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O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto

a nova ferramenta de cooperação internacional

O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto: a nova ferramenta de cooperação internacional

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O auxílio direto é um meio de cooperação internacional, que promove meio legal para obtenção transnacional de provas, comunicação de atos processuais, entre outros atos processuais a serem realizados em país diferente daquele que exerce a jurisdição.

I. INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta como eixo central uma reflexão acerca da importância da cooperação internacional no contexto jurídico contemporâneo, do ponto de vista teórico e prático, destacando-se o auxílio direto como instrumento de cooperação jurídica entre ordenamentos distintos, sobretudo, em matéria civil.

O núcleo central que será abordado na presente pesquisa, que sugere um estudo sobre a cooperação jurídica internacional em matéria civil, é chamar a atenção para a importância do auxílio direto como meio legal para obtenção transnacional de provas, para a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações) e, em certas hipóteses, para a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada no juízo brasileiro.

Com a previsibilidade legal do procedimento de auxílio direto, poder-se-á tornar eficiente e ágil o intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou ainda, entre órgãos judiciais e administrativos de Estados distintos.

O que se pretende, portanto, é analisar a hipótese da autoridade judiciária brasileira em procedimento que não demande cumprimento de decisão de autoridade estrangeira, deferir o procedimento de auxílio direto ou assistência direta, a fim de atingir-se uma efetiva integração jurisdicional e administrativa entre Estados soberanos distintos.

E, considerando que o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, “processo é vida”, procura-se impingir ao presente trabalho tal ousadia. Desta forma, é que se pretende abordar o tema para discorrer sobre os seus aspectos jurídicos inerentes e as suas possibilidades de aplicação concreta.


II. ASPECTOS GERAIS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

Em virtude das crescentes relações entre os Estados que se deu por meio da globalização, surge a necessidade de cooperação entre as nações. Isso se deve ao fato de as transformações ocorridas nas sociedades afetarem os ordenamentos jurídicos, os quais são forçados a amoldarem-se às novas realidades. Neste sentido, a cooperação entre os Estados deve ser tida como uma obrigação entre as nações, e não mera faculdade.

A intensificação das relações internacionais no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, segundo Eduardo Felipe P. Matias, deve-se, principalmente, a dois fatores:

“O primeiro relaciona-se com a consciência dos Estados quanto ao fato de que não são autossuficientes, de que o isolamento representa um retrocesso e de que o crescimento está vinculado à cooperação. O segundo fator é a coexistência de múltiplos Estados independentes”1.

Esse contexto fez com que os Estados se deparassem com problemas que não seria possível  resolver sozinhos, ou, pelo menos, resolveriam melhor por meio da cooperação.

Cooperação pressupõe trabalho em conjunto, colaboração. É nesse sentido que toda e qualquer forma de colaboração entre Estados, para a consecução de um objetivo comum, que tenha efeitos jurídicos, denomina-se cooperação jurídica internacional.

Cooperação jurídica internacional, que é a terminologia consagrada, significa, em sentido amplo, o intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário de outro Estado. Tradicionalmente também incluiria nessa matéria o problema da competência internacional. Além disso, hoje há novas possibilidades de uma atuação administrativa do Estado nessa matéria, em modalidades de contato direto entre os entes estatais.

Carolina Yumi de Souza refere-se a cooperação jurídica internacional como:

“[...] um intercâmbio entre estados soberanos, destinando-se à segurança e à estabilidade das relações transnacionais. Tem por premissas fundamentais o respeito à soberania dos Estados e a não-impunidade dos delitos. Em sentido lato, engloba todos os atos públicos (legislativos administrativos e judiciais). [...] compreende os atos judiciais não decisórios, de mera comunicação processual (citação, notificação e intimação) e decisória, além daqueles destinados à instrução probatória.” 

Assim, a cooperação jurídica é instrumento internacional importante, por permitir que os Estados promovam entre si o cumprimento de atos processuais uns nos territórios dos outros, sem a qual os atos processuais a serem realizados em outro Estado não poderiam se dar.


III. O AUXÍLIO DIRETO: O AUXÍLIO DIRETO JUDICIAL E ADMINISTRATIVO

Em 2004, o Ministério da Justiça constituiu Comissão de Especialistas para elaborar um anteprojeto de lei de cooperação jurídica internacional, em matéria cível e criminal, com o fito de promover a disciplina da presente matéria no ordenamento jurídico brasileiro.

A questão mais explosiva desse anteprojeto do Ministério da Justiça está no procedimento denominado "assistência direta" ou "auxílio direto", que possibilita o intercâmbio direto entre autoridades administrativas e judiciais de estados diversos, ou até mesmo entre juízes, sem o rótulo de carta rogatória ou interferência do STJ.

A propósito, a Resolução 09, do STJ, de 04.05.2005, no seu art. 7°, parágrafo único, prevê que:

“Os pedidos de Cooperação Jurídica Internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento do auxílio direto”.

O paradigma que pode ser citado para o "auxílio direto" é o "auxílio judiciário mútuo", previsto na Convenção de Auxílio Judicial Mútuo da União Europeia, cujo art. 3°, I, dispõe que:

“O auxílio mútuo também é concedido em processos instaurados pelas autoridades administrativas para fatos puníveis nos termos do direito do Estado-Membro requerente ou do Estado-Membro requerido, ou de ambos, como infrações a disposições regulamentares e, quando da decisão caiba recurso para um órgão jurisdicional competente, especialmente e, matéria penal”.

No Brasil, a Constituição Federal prevê dois procedimentos de cooperação jurídica internacional em matéria civil que reclama, no território nacional, algum tipo de atuação judicial: a carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira (art. 105, I, “i”). Já na área penal também descreve a extradição como elemento de cooperação processual entre países.

A cooperação que reclama atuação apenas de agente administrativo brasileiro é realizada independentemente de carta rogatória, homologação de sentença estrangeira ou extradição. Tal modalidade de cooperação pode facilmente ser enquadrada no "auxílio direto" previsto no art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ.

O auxílio direto tem por objeto, segundo o Ministério da Justiça:

“O auxílio direto diferencia-se dos demais mecanismos porque nele não há exercício de juízo de delibação pelo Estado requerido. Não existe delibação porque não há ato jurisdicional a ser delibado. Por meio do auxílio direto, o Estado abre mão do poder de dizer o direito sobre determinado objeto de cognição para transferir às autoridades do outro Estado essa tarefa. Não se pede, portanto, que se execute uma decisão sua, mas que se profira ato jurisdicional referente a uma determinada questão de mérito que advém de litígio em curso no seu território, ou mesmo que se obtenha ato administrativo a colaborar com o exercício de sua cognição. Não há, por consequência, o exercício de jurisdição pelos dois Estados, mas apenas pelas autoridades do Estado requerido”.

É, pois, o instrumento por meio do qual a integralidade dos fatos é levada ao conhecimento de judiciário estrangeiro para que profira decisão que ordene ou não a realização das diligências solicitadas. O auxílio direto passivo não enseja a concessão de exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme dispõe o parágrafo único do art. 7º da Resolução STJ n. 9, cabendo ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI, do Ministério da Justiça, as providências junto às autoridades competentes para o seu cumprimento.

Podem ser objeto de auxílio direto a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), a obtenção de provas e, em certas hipóteses, a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada. Tratados específicos trazem algumas medidas específicas que podem ser obtidas por esse mecanismo. É o caso, por exemplo, das decisões de busca, apreensão e retorno de crianças ilicitamente subtraídas do convívio de um dos pais, nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000).

Ao contrário do que ocorre nos mecanismos tradicionais de cooperação, onde o pedido de cooperação enseja apenas um procedimento, o auxílio direto origina obrigatoriamente dois procedimentos. O primeiro deles nasce com o pedido de cooperação lavrado pela autoridade requerente e, após análise e seguimento pelas autoridades competentes, chega às autoridades do país requerido para formar o procedimento internacional do auxílio direto. Em busca do atendimento do pedido, devem tais autoridades buscar o início do procedimento pertinente, que pode ser judicial ou administrativo. Este segundo é um procedimento nacional, portanto. Assim é que o auxílio direto, na verdade, forma-se a partir da junção de dois procedimentos específicos e separados: o procedimento internacional, também chamado genericamente de pedido de cooperação ou pedido de auxílio jurídico (este último especialmente no auxílio direto em matéria penal) e o procedimento nacional. O procedimento nacional, por sua vez, pode ser um processo administrativo, um incidente processual judicial específico, como os pedidos do Ministério Público Federal para a obtenção de quebras de sigilo bancário no Brasil ou uma ação judicial, a exemplo do que ocorre com as ações de busca, apreensão e retorno movidas pela União nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.

Dessa maneira, o procedimento de auxílio direto permitiria uma classificação. O auxílio direto que envolvesse a atuação de juiz nacional, como, por exemplo, para atos de comunicação processual ou atos de natureza probatória, poderia ser denominado “auxílio direto judicial”; já o auxílio direto que envolvesse a atuação de órgão da Administração Pública, a exemplo de investigações conjuntas do Ministério Público ou de autoridades policiais, poderia ser denominado de “auxílio direto administrativo”. Portanto, as últimas considerações são as seguintes: o auxílio direto, no Direito brasileiro, é o procedimento destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de Estados diversos, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, sempre que reclamar de autoridades nacionais atos sem conteúdo jurisdicional.

O auxílio direto judicial, de competência de juízes de 1ª instância, é o procedimento de jurisdição voluntária destinado ao intercâmbio direto entre juízes, sempre que reclamar de juízes nacionais, atos sem conteúdo jurisdicional.

O auxílio direto administrativo é o procedimento administrativo destinado ao intercâmbio direto entre órgãos da Administração Pública, ou entre juízes estrangeiros e agentes administrativos nacionais, sempre que reclamar atos administrativos de agentes públicos nacionais.

O julgamento do auxílio direto judicial no Brasil é entregue aos juízes federais de 1ª instância, nos termos do artigo 109 da CF, seja porque figuram como parte o Ministério Público Federal ou a União, seja porque a medida busca cumprir tratado do qual o Brasil é parte.

À luz das regras constitucionais vigentes e, ainda, de princípios do Direito Internacional Privado, nada impede que apenas a cooperação que reclame jurisdição nacional seja alvo de reconhecimento perante o STJ.

Sobre as outras modalidades de cooperação, que dependem de atos judiciais sem conteúdo decisório, tais como os atos judiciais de comunicação ou de natureza probatória, ou ainda os atos administrativos, não reclamam, necessariamente, o procedimento da carta rogatória ou da homologação de sentença estrangeira.

Nesse ponto, merece aplausos o art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ, que, embora sem força de lei, é forte indicativo de posicionamento jurisprudencial que se avizinha quanto à cooperação direta de atos judiciais sem conteúdo decisório ou de atos administrativos.

Entretanto, tanto a jurisdição executiva quanto a jurisdição de urgência, decorrentes ou no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, deveriam ser postuladas perante o juízo nacional que fosse competente para a matéria, segundo a legislação processual interna.

Por outro lado, felizmente o texto do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC no Senado (PLS 166/2010) – cuja comissão de juristas que o elaborou, foi presidida pelo Ministro Luiz Fux do Superior Tribunal de Justiça, trouxe em Capítulo II (Da Cooperação Internacional), especificamente no artigo 27, a hipótese da autoridade judiciária brasileira deferir o procedimento de auxílio direto.

O texto em questão está no novo código de processo civil, que em sua publicação, trouxe em seu artigo 28 do Capítulo II, o seguinte enunciado:

Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto:

I - citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;

II - colheita de provas e obtenção de informações;

III - homologação e cumprimento de decisão;

IV - concessão de medida judicial de urgência;

V - assistência jurídica internacional;

VI - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Portanto, por conta da necessidade de estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras, a promoção da Cooperação Jurídica Internacional passou a ser prática imprescindível aos Estados soberanos que buscam credibilidade no contexto internacional em matéria civil, via procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.

Ainda observou-se que a cooperação judicial precisa acompanhar a crescente internacionalização das relações econômicas e sociais, e desenvolver mecanismos que permitam o máximo de agilidade no trâmite internacional das referidas medidas. A necessidade de uma providência internacional no curso de um processo judicial não pode ser prejudicada em sua viabilidade pelo elevado custo ou tempo de duração.


IV. SUBMISSÃO DE MEDIDAS CAUTELARES NO JUÍZO BRASILEIRO, OBTENÇÃO TRANSNACIONAL DE PROVAS E O AUXÍLIO DIRETO

Valendo-nos da clássica distinção entre os conceitos, será cabível a concessão de tutela cautelar, quando comprovado, além de fumus boni iuris, o risco à efetividade do processo, não havendo, assim, satisfação do direito material que se pretenda tutelar. A tutela antecipada, por seu turno, será cabível quando estiver em risco de perecimento o próprio direito material alegado pelo autor. Trata-se, pois, de tutela satisfativa, através da qual serão antecipados os efeitos de futura sentença de procedência do mérito.

A partir de 1994, nosso sistema passou a conviver com dois regimes distintos: de um lado, o da tutela cautelar (com os requisitos clássicos do fumus boni juris e do periculum in mora) e, de outro, o da tutela antecipada (baseada na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano ou no abuso do direito de defesa). Embora positiva, a mudança trouxe consigo dificuldades de distinção. Não raro, pleiteava-se tutela cautelar quando na verdade o que se pretendia era a satisfação imediata do direito e vice-versa. E, costumeiramente, essa incerteza levava ao indeferimento da medida.

Passados vinte anos, o novo CPC adota um sistema muito mais simples. Ele unifica o regime, estabelecendo os mesmos requisitos para a concessão da tutela cautelar e da tutela satisfativa (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo). Ou seja, ainda que permaneça a distinção entre as tutelas, na prática os pressupostos serão iguais. Com efeito, o parágrafo único do art. 294 deixa claro que a tutela de urgência é gênero, o qual inclui as duas espécies (tutela cautelar e tutela antecipada). Já o art. 300 estabelece as mesmas exigências para autorizar a concessão de ambas.

Mas não é só. Além de um regime jurídico único, outra grande vantagem é a dispensa de um processo cautelar autônomo. Com efeito, a Lei nº 13.105 de 2015 permite que as medidas provisórias sejam pleiteadas e deferidas nos autos da ação principal. A regra é clara: após a antecipação ou a liminar cautelar, o autor terá prazo para juntar novos documentos e formular o pedido de tutela definitiva. Ainda que os prazos sejam distintos (15 dias na antecipação e 30 dias na cautelar) em ambas as hipóteses o pedido principal será formulado nos mesmos autos, sem necessidade de um novo processo ou do pagamento de novas custas processuais.

Após essas ligeiras noções com as medidas cautelares, é necessário saber qual o procedimento utilizado na obtenção transnacional de prova, ou seja, quando um Estado solicita a outro que obtenha ou produza determinada prova é necessário estabelecer observar-se-á o procedimento do Estado requerente ou do Estado requerido.

Em regra, os procedimentos atinentes à obtenção de prova, bem como os meios adequados para essa busca, são regidos pelo ordenamento jurídico do Estado requerido. Mas o Estado requerente pode solicitar ao Estado requerido que utilize um procedimento especial, previsto no ordenamento daquele para a obtenção da desejada prova.

O Estado requerido, por sua vez, somente pode obstar tal requisição se o procedimento for completamente incompatível com seu ordenamento jurídico, ou por expressa proibição, ou violação da ordem pública; ou, então, por barreiras intransponíveis de ordem prática.

Aspecto questionado e não tratado pelos diplomas internacionais e comunitários é a obtenção de prova pelo Estado requerido por meio que seja ilícito no Estado requerente. Nesse caso, a boa prática demanda que o Estado requerente determine na comunicação (carta rogatória, ou outro instrumento lícito de comunicação judicial) que o Estado requerido não utilize o meio de prova considerado ilícito, como forma de preservar a validade da prova que se deseja.

Nos procedimentos acerca da obtenção de provas no Brasil, distinguem-se duas situações. A primeira, como visto, é a forma tradicional, pela qual o pedido é formulado pela via da rogatória. A segunda alude à possibilidade de que solicitações de cooperação, que não ensejem juízo de delibação, sejam encaminhadas pela via do auxílio direto. Pretende-se que, nos casos em que a autoridade estrangeira deseja informações sobre o andamento de processos no Brasil que não esteja sob segredo de justiça, não haja necessidade de se adotar a via da carta rogatória. Esta tampouco será exigida quando a solicitação de prova a ser produzida no Brasil demandar somente a cognição do juiz brasileiro, desde que não se trate de conferir eficácia a ordem emanada de juízo estrangeiro.

Assim, o auxílio direto serve para atos de cooperação que prescindam do exequatur do Superior Tribunal de Justiça, para os quais os juízes nacionais passam a ter inteira liberdade de apreciação e decisão. O instituto difere da carta rogatória porque nesta, a medida decorre de decisão da autoridade judicial estrangeira, tomada em processo do qual o juiz nacional não tem conhecimento ou, tampouco, qualquer poder além de conceder ou negar o cumprimento daquilo que lhe foi rogado.

Nas palavras do novo CPC:

Art. 30. Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:

I - obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso;

II - colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;

III - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Então, se algum advogado de outro País, como o Sudão, tiver que citar alguma pessoa no Brasil, ele poderá fugir do procedimento de delibação do STJ, e por meio do auxílio direto solicitar que o Brasil, sob sua própria jurisdição e suas regras, ordene a citação daquela determinada pessoa.

A diferença é fundamental, se a citação fosse por meio do procedimento da carta rogatória, o cumprimento da citação se daria por meio das regras que um juiz do Sudão estabeleceu, de forma que teria que passar pelo crivo do STJ. Agora, se for por meio do pedido de auxílio direto, o Sudão abre mão do poder de dizer o direito (Jurisdição) para que o Brasil diga o direito no caso concreto, de maneira que o STJ não precisa avaliar nada, visto que será o próprio Estado brasileiro que exercerá a Jurisdição.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face a necessidade de estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras, a promoção da Cooperação Jurídica Internacional passou a ser prática imprescindível aos Estados soberanos que buscam credibilidade no contexto internacional.

Nesta perspectiva, a presente pesquisa propôs-se a identificar e avaliar a postura das autoridades judiciárias brasileiras frente ao fenômeno da Cooperação Jurídica Internacional, bem como considerar se pode um juízo nacional ser provocado no interesse de estado estrangeiro em cooperação jurídica internacional em matéria civil, via procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.

O denominado "auxílio direto" ou "assistência direta" é o destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de Estados diversos, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, sempre que reclamar de autoridades nacionais atos sem conteúdo jurisdicional e sem o rótulo de carta rogatória ou interferência do STJ. Assim, no art. 28 daquele ordenamento jurídico é possível se ler que “cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil.”

Percebeu-se que podem ser objeto de auxílio direto a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), a obtenção de provas e, em certas hipóteses, a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada.

Semelhantemente, a coleta da prova transnacional que não decorrer de cumprimento de decisão do Estado de origem, pode se fazer diretamente pela autoridade judiciária brasileira, podendo ser colhida por autoridade administrativa.

O auxílio direto que envolvesse a atuação de juiz nacional poderia ser denominado de “auxílio direto judicial”; já o auxílio direto que envolvesse a atuação de órgão da Administração Pública poderia ser denominado de “auxílio direto administrativo”.

Em linhas conclusivas, entendemos que o auxílio direto é o caminho para evitar o colapso da máquina judiciária brasileira e para que o STJ possa cumprir efetivamente o seu dever institucional de, com presteza e celeridade, dar resposta efetiva aos pedidos de Cooperação Jurídica Internacional.

Neste aspecto, à luz da Constituição Federal, poderá um juízo nacional, que não seja o STJ ou mesmo uma autoridade administrativa, em procedimento que não demande cumprimento de decisão de autoridade estrangeira, ser provocado no interesse de estado estrangeiro em Cooperação Jurídica Internacional em matéria civil, via o procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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JÚNIOR, Márcio Mateus Barbosa. O novo Código de Processo Civil e o Auxílio Direto: Contexto do Direito Brasileiro Contemporâneo. Disponível na Internet: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9943#_ftn10> Acesso em 13/05/2016.

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MATIAS, Eduardo Felipe. A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 206. 2005.

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SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação jurídica internacional em matéria penal: considerações práticas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.71 - maio-junho, São Paulo: RT, 2008, p. 300.


Notas

1 MATIAS, Eduardo Felipe. A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global. Rio de Janeiro: Paz e Terra,2005. p. 206.

2 SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação jurídica internacional em matéria penal: considerações práticas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.71 - maio-junho, São Paulo: RT, 2008, p. 300.

3 JÚNIOR, Márcio Mateus Barbosa. O novo Código de Processo Civil e o Auxílio Direto: Contexto do Direito Brasileiro Contemporâneo. Disponível na Internet: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9943#_ftn10> Acesso em 13/05/2016


Autores

  • Walter Gustavo Lemos

    Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO.

    Textos publicados pelo autor

  • Vivilene Garcia

    Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica Rondônia. Autora de artigo na revista do fórum amazônico de direito processual, mês 08/2016, artigo no primeiro congresso rondoniense de carreiras jurídicas mês 11/2016 e artigo no site jusbrasil.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Walter Gustavo; GARCIA, Vivilene. O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto: a nova ferramenta de cooperação internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4920, 20 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54588. Acesso em: 3 maio 2024.