Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/5943
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O iter procedimental da recepção dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro

O iter procedimental da recepção dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: Apresentação / 1. Internalização dos Tratados Internacionais no Ordenamento Jurídico Interno / 1.1 Fases da Internalização / 2. O Entendimento do STF sobre o Momento da Vigência dos Tratados Internacionais / Referências Bibliográficas


APRESENTAÇÃO

Um dos problemas que mais têm suscitado a curiosidade do estudante e do leitor de Direito Internacional, é a questão da relação entre as ordens jurídicas interna e internacional. Esta relação geralmente esbarra nas explicações sobre os conceitos monismo e dualismo, com variações de alguns pontos de vistas interessantes de autores mais comprometidos com as transformações das relações internacionais no novo milênio. Com efeito, é ainda o conflito entre normas internacionais e as internas o grande mote no Direito Internacional e sobre esse tema muito se tem escrito [1].

Neste paper, pretende-se apenas trazer uma amostragem Do procedimento de recepção dos tratados internacionais pelo direito interno brasileiro. Inicialmente, deve-se demonstrar qual o sistema de recepção adotado pelo Brasil para transformar as normas internacionais em normas internas. Neste sentido, os tratados internacionais, que são a fonte mais importante do Direito Internacional, terão seu processo de internalização analisado à luz da jurisprudência do STF.


1.INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO

Por determinação constitucional, os tratados internacionais, entendidos no seu sentido amplo, entram no ordenamento jurídico brasileiro por um processo de transformação denominado por internação, internalização, incorporação ou recepção dos tratados internacionais. É um tipo de transformação para que o tratado internacional vire uma norma interna, com todas as características que a norma possui. Isto porque, no Brasil, quando se estudam tratados internacionais, adota-se um sistema dualista no qual a norma internacional, o tratado internacional in casu, não é aplicada diretamente, necessitando, por ser dualista, passar por um processo para transformá-lo em norma do ordenamento jurídico interno.

Esta discussão foi recentemente abordada em obra de Nádia de Araújo e com propriedade, a autora resume de que forma os tratados são recepcionados no Brasil:

A Incorporação dos tratados ao sistema interno brasileiro, equiparando-o à lei interna, transforma-os em uma lei nacional e extingue o conflito próprio da teoria monista. A regra vigente de revogação de lei anterior pela lei posterior é princípio assente no sistema jurídico brasileiro e aplicável ao ordenamento como um todo. [2]

Esta equiparação à lei interna é a fonte de toda a discussão doutrinária, pois, a qualquer tempo: "(...) Um tratado obrigando o Brasil pode deixar de ser cumprido se o Congresso legislar, posteriormente, em sentido contrário." [3]. Considerando a relevância deste debate, este trabalho visa a trazer uma breve amostragem de cases discutidos nos Tribunais brasileiros acerca deste tipo de controvérsia; mas, antes, necessário se faz uma introdução sobre a transformação dos tratados internacionais em normas internas.

1.1FASES DA INTERNALIZAÇÃO

De acordo com Cachapuz de Medeiros, são duas as fases que compõem o iter procedimental na elaboração dos tratados internacionais [4]: o processo simples, pela negociação, assinatura e publicação, e o processo solene, pela negociação, assinatura, ratificação, promulgação, publicação e registro. Com efeito, a boa doutrina segue estes passos.

É consenso de que o processo de internalização dos tratados internacionais pode ser dividido em quatro fases distintas [5]:

a) 1ª Fase: Negociação

Neste momento, os termos do conteúdo do tratado internacional são discutidos entre os signatários. No Brasil, é função típica do Ministério das Relações Exteriores desenvolver a agenda das relações internacionais brasileiras, compreendida no grande bojo da política externa brasileira. As missões diplomáticas, destinadas à tarefa de preparar o texto do tratado internacional, são compostas de diplomatas de carreira e de especialistas sobre a matéria a ser tratada; também não é rara a presença de políticos nestas missões. Na verdade, podemos dizer que é muito comum missões de caráter multidisciplinar; quer dizer, existem tratados contendo matérias estranhas aos estudos de relações internacionais e direito como, por exemplo, assuntos referentes à energia nuclear, petróleo, agricultura, biogenética, informática e muitos outros cujo domínio só possui o especialista daquela área [6].

É importante ressaltar, ainda, que nesta fase da negociação os tratados internacionais sofrem o primeiro controle prévio de sua constitucionalidade. Na elaboração do texto final, são apreciados os pressupostos de constitucionalidade atinentes à matéria objeto do tratado para que, então, o texto final possa ser assinado. É um tipo de controle prévio saneador, preparatório do instrumento para sua ulterior assinatura.

b) 2ª fase: Assinatura

Após a redação ser meticulosamente avaliada pela equipe negociadora, o texto final deve ser assinado. Pela leitura do art. 84, VIII da CRFB, compete privativamente ao Presidente da República celebrar todos os tratados, convenções e atos internacionais; neste dispositivo, a CRFB designa quem detém a competência reservada para assinar tratados internacionais em nome da República Federativa do Brasil.

Não custa nada lembrar que o Brasil por ser uma República Federativa com regime presidencialista, o Presidente da República acumula a função de Chefe de Estado e Chefe de Governo. Assim, o Presidente da República, na sua função de Chefe de Estado, como representante do Estado brasileiro nas suas relações exteriores, é quem detém a competência exclusiva de assinar tratados internacionais. Ocorre, no entanto, que nem sempre o Presidente da República pode estar presente no ato formal da assinatura, tampouco estar presente a toda fase de negociação, então, surge a figura do plenipotenciário [7].

Atualmente, segue-se a orientação da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, que já em seu art. 1º define plenos poderes como sendo:

(...) um documento expedido pela autoridade competente de um Estado e pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar um Estado para a negociação, a adoção ou a autenticação do texto de um tratado, para exprimir o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado; [8]

Ademais, a Convenção de Viena segue dispondo sobre o plenipotenciário quando trata da Conclusão dos Tratados, afirmando, em seu artigo 6º que "todo Estado tem capacidade para concluir tratados" e segue elencando a possibilidade de outras pessoas, que não o Presidente da República, para concluir com a assinatura os tratados internacionais.

Desta forma, a assinatura, seja ela do Presidente da República ou por seu representante, completa um ciclo, o ciclo da negociação. Importante notar, quanto à eficácia das normas internacionais, que, no direito brasileiro, a assinatura gera apenas responsabilidade com relação aos demais signatários e não obrigação na ordem interna.

c) 3ª Fase: Referendum

Nesta fase, inicia-se o fenômeno propriamente dito da internalização ou recepção dos tratados internacionais. De acordo com o art. 49, I da CRFB, cabe ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. A deliberação do Parlamento resulta na aprovação do tratado, instrumentalizada no texto de um Decreto de Legislativo. Este Decreto dispensa a sanção ou promulgação por parte do Presidente da República e contém um duplo teor: a aprovação e, simultaneamente, a autorização para o Presidente da República ratificá-lo. Este Decreto é promulgado pelo Presidente do Senado Federal e publicado posteriormente em Diário Oficial [9].

d) 4ª Fase:Ratificação e Promulgação

O Decreto do Legislativo chega ao Presidente da República para a ratificação e promulgação, que ocorrem em um único ato, pela edição do Decreto do Executivo. Após a promulgação e posterior publicação do Decreto do Executivo pelo Presidente da República, este adquire vigência no ordenamento jurídico interno brasileiro com hierarquia de lei federal ordinária [10].

As normas previstas nos tratados internacionais, devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas pelo Presidente da República, ingressam no ordenamento jurídico brasileiro como atos normativos infraconstitucionais [11]. De acordo com o texto constitucional, depois que o tratado internacional internaliza-se por meio do Decreto, este alcança o status de lei lato sensu, pois não há disposição que mencione o lugar de sua hierarquia no ordenamento jurídico; ou seja, se estes tratados estariam abaixo das leis ou a elas se sobreporiam em caso de conflito, se as revogariam ou se seriam por elas revogados [12].

Cumpre, desde logo, ressaltar que não existe no ordenamento positivo brasileiro qualquer disposição sobre o lugar que os tratados internacionais ocupariam na hierarquia normativa brasileira, omissão esta que alcança o texto constitucional. Diante da ausência de dispositivos constitucionais, a jurisprudência brasileira orienta-se pela doutrina e pelos acórdãos. Por essa razão, deve-se observar como a jurisprudência brasileira tem se posicionado perante a questão referente ao conflito entre DI e D. interno, envolvendo tratados internacionais e leis internas. Isto posto, vale trazer o posicionamento do STF acerca do sistema de incorporação dos tratados internacionais e o case escolhido é o posicionamento esposado pelo STF sobre o sistema adotado para internalizar os tratados internacionais oriundos do MERCOSUL.


2.

EFICÁCIA INTERNA DOS TRATADOS ORIGINÁRIOS DO MERCOSUL

Está pacificado pela jurisprudência que os tratados internacionais passam a ter vigência no ordenamento jurídico interno a partir da promulgação do Decreto pelo Presidente da República [13].

O STF tem se manifestado sobre questões acerca do momento de validade dos tratados internacionais, onde também se estuda a sistemática de internalização dos tratados internacionais. Uma dessas questões, cujo Acórdão está transcrito em nota deste trabalho, e que têm suscitado bastante interesse, é aquela de se saber se os tratados assinados pelo Brasil no quadro institucional do MERCOSUL também precisariam se submeter ao processo ordinário de incorporação dos tratados internacionais, brevemente acima demonstrado.

Como é sabido, o Tratado de Assunção, que criou o MERCOSUL, estabeleceu as diretrizes institucionais para o funcionamento de um arranjo regional baseado na cooperação entre os signatários, inclusive cooperação judicial. A partir da criação do MERCOSUL, em 1992, pela própria natureza dos arranjos regionais, sucederam-se vários outros tratados, todos visando a implementar os objetivos dispostos no Tratado de Assunção. São exemplos destes tratados o Protocolo de Las Leñas, Protocolo de Ouro Preto, Protocolo de Brasília, Protocolo de Olivos e muitos outros acordos setorias, todos à égide do Tratado de Assunção e respeitando os mesmos princípios institucionalizadores do acordo.

A questão acima suscitada nos Acórdãos é a de se saber se estes tratados, sob o guarda-chuvas do Tratado de Assunção, estariam sujeitos ao processo ordinário de incorporação dos tratados internacionais. Isto porque, o Tratado de Assunção já passou pela devida internalização e se deve saber se os tratados dele decorrentes também necessitariam da formalização deste processo que na verdade é um tipo de check and balances do treaty-making power brasileiro.

É entendimento pacificado no STF que todos os tratados internacionais assinados pelo Brasil devem se submeter ao controle do processo ordinário de incorporação. Chama a atenção o Relator do Acórdão [14] para uma deficiência no texto constitucional brasileiro que se assim entendesse, ou seja, se aceitasse a desnecessidade de se submeter todos estes acordos à égide do MERCOSUL ao processo de internalização, deveria o legislador ter alterado o texto constitucional para consagrar um tipo de processo especial, mais célere, para a incorporação em nosso ordenamento jurídico destes tratados. Quando se tem apenas no art. 4º, da CRFB, uma referência genérica ao processo de integração regional, sem menção à validade, ao processo de incorporação e ao alcance dos tratados mercosulinos:

Art. 4º

Parágrafo único: A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

A Constituição faz referências genéricas e dispõe no Parágrafo único do art. 4º apenas sobre uma declaração de vontades. Nada mais do que meras intenções do governo brasileiro em "buscar" uma integração com os povos da América Latina, sendo omisso com relação ao MERCOSUL. Bem mereceria, o Art. 4º, uma Emenda Constitucional que lhe acrescentasse uma norma de eficácia plena sobre a hierarquia dos tratados mercosulinos no ordenamento jurídico brasileiro e que dispusesse sobre um processo de internalização mais célere para as normas derivadas, como, por exemplo, as Decisões do CMC [15]. Este pensamento encontra eco em outros ensaios, por exemplo, Carlos Eduardo Caputo Bastos assevera criticamente que:

A questão do regime constitucional dos tratados não tem, presentemente, merecido a devida atenção da comunidade jurídica brasileira. Essa observação, esclareça-se, tem atual pertinência, especial e especificamente, na medida em que o país se encontra em pleno processo de transição para a constituição de um mercado comum. (16)

Em uma ordem internacional que tem a globalização como principal característica e a regionalização como um contra-ponto deste movimento, com efeito, o Brasil deveria adaptar seu sistema jurídico constitucional a essas novas realidades. Por esta razão, Carlos Eduardo Caputo Bastos também chama a atenção de seu leitor para a carência manifesta no texto constitucional brasileiro quanto a uma disposição normativa que vinculasse estes fatores ao ordenamento jurídico interno. Ao considerar todo este cenário, Carlos Eduardo Caputo Bastos diz que:

Diante desse quadro, verifica-se que a participação do Brasil no Mercosul carece de definição constitucional em dois aspectos: a) prevalência ou primazia dos tratados sobre direito federal infraconstitucional, em razão da ausência de norma de conflito; b) possibilidade de o país submeter-se a uma ordem jurídica supranacional, em razão da explícita submissão do tratado ao controle de constitucionalidade, vale dizer, primazia do direito constitucional interno sobre direito internacional. [17]

Cabe lembrar que, excetuando alguns posicionamentos quase isolados, é tendência dominante entre os estudiosos da integração regional ressaltar a carência de uma normatização constitucional referente ao processo de integração do MERCOSUL. Procura-se, também, apontar a flexibilidade do sistema de solução do conflito entre tratados internacionais e leis como demasiadamente omisso, no sentido de não ser comprometido com as necessidades advindas das relações internacionais deste novo milênio, por tudo que se tem dito sobre esta nova macroestrutura internacional. Daí, todas as críticas ao posicionamento do STF, levantadas pelo internacionalista Celso de Albuquerque Mello, seguida por muitos de seus adeptos, quando afirmam que o STF age de forma absolutamente discricionária [18], no sentido de que não vincula sua decisão em matéria de conflitos entre tratados internacionais e leis a um dispositivo constitucional, simplesmente porque não existe norma constitucional a ser aplicada; assim, o STF é técnico ao se utilizar da omissão constitucional nesta matéria para fundamentar um approach exegético do conflito. Genericamente falando, a adoção da regra later in time considerando-se a política externa brasileira, é coerente e absolutamente de acordo com o que dispõe a Constituição brasileira; pois, como bem se observa pela leitura do Informativo n. 228 do STF: "É na Constituição da República (...) que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro.".


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

ARIOSI, Mariângela de F. Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Interna. Rio de Janeiro: Renovar, 2ª edição, 2003.

BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. "O Processo de Integração do MERCOSUL e a Questão da Hierarquia Constitucional dos Tratados", in Estudos da Integração. Brasília: Associação Brasileira de Estudos da Integração, 12º vol., 1997

BINENBOJM, Gustavo. "Monismo e Dualismo no Brasil: uma Dicotomia Afinal Irrelevante", in Revista Forense, v. 350, pp. 39-48.

CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre: Fabris, 1995.

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1986, 5 vols.

MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

REZEK, Francisco. Direito dos Tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. "A Incorporação dos Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos no Direito Brasileiro". Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, n. 130, p. 77 e Seg., 1996.

RODAS, João Grandino. Tratados Internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

-----. A Publicidade dos Tratados Internacionais. São Paulo: RT, 1980.


Notas

1 BINENBOJM, Gustavo. "Monismo e Dualismo no Brasil: uma Dicotomia Afinal Irrelevante", in Revista Forense, v. 350, pp. 39-48.

2 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 130.

3 Ibidem, p. 158.

4 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 457-458.

5MORAES, Alexandre. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, p. 569.

Neste livro, Alexandre de Moraes ressalta a existência de três fases para a incorporação do tratado internacional no ordenamento jurídico interno. Segue, na íntegra, as fases descritas por Alexandre de Moraes: "1ª fase: compete privativamente ao Presidente da República celebrar todos os tratados, convenções e atos internacionais (CF, art.84, VII); 2ª fase: é de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos, ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I). A deliberação do Parlamento será realizada através da aprovação de um decreto legislativo, devidamente promulgado pelo Presidente do Senado Federal e publicado; 3ª fase: edição de um decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratado internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional. É nesse momento que adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou tratado internacional, podendo, inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade.". Seguindo, nas suas explicações sobre os efeitos da incorporação dos tratados no ordenamento jurídico interno brasileiro, que ocorre após o Decreto do Executivo, Alexandre de Moraes aponta o que ele denomina por "características essenciais da incorporação" e diz haver, entre todos os efeitos, dois pontos de extrema importância: a necessidade de ratificação pelo Parlamento dos atos e tratados internacionais e a supremacia constitucional sobre as normas que ingressam no ordenamento jurídico por meio de atos e tratados internacionais.

6 Esta determinação encontra fulcro no Decreto n. 99.578/90, o qual dispõe ser de atribuição do Itamaraty negociar e celebrar tratados, acordos e demais atos internacionais, cabendo a ele estabelecer negociações diplomáticas com demais signatários em nome da República Federativa do Brasil, substituindo, nesta tarefa, as atribuições constitucionais originárias do Presidente da República (art. 84, VIII).

7 O instituto dos plenos poderes surgiu da intensificação das relações internacionais; está relacionado, portanto, ao próprio desenvolvimento das relações internacionais e ao sistema moderno de Estados em um mundo globalizado. Esta intensificação ocorreu com o advento do Estado-nação europeu, por isso, costuma-se dizer que o instituto dos plenos poderes se desenvolveu formalmente no Renascimento por meio do Corpus Juris Civilis.

8 C, Art. 1º da Convenção de Viena, de 1969.

9 A competência funcional do Senador para promulgar os Decretos Legislativos está positivada no art. 48, nº 28 do Regimento Interno do Senado Federal.

10 ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. "A Incorporação dos Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos no Direito Brasileiro". Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, n. 130, p. 77 e Seg., 1996.

11 STF – 2ª T. – Habeas Corpus n. 73044-2/SP – Rel. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 20 set., 1996, p. 34.534.

12 ARIOSI, Mariângela de F. Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Interna. Rio de Janeiro: Renovar, 2ª edição, 2003.

13 Vale transcrever um julgado recente do STF que bem explicita todas as fases do processo de incorporação do tratado internacional ao ordenamento jurídico interno e que sedimentaram esta matéria:

A RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS ACORDOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À DISCIPLINA FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

- A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

- Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral.

PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL).

- A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.

O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.

- A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata.

Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata).

- O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina.

- Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL

14 Ver a íntegra do Acórdão na nota 13.

15 Conselho do Mercado Comum, Órgão máximo do MERCOSUL.

16 BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. "O Processo de Integração do MERCOSUL e a Questão da Hierarquia Constitucional dos Tratados", in Estudos da Integração. Brasília: Associação Brasileira de Estudos da Integração, 12º vol., 1997, p. 8.

17 Ibid., p. 16.

18 Para não sensibilizar aqueles que professam ao contrário, prefiro dizer discricionária ao invés de arbitrária.


Autor

  • Mariangela Ariosi

    Sou tabeliã e registradora no interior do estado de São Paulo. Carioca, fiz meus estudos no RJ; mestrado em Direito na UERJ. Cursei o doutorado em Direito na USP, sem concluir a Tese, interrompido pois estava estudando para vários concursos, todos na área de cartório. Cursei algumas Pós na área cartorária e atualmente me preparo para retornar e concluir o doutorado. Também , fui professora de Direito durante quase 20 anos em algumas universidades do RJ como UCAM, São José, Castelo Branco e UNIRIO, dentre outras. Atualmente continuo estudando e escrevendo sobre temas afetos às atividades cartorárias. Estou a sua disposição para conversarmos sobre esses temas e trocar informações.

    Textos publicados pela autora

    Fale com a autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARIOSI, Mariangela. O iter procedimental da recepção dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 498, 17 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5943. Acesso em: 19 abr. 2024.