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A situação jurídica do filho adotivo no homicídio funcional: legalidade versus igualdade

A situação jurídica do filho adotivo no homicídio funcional: legalidade versus igualdade

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O legislador teria cometido um equívoco ao não incluir na norma penal o parentesco civil, fazendo figurar como sujeito passivo do homicídio funcional apenas o parente consanguíneo?

Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar as questões jurídicas envolvendo o filho adotivo, considerando a nova qualificadora do artigo 121, § 2º, inciso VII, do Código Penal, diante da necessidade de interpretar o dispositivo legal sob dois focos, o do princípio da legalidade que rege o direito penal, e o princípio da igualdade, em razão da vedação de não distinção do filho adotivo imposto pela Constituição Federal. O intuito, portanto, é listar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, em especial quanto a possibilidade de o filho adotivo poder ser reconhecido como sujeito passivo do crime de homicídio, se reconhecida a listada qualificadora, diante dos presentes entendimentos sobre o tema quanto a legalidade da norma penal, a qual não incluiu os mencionados filhos na figura legal, discordando, portanto, dos entendimentos que, com base no princípio da igualdade, consideram os filhos adotivos como sujeito passivo do crime. Evidente que além da referida discussão é pretensão listar peculiaridades da referida qualificadora, considerando os inúmeros crimes da natureza ora mencionada que são praticados na sociedade. Assim, o presente texto científico tem cunho penal e constitucional, não sendo pretensão esgotar o tema, mas confrontar os princípios antes listados, diante da precisão que deve apresentar a norma penal, sem brechas, sendo um tipo fechado.

PALAVRAS-CHAVE: Homicídio Funcional. Filho adotivo, Princípio da Legalidade. Princípio da Igualdade.


1. INTRODUÇÃO

Uma das primeiras observações que são feitas no início do ano letivo de uma turma de primeiro ano de direito é sobre a importância dos princípios, para os quais, por desconhecimento, não se dá tanta importância, o que de fato vem a ser constatado como verdade após alguns anos de estudo e de prática.

Muitas questões do direito, a maioria na verdade, se resolve com base em princípios jurídicos, sejam constitucionais, gerais, penais, administrativos, entre outros, a exemplo do da dignidade da pessoa humana que é precedente de inúmeras decisões judiciais.

E nesse sentido dois princípios são focos centrais da pesquisa ora efetivada, o da legalidade e o da igualdade, grafados não só na Constituição Federal, mas nas leis infraconstitucionais, a exemplo da legalidade, previsto no Código Penal, onde elenca que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Os princípios da legalidade e da igualdade ganham destaque no estudo ora efetivado, pela necessidade de investigação científica acerca dos sujeitos passivos do crime de homicídio, desde que reconhecida a qualificadora prevista no § 2º, inciso VII, do artigo 121 do Código Penal, mais chamado de homicídio funcional, justificando, assim, o tema escolhido para pesquisa.

Há tempos se aprendeu que a norma penal precisa ser exata, reta, não comportando alargamentos. E nesse contexto é que o citado dispositivo abre precedente para estudo, com base no princípio da igualdade entre os filhos previstos na Constituição Federal, considerando que a norma penal listou expressamente que o homicídio funcional pode ser reconhecido se praticado o crime contra “seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição”.

Ou seja, a norma penal reconheceu como possíveis vítimas do crime somente os parentes consanguíneos. Teria as questões de afetividade a serem analisadas, se observado que um enteado pode receber o nome familiar do convivente do genitor ou genitora daquele, mas, para o caso em estudo, por ora, se atentará, somente, para as questões do filho adotivo, crentes que, em eventual reconhecimento do filho adotivo como sujeito passivo do crime, a interpretação da norma poderá, quiçá, se estender aos demais casos.

Portanto, esta é a pretensão da pesquisa, tendo como base a investigação literária e documental, tentando reconhecer os melhores entendimentos doutrinários sobre o tema, para apresentar a melhor resposta ao problema de pesquisa criado acerca do que prepondera no caso, a legalidade do direito penal, ou a igualdade prevista da Constituição Federal para um eventual caso concreto, além, evidente, de listar as especificidades do tema, e a importância dos princípios para o direito.

Nesse sentido, primeiramente se discorrerá sobre os princípios, para depois passar a especificar o homicídio funcional e, por fim, levantar os entendimentos doutrinários sobre a possibilidade do filho adotivo poder ser reconhecido, ou não, como vítima do crime de homicídio, com o reconhecimento da qualificadora do homicídio funcional.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A intenção do tópico é demonstrar a função que exerce os princípios para o direito, quais são usados diariamente pelos operadores do direito, seja para deduzir os pedidos em Juízo, ou mesmo para fundamentar decisões judiciais.

Para o direito penal, em especial, serve como delimitador do poder e norte, garantia dos direitos constitucionais previstos na Lei Maior frente ao poder punitivo do Estado, tendo a maioria como fundamento a dignidade da pessoa humana, considerando o Estado Democrático de Direito que se vive, sendo que justamente este princípio reconhece o cidadão como “sujeito autônomo, capaz de autodeterminação e passível de ser responsabilizado pelos seus próprios atos” (BITENCOURT, 2014, p. 49).

Assim, os princípios constitucionais penais orientam o legislador em prol do correto uso dos sistemas de controle penal, recordando as ideias de igualdade e liberdade previstos, também, na Lei Maior e no Direito Penal (BITENCOURT, 2014).

A origem da palavra significa o começo, início, todavia, para fins jurídicos, os princípios visam alicerçar, garantir uma estrutura, visando a aplicabilidade, sendo que só tema em si geraria a produção de um ensaio científico, se observado as palavras de alguns estudiosos:

Tércio Sampaio de Ferraz Júnior diz que os princípios compõem a estrutura do sistema e não o seu repertório; Unger diz que são meros expedientes para liberação das passagens legais que não mais atendem à opinião dominante; Hoffman diz que são permissões para livre criação do Direito, por parte do magistrado; Serpa Lopes define-os como simples fontes interpretativas e integrativas de normas legais, sem qualquer força criadora; os racionalistas compactuam com o pensamento esposado na Antigüidade, definindo os princípios como fonte de direito natural, corrente esta sustentada por Del Vecchio, Espínola, Zeiller, idéia esta também aceita pela codificação civil espanhola e austríaca, onde respectivamente, nos artigos 6º e 7º, encontra-se a prescrição dos princípios gerais do Direito, como direito natural (GABRIEL, 2007, p. 06).

Gabriel (2007) salienta, assim, que os princípios permitem a correta interpretação de todas as questões jurídicas, não sendo fácil defini-los, embora todos estejam cientes da relevância e importância destes para todo o sistema jurídico.

Nunes (2004, p. 163) os destaca como um “elemento harmonizador, integrador e de mecanismo de garantia de eficácia da norma jurídica”, enquanto que Mello (1991, p. 300) salienta que “a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”, querendo dizer que é uma ilegalidade não se atentar aos princípios presentes no sistema jurídico de um Estado.

Venosa (2004, p. 162) já apresenta entendimento acerca do fato do princípio cumprir função meramente normativa, nos termos que segue: “por meio dos princípios, o intérprete investiga o pensamento mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação geral do pensamento jurídico”.

Aponta, também, a importância do princípio como fonte material do direito, como inspiração para a atividade legislativa (VENOSA, 2004).

Já Diniz (2003, p. 456) esclarece:

[…] eles suprem a deficiência da ordem jurídica, possibilitando a adoção de princípios gerais do direito, que, às vezes, são cânones que não foram ditados explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico.

Feitas as considerações mesmo que singelas sobre o tema, passa-se a explanar curtas linhas sobre os princípios da legalidade e da igualdade.

2.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Não se tem notícia precisa acerca do surgimento do princípio da legalidade no ordenamento jurídico nacional, se tendo a ideia que, de fato, foi implantado para obstar o autoritarismo, evitando decisões arbitrárias ou excessivas por parte daquele que é incumbido, em nome do Estado, de ditar a lei (NOVELLI, 2014).

Outra corrente doutrinária, diversamente de Novelli e Hungria, apresenta entendimento de que o princípio da legalidade teve como origem a Inglaterra, quando ocorreu a alteração do Estado chamado de absolutista para Estado de Direito, por volta de 1.215 (LOPES, 1994).

Lima Junior e Nogueira Neto (2006) elencam, ainda, que o princípio nasceu com o Estado de Direito, com a doutrina da separação dos poderes, impondo garantias aos cidadãos, vez que define os direitos e estabelece os limites de atuação do próprio Estado.

Todavia, independentemente, as dúvidas que se tem sobre a origem não retiram a importância do princípio para o direito nacional, em especial, para o direito penal. O listado princípio é identificado como de uso frequente nas mais diversas áreas do direito, a exemplo da tributária, ambiental, entre outras.

No direito penal o princípio da legalidade é o primeiro que aparece, inclusive, no artigo 1º, como também está grafado na Constituição Federal no artigo 5º, inciso XXXIX, prevendo que não haverá crime sem lei anterior que o defina, tampouco pena sem prévia previsão legal. Ou seja, há necessidade de que uma determinada conduta esteja prevista como crime antes mesmo de ser colocada em prática, como também há necessidade de que eventual pena a ser imposta esteja prevista na norma (BITENCOURT, 2014).

Ainda, há que ser citado que para os adeptos do garantismo penal o princípio da legalidade ganha dois focos, como elencado por Ferrajoli (2010), vez que o aludido princípio é um dos dez axiomas da teoria do garantismo penal, visto, assim, como amplo e como estrito, nos termos que segue:

O princípio da legalidade ampla, ‘como uma regra de distribuição do podr penal que preceitua ao juiz estabelecer como sendo delito o que está reservado ao legislador predeterminar como tal’. E o princípio da estrita legalidade ‘como uma regra metajurídica de formação da linguagem penal que para tal fim prescreve ao legislador o uso de termos de extensão determinada na definição das figuras delituosas, para que seja possível a sua aplicação na linguagem judicial como predicados ‘verdadeiros’ dos fatos processualmente comprovados’ (NOVELLI, 2014, p. 125).

Novelli (2014) explica o que Ferrajoli (2010) quiz dizer com as explicações supra, demonstrando os dois lados do princípio da legalidade, um voltado para o julgador, aquele que aplicará a lei penal, e outro voltado para o legislador no sentido de saber o que e como legislar, devendo, para tanto, usar a teoria do garantismo penal.

Aqui ganha destaque, também, as questões do uso da analogia no direito penal, de forma sintetizada, entendida como inadmissível o uso, de acordo com o princípio ora em análise, comportando, todavia, exceções, segundo a teoria do garantismo penal, se vir a beneficiar o acusado (NOVELLI, 2014).

Bitencourt (2014) relembra que, justamente em razão do princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função do Estado e da Lei, devendo ser definido com precisão o que vêm a ser definido como crime, ressaltando que:

A adoção expressa desses princípios significa que o nosso ordenamento jurídico cumpre a exigência de segurança jurídica postulada pelos iluministas. Além disso, para aquelas sociedades que, a exemplo da brasileira, estão organizadas por meio de um sistema político democrático, o princípio da legalidade e de reserva legal representam a garantia política de que nenhuma pessoa poderá ser submetida ao poder punitivo estatal, se não com base em leis formais que sejam fruto do consenso democrático (BITENCOURT, 2014, p. 51)

Difícil não encontrar o princípio da legalidade diante das normas presentes nas diversas esferas do direito. Assim, não se tem dúvidas quanto a segurança que procura ser passada ao sujeito pelo princípio da legalidade previsto na Lei Maior.

Igualmente, em relação ao princípio da igualdade era o que deveria ocorrer. Todavia, o que não se compreende, muitas vezes, é quanto a necessidade de desmistificar o listado princípio, diante da necessidade de considerar os iguais como iguais e tratar os desiguais, também, desigualmente.

2.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Aparentemente o princípio da igualdade é de fácil compreensão. Todavia a igualdade exerce funções diversas, inclusive a de desigualar os desiguais a ponto de tratá-los como iguais. Difícil?! Sim o é.

Cavalcanti (2012, p. 73) elenca o que acima foi mencionado, especificando que o princípio da igualdade exerce funções diversas, “servindo ora como vetor de interpretação para a orientação dos mais diversos operadores do Direito, ora como forma de suplementar lacunas existentes em normas, ora, ainda, como fundamento de direitos especiais previstos em regras”.

O princípio em análise, assim, é considerado como “verdadeiro princípio de justiça social, torna-se comum a aclamação reiterada do princípio da igualdade e, não raras vezes, do direito de igualdade” (CAVALCANTI, 2012, p. 74), ou seja, o princípio é usado não somente para respaldar as questões de igualdade, mas o direito constitucional da igualdade.

Barbosa (1961) ressalta a clássica lição de que o princípio da igualdade deve ser entendido sobre a máxima de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, sendo reconhecida como a verdadeira expressão do direito, que veda distinções de qualquer natureza, tanto que encontra-se previsto no artigo 5º da Constituição Federal.

Importantes considerações são transcritas sobre o tema:

Com a normatização da igualdade e o fortalecimento do estado constitucional, a igualdade formal fora tendo cada vez mais peso nas sociedades ocidentais. Com a legitimação do estado social foram sendo criadas ferramentas para tirar a igualdade do papel. E é esse o atual cenário: uma constituição que apresenta a igualdade formal, apresenta positivados direitos que visam diretamente e indiretamente a efetivação da igualdade material, porém, ainda há muito para se avançar. Nesse sentido a sociedade em geral, em especial os operadores do direito, legisladores, administradores, tribunais, magistrados, devem buscar cotidianamente a efetivação da igualdade, através das ferramentas já existentes, mantendo sempre a atuação na busca por novas ferramentas que viabilizem essa utopia (MACHADO; SPAREMBERGER, 2014, p. 13).

Igualmente, no artigo 227, § 6º da Constituição Federal encontra-se a vedação de discriminação do filho adotivo ou biológico – a chamada filiação legítima e ilegítima (BRASIL, 1988), in verbis: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

E nesse sentido, com fundamento no presente dispositivo legal é que se questiona o fato do legislador ter deixado o filho adotivo de fora na norma da qualificadora reconhecida como homicídio funcional.

O fundamento é que a igualdade jurídica entre os irmãos adotivos e biológicos passa de mera norma, sendo, de fato, a expressão do princípio constitucional da igualdade e, também, um princípio do direito de família (CASTELO, 2011).

Ou seja, o que se equipara é o tratamento dado aos filhos, o reconhecimento dos direitos, quais forem, sendo uma igualdade material, não apenas formal (CASTELO, 2011).

De fato, não é difícil encontrar jurisprudências sobre o tema quanto a igualdade dos filhos havida fora do casamento, ou mesmo os adotivos, tendo os mesmos direitos e obrigações.

Assim, para o caso em análise, o direito da igualdade equipara o filho adotivo ao biológico, e nesse ponto específico é que se questiona se, de fato, houve inobservância por parte do legislador quando da elaboração da qualificadora do homicídio funcional previsto no inciso VII, do § 2º, do artigo 121 do Código Penal.

Pois bem, o objetivo não era esgotar o tema, e sim pincelar conceitos para passar a entender o problema jurídico criado para a elaboração do presente ensaio científico, sendo importante, portanto, compreender a qualificadora do homicídio funcional, e as peculiaridades que envolvem o tema, crentes de que os entendimentos doutrinários sobre a discussão que se quis apontar poderá sanar a dúvida existente.

2.3 O HOMICÍDIO FUNCIONAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A qualificadora inserida no parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal trata-se de espécie de resposta aos anseios sociais, diante do caráter de prevenção geral da pena, no intuito de obstar a prática do crime no corpo social, considerando os números alarmantes de homicídios que são praticados, em especial, em desfavor de policiais, atestando-se a referida informação pelos dados estatísticos comparativos que são noticiados por Souza e Veloso (2017, p. 04):

[…] no Brasil, os índices estão muito além dos trazidos pelos países como Alemanha e EUA, o número de policiais mortes chega a 198 para cada 100 mil habitantes, no Estado do Rio de Janeiro em 2014, sendo que até outubro de 2015 já haviam sido mortos 408 policiais civis e militares, onde a época, já superava as mortes em todo o ano de 2013 que foram de 398.

E não é só. Se tem notícias de que no Brasil um policial é morto a cada 32(trinta e duas) horas, razão pela qual não se tem dúvidas quanto ao fato da finalidade do legislador com as inovações trazidas pela Lei nº 13.142/2015, na tentativa de reduzir os índices de criminalidade e violência, preservando a função pública daqueles que figuram como linha de frente do Estado no combate à violência, considerando que, com a baixa do número de policiais na ativa, as taxas de crimes só tendem a crescer (SOUZA; VELOSO, 2017).

Bitencourt (2015) aponta, de forma crítica, que mais uma vez se prova que o legislador tenta transformar todos os crimes tidos como graves em hediondos, usando de forma simbólica o direito penal como solução para todos os males.

Para melhor entender a polêmica, a qualificadora encontra-se da forma que segue grafado no artigo 121, § 2º, inciso VII, do Código Penal:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

[…]

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

[…]

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: […]

Pena – reclusão, de doze a trinta anos (BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, 1940).

Assim, diante da nova previsão legal, aproveitando os conceitos dados por Jesus (2015, p. 01), o homicídio funcional pode ser conceituado como sendo: “Matar autoridade ou policial no exercício da função ou em razão dela, ou seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau. O crime continua a ser homicídio, sendo, porém, qualificado pela nova circunstância”.

Destaca-se que a Lei nº 13.142/2015 entrou em vigor aos 07 de julho de 2015, sendo reconhecida como irretroativa, por ser mais gravosa, recebendo a nomenclatura de novatio legis in pejus, o que significa dizer que ela não pode ser aplicada aos fatos cometidos antes da listada data (JESUS, 2015).

Quanto à natureza jurídica da qualificadora, é entendida como uma circunstância de natureza “subjetiva (‘no exercício da função’, ‘em decorrência dela’ ou ‘em razão dessa condição’[…]), não se relacionando com o meio ou modo de execução do fato, casos nos quais seria objetiva” (JESUS, 2015, p. 02).

Importante, também, entender que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime (JESUS, 2015). Todavia, quanto aos sujeitos passivos, somente pode figurar como vítima do crime as listadas nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

[…]

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares (BRASIL, 1988).

Sobre os listados artigos da Lei Maior, Jesus (2015) exemplifica as pessoas precisas que compõem a norma, podendo ser vítimas do crime, mencionando que nos integrantes do sistema prisional estão inseridos os secretários da administração penitenciária, os diretores de presídios, dos centros de detenção provisória e das cadeias públicas, os agentes penitenciários e carcereiros; e da segurança pública os guardas-civis, municipais ou metropolitanos.

Ainda, são sujeitos passivos do delito com o reconhecimento da qualificadora os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos Tribunais Superiores, Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, Juízes Federais Estaduais, membros do Ministério Público, desde que haja nexo de causalidade – no exercício da função ou em razão dela. Observa-se o exemplo:

É necessário que a vítima, no momento do crime, esteja no exercício da função ou o fato tenha sido cometido em decorrência dela ou em razão dessa condição. Exs.: 1º-matar policial da ativa por ter sido prejudicado por ele.2º–matar policial reformado ou da reserva em decorrência do anterior exercício da função (CF, art.142, § 3º, I). Cremos que no caso de morte do cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo de agente público já reformado ou aposentado incide a qualificadora em face da circunstância “em razão dessa condição” (parte final do inciso VII). Acreditamos também que incide a qualificadora quando o crime é cometido, depois da morte do agente público, contra cônjuge ou parente dele em razão do anterior exercício da função. Essas circunstâncias devem ser abrangidas pelo conhecimento do autor (JESUS, 2015, p. 08).

Bitencourt (2015) aponta que os agentes de segurança viária, por equiparação, e pelas mesmas razões do artigo 144, combinado com parágrafo 10º do mesmo artigo da Constituição Federal, podem ser vítimas do crime.

De outro norte, não poderão integrar o polo passivo do crime os servidores aposentados, vez que com a aposentadoria deixam de ser “autoridade”, justamente para evitar interpretação extensiva ou analógica. Todavia, se tem a questão de o crime ser praticado em desfavor do agente, “em decorrência da função anteriormente exercida”. Nesse caso, poderá sim ser reconhecida a qualificadora, diante da especialidade, tanto que Bitencourt (2015, p. 04) exemplifica essa situação ao listar que “[…] se mesmo após estar aposentado um policial é reconhecido e, por vingança de sua atuação funcional, é assassinado por alguém por vingança de determinado caso em que atuou, não há como deixar de aplicar essa qualificadora [...]”.

E sobre os parentes. Pois bem, embora seja objeto de outro tópico, de antemão, anota-se que estão incluídos como vítimas do crime, de acordo com o parentesco biológico anotado pelo legislador: “pais, mães, avós, bisavós, filhos, netos, bisnetos, irmãos, tios e sobrinhos” (JESUS, 2015, p. 08).

Para encerrar as especificidades da qualificadora, a competência para julgamento do crime com o reconhecimento da qualificadora é do Tribunal do Júri, podendo ocorrer erros do agente, seja erro sobre a pessoa, ou o erro de execução, respondendo, em ambos os casos, como se quisesse ter atingido a pessoa que tinha a finalidade de atingir, sendo prevista a pena de 12 (doze) a 30(trinta) anos, reconhecido, também, como crime hediondo (JESUS, 2015).

Acerca do bem jurídico tutelado, a qualificadora, em especial, tutela a “função pública desempenhada por essas autoridades. Com efeito, a função pública é o bem jurídico tutelado pela Lei nº 13.142 […]” (BITENCOURT, 2015, p. 09).

Portanto, a qualificadora em apreço trata-se de espécie de resposta penal, em prol de todo o corpo social, em especial àqueles que podem ser vítimas do crime, diante das inúmeras estatísticas da prática de crimes, mais identificados como vinganças efetivadas contra aqueles que estão na linha de frente do Estado, em prol do combate à violência.

Recente caso ocorreu na cidade de Cascavel – PR, quando determinado grupo se instalou na cidade justamente querendo, com o dolo de praticar o crime de homicídio funcional, contra funcionária do Estado, que exarava os pareceres num estabelecimento prisional, quanto ao comportamento do custodiado, se apresentando na prática um dos exemplos, inclusive, dados por Bitencourt (2015), quando das pesquisas para realização do presente ensaio científico, o que evidencia a importância da aprovação da lei, mesmo a descontento e críticas de muitos (CGN, 2017).


3. METODOLOGIA

Foi confeccionado projeto científico para elaboração do presente ensaio, onde foi delimitado o problema de pesquisa e os objetivos a serem alcançados.

Assim, por meio da pesquisa bibliográfica o presente ensaio científico foi produzido, tendo como referência os entendimentos doutrinários sobre o tema, buscando apresentar a melhor resposta para o problema de pesquisa criado, razão pela qual adotou-se o método dedutivo, retirando premissas para, após, se chegar a uma conclusão.


4. ANÁLISES E DISCUSSÕES

A intenção do tópico é justamente responder o problema de pesquisa criado para elaboração do presente texto científico, diante da necessidade de identificar o que é aplicado no caso concreto, quando do cometimento de um homicídio, por exemplo, em desfavor de um filho adotivo de um policial civil, de um policial militar.

Sabe-se que sendo o homicídio fato típico, antijurídico e culpável e, identificado o dolo, a vontade livre e consciente do sujeito ativo em querer, de fato, praticar o crime em desfavor da pessoa fictícia ora mencionada, estará, de fato, tipificada a conduta como sendo homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal. Quanto a isso não se tem dúvidas. Todavia, é caso, ou não, de oferecimento de eventual denúncia por parte do Ministério Público como homicídio qualificado, com base no § 2º, inciso VII, do Código Penal?! Ai resta a dúvida.

Pois bem, como dito, preenchidas as especificidades do tipo penal previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, de fato, o sujeito ativo responderá pelo crime de homicídio, seja na forma tentada ou na forma consumada, diante da identificação do dolo, do animus necandi. O que se quer dizer, em outras palavras, é que o autor do crime responderá pelo homicídio praticado, havendo dúvidas, somente, em relação da possibilidade de denunciar o sujeito ativo com base no homicídio funcional.

Assim, para melhor responder a questão, primeiramente, torna-se necessário o conhecimento dos posicionamentos doutrinários sobre o tema para, então, firmar posicionamento a respeito, considerando o todo já visto em relação ao princípio da legalidade e da igualdade, quais serão cruciais para chegar à eventual resposta para o caso hipotético ora criado, que vem sendo tido como uma das omissões legislativas discutíveis da Lei nº 13.142/2015.

Bitencourt (2014) quando menciona sobre o princípio da legalidade explica que o legislador penal evita ao máximo o uso de expressões vagas, o que leva ao entendimento de que inexiste ambiguidade ou equívocos quando da leitura da norma e, portanto, o filho adotivo não figuraria como sujeito passivo do crime, justamente pela exatidão da norma penal descritiva e incriminadora. Assim, como espécie de garantia material, com o listado princípio o intuito é que se ofereça a “necessária segurança jurídica para o sistema penal. O que deriva na correspondente exigência […] de determinação das condutas puníveis, que também é conhecida como princípio da taxatividade ou mandato de determinação dos tipos penais” (BITENCOURT, 2014, p. 51).

Veloso e Souza (2017) apontam que são duas as correntes de pensamento, aquela que abrange os filhos adotivos como fator de caracterização do homicídio funcional, da qualificadora, e a que não compreende os listados filhos. Assim, para a primeira corrente, por uma questão de legalidade e limitação do tipo penal, a qualificadora não é estendida aos filhos adotivos, diante do critério de restrição da lei, a qual optou por fazer figurar no polo passivo do crime de homicídio qualificado, com base no inciso VII do Código Penal, somente os parentes consanguíneos.

Ou seja, a justificativa que se dá é que se o legislador tivesse a intenção de fazer os filhos adotivos figurarem como sujeito passivo do crime qualificado no homicídio funcional teria, de forma expressa, consignado a questão do parentesco civil, que é o caso dos filhos adotivos.

Nesse contexto os estudiosos evidenciam que, de fato, pecou o legislador a não incluir na norma a questão socioafetiva ou mesmo o parentesco civil, que é o caso dos adotados, todavia, não restou alternativa de acordo com o que consta no tipo penal. Portanto, somente os parentes consanguíneos podem ser tidos como sujeitos passivos do crime, pela não extensão que se deve dar à norma penal, de acordo com o princípio da legalidade (VELOSO; SOUZA, 2017).

Este é posicionamento, também, de André (2015), quanto a não aplicação da qualificadora, devendo o caso ser reconhecido apenas como homicídio, por compreender que, embora se saiba que o tema será caso de grande polêmica e repercussão da doutrina e na jurisprudência, pelas lições do direito civil existem apenas três espécies de parentesco: o consanguíneo ou natural (vínculo biológico); o por afinidade (que pode ser decorrente do casamento, da união estável); e o parentesco civil (decorrente de outra origem que não seja a biológica, nem por afinidade).

E, assim, a adoção é tida como um parentesco civil, identificando que o legislador cometeu um grande equívoco ao não incluir na norma penal o parentesco civil, pelo menos, listando André (2015), que deveria ter constado apenas a expressão “parente”, sem qualquer outra especificação.

Nesse caso, para o referido autor, diante do princípio da igualdade, previsto na Constituição Federal, em prol dos filhos adotivos, vedando qualquer distinção dos biológicos em detrimento dos filhos havidos fora do casamento ou mesmo os adotivos, é caso de reconhecimento da inconstitucionalidade da qualificadora, sob o seguinte argumento:

Desse modo, a restrição imposta pelo inciso VII é manifestamente inconstitucional. No entanto, mesmo sendo inconstitucional, não é possível ‘corrigi-la’ acrescentando, por via de interpretação, maior punição para homicídios cometidos contra filhos adotivos. Se isso fosse feito, haveria analogia in malam partem, o que é inadmissível no Direito Penal (ANDRÉ, 2015, p. 06).

Para exemplificar, o mesmo ocorre com os parentes por afinidade. Aquelas pessoas que “se adquire” com o casamento ou união estável, como sogros, genros, noras. Assim, no caso de um traficante matar “a sogra do Delegado que o investigou não cometerá o homicídio qualificado do art. 121, § 2º, VII do CP. A depender do caso concreto, poderá ser enquadrado como motivo torpe” (ANDRÉ, 2015, p. 07).

Não diferente é o entendimento de Bitencourt (2015) sobre o fato dos parentes por afinidades e os civis não integrarem o polo passivo do crime, acrescentando uma peculiaridade:

Pareceria desnecessário destacar que, quando o texto legal refere-se a cônjuge ou companheiro, está incluindo tanto relacionamentos heteroafetivos como homoafetivos. Contudo, por via das dúvidas, convém que se realce esse aspecto. Assim, matar um companheiro homoafetivo de um desses agentes, em retaliação por sua atuação funcional, é homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, VII, do CP. A locução ‘parentes consanguíneos até 3º grau’ abrange: ascendentes (pais, avós, bisavós); descendentes (filhos, netos, bisnetos); colaterais até o 3º grau (irmãos, tios e sobrinhos). Não estão abrangidos os parentes por afinidade, ou seja, aqueles que a pessoa adquire em decorrência do casamento ou união estável, como cunhados, sogros, genros, noras etc. Assim, se o delinquente assassinar sogro, cunhado, genro, nora etc. de um policial que o investigou não cometerá o homicídio qualificado do art. 121, § 2º, VII, do CP. Nada impede que possa se configurar outra qualificadora, mas não esta (BITENCOURT, 2015, p. 08).

Jesus (2015) posiciona-se no mesmo sentido quanto ao fato da morte de eventual filho adotivo de policial, como também a sogra (parentesco por afinidade), não estar abrangidos pela norma ora em análise, podendo, todavia, incidir outra qualificadora, mas não a do homicídio funcional previsto no artigo 121, § 2º, inciso VII, do Código Penal.

Um dos poucos entendimentos encontrados sobre o tema quanto a possibilidade de eventual crime de homicídio funcional cometido contra filho adotivo, em razão da função, o ter sido para atingir o exercente de função pública, a exemplo de um Juiz, um Delegado, um Diretor de Penitenciária, tem fundamento justamente no princípio da igualdade, sendo do Procurador Regional da República, já aposentado, e professor de Direito Penal e Processo Penal, Rogério Tadeu Romano:

Necessário estudar o caso do filho adotivo como agente passivo do homicídio funcional. A Constituição Federal equipara os filhos adotivos aos filhos consanguíneos, vide o § 6º do artigo 227, in verbis: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Portanto, se o mandamento constitucional preconiza que os filhos adotivos são equiparados aos consanguíneos, a ilação lógica é a de que quem mata, por motivo funcionais, filho adotivo de uma das pessoas elencadas no 121, § 2º, VII, do Código Penal, comete homicídio funcional (ROMANO, 2015, p. 03).

Assim, embora identificado o entendimento supra, o posicionamento majoritário é quanto a impossibilidade jurídica penal de reconhecer o filho adotivo como sujeito passivo do crime de homicídio com o reconhecimento da qualificadora prevista no artigo 121, § 2º, inciso VII, do Código Penal, justamente pela inadmissibilidade de analogia in malam parte em desfavor do autor do crime, com fundamento, também, no princípio da legalidade que, neste caso, se sobrepõe ao princípio da igualdade dos filhos biológicos e adotivos e, também, pelo fato de eventual caso concreto não ficar sem amparo legal, considerando a possibilidade de enquadramento da conduta reproduzida no mundo real como sendo homicídio simples ou qualificado, todavia, com o reconhecimento de outra qualificadora, a exemplo do motivo torpe, como visto nos exemplos dados pelo doutrinador Bitencourt (2015).


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pretensão do presente ensaio científico foi discorrer sobre as questões do filho adotivo, considerando como pertencente ao grupo dos parentes civis de determinado adotante, e a possibilidade de incidência da qualificadora do homicídio funcional quando do cometimento de eventual crime, nos moldes em que, em tese, poderia ser abrangido pela norma prevista no inciso VII, § 2º, do artigo 121 do Código Penal.

Primeiramente, entendeu-se por bem especificar os princípios da legalidade e da igualdade, diante da importância que os princípios, num modo geral, têm para as ciências jurídicas, tanto que o princípio da dignidade, como o da legalidade e da igualdade, observadas as desigualdades, são fundamentos para se deduzir inúmeras pretensões em Juízo, como, também, são usados como razões de decidir de várias ações que tramitam pelo Poder Judiciário.

Em que pese a importância dos princípios antes listados, os da legalidade e da igualdade se destacam, por estarem voltados para a questão do filho adotivo, considerando a necessidade de investigação se poderia, ou não, a citada pessoa, figurar como vítima do crime da qualificadora do homicídio funcional.

Pois bem, observou-se inicialmente que a qualificadora do delito, como bem explanado pelos renomados doutrinadores Damásio de Jesus e Cezar Roberto Bitencourt, não resguardam a vida, o que é função do “caput” do artigo 121 do Código Penal. A qualificadora têm como bem jurídico tutelado a função pública, a função de autoridade que é exercida por uma das pretensas vítimas listadas nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, tanto que houve a aprovação da lei justamente para resguardar a função pública destas vítimas.

Do todo, as demais especificidades da qualificadora são abrangidas pelas questões já conhecidas quanto da caracterização do crime de homicídio, havendo, todavia o reconhecimento de omissão legislativa e crítica a estas omissões, em especial, por não incorporar os parantes civis e os por afinidade no rol das vítimas do homicídio funcional.

Pelas pesquisas efetivadas detectou-se que há entendimento majoritário no sentido de que o filho adotivo não faz jus ao rol das vítimas, por expressa legalidade. Todavia, existem críticas a respeito, justamente pela omissão do legislador, fundamento no princípio da igualdade.

Assim, as alternativas que foram identificadas é que haja o reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal, por não englobar os parentes civis, de acordo com a igualdade de todos os filhos, sejam biológicos, afetivos ou civis, prevista na Constituição Federal; ou o reconhecimento de outra qualificadora que não seja a do homicídio funcional, para o caso de homicídio na forma tentada ou consumada, praticada em desfavor de eventual filho adotivo, por exemplo, de um Juiz.

Entendeu-se que os fundamentos dos doutrinadores para não aceitar os filhos adotivos como sujeitos passivos do crime com o reconhecimento da qualificadora ora em estudo se justifica, na verdade, pela expressa legalidade do Código Penal, mas, também, por inadmissível a analogia in malam parte, em desfavor do autor do crime.

Pensou-se, inicialmente, que seria discutível a questão principiológica para resolver o dilema, todavia, embora sejam normas válidas para todos, há a especialidade do direito penal que tem como fio condutor a legalidade.

De fato, melhor seria que o legislador não tivesse especificado quais parentes estão no rol da qualificadora do homicídio funcional, poderia ter anotado apenas “parentes”. Todavia, quis o legislador fazer constar somente os consanguíneos até o terceiro grau, também, para não extrapolar as possibilidades, salvo, inúmeras pessoas, talvez nem tão próximas daquele que, por eventual vingança quisesse o sujeito ativo do crime atingir, fariam parte do polo passivo da qualificadora do homicídio funcional.

Portanto, o único fundamento usado por aqueles que defendem a necessidade de reconhecer os filhos adotivos como sujeito passivo do crime é com base no princípio da igualdade, o que, de fato, versa a Constituição Federal. Todavia, há impossibilidade jurídica penal de reconhecimento destes como vítimas do crime, considerando o que foi grafado na norma pelo legislador. Isso se entendeu, embora não se concorde, diante do reconhecimento constitucional do parentesco civil assemelhar-se e ter a pessoa os mesmos direitos que um filho biológico.

Procurou-se encontrar jurisprudências sobre o tema, no entanto, o tema ainda é novo, havendo casos de homicídio funcional na fase, ainda, de inquérito policial, o que não permite um parecer judicial no sentido de recebimento ou não de uma denúncia, na qual poderiam ser levantadas tais questões.

Nesse sentido, pensa-se que a questão do filho adotivo, embora seja caso de entendimento majoritário na doutrina quanto ao fato de não poder figurar como vítima do crime, possa ser analisada pelos Tribunais de Justiça dos Estados, pelos operadores do direito, se incumbindo, assim, a jurisprudência de decidir as questões futuras que forem surgindo.

De fato, o caso não ficará impune seguindo todos os passos legais, vez que o enquadramento jurídico-penal será, de fato, denunciar o autor do crime pelo delito de homicídio, ficando, portanto, a cargo dos entendimentos dos magistrados a questão de aplicação, ou não, da qualificadora do homicídio funcional, seja quando do recebimento da denúncia, seja quando da pronúncia.

Ressalta-se que, em partes, entendeu-se o posicionamento dos estudiosos sobre o tema, em especial quanto a necessidade de aplicação do princípio da legalidade no caso em análise, mas, também, compreendeu-se que, de fato, os direitos do filho adotivo não restam prejudicados por não serem considerados como vítimas do crime de homicídio com o reconhecimento da qualificadora do homicídio funcional. Isto é, os direitos constitucionais previstos e as garantias dadas aos filhos adotivos permanecem, e não são afetados somente pelo não reconhecimento da qualificadora, embora pudesse.

Ou seja, não há, em tese, tratamento desigual no caso do não reconhecimento da qualificadora para o filho adotivo, considerando que se pretende, assim, proteger a função pública. E querendo, em eventual fato concreto, o autor do crime atingir uma das pessoas previstas nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, o caso será amparado em outro dispositivo.

Tudo bem que é justamente a crítica que se faz, mas, nesse caso, o princípio da legalidade prevalece, em razão da inadmissibilidade do uso da analogia in malam parte.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PUSEBON, Isabela Zanella. A situação jurídica do filho adotivo no homicídio funcional: legalidade versus igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5168, 25 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58507. Acesso em: 8 maio 2024.