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A súmula 584 do STF

A súmula 584 do STF

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Discutem-se os reflexos da súmula 584 do Supremo e os princípios da anterioridade e da não-retroatividade.

I – A SÚMULA 584 E A DOUTRINA PÁTRIA

Tem-se a Súmula 584:

“Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.”

O lançamento do imposto corresponde ao ano da apresentação da declaração. O ano-base é critério para cálculo do tributo. Distinguem-se, portanto, ano-base e exercício financeiro. Sabe-se que o ministro Aliomar Baleeiro comentou essa orientação com crítica (Direito tributário brasileiro, 4ª edição, pág. 180) porque a Súmula, passando a lei vigente para a lei do exercício da apresentação da declaração, afasta a lei vigente à data da ocorrência do fato gerador e choca-se com o artigo 144 do Código Tributário Nacional.

O momento da ocorrência do fato gerador do imposto de renda é o último instante do ano de apuração, e não a época da realização de cada operação. Como ensina o mestre Aliomar Baleeiro, ‘... há fato gerador instantâneo, ou único e imediato, e também fato gerador continuado ou complexo, porque composto de vários fatos conjuntos ou sucessivos. Neste último caso, a ocorrência do fato gerador só se consuma pela realização de todos esses elementos integrativos.’ (in Direito Tributário Brasileiro, 4ª Ed.: Forense, 1972, p. 406). Neste ponto, pertinente a observação do Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Frauzino Pereira, em parecer lavrado ainda quando Procurador da República, no RE nº 104.259/RJ, in RTJ 115/1336, in verbis:

‘O fato gerador do imposto de renda é complexivo ou periódico, porque abrange a disponibilidade econômica ou jurídica adquirida em determinado ciclo. No caso das pessoas físicas, esse ciclo termina no último dia do ano civil, considerando-se nascida a obrigação tributária no dia imediatamente seguinte, 1º de janeiro. Para as pessoas jurídicas, o ciclo se completaria com o encerramento de seu balanço e a apuração do resultado: todavia, como lhes é facultado estabelecer seu exercício social com duração e termo final diversos do ano civil e do ano financeiro, a legislação do imposto de renda considera ocorrido o fato gerador no primeiro dia do exercício financeiro e civil seguinte, como permite a ressalva do art. 116 do Código Tributário Nacional.’ (trecho aqui negritado).

Desse mesmo julgado transcreve-se o seguinte fragmento do voto do relator, Exmo. Sr. Min. Cordeiro Guerra, verbis:

‘Em conseqüência, não há direito adquirido à imposição futura do imposto de renda, com base em critérios legais revogados pela lei nova - não há direito adquirido a sistema legal revogado.

De outro modo, poderiam os balanços sociais, eximir do imposto as pessoas jurídicas, furtando-as à incidência da norma genérica.

Por esses motivos, e porque tenho por incensurável a Súmula 584, mantenho o meu voto pelo não conhecimento do recurso, reportando-me às contra-razões da ilustre procuradora Lêda Maria Soares Janot, que me permito reproduzir:

‘(...)

8. Verifica-se que no imposto de renda o fato gerador é Complexivo donde os ensinamentos do mestre Amilcar de Araújo Falcão (in Fato Gerador de Obrigação Tributária  - Ed. Rev. dos Tribunais-SP-77-pág. 127/8):

‘Dentro dessa ordem de idéias é que será possível decidir, em direito intertemporal, se se está em presença ou não de um caso de aplicação retroativa da lei tributária.

É que, tratando-se de fatos instantâneos, a alíquota a aplicar será aquela legalmente prevista à data da realização de cada fato gerador. Se, inversamente, se estiver em presença de um fato gerador complexivo, ocorrendo majoração da alíquota durante o curso da formação do fato gerador, a alíquota a aplicar é a legalmente prevista na data em que se complete o respectivo ciclo de formação ou perfeição do fato (Chamada hipótese de Pseudo-Retroatividade).’

9. O professor Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior, (in Manual de D. Financeiro e D. Tributário - Freitas Bastos - 1978 - pág. 237) esclarece:

‘Fato Gerador Complexivo  - periódico ou de formação sucessiva, é para o imposto de renda, no regime de declaração, a renda, correspondente a um ‘fluxo de riqueza que vem ter às mãos do seu destinatário e que importa num aumento do seu patrimônio, durante um período de tempo determinado.

Como disse Henry Tilbery(Imposto de renda – pessoas jurídicas, 1985, pág. 111) o fato gerador do imposto, conforme o artigo 43 do Código Tributário Nacional, é a aquisição da disponibilidade econômica e jurídica.

O objeto da tributação é o rendimento do exercício financeiro: o lucro do ano anterior é apenas base de cálculo.

Nesse entendimento, segundo Henry Tilbery, o sistema brasileiro corresponde ao sistema da Praenumerandobesteuerung, de acordo com a terminologia suíça. Mas, entenda-se, que este entendimento não é pacífico.

O mesmo principio que vigora no direito tributário britânico, foi formulado por C.N.Beatle(Per Rowlatt J. in Fry v. Burma Corporation, 1929, I 5 T.C, 113),  da seguinte forma:

“Tal rendimento do ano anterior não traz nada mais do que a medida para o lançamento do imposto para o ano seguinte, não para o ano anterior. É muito importante para entender esta conceituação que o objeto da tributação seja a renda do ano de lançamento(exercício anterior, conceituação esta que tem efeito de grande alcance na legislação do imposto de renda).

O objeto da tributação não são os exercícios que servem como medida. O imposto incide sobre o ano em que o tributo é lançado e os anos de referência apenas servem como medida”.

Como já se registrou, Amílcar de Araújo Falcão(Fato gerador da obrigação tributária, 1971, pág. 125 a 127), cunhou a expressão fato gerador complexivo ou periódico para o fato gerador do imposto de renda.

Trago a lição de Antônio Roberto Sampaio Dória(Da lei tributária no tempo, 1968, pág. 158):

“Tratando-se de fato gerador complexivo, a diretriz de direito intertemporal indica a lei aplicável a reger a obrigação correspondente, é idêntica à que preside a tributação das pessoas físicas, vale dizer, aplicável é a lei vigente no momento em que o fato gerador ocorre, instaurando-se o respectivo debitum fiscal(1º de janeiro de cada exercício financeiro), sendo inoponíveis aquela ou aquelas vigentes durante as etapas de sua gestação ou formação(1º de janeiro a 31 de dezembro imediatamente anteriores).”

Ruy Barbosa Nogueira(Direito tributário comparado, 1971, pág.19) ensinou que, no caso do imposto de renda, a base de cálculo e o fato gerador se confundem. Levando em consideração a realidade econômica que o suporte fático do imposto de renda se forma ao longo do ano anterior por um número de atos e fatos sucessivos, opinou que a completação jurídico-formal da incidência, que realmente ocorre em um só instante, não descaracteriza a natureza de fato composto.

O entendimento apresentado pela Súmula 584 tem como realidade admitir efeito retroativo das inovações, principalmente em relação a balanços encerrados no ano-base em data anterior a norma.

Realmente afronta a segurança jurídica, pilar básico nas relações tributárias entre a Fazenda e o contribuinte.  Os empresário procedem, nos seus negócios, com perfeita obediência à legislação vigente, durante o ano-base, podendo ser surpreendidos por modificações legislativas que entrarem em vigor, no dia 1º de janeiro do ano seguinte, alterando, sem dúvida, as implicações tributárias de transações que haviam sido efetuadas em confiança nas normas então vigentes.

Fábio Fanucchi(O instante do fato gerador do imposto de renda, Resenha tributária, série I, ano 1971, cad. 11-3, 115-50) assim disse:

“Alerte-se, outrossim, antes de ingressar no cerne da questão, que o assunto não é destituído de resultados práticos. Não é nada acadêmico a discussão que se possa desenvolver em torno dele. Não são poucos os litígios que se desenvolvem e que se desenvolverão, ainda calcados exclusivamente nesse nebuloso aspecto de nossa legislação do imposto de renda. Só mesmo elucidado o assunto haverá possibilidade de se solucionarem com facilidade casos pendentes  e futuros, nos quais se debata a aplicação dessa legislação no tempo”

.........

“È bem verdade que há uma tendência predominante no sentido de considerar o primeiro dia do exercício financeiro, em que se exercita a cobrança do tributo, como data da ocorrência do fato gerador de obrigação que se afirma através do lançamento por período certo de tempo. Todavia, não menos verdadeiro é que tal opinião não chega a convencer plenamente, embora acarrete soluções práticas satisfatórias”.

Veja-se a redação que foi dada ao Decreto-lei 1.967/82, em seu artigo segundo:

“A base de cálculo do imposto, determinada segundo a legislação aplicável no início do exercício financeiro”

 A favor da tese da ocorrência do fato gerador ao término do ano-base se diverso do fim do ano calendários, elenco os seguintes tributaristas: Ives Gandra da Silva Martins, Hamilton Dias de  Souza.


II – O ARTIGO 116 DO CTN

Mas leia-se o artigo 116 do CTN:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lei   nº 104, de 10.1.2001)

Observo a opinião de Bernardo Ribeiro de Moraes(Compendio de direito tributário, 1984, pág. 460).

“a nova norma tributária jamais pode alcançar as relações anteriormente e totalmente consumadas, isté, quando se trata de fato jurídico perfeito(o já consumado segundo a lei vigente em que se efetuou.”

Recolhe-se o imposto de renda segundo o imposto lançado ou ainda pela retenção da fonte. A retenção na fonte é uma forma de arrecadação. Por sua vez, a tributação em bases correntes diz respeito não  ao recolhimento do imposto, mas à base de cálculo.

Em matéria de imposto de renda de pessoas jurídicas, a base de cálculo do lucro real a  mais comum no caso das empresas é o resultado do último exercício social anterior encerrado, devido à dificuldade de apurar o resultado em curso, ainda em formação.

No direito comparado tem-se:

  1. Imposition d’après le revenu présumé, que legalmente tem como objeto a renda auferida no exercício financeiro, tomado o resultado do ano-base anterior apenas como padrão de estimativa, por ficção suposta igual ao exercício em que tiver de ser feito o lançamento, como se teve nos Regulamentos de 1924 e 1928 do Imposto de Renda:
  2. Imposition d’ après le revenu acquis, que legalmente incide sobre o resultado do ano-base anterior, identificando-se com o objeto da tributação efetuada no exercício financeiro, ou seja, dentro do calendário seguinte.

Há ainda técnicas de antecipação na arrecadação, isto é, antes de lançado e independentemente de situações que impõem desconto na fonte. São técnicas que visam reduzir a desvantagem entre o momento da criação da riqueza e o momento do recolhimento do imposto de renda aos cofres públicos.

Assim, nota-se os seguintes diplomas legais: Decreto-lei 62/66(modificado pelo Decreto-lei 352/68: Decreto-lei 1.704/79; Decreto-lei 1.967/82; Decreto-lei 2.031/83; Decreto-lei 2.124/84.

A Suprema Corte veio a confirmar a validade da Súmula 584/STF, no julgamento do RE nº 194.612-1/SC, Relator Exmo. Sr. Min. Sydney Sanches, in DJ de 08/05/98, cuja ementa é a seguinte, in verbis:

‘EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE RENDA SOBRE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS, CORRESPONDENTE AO ANO-BASE DE 1989. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA PARA 18%, ESTABELECIDA PELO INC. I DO ART. 1º DA LEI Nº 7.968/89. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 150, I, ‘A’, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

1. O Recurso Extraordinário, enquanto interposto com base na alínea ‘b’, do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, não pode se conhecido, pois o acórdão não declarou a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

2. Pela letra ‘a’, porém, é de ser conhecido e provido.

3. Com efeito, a pretensão da ora recorrida, mediante Mandado de Segurança, é a de se abster de pagar o Imposto de Renda  correspondente ao ano-base de 1989, pela alíquota de 18%, estabelecida no inc. I do art. 1º da Lei nº 7.968, de 28.12.1989, com a alegação de que a majoração, por ela representada, não poderia ser exigida com relação ao próprio exercício em que instituída, sob pena de violação ao art. 150, I, ‘a’, da Constituição Federal de 1988.

4. O acórdão recorrido  manteve o deferimento do Mandado de Segurança.

Mas está em desacordo com o entendimento desta Corte, firmado em vários julgados e consolidado na Súmula 584, que diz:

‘Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.’

Reiterou-se essa orientação no julgamento do R.E. nº 104.259-RJ (RTJ 115/1336).

5. Tratava-se, nesse precedente, como nos da Súmula, de Lei editada no final do ano-base, que atingiu a renda apurada durante todo o ano, já que o fato gerador somente se completa e se caracteriza, ao final do respectivo período, ou seja, a 31 de dezembro.

Estava, por conseguinte, em vigor, antes do exercício financeiro, que se inicia a 1º de janeiro do ano subseqüente, o da declaração.

6. Em questão assemelhada, assim também decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do R.E. nº 197.790-6-MG, em data de 19 de fevereiro de 1997.

7. R.E. conhecido e provido, para o indeferimento do Mandado de Segurança.

8. Custas ‘ex lege’.’ (trecho aqui negritado).


III – A NECESSIDADE DE MAIOR PONDERAÇÃO COM RELAÇÃO A SÚMULA 584 DO STF

O Supremo Tribunal Federal  tem explicitado a necessidade de maior ponderação em torno da referida Súmula. É o que se verifica dos debates ocorridos durante a apreciação do RE 183.130, em 30 de setembro de 2014,  e também de crítica manifestada pelo ministro Marco Aurélio à situação em que “toma-se de surpresa o contribuinte, que inicia o ano, a ser fechado com o balanço final de dezembro, com certa lei na qual prevista uma percentagem, vindo à balha diploma posterior majorando-a e apanhando, como eu disse, fatos geradores dentro da complexidade revelada pelo próprio ano e pelos meses nele contidos”

O princípio da anterioridade, atualmente consagrado no artigo 150, III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal de 1988, veda a cobrança de tributos (i) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (anterioridade anual) e/ou (ii) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (anterioridade “nonagesimal”). Isso significa que, em regra, uma lei publicada em qualquer mês de determinado ano somente terá vigência a partir de 1º de janeiro do ano subsequente. Aplicando-se a anterioridade nonagesimal, a lei somente terá vigência após noventa dias de sua publicação.

O princípio da irretroatividade, por sua vez, além de estar previsto genericamente para as leis no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, foi também positivado de forma específica para as leis tributárias como uma limitação ao poder de tributar. Veda-se, dessa forma, a cobrança de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado” (artigo 150, III, “a” da CF/88).

A partir da edição do CTN, o fato gerador do imposto de renda mudou de figura, passando de um “valor de referência” para a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” (artigo 43, caput), a qual só pode ser verificada dentro de um lapso temporal definido pela legislação ordinária.

Nesse sentido, o ministro Carlos Velloso, em precedente específico sobre o tema(RE 183130, DJe 17/11/2014 ), já afirmava que “a partir do CTN, o fato gerador do imposto de renda passou a identificar-se com a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica do rendimento, no seu fluxo continuado até o encerramento do seu ciclo (artigo 116, inciso I), o que veio afastar a legislação anterior, orientada no sentido de que a renda auferida no ano-base seria apenas ‘padrão de estimativa’ da renda ganha no exercício financeiro, ou simples valor de referência, apresentando-se hoje tal aquisição no período-base como o próprio fato gerador. Assim, seria inaplicável a Súmula 584-STF, construída à luz da legislação anterior, em conflito com a sistemática do CTN posterior”

O  STJ, responsável pela interpretação da legislação federal em âmbito nacional, consignou ser “inaplicável o verbete sumular 584 do STF, erigido à luz da legislação anterior à atual Carta Magna, vigendo, desde então, os princípios da anterioridade e da irretroatividade da lei tributária.” (AgRg no Ag 1363478, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25/03/2011).

Ali se disse:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA , AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356, DO STF. DECRETOS-LEIS 1.967/82 E 2.065/83. APLICAÇAO RETROATIVA. INVIABILIDADE. ANÁLISE DE VIOLAÇAO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DA SUPREMA CORTE.

1. A alegação de que o acórdão recorrido teria ido além do pedido e da própria sentença, proferindo julgamento extra petita suposta ofensa ao art. 460 do CPC , não foi questão discutida pelo Tribunal de origem, o que caracteriza a ausência do prequestionamento e impede o acesso da matéria à Instância extraordinária, nos termos das Súmulas 282 e 356, do STF.

2. Os Decretos-Leis 1.967/82 e 2.065/83 não podem regular o Imposto de Renda apurado em demonstrações financeiras cujos exercícios sociais se encerraram antes de sua vigência. Precedentes.

3. A exigência de tributo cujo fato gerador ocorreu em data anterior ao início da vigência da lei tributária que a instituiu ofende os princípios da anterioridade e da irretroatividade.

4. Como o aresto recorrido está em sintonia com o decidido nesta Corte, deve-se aplicar à espécie o contido na Súmula 83/STJ, verbis : "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" . Com efeito, o referido verbete sumular aplica-se aos recursos especiais interpostos tanto pela alínea a quanto pela alínea c do permissivo constitucional.

5. Inaplicável o verbete sumular 584 do STF, erigido à luz da legislação anterior à atual Carta Magna, vigendo, desde então, os princípios da anterioridade e da irretroatividade da lei tributária. Precedentes do STJ: REsp 222.338/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 01.09.2005, DJ 03.10.2005; AgRg no Ag 420.635/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03.10.2002, DJ 28.10.2002; AgRg no REsp 111.745/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 07.05.2002, DJ 16.09.2002; e REsp 41.208/SP, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 04.12.1997, DJ 16.02.1998.

6. O STJ não declarou a inconstitucionalidade ou a negativa de vigência dos citados decretos, com ou sem observância de cláusula de reserva de plenário, apenas lhes deu interpretação conjunta com o regramento constitucional e infraconstitucional que rege a matéria.

7. Suposta ofensa ao art. 97 da CF, em razão de negativa de vigência a leis sem observância da cláusula de reserva de plenário, só pode ser analisada pela Suprema Corte, tendo em vista que o art. 102 da Constituição da República lhe conferiu competência exclusiva para o exame de questões deste jaez.

8. Agravo regimental não provido.

Particularmente nesse julgado citado, que considero leading case na matéria, trago suas conclusões:

“Particularmente no âmbito das pessoas jurídicas, a legislação considerava como o março temporal para a ocorrência do fato gerador, o exercício social, sendo que a maioria das empresas busca situá-lo em coincidência com o ano civil, donde que o aperfeiçoamento perfaz-se em 31 de dezembro de cada exercício social, havendo, contudo, outras, cujo exercício social divergia do ano civil, o que trazia reflexos no âmbito da legislação de regência deste imposto, sobretudo diante de alterações legislativas, gerando controvérsias a serem dirimidas no pretório, como aqui verificado.

Esta diversidade também levava a necessidade do legislador ocupar-se em especificar disposições para estas diversas hipóteses, ou seja, para situações em que havia coincidência do exercício social com o ano civil e para aqueles casos em que estas divergiam, como aqui verificado (DL. nº 1.704/79: art. 2º; DL. nº 1.967/82 art"s. 1º, e 7º a 11), daí surgindo pagamentos mensais à título de antecipações, para os meses que antecedem o exercício financeiro, duodécimos para os meses já compreendidos no exercício financeiro, mas anteriores a entrega da declaração anual, e quotas mensais para os meses posteriores.

As empresas cujo exercício social encerravam juntamente com o ano civil, somente recolhiam as quotas mensais, correspondendo ao valor do imposto apurado, dividido por doze e as demais, antecipações e duodécimos, obtidos mediante a divisão do imposto relativo ao exercício anterior. Na apuração do imposto referente ao exercício, deduziam-se aqueles pagamentos e o saldo remanescente era dividido pelo número de meses faltantes para completar o exercício social.

Tendo presentes as necessidades orçamentárias, e a imperiosidade destes recursos fluírem até os cofres do Tesouro ao longo do ano civil, o legislador via-se compelido a estabelecer recolhimentos mensais sob aquelas diversificadas denominações.

Contribuiu para por fim a estes impasses a disposição da Lei nº 7.450, de 23.12.85, cujo art. 16, fixou, como período-base para efeito de apuração deste imposto, termo coincidente com o ano civil. Desde então, toda a legislação inerente ao imposto de renda, costumeiramente editada nos finais de ano, passaram a atingir indistintamente, desde logo, todas as empresas, em ordem a que no início do ano civil seguinte já deveriam aplicá-las.

Entrementes, os Decretos-leis nº"s. 1.967, de 1.982 e 2.065, de 1983, foram editados antes daquela norma legal, donde a obrigatoriedade de se observar o exercício social das empresas, posto que traziam disposições mais gravosas ao contribuinte.

Com efeito, no caso do Decreto-lei nº 1.967/82, por exemplo, cuidou-se de introduzir a indexação no âmbito do IRPJ, mediante a variação das ORTN"S, como se vê de seus art"s. 2º, convertendo a base de cálculo do imposto em ORTN"s; 3º, valor do imposto em ORTN"s; 10, determinando a conversão do imposto do exercício anterior em ORTN"s, paraapurar-se o valor das antecipações ou duodécimo do exercício em curso; e 14, permitindo a atualização monetária das antecipações e duodécimos, pela variação da ORTN.

Confrontando-se estas disposições, com o art. 3º e 5º do Decreto lei nº 1.704, de 1979, nota-se que no âmbito do primeiro deles, o valor do imposto era diluído em quotas mensais ao longo do exercício, sem qualquer menção a correção monetária, que somente veio tratada no bojo do outro dispositivo, onde versados os pagamentos em atraso.

Induvidoso, portanto, que o Decreto-lei trazia disposições que agravavam a situação do contribuinte, impondo-se a obediência ao art. 144 do CTN, dado que o lançamento reporta-se a data do fato gerador, e a data deste era aquela do encerramento do exercício social, incidindo também a garantia emergente do art. 153 3º da EC. 01/69, consoante averbado pelo eminente Ministro Moreira Alves, quando relator da Representação nº 1.451- DF, permanecendo, pois, as disposições legais anteriores, até o início do próximo exercício social, em homenagem à garantia magna da anterioridade, esculpida no 29 do art. 153 da EC. 01/69. Já as modificações trazidas pelo Decreto-lei nº 2.065, de 1983,redundaram em aumento das alíquotas do imposto, consoante art "s. 1º, 6º e 7º; estabelecendo-se no 1º deste último multa de 20% pela insuficiência da antecipação, sendo criada uma nova faixa na tabela do IRPF, com alíquota de 60%.

Merece especial destaque as disposições do art. 14, onde revogada redução do IRPF, prevista no Decreto-lei nº 157, de 10.02.67 e o art. 8º, criando incidência sobre parcela de imposto omitida pela pessoa jurídica, que presume-se distribuída as pessoas dos sócios, à uma alíquota de 25%, constatando-se que o Decreto-lei nº 1.790, de 1980, não trazia semelhante disposição em seu bojo, máxime no art. 1º, onde versada matéria relativa a distribuição de dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, pelas pessoas jurídicas, às pessoas físicas residentes ou domiciliados no País.

Portanto, pelas mesmas conclusões, somente poderia ser exigido após o inicio do próximo exercício social.

A matéria vem sendo alvo de inúmeros julgamentos, por diversas Cortes, desde o tempo do extinto TFR, como se infere do seguinte aresto:

No caso em julgamento, a eminente autoridade sentenciante afirma que o fato gerador da obrigação tributária relativa aos exercícios de 1982 e 1983 ocorreu com a entrega da declaração de rendimentos, de sorte que seriam posteriores à vigência dos mencionados Decretos-Leis.

Esta conclusão, como visto, afina-se com o entendimento pretoriano já sedimentado em todas as Cortes de nosso País, merecendo ser mantida.

De fato, tomando-se em conta os Estatutos Sociais da autora, o encerramento do ano social dar-se-ia no dia 30 de junho de cada ano (fls. 31; fls. 38 art. 18; fls. 44, cláusula 11ª; e fls. 50, cláusula 11ª, ), donde o acerto da irresignação.

No que toca à correção monetária, os índices que não foram especificados na inicial nem discutidos no curso da ação, devem ser definidos na fase de execução da condenação, em conformidade com entendimento jurisprudencial (AC nº2001.03.99.024176-0, Rel. Des. Fed. Cecília Marcondes, sessão de 06.06.01 e AC nº 1999.03.99.010324-3, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, sessão de 15.08.01).

Na hipótese dos autos, em que ainda não havido o trânsito em julgado, não se coloca a discussão do direito aos juros de 1% na forma do art. 167, parágrafo único, do CTN, de tal sorte que o critério de fixação dos juros de mora deve ser conforme ao entendimento assente nesta Turma, que adota, nas hipóteses de repetição de indébito, a aplicação da taxa SELIC como fator cumulado de correção monetária e juros de mora, a partir da extinção da UFIR (MP nº 1.973-67, de 26.10.2000, hoje convertida na Lei nº 10.522/02) (e-STJ fls. (310-318).

Da leitura da fundamentação do aresto impugnado supratranscrita, infere-se que o Tribunal de origem dirimiu a questão motivo da controvérsia adotando a orientação da jurisprudência desta Corte acerca da matéria, o que acarreta a aplicação na espécie em análise do óbice da Súmula 83/STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

Com efeito, o entendimento do STJ é no sentido de que os Decretos-Leis 1.967/82 e 2.065/83 não podem regular o Imposto de Renda apurado em demonstrações financeiras cujos exercícios sociais se encerraram antes de sua vigência. A exigência de tributo cujo fato gerador ocorreu em data anterior ao início da vigência da lei tributária que a instituiu ofende os princípios da anterioridade e da irretroatividade.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DECRETOS-LEIS NºS 1.967/82 E 2.065/83. PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE.

1. Esta Corte vem entendendo que a exigência de tributo cujo fato gerador ocorreu em data anterior ao início da vigência da lei tributária que a instituiu ofende os princípios da anterioridade e da irretroatividade.

2. Recurso especial conhecido em parte e improvido (REsp 222.338/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 01.09.2005, DJ 03.10.2005);

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA JURÍDICA. LEGISLAÇAO TRIBUTÁRIA. DECRETO-LEI N. 1.967/82. IRRETROATIVIDADE.

1. Sob pena de violação dos princípios da anterioridade e irretroatividade, é vedado à União exigir tributo cujo fato gerador ocorreu em data anterior ao início de vigência da lei que o instituiu.

2. A lei aplicável ao imposto de renda das pessoas jurídicas é, assim, a lei vigente na data de encerramento do exercício social. Precedentes.

3. Recurso especial a que se nega provimento" (REsp 118.348/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 09.02.05);

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. LEGISLAÇAO TRIBUTÁRIA. APLICAÇAO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 584, DO STF. INAPLICABILIDADE.

1. Os Decretos-lei n.º 1.967/82 e 2.065/83 não podem regular o imposto de renda apurado em demonstrações financeiras cujos exercícios sociais se encerraram antes de sua vigência.

2. Inaplicável o verbete sumular n.º 584, do STF, erigido à luz da legislação anterior à atual Carta Magna, vigendo, desde então, os princípios da anterioridade e da irretroatividade da lei tributária.

3. Agravo regimental provido. Agravo de instrumento desprovido (AgRg no Ag 420.635/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03.10.2002, DJ 28.10.2002);

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. IRRETROATIVIDADE DE LEIS TRIBUTÁRIAS. IMPOSTO DE RENDA. DECRETO-LEI Nº 2.065/83. IMPOSSIBILIDADE.

Ainda que sob a égide do regime constitucional anterior, as leis tributárias não podem retroagir senão para beneficiar o contribuinte. Uma vez editado o Decreto-lei nº 2.065/83, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1984, não há que se falar em incidência deste dispositivo legal aos balanços financeiros de imposto de renda exarados no exercício de 1983, já que a modificação veio a aumentar a alíquota de 30% para 35%.

Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 111.745/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 07.05.2002, DJ 16.09.2002);

IMPOSTO DE RENDA. PESSOA JURÍDICA. LUCRO APURADO NO EXERCÍCIO SOCIAL ENCERRADO EM JANEIRO DE 1983. INAPLICABILIDADE DO DEL. 2.065/1983. PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO (REsp 41.208/SP, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 04.12.1997, DJ 16.02.1998).

É inaplicável o verbete sumular 584 do STF, erigido à luz da legislação anterior à atual Carta Magna, vigendo, desde então, os princípios da anterioridade e da irretroatividade da lei tributária, nos termos dos seguintes julgados do STJ: REsp 222.338/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 01.09.2005, DJ 03.10.2005; AgRg no Ag 420.635/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03.10.2002, DJ 28.10.2002; AgRg no REsp111.745/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 07.05.2002, DJ 16.09.2002; e REsp 41.208/SP, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 04.12.1997, DJ 16.02.1998.

Esse o entendimento correto. Vejamos como o Supremo Tribunal Federal irá balizar seus julgamentos: ainda conforme a Súmula 584 ou contra ela.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A súmula 584 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5136, 24 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59206. Acesso em: 4 maio 2024.