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Relação de causalidade no Direito Penal.

Teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e da imputação objetiva sem mistérios

Relação de causalidade no Direito Penal. Teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e da imputação objetiva sem mistérios

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Sumário: I – Introdução; II - As teorias da relação de causalidade no direito penal; III - A teoria adotada pelo Código Penal; IV - Verificação das condutas que causaram o resultado e das que serão alvo de responsabilização penal, conforme a teoria adotada pelo CP (equivalência das condições); V – Crimes a que se aplica o art. 13 caput; VI - Neutralização do regresso ao infinito pelo exame do elemento subjetivo da conduta; e VII – Conclusão.


I - Introdução.

Nexo causal é o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido; examinar o nexo de causalidade é descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém causou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado gerado, isto é, verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado. Trata-se de pressuposto inafastável tanto na seara cível (art. 186 CC) como na penal (art. 13 CP).


II - As teorias da relação de causalidade no direito penal.

No campo penal, a doutrina aponta, essencialmente, três teorias a respeito da relação de causalidade, a saber:

a) da equivalência das condições ou equivalência dos antecedente ou conditio sine que non, segundo a qual quaisquer das condutas que compõem a totalidade dos antecedentes é causa do resultado, como, por exemplo, a venda lícita da arma pelo comerciante que não tinha idéia do propósito homicida do criminoso do comprador. Essa teoria costuma ser lembrada pela frase a causa da causa também é causa do que foi causado. Contudo, recebe críticas por permitir o regresso ao infinito já que, em última análise, até mesmo o inventor da arma seria causador do evento, visto que, se arma não existisse, tiros não haveria;

b) da causalidade adequada, que considera causa do evento apenas a ação ou omissão do agente apta e idônea a gerar o resultado. Segundo o que dispõe essa corrente, a venda lícita da arma pelo comerciante não é considerada causa do resultado morte que o comprador produzir, pois vender licitamente a arma, por si só, não é conduta suficiente a gerar a morte. Ainda é preciso que alguém que efetue os disparos que causarão a morte. É censurada por misturar causalidade com culpabilidade;

c) da imputação objetiva, pela qual, para que uma conduta seja considerada causa do resultado é preciso que: 1) o agente tenha, com sua ação ou omissão, criado, realmente, um risco não tolerado nem permitido ao bem jurídico; ou 2) que o resultado não fosse ocorrer de qualquer forma, ou; 3) que a vítima não tenha contribuído com sua atitude irresponsável ou dado seu consentimento para o ocorrência do resultado.

Note-se que são alternativas – e não cumulativas – as 3 hipóteses citadas, de modo que a presença de qualquer uma delas faz com que a conduta do agente fique fora da relação de causalidade, isto é, não será reputada causa do resultado. Assim, mesmo que o agente não tenha criado um risco não tolerado nem permitido ao bem jurídico e a vítima não tenha se comportado de forma irresponsável de modo a contribuir para o resultado, se este resultado fosse ocorrer de qualquer forma, a conduta do agente não será considerada causa.

Essa teoria, que veio com a missão de sanar as falhas das outras duas, foi assim batizada porque pretende promover um juízo de tipicidade desvinculado do elemento subjetivo, isto é, afasta a responsabilidade penal antes de se ingressar na análise do dolo ou culpa; não porque visa a responsabilizar alguém objetivamente, como se poderia penssar, visto que não se admite responsabilização objetiva em nosso direito penal (exceto das pessoas jurídicas nos crimes ambientais CF 225, § 3 º).

É criticada porque, embora se intitule autônoma, vale-se da teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non), bem como porque reduz em demasia a cadeia do nexo causal. Portanto, no mesmo exemplo da arma, como a simples venda não criou um risco não tolerado nem permitido ao bem jurídico vida tutelado no art. 121 do CP, a conduta do vendedor não pode ser considerada causa do homicídio praticado pelo comprador.

Pegue-se outro exemplo, apenas para melhor elucidar o alcance dessa teoria: Caio vai apostar corrida de carro desautorizada em via pública com Tício. Mévio, sabedor do risco da disputa, aceita ser carona de Caio durante a disputa. Caio bate o carro e sobrevive, mas Mévio vem a falecer. De acordo com a teoria da imputação objetiva, a conduta de Caio não será considerada causa da morte de Mévio porque este, com sua atitude irresponsável – aceitar ser carona de Caio –, consentiu e contribuiu para sua morte. E, se a conduta de Caio não está na cadeia do nexo causal, por óbvio, não incidirá qualquer responsabilidade penal sobre ele.


III - A teoria adotada pelo Código Penal.

Uma vez verificadas as teorias, passa-se à análise da forma como o CP trata a relação de causalidade, em seu art. 13, verbis:

"O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido."

Ao dispor que causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, nota-se que Código adotou a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non. Nossa jurisprudência é pacífica nesse sentido. Confiram-se, nesse sentido, recentes acórdãos do E. Superior Tribunal de Justiça, verbis:

"PENAL - RELAÇÃO DE CAUSALIDADE - RESULTADO DELITUOSO – ELEMENTO SUBJETIVO – EXISTÊNCIA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE.

- O Código Penal, ao adotar a conditio sine qua non (Teoria dos antecedentes causais) para a aferição entre o comportamento do agente e o resultado, o fez limitando sua amplitude pelo exame do elemento subjetivo (somente assume relevo a causalidade dirigida pela manifestação da vontade do agente - culposa ou dolosamente). - Dentro da ação, a relação causal estabelece o vínculo entre o comportamento em sentido estrito e o resultado. Ela permite concluir se o fazer ou não fazer do agente foi ou não o que ocasionou a ocorrência típica, e este é o problema inicial de toda investigação que tenha por fim incluir o agente no acontecer punível e fixar a sua responsabilidade penal.

- Observando-se sob esse prisma, decorre a relação, ainda que tênue, de causalidade entre o comportamento da empresa, através de seu responsável e o resultado morte da vítima.

- Recurso desprovido." RHC 11685 / RS;

"RECURSO ESPECIAL. NEXO DE CAUSALIDADE. VALORAÇÃO ADEQUADA DA PROVA. POSSIBILIDADE.

Configurada a alegada contrariedade ao art. 13, do Código Penal, cabível, o apelo especial com base na alínea "a", do permissivo constitucional. A hipótese dos autos cuida não de reexame de provas, mas sim de valorar a existência de nexo de causalidade entre a conduta do acusado e o evento delituoso (art. 13, do CP). Sendo incerta a relação de causalidade entre a conduta do recorrente e o furto do qual foi condenado, não pode ele ser responsabilizado por crime, porque inadmissível no direito penal a culpa presumida ou a responsabilidade objetiva." (RESP 224709 / MG). (Obs: recomenda-se leitura do inteiro teor deste julgado pois é no corpo do voto que o Min. Relator José Arnaldo da Fonseca, acolhendo o parecer do Ministério Público, afirma que a teoria da equivalência das condições foi a adotada pelo CP.)

Na doutrina, por todos, destacamos a precisa lição de Magalhães Noronha, para quem:

"Dentre as teorias que maior prestígio desfrutam, salienta-se a abraçada por nosso estatuto, no art. 13: a da equivalência dos antecedentes, ou da conditio sine qua non... Consoante ela, tudo quanto concorre para o resultado é causa. Não se distingue entre causa e condição, causa e ocasião, causa e concausa. Todas as forças concorrentes para o evento, no caso concreto, apreciadas, quer isolada, quer conjuntamente, equivalem-se na causalidade. Nem uma só delas pode ser abstraída, pois, de certo modo, se teria de concluir que o resultado, na sua fenomenalidade concreta, não teria ocorrido. Formam uma unidade infragmentável. Relacionadas ao evento, tal como este ocorreu, foram todas igualmente necessárias, ainda que qualquer uma, sem o auxílio das outras, não tivesse sido suficiente. A ação ou a omissão, como cada uma das outras causas concorrentes, é condição sine qua non do resultado. O nexo causal entre a ação (em sentido amplo) e o evento não é interrompido pela interferência cooperante de outras causas. Assim, no homicídio, o nexo causal entre a conduta do delinqüente e o resultado, morte, não deixa de subsistir, ainda quando para tal resultado haja contribuído, por exemplo, a particular condição fisiológica da vítima ou a falta de tratamento adequado.

Em conseqüência desse princípio, as concausas não têm mais o efeito de que gozavam na lei anterior, onde as condições personalíssimas do ofendido e a não-observância do regime médico reclamado pelo estado da vítima (Consolidação das Leis Penais, art. 295, §§ 1.º e 2.º) desclassificavam o crime de morte. Diante do nosso Código, o homicídio não deixa de ser tal, ainda que para o exício concorram outras causas, como, v. g., se o golpe é dado em um hemofílico ou em um diabético, ou se o ofendido não tiver seguido, ainda que voluntariamente, as observações médicas impostas por seu estado. Todas são causas concorrentes para o resultado e não se há de excluir a devida ao agente." (Direito Penal, vol 1., pág. 117/118, Saraiva, 31ª Ed.)


IV- Verificação das condutas que causaram o resultado e das que serão alvo de responsabilização penal, conforme a teoria adotada pelo CP (equivalência das condições).

Ensina a doutrina de Thyren que para se aferir se determinada conduta é causa ou não de um resultado, deve-se fazer o juízo hipotético de eliminação, que consiste na supressão mental de determinada ação ou omissão dentro de toda a cadeia de condutas presentes no contexto do crime. Se, eliminada, o resultado desaparecer, pode-se afirmar que aquela conduta é causa. Caso contrário, ou seja, se a despeito de suprimida, o resultado ainda assim existir, não será considerada conduta.

Exemplifica-se: Tício e Caio estão acomodados a uma mesa do restaurante, quando Mévio, inimigo mortal de Tício, senta-se à mesa ao lado. Caio levanta-se e vai ao toalete; Tício, em seguida, desfecha tiros em Mévio, matando-o. A conduta de Tício é causa do resultado porque sem os tiros não teria havido morte; a de Caio, porém, não, visto que o resultado morte teria ocorrido ainda que não tivesse ido ao toalete.

Atente-se para o fato de que ser causa do resultado não é bastante para ensejar a responsabilização penal. É preciso, ainda, verificar se a conduta do agente considerada causa do resultado foi praticada mediante dolo ou culpa, pois nosso Direito Penal não se coaduna com a responsabilidade objetiva, isto é, aquela que se contenta com a demonstração do nexo de causalidade, sem levar em conta o elemento subjetivo da conduta, como temos no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, dizer que alguém causou o resultado não basta para ensejar a responsabilidade penal. É mister ainda que esteja presente o elemento subjetivo (dolo ou culpa) nessa conduta que foi causa do evento.

Assim, afigura-se mero ponto de partida, pressuposto inafastável da responsabilização penal, concluir que determinada conduta é causa da infração penal, sendo o ponto de chegada a verificação da incidência do elemento subjetivo sobre todas as condutas que foram consideradas causas da infração penal. Vale dizer, somente serão punidas as causas sobre as quais incidir dolo ou culpa de seu agente, ficando as demais livres de qualquer sanção penal, sob pena de se adotar a responsabilidade objetiva, só admitida na responsabilização das pessoas jurídicas nos crimes ambientais.

Observa-se, destarte, que a análise da responsabilidade penal dos crimes passa por duas etapas sucessivas: primeiro, estabelece-se a cadeia de condutas sem as quais o resultado não teria ocorrido; em seguida, verifica-se a incidência do elemento subjetivo sobre cada uma delas, ficando sujeitas à responsabilização penal apenas as causas praticadas mediante dolo ou culpa.

No exemplo da arma, o vendedor, que desconhecia e não aderiu ao propósito criminoso do comprador, não será punido penalmente, a despeito de sua conduta ter sido causa, já que sem arma não teria havido tiros e, conseguintemente, morte.

Assim, a conduta de Caio, no exemplo supracitado do racha do qual resultou a morte de Mévio, seria considerada causa do evento e, como agiu com dolo eventual, segundo entendimento da jurisprudência majoritária, seria punido por homicídio doloso, o que parece ser mais justo, uma vez que o Direito Penal não pode deixar desprotegido – como quer a teoria da imputação objetiva neste caso – o menos esperto que foi incapaz de recusar carona daquele que ia tirar um racha.

Pela teoria da imputação objetiva, porém, a vítima Mévio foi irresponsável, contribuiu para o resultado e consentiu com ocorrência deste, o que afasta a conduta de Caio do nexo causal e, conseqüentemente, da responsabilidade penal. Significa, em última análise e neste caso, trazer para o direito penal o princípio antigo de direito civil segundo o qual ninguém pode se valer da própria torpeza.


V – Crimes a que se aplica o art. 13 caput.

O art. 13 caput aplica-se, exclusivamente, aos crimes materiais porque, ao dizer "o resultado, de que depende a existência do crime", refere-se ao resultado naturalístico da infração penal (aquele que é perceptível aos sentidos do homem e não apenas ao mundo jurídico), e a única modalidade de crime que depende da ocorrência do resultado naturalístico para se consumar (existir) é o material, como, v.g., o homicídio (121 CP), em que a morte da vítima é o resultado naturalístico.

Aos crimes formais (ex. concussão - 316 CP) e os de mera conduta (ex. violação de domicílio - 150 CP), o art. 13 caput não tem incidência, pois prescindem da ocorrência do resultado naturalístico para existirem. Assim, é inviável, ou até mesmo impossível em alguns casos, a formação de uma cadeia de nexo causal a fim de se estabelecer a relação de causalidade. Nesses delitos, cabe apenas a análise da conduta do agente, que, aliada à presença do elemento subjetivo, é suficiente para que se atinjam a consumação, ou melhor, existam. Por exemplo: na concussão, basta o exigir, sendo irrelevante a obtenção ou não da vantagem indevida por parte do funcionário público; na violação de domicílio, o entrar na casa alheia.


VI - Neutralização do regresso ao infinito pelo exame do elemento subjetivo da conduta.

O exame da presença do elemento subjetivo (dolo ou culpa) sobre cada uma das condutas que causaram o resultado neutraliza o regresso ao infinito, pois as desacompanhadas de dolo ou culpa não são punidas penalmente, como a do vendedor que aliena a arma ao assassino sem saber nem aderir ao propósito deste.


VII - Conclusão.

Do exposto, depreende-se que:

1. dentre as três teorias indicadas pela doutrina, o CP adotou a da equivalência das condições (conditio sine que non), no que tem sido seguido pela jurisprudência, como, recentemente, proclamou o E. Superior Tribunal de Justiça, no RHC 11685/RS e no RESP 224709/MG.

2. a teoria da causalidade adequada, por exigir que só seja causa a conduta apta e idônea a causar o resultado típico, termina por misturar causalidade com culpabilidade, visto que obriga o magistrado a fazer precipitado juízo de culpabilidade para descobrir o que era apto e idôneo para gerar o resultado ainda na fase da relação da causalidade, tornando-se confusa, logo insegura;

3. a teoria da imputação objetiva, que reduz sobremaneira a cadeia do nexo causal, além de não ter sido adotada por nosso Código Penal, ainda não se encontra total e seguramente construída, haja vista a falta de consenso entre seus próprios defensores, recebendo, por isso, a conotação de arbitrária por alguns. Sua aplicação é muito tímida pelos Tribunais, não se encontrando nenhum julgado no E. Superior Tribunal de Justiça nem no Supremo Tribunal Federal que a tenha agasalhado. Não deve, por enquanto, ser utilizada;

4. o art. 13 caput do CP só se aplica aos delitos materiais porque os formais e de mera conduta prescindem de resultado naturalístico para existir;

5. pela teoria da conditio sine qua non, adotada pelo CP, para se descobrir se determinada conduta é causa do resultado, deve-se realizar o juízo hipotético de eliminação de Thyren;

6. afirmar que uma conduta é causa do crime não é bastante para ensejar responsabilidade penal, sendo mister, para tanto, que todas as condutas consideradas "causa" do resultado típico tenham sido realizadas mediante dolo ou culpa, o que demonstra que a responsabilidade penal é subjetiva e, nos crimes materiais, é analisada em duas etapas distintas e sucessivas: primeiro a da verificação das condutas que foram causa do resultado; segundo, a do exame do elemento subjetivo em cada uma dessas condutas.

7. de tudo o que se afirmou, respeitadas as respeitosas e ilustres opiniões contrárias, mostra-se mais acertada, a despeito do aludido regresso ao infinito, a aplicação da teoria da equivalência das condições, também chamada de teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine que non. Primeiro porque foi a adotada pelo CP; segundo, pela maior segurança jurídica que oferece ao cidadão, em absoluta obediência aos ditames de um Estado Democrático de Direito (CF art. 1º).


Bibliografia:

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, vol. 1. SARAIVA, 31ª Ed.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. RT, 4ª Ed.

DELMANTO, Celso e Roberto. Código Penal Comentado, RENOVAR, 5ª Ed.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARZAGÃO, Gustavo Henrique Bretas. Relação de causalidade no Direito Penal. Teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e da imputação objetiva sem mistérios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 395, 6 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5539. Acesso em: 19 abr. 2024.