo, e que alterem o estado de fato no qual ocorreu a convergência de vontades, acarretando uma onerosidade excessiva para um dos estipulantes.

Por fim, os dispositivos, que tratam da "onerosidade excessiva" em nosso código, distanciam-se dos fundamentos da teoria da imprevisão, chegando a ferir princípios por eles enumerados como o da função social do contrato, o da boa-fé e o do cumprimento das obrigações.

Feitas essas considerações, crê-se cabível, nesta parte da pesquisa, a análise jurídica dos referidos artigos, que tratam da imprevisão no Código Civil Brasileiro.

3.2.1 Análise do artigo 478

Art.478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Tendo em vista o referido dispositivo e para fins didáticos passa–se a enumerar os requisitos que o compõe:

1)Campo de aplicação:

O campo de aplicação da resolução por "excessiva onerosidade superveniente" são os contratos de execução continuada ou diferida. Este instituto tem seu campo fértil naqueles contratos onde suas prestações se projetam para o futuro.

Os contratos de execução continuada, na definição da professora Maria Helena Diniz [54], são aqueles "que se protraem no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção, solvendo-se num espaço mais ou menos longo. Ocorrem quando a prestação de um ou de ambos os contraentes se dá a termo". Esses tipos de contratos de execução continuada também são chamados de contratos continuativos, de trato sucessivo, pois perduram no tempo e as prestações pactuadas têm realizações periódicas e continuadas, de certa forma, tendo dependência do futuro. Exemplo típico de execução continuada são os contratos de locação, contrato de seguro, nos contratos de compra e venda com pagamento parcelado, enfim, são contratos que têm prestação em períodos certos, podendo ser mensal, bimestral, semestral, anual etc.

A outra modalidade de contrato, passível de incidência da "excessiva onerosidade superveniente", é aquele de execução diferida, ou seja, cuja prestação é futura e não imediata, não existindo nenhum implemento da obrigação antes do vencimento da mesma. Exemplo são os contratos de compra e venda que tenha vencimento futuro, compra de produtos sem entrada e com vencimento parcelado, arrendamento com vencimento bimestral, semestral ou anual, entre outros.

Contrato de execução diferida como o próprio nome diz são contratos de execução postergada, projetadas para o futuro. Esse contrato é muito mais abrangente, comportando em seu bojo espécies como os contratos de execução diferida propriamente dita, continuada ou sucessiva, periódica e a termo.

Registra-se que, a aplicação da teoria da imprevisão, ou melhor, da "excessiva onerosidade superveniente" somente se dará nos contratos que tenham dependência do futuro. Haja vista, a necessidade da existência de um lapso temporal entre a contratação e o cumprimento da obrigação, isto é, entre a vinculação e o implemento da prestação. A existência desse interregno temporal é fundamental, pois nesse período estará aberta a possibilidade da ocorrência de fatores anormais (extraordinários) que imprevisivelmente venha tornar a prestação excessivamente onerosa.

2)Excessiva Onerosidade e Extrema Vantagem

Com bastante propriedade, ensina o grande mestre Orlando Gomes [55] que:

No Direito moderno, a alteração radical das condições econômicas, nas quais o contrato foi celebrado, tem sido considerada uma das causas que, com o concurso de outras circunstâncias, podem determinar sua resolução.

Assim, buscando fundamento na própria concepção de justiça comutativa, o artigo 478 dispõe que "[...] se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para outra [...]" e juntamente com outras elementares o contrato poderá ser resolvido. Com efeito, o fator determinante da onerosidade excessiva é a quebra do equilíbrio contratual, passando, de certa forma, a não mais existir uma equivalência de prestação como aquela configurada no momento da contratação.

A onerosidade excessiva não importa na inexecução pura e simples do contrato, mas apenas traz um obstáculo a execução, tornando-a mais difícil e gravosa, capaz de causar uma lesão virtual ao devedor. Essa lesão virtual surge em decorrência de eventos imprevisíveis, que atingem diretamente a base negocial do contrato, importando numa potencialidade de dano ao devedor caso o contrato venha a ser cumprido. Desse modo, em sobrevindo onerosidade excessiva e esta não for obstaculada por meio de resolução ou mesmo de revisão contratual, a lesão deixa de ser virtual para ser objetiva.

Em contrapartida a onerosidade excessiva, deve surgir para o credor uma extrema vantagem. Essa extrema vantagem esta ligada aos próprios fundamentos do enriquecimento sem causa. O credor não poderá auferir vantagem econômica além do justo e do razoável pactuado, diante da dificuldade do devedor em adimplir a obrigação.

Merece destaque ainda, que o titular do direito previsto no artigo 478 é exclusivamente da parte devedora, não há esse direito para o credor. O referido dispositivo ao mencionar "das partes" referiu-se tanto ao credor quanto ao devedor, porém, termina dizendo que "poderá o devedor pedir a resolução do contrato", eliminando qualquer duvida sobre a titularidade do direito. Entretanto, face ao descuido do legislador, espera-se que os magistrados restabeleçam em seus julgados e entre as partes contratantes, a isonomia da lei, tão primada pela Constituição brasileira.

Nesse sentido Nelson Borges [56] descreve:

No que se refere ao direito das partes o texto legal não admite dúvidas: "parte lesada" poderá ser tanto o devedor como o credor. Por essa razão critica-se o dispositivo nacional que, depois de falar, corretamente em partes, sem qualquer justificativa termina por estender o benefício a apenas uma delas (devedor), ao falar em excessiva onerosidade, que não tem qualquer relação com o credor.

Assim, distanciou daquelas idéias da teoria da imprevisão, autorizando a resolução do contrato sem nenhuma responsabilidade para a parte devedora, que é titular do direito. Sob uma análise criteriosa, o binômio excessiva onerosidade e a extrema vantagem, passa a prever uma certa inexecução voluntária, pois o que objetivou o dispositivo legal não foi a manutenção dos pactos, mas, muito pelo contrário, a sua resolução.

Deve-se dizer também que o devedor, para exercer o direito de resolução contratual, não pode adimplir a prestação atingida pela excessiva onerosidade e nem se constituir em mora. Toda obrigação já nasce para ser extinta, é claro pelos meios normais, através do adimplemento. Assim, se o devedor cumpre a prestação, ela automaticamente se extingue, tornando improcedente o argumento da excessiva onerosidade, mesmo porque ele pôde cumprir normalmente sua prestação. Quanto à mora, esse responderá pelas perdas e danos (art.403) que der causa.

3)Acontecimento Extraordinário e Imprevisível

Conforme já foi argumentada, a lesão virtual, decorrente da existência do binômio excessiva onerosidade e extrema vantagem, deve ser causada por "acontecimento extraordinário e imprevisível". Para melhor compreensão é de fundamental importância ter em mente a noção de fato extraordinário e imprevisível.

Buscando a definição de "extraordinário", verifica-se que deriva do latim extraordinariu, significando aquilo que "não é ordinário, fora do comum, excepcional, anormal." [57] Diante desse esclarecimento, acontecimento extraordinário seria todo evento anormal, fora do comum, em ultima análise, corresponderia a um fato imprevisível.

A inteligência do artigo 478 também enumera o requisito da imprevisibilidade, dizendo que o acontecimento tem que ser "extraordinário e imprevisível". Assim, o imprevisível seria aquilo que não poderia ser previsto. Com efeito, essa definição reveste-se de um caráter de subjetividade quanto à verificação do acontecimento. Tal afirmativa não é desproposital, pois um mesmo fato pode ser ao mesmo tempo previsível para uma pessoa e imprevisível para outra. A previsibilidade de situações supervenientes e sua constatação poderão sofrer variações, dependendo da pessoa, do seu grau de instrução ou mesmo das informações e do conhecimento que possui sobre matéria contratada.

É nesse contexto e nesse momento que o julgador exercerá papel de fundamental importância, ficando a seu juízo a verificação se o acontecimento superveniente era imprevisível ao tempo da contratação. Para tanto, o magistrado não poderá abrir mão das condições sócio-culturais e do conhecimento do assunto pelos contratantes. A imprevisibilidade é uma questão subjetiva e ainda, deve-se lembrar que a imaginação humana é ilimitada, de modo que na análise do caso concreto deve-se considerar uma previsibilidade razoável, afastando as divagações fantasiosas e as probabilidades infinitas. Assim, a imprevisibilidade deve ser sempre tida sob uma ótica razoável para o ensejo da resolução ou revisão contratual.

Merece destaque ainda, a distinção entre fato imprevisto e imprevisível, tamanha é confusão que se faz ao seu redor, chegando, alguns doutrinadores, a dizer que são sinônimos. O "fato imprevisto será todo aquele que poderia ser previsto e não o foi; imprevisível, aquele a que faltou a possibilidade normal de previsão." [58][grifo nosso] O fato imprevisto estaria inserido dentro de acontecimentos ordinários, normais, comuns, mas, no entanto, não foi previsto, presumido. Já o fato imprevisível está ligado diretamente àqueles acontecimentos extraordinários à normalidade que, por sua vez, não poderia ser previsto.

Outro ponto de fundamental importância na configuração para o devedor valer-se da "excessiva onerosidade superveniente", é que o mesmo não concorra para a ocorrência do fator imprevisível e muito menos para a inexecução contratual, pois nesses casos responderá pelas perdas e danos que causar ao outro contratante, na forma do art.403 do Código Civil [59]. Ainda, do mesmo modo, em se tratando de contratos de execução continuada, projetada para o futuro, o devedor não poderá incorrer em mora (art.397 do CC) e, conseqüentemente, será responsabilizado pelos prejuízos que der causa.

A excessiva onerosidade superveniente é causa alheia à vontade do devedor e, por isso, necessita de ser revisto ou resolvido, pois no momento da contratação, a prestação era possível e depois, antes que a mesma fosse exigível, tornou-se praticamente impossível sem a concorrência do devedor. Assim, é indispensável que o mesmo interpele judicialmente pela resolução contratual antes mesmo do vencimento de alguma prestação, haja vista que é o titular desse direito.

A extraordinariedade e a imprevisibilidade, juntamente com as outras elementares do artigo 478, são pressupostos indispensáveis para a resolução ou revisão contratual, já que é através deles que surgirá a lesão virtual superveniente. Contudo, não devem ser analisados isoladamente, devem ser sempre inseridos num contexto, levando-se em consideração outros aspectos legais.

4) A Resolução do Contrato

Antes de qualquer coisa, deve-se colocar ao relevo a imaturidade de alguns de nossos legisladores, quanto à inserção da teoria da imprevisão no ordenamento jurídico brasileiro. A teoria da imprevisão pura e simples, que foi exposta no início desse trabalho, foi deturpada, causando na legislação civil uma aberração jurídica em descompasso com nosso ordenamento.

O Código Civil brasileiro, referindo-se à teoria da imprevisão, dispôs que nos contratos de execução diferida ou continuada, sobrevindo acontecimento extraordinário e imprevisível e tornando a prestação excessivamente onerosa a uma das partes, com extrema vantagem à outra, "poderá o devedor pedir a resolução do contrato". Nesse caso, além do legislador evidenciar que a titularidade de remedium iuris é apenas do devedor, também determina que num primeiro momento deve-se pleitear a resolução contratual ao invés da revisão contratual.

Sobrevindo uma onerosidade excessiva à prestação obrigacional, esta poderá causar, ao contrato, uma inexecução involuntária relativa ou absoluta. Sendo uma inexecução relativa, é passível de ser sanada e, dentro de certas limitações, as partes podem dar continuidade ao contrato através da revisão, assim que restabelecerem o equilíbrio das prestações. No entanto, se a inexecução for absoluta, a ponto de não ser possível nenhum composição capaz de sanar a lesão virtual a uma da partes, deve-se operar a resolução contratual. Nota-se que o legislador não estava atento a essas peculiaridades.

A contradição é imensa, o art.421 do Código Civil dispõe que a "liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato"[grifo nosso]. O contrato não foi feito para ser descumprido, a sua função social é que seja cumprido, atingindo o fim a que se propôs. Entretanto, o legislador prioriza a resolução em vez da revisão.

Outro ponto contraditório, é que o artigo, ao dispor sobre a resolução contratual, feriu os preceitos do direito processual civil, que prima pela composição dos litígios, dispondo no artigo 125, inciso IV, que o juiz deverá "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes". Tamanha é a preocupação da legislação processual que, novamente, vem determinar no art.448 que "antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes". A resolução a priori do contrato fere completamente esse princípio de autocomposição.

Quanto à sentença, o dispositivo legal foi extremamente feliz ao determinar que seus efeitos retroagirão à data da citação. Evidencia-se dessa forma a adoção do efeito ex nunc. Este fato é relevante, pois muitas vezes os contratos são de execução continuada, tendo prestações periódicas e havendo acontecimento extraordinário e imprevisível capaz de ensejar a resolução contratual, seus efeitos só retroagirão até a data da citação válida do credor. Como a resolução, neste caso, pressupõe uma interpelação judicial face aos acontecimentos, as prestações adimplidas não serão atingidas pelos efeitos da sentença, pois até então a execução contratual corria sob plena normalidade.

Assim, antes da citação válida do credor, o contrato ainda estará coberto pelo manto do ato jurídico perfeito.

3.2.2 Análise do artigo 479

Art.479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Parece que neste artigo o legislador quis reparar o discenso causado pelo artigo anterior, tentando recuperar a revisão contratual suprimida pela resolução. A previsão da revisão contratual visou restabelecer a comutatividade dos contratos bilaterais, fragmentada de resolução contratual.

Assim, proposta a devida ação de resolução contratual pelo devedor (autor), esta só pode ser obstada com o oferecimento da contestação, com proposta do credor em modificar eqüitativamente as cláusulas contratuais. Essa modificação eqüitativa visa restabelecer a comutatividade, ou seja, o equilíbrio contratual, proporcionado ao tempo da contratação e, agora, quebrado pelo acontecimento imprevisível, é claro que sob determinadas condições. Dessa forma, restabelecendo as bases negociais e readaptando as condições contratadas à nova realidade, o contrato continuará validado obedecendo à sua função social, que é o cumprimento das obrigações pactuadas.

No referido dispositivo, o ônus da revisão se transfere ao credor que deselegantemente é tratado como "réu". Quem tem o ônus de sofrer a inexecução seja ela relativa ou absoluta, fato da onerosidade excessiva, é o credor. Ora, com base na função social do contrato e na boa-fé, o devedor também teria o dever de buscar o restabelecimento do equilíbrio contratual, mas não, o legislador não lhe dá este direito ou dever. O que o réu pode fazer é simplesmente pedir a resolução contratual.

Endossando o que já foi mencionado, o professor Marco Aurélio Bezerra de Melo [60] chegou a afirmar que:

Perdemos uma ótima oportunidade para a previsão legal da revisão dos contratos em razão da onerosidade excessiva superveniente, pois a revisão tem a vantagem de resgatar a comutatividade inicial sem destruir o vínculo contratual (princípio da comutatividade da relação contratual).

3.2.3 Análise do artigo 480

Art.480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que sua prestação seja reduzidoa, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Esse artigo se refere à revisão judicial dos contratos unilaterais por excessiva onerosidade superveniente a contratação. A peculiaridade deste tipo de contrato é que há apenas uma declaração de vontade, importando dever jurídico de uma só parte, a qual figurará no pólo passivo da relação.

Assim, ocorrendo fato superveniente, tendente a afetar a base econômica do contrato, a ponto de causar uma excessiva onerosidade ao devedor, este poderá pleitear a revisão contratual. O fundamento desta interpretação esta nos princípios da comutatividade dos contratos, na boa-fé, na eqüidade e na justiça comutativa. Nenhum contrato é firmado para ser descumprido e, sempre que possível, deve-se buscar a sua manutenção, pois em regra geral prevalece a cláusula pact sunt servanda.

Note-se que, nessa espécie de contrato, não figura o binômio onerosidade excessiva e extrema vantagem, ao contrário dos contratos bilaterais. O que se tem em vista é a onerosidade excessiva, que vai suportar unilateralmente o devedor. Neste caso a revisão contratual se trata de justiça.


4. A REVISÃO CONTRATUAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

4.1 A TEORIA DA EXCESSIVA ONEROSIDADE E A REVISÃO CONTRATUAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor é tema atual e recente, datando de 11 de setembro de 1990, quando foi promulgada a lei nº 8.078. Sua base de sustentação é puramente constitucional. Sendo previsto nos art.5º, inciso XXXII, art.170, inciso V e art. 48 ADCT da Constituição Federal brasileira.

Assim, dispôs a constituinte em 1988 que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" e mais, no art.48 ADCT terminou que "o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do Consumidor". A legislação consumerista também teve influência de legislações estrangeiras, contudo, foi um mérito dos brasileiros ver promulgado um instrumento moderno, original e eficiente na proteção e defesa do consumidor. O Código de Defesa Do Consumidor foi um "divisor de águas" em nosso ordenamento jurídico, sendo referência às legislações estrangeiras.

Voltando ao assunto teoria da imprevisão, não se pode afirmar que foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois esta é mais abrangente do que a "excessiva onerosidade superveniente". É claro que não se pode negar a influência e fundamentos da teoria da imprevisão sobre o artigo 6º, inciso V do referido diploma legal. Assim, dispõe o artigo:

Art.6º. São direitos básicos do consumidor:

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; [grifo nosso]

Numa primeira análise, já fica estabelecido que a tutela estatal e titularidade do direto se volta para o consumidor. Isto fica evidente quando o caput artigo afirma que "são direitos básicos do consumidor". Essa proteção, muitas vezes exagerada, não é proposital em face da hipossuficiência do consumidor nas relações consumeristas. Nesse sentido acrescenta Fabiana Rodrigues Barletta [61]:

Essa proteção especial que lhe é dispensada ocorre de maneira proposital, já que, expressamente, a Constituição brasileira dispõe em seu artigo 3º, III, que "constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais", procurando pois, garantir uma isonomia não apenas formal entre as pessoas, mas sim material ou substancial, isto é, considerando as desigualdades fáticas, a Constituição legislou a fim de equalizar uma situação real de desigualdade entre fornecedores e consumidores.

É sempre bom relembrar os princípios de ordem pública, que regem o Código de Defesa do Consumidor, tais como: o do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art.4º, inciso I), da boa-fé e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (art.4º, inciso III). Tais princípios são norteadores na política de relações de consumo.

Dando continuidade ao estudo, pode-se dividir o inciso V, do artigo 6º, em duas partes. A primeira se refere à "modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais", não havendo relação nenhuma com a "onerosidade excessiva", reflexo da teoria da imprevisão. O legislador visou restabelecer o equilíbrio das prestações inexistentes desde a formação do vínculo contratual. Neste caso, o contrato já nasce eivado de um desequilíbrio e, com base nos princípios da boa-fé e do equilíbrio das relações, ele deve ser revisto para o estabelecimento da comutatividade das prestações.

A segunda parte é a que trata propriamente do "onerosidade excessiva", acrescentando a necessidade de "revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas". Assim, o Código de Defesa do Consumidor adotou como causa da revisão contratual a "excessiva onerosidade superveniente", distanciando-se da teoria da imprevisão propriamente dita.

Analisando o dispositivo, veja-se que não se adotou o requisito da imprevisibilidade, fator indispensável à teoria da imprevisão. Talvez esta postura do legislador estivesse ligada diretamente ao princípio de vulnerabilidade do consumidor, sempre enquadrado como hipossuficiente na relação consumerista. A lei visou estabelecer de fato a isonomia postulada pelo artigo 5º da Constituição, tratando "os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade".

Pode-se observar ainda dois requisitos para a revisão judicial, sendo eles os "fatos supervenientes" e "excessiva onerosidade". A expressão "fatos supervenientes" apenas nos revela uma questão situacional, de tempestividade da ocorrência do fato, que torne a prestação demasiadamente onerosa ao consumidor, face ao desequilíbrio na base econômica (negocial) do contrato. Desse modo, implicitamente, pressupõe-se a existência de um contrato de execução diferida de prestação duradoura ou periódica. Os fatos supervenientes, só irão ocorrer se o contrato se projetar para o futuro, pois é nesse interregno temporal entre a vinculação e a execução que incidirão fatos capazes de alterar a base negocial do contrato.

Outro ponto fundamental é a "onerosidade excessiva", o acontecimento que incidiu sob o contrato diferido deve ser apto a proporcionar um desequilíbrio entre a prestações, capaz de deslocar um ônus excessivo ao consumidor, a ponto de lhe causar uma lesão subjetiva se o contrato fosse cumprido. A onerosidade excessiva esta diretamente ligada à base do negócio jurídico, ou seja, a base negocial e econômica do contrato. O consumidor, ao exercer sua liberdade de contratar e se vincular a um determinado contrato, estará subordinado-se ao estado fático vigente à época da pactuação. Assim, advindo algum fato, que altere essa normalidade, onerando o consumidor além do que foi estabelecido, este poderá utilizar-se da revisão contratual.

Vale a pena frisar que a imprevisão é dispensável quando se trata de revisão ou resolução no direito do consumidor. O fato superveniente à contratação pode ser previsto ou não. Eis o ponto de distinção entre a Teoria da Imprevisão e a "excessiva onerosidade superveniente" prevista no Código de Defesa do Consumidor.

Em se tratando da resolução contratual, o Código de Defesa do Consumidor adotou outra postura, prevendo a nulidade das cláusulas contratuais. Assim dispondo:

Art.51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

[...]

§1º Presumi-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

[...]

III – se mostre excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outra s circunstancias peculiares ao caso.

[...]

§2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

Veja-se que é acentuada a preocupação do legislador em manter o contrato pactuado. O que muito faltou aos mentores do novo Código Civil Brasileiro. O Código de Defesa do Consumidor inovou nesta área e foi muito feliz, pois criou uma legislação moderna e eficaz.

A legislação consumerista incorporou o princípio da função social do contrato, colocando à disposição dos contratantes a revisão, como forma de preservação dos pactos e restabelecimento da comutatividade das prestações contratuais. Tanto é assim que, mesmo prevendo a nulidade contratual no §2º do artigo 51, ainda adverte as partes para o melhor caminho da revisão. Pode-se dizer que, no caso de excessiva onerosidade, a regra é a revisão e a exceção é a nulidade. A anulação é tratada de forma isonômica no dispositivo legal, pois visa prevenir de uma eventual lesão tanto o consumidor (devedor), quanto do fornecedor (credor), ao mencionar "ônus a qualquer das partes".

A nulidade de alguma cláusula contratual, não gera a invalidade do contrato, o que ocorrerá caso não seja restabelecida a comutatividade das prestações e persista desvantagem a uma das partes. O contrato só continuará valendo se for bom para ambas as partes.


5 CONCLUSÃO

No decorrer deste trabalho, foram várias as construções teóricas sobre a " A Teoria da Imprevisão e a Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumido". Assim, para o melhor entendimento do tema proposto bem como, de suas peculiaridades, reportamos a formação do contrato e seus princípios basilares.

No tocante à formação do contrato, viu-se que se trata de um acordo de vontades, destinado a constituir uma relação jurídica de natureza patrimonial e de eficácia obrigacional. Assim, fundamentado na vontade humana, ou seja, na livre iniciativa, as partes exercem uma faculdade de contratar. Com efeito, depois de feita a opção, essa liberdade se exaure com a formação do contrato, sendo as partes vinculadas a seus termos.

O contrato como vimos foi e ainda continua sendo um instrumento eficaz de aproximação de pessoas e de circulação de riquezas, e assim como o Direito é reflexo dos fenômenos histórico-sociais, sobretudo, sofrendo variações no tempo e no espaço. Desse modo, rompendo com os ideais de igualdade, liberdade e autonomia da vontade, implantados pelo liberalismo do século XIX, o contrato adquire uma nova roupagem nos fins do século XIX e entra no novo milênio (século XX) com um caráter mais humanístico e social.

O princípio do pact sunt servanda que antes era tido com absoluto, passou a ser relativizado, dando lugar à teoria da imprevisão, vertente moderna da rebus sic stantibus. Os dois institutos passaram a coexistir como um todo harmônico. A regra geral, que ainda prevalece, é da obrigatoriedade contratual, mas sobrevindo fato anormal a contratação, decorrente de acontecimento imprevisível, aplica-se o remédio jurídico da teoria da imprevisão como pressuposto da revisão contratual.

Como se vê, o contrato passa a atender sua função social, cabendo ao Estado conciliar os interesses individuais, com os da coletividade. Assim, apesar do princípio da força obrigatória procurar resguardar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a segurança jurídica nos contratos, a teoria da imprevisão vem proteger o bem comum, o equilíbrio contratual, a igualdade fática entre as partes, o não-enriquecimento ilícito e principalmente assegurar que os interesses individuais não prevalecerão sobre o social.

Sob esse prisma, o instituto da imprevisão é introduzido em nosso meio jurídico, primeiro na jurisprudência e na doutrina, mais tarde na legislação civil. Infelizmente o legislador brasileiro, ao prever a matéria nos artigos 478, 479 e 480, não ateve as peculiaridades da teoria da imprevisão propriamente dita. Os artigos citados foram cópias fieis da legislação italiana.

Além do mais, incorporaram à nossa legislação concepções contraditórias ao ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 478 ao invés de preconizar a manutenção dos pactos, objetivando sua função social, fez pior, ditando como regra geral e única alternativa ao devedor, a resolução contratual.

Como se não bastasse tal contra-senso, no artigo 479, o legislador incumbiu ao credor, que despropositadamente é chamado de "réu", o ônus da revisão contratual. Contudo, o que deveria prevalecer é a regra geral da revisão e não a resolução, pois essa é exceção dentro do contexto do nosso ordenamento. Finalizando, a revisão deveria ser um direito e um dever das partes, pois buscando no princípio da boa-fé e da equidade, a nenhum dos contratantes seria interessante a resolução pura e simples do contrato.

Outro aspecto interessante é o Código de Defesa do Consumidor, onde por bom senso prevaleceu a revisão contratual. Contudo, não se pode falar na teoria da imprevisão neste código, pois o pressuposto da revisão é a "onerosidade superveniente". Sendo dispensável o requisito da imprevisibilidade inerente àquela teoria. Ainda, o legislador do código consumerista não previu a resolução contratual, apenas fez menção à nulidade das cláusulas excessivamente onerosas, que não estão sujeitas à revisão.

A teoria da imprevisão, apesar de sua existência milenar, é tema novo em nosso ordenamento jurídico. Possuindo natureza incidental nas relações contratuais, fundamentada no equilíbrio das prestações, na manutenção da base negocial sobre a qual foi emitida a vontade de contratar. Assim, essa teoria se coloca como remédio jurídico, destinado ao restabelecimento da comutatividade das prestações contratuais, afetada por eventos imprevisíveis que as tornem excessivamente onerosas à parte que, por ventura, venha adimplir o contrato, a ponto de lhe causar uma lesão caso o contrato seja cumprido.


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NOTAS

1 Objeto pode ser uma prestação ou contraprestação de dar, fazer ou não fazer.

2 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Pág.37.São Paulo: Saraiva, 2002.

3 No contrato "não se exige que a contraprestação equivalha, exatamente, no mundo fático, à prestação; basta que haja estabelecido, no mundo jurídico segundo os fatos da vida e a intenção dos contratantes, a equivalência." (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado - Parte Geral, Tomo III.Pág. 245. Campinas: Bookseller, 2000.)

4GOMES, Orlando. Contratos. 17ª edição. Pág.14. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

5PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Volume III. 10ª edição.Pág.2. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

6 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Geral Civil Brasileiro: Obrigações e Contratos – VolumeII. 14ª edição. Pág.183.São Paulo: RT, 2000.

7BARLETTA, op. Cit., p. 21.

8WIECKER, Franz. "apud" Nelson Borges. A Teoria da Imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. Pág. 354.São Paulo: Malheiros, 2002.

9 Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916.

10 GOMES, 1997, p.10

11 WALD, op. cit., p. 215

12 GOMES, 1997, p. 10

13 PEREIRA, op. Cit., p. 87.

14 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações – 2ª Parte – Volume 4. Pág. 18. São Paulo: Saraiva, 1999.

15 BARLETTA, op. cit., p.39

16 GOMES, 1997, p. 11

17 Art.5º, VI da Constituição Federal: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgia".[grifo nosso]

18 MIRANDA, 2000, p.33

19 Pontes de Miranda, define manifestação de vontade, como sendo um ato adeclarativo ou seja aqueles atos sem declaração de vontade. O ato apenas provoca indicio de vontade, a declaração de vontade é silente (Ibidem, p.33).

20 Art.138 do Código Civil Brasileiro. "São anuláveis os negócios jurídicos, quando a declaração de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio."

21 Emílio Bett "apud" BARLETTA, ob. cit., p. 41

22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9ª edição.Pág. 450-1. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

23 BORGES, op. cit., p. 48.

24 WALD, op. cit., p.184

25 BORGES, op. cit., p. 52

26 Tupinambá Miguel Castro do Nascimento "apud" BORGES, ob. cit., p. 64

27 Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002.

28 WALD, op. cit., p. 195

29 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações – 2ª Parte – Volume 5. 30ª edição. Pág. 10, Saraiva, 1998.

30 Lei nº8.078/1990.

31 VENOSA, Sílvio de Salvo. A Boa-fé contratual no novo código civil. Societário. Disponível em: <http://www.societário.com.br/demarest/svboafe.html>. Acesso em 04 de set. 2003.

32 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. Pág.75. São Paulo: RT, 1995.

33 BORGES, op. cit., p.71.

34 Art.150 do C.C.: "Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alega-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização".

Art.883 do C.C.: "Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei."

35 BORGES, op.cit., p. 86

36 Idem, 2002, p. 87

37 Lei nº10.406/2002, "Art 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado".

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível de evitar ou impedir."

38 MONTEIRO, 1999, p. 339.

39 FONSECA, Arnoldo Medeiro da. Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão. 3ª edição.Pág.86. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958.

40 GOMES, op. cit., p. 176.

41 Art.389 do CC. "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado."

42 Ibidem, p.178.

43 MONTEIRO, 1998, p. 23.

44 BORGES, op. cit., p. 706.

45 WALD, op. cit., p. 214.

46 MONTEIRO, 1998, p. 29.

47, WALD, op. cit., p. 219.

48 Lei nº 10.406. de 10 de Janeiro de 2002.

49 Art.422 do Código Civil: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."

50 Art.884 do Código Civil: "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."

51 Redação dada pelo artigo 421do Código Civil.

52FONSECA, 1958, p.19.

53 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Volume 1, 3ª edição. Pág. 103. Saraiva, 1999.

54 GOMES, 2000, p.178.

55 BORGES, 2002, p. 683.

56 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição. Pág.746. Nova Fronteira, 1986.

57BORGES, 2002, p. 309

58 Art. 403 do Código Civil. "Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual."

59 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo Código Civil Anotado – Contratos. Volume III, Tomo I. Pág.105. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003.

60 BARLETTA, op. cit., p. 111.


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MARTINS, Francisco Serrano. A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 327, 30 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5240. Acesso em: 19 abr. 2024.