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Dano moral nos crimes contra a honra no distrito Riacho Pequeno, Município de Belém do São Francisco-PE

Dano moral nos crimes contra a honra no distrito Riacho Pequeno, Município de Belém do São Francisco-PE

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Trata-se de uma pesquisa que visa a identificar se as pessoas têm buscado a tutela estatal para a efetivação dos seus direitos quando estes são violados.

RESUMO: Este artigo faz uma abordagem acerca da aplicabilidade do dano moral nos crimes contra a honra no distrito Riacho Pequeno, município de Belém do São Francisco-PE, fundado, sobretudo, em uma pesquisa, no sentido de identificar se as pessoas têm buscado a tutela estatal para a efetivação dos seus direitos quando estes são violados. A partir das informações obtidas, é possível constatar que existem poucas ações impetradas no Poder Judiciário local, no que tange à busca pelo reconhecimento da pretensão reparatória do dano moral pela violação da honra objetiva e subjetiva, e existem inúmeros fatores apontados que têm contribuído para que as pessoas do distrito pesquisado permaneçam inertes. O objetivo, portanto, deste trabalho é analisar fatos da localidade que se enquadram nas tipificações legais de calúnia, injúria e difamação, assim como mostrar os aspectos funcionais da Comarca local, mormente no que diz respeito à celeridade processual.

Palavras-Chave: Responsabilidade Civil. Calúnia, injúria e difamação. Violações


1. Introdução

Riacho Pequeno, distrito localizado no município de Belém do São Francisco/PE, é um lugar muito pacato e sua história está relacionada com a passagem de um riacho que passava por uma fazenda pertencente às terras de João Vicente Nogueira, da comunidade, e com o surgimento de uma capela intitulada Bom Jesus da Lapa em homenagem ao padroeiro, a qual foi construída e inaugurada em 1909 por Celestino Nunes, figura essa que nasceu em 1784 e faleceu em 1955, a qual deu nome as duas atuais escolas da comunidade: Escola Celestino Nunes e Escola Municipal Celestino Nunes. (BARROS; NASCIMENTO, 2015, p.24).

Para quem vive nessa localidade é preocupante a realidade fática observada no seu cotidiano na qual se vê a presença de condutas que se enquadram nos crimes tipificados como calúnia, injúria e difamação.

Essas condutas são praticadas constantemente. No entanto, não têm gerado processos na justiça e as pessoas não têm recorrido aos recursos legais para ter os seus direitos tutelados. Nesse sentido, serão abordadas situações que no contexto dessa comunidade é comum se observar, como condutas que ofendem a honra, que são praticadas e as pessoas não buscam a tutela jurisdicional para a reparação do dano sofrido quando sua honra é violada.

Há acontecimentos, portanto, que como fatos geradores do dano moral não têm dado ensejo à responsabilidade civil dos que lesam os direitos de outrem de forma efetiva no contexto desse distrito os quais serão analisados a partir de uma perspectiva jurídica bem como serão citadas as previsões legais em que os fatos citados encontrarão adequação nas normas.

Ao longo desse trabalho será tratada a proteção jurídica da honra subjetiva e objetiva, a qual o constituinte decidiu trazer a previsão para a reparação do dano moral quando essas condutas praticadas atingir a esfera jurídica de qualquer pessoa, tornando possível o acesso à justiça para a prestação jurisdicional.

Tratar dessa problemática, então, não interessa somente ao particular, mas também ao Estado, o qual é o criador de normas que impõem a obrigatoriedade de reparação do dano quando existir a violação desse direito o qual está elencado no rol dos direitos fundamentais, previstos no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal que assim prescreve: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano moral decorrente dessa violação”.

A aplicabilidade do dano moral não está se dando de forma efetiva, o que se faz necessário analisar os fatores que estão envolvidos no contexto desse distrito os quais têm contribuído diretamente para que o Poder Judiciário de Belém do São Francisco/PE permaneça inerte, os quais têm impedido a aplicabilidade do mandamento constitucional que reza o seguinte: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.

Nos dias atuais, não se justifica alguém usar expressões ou realizar ações que ofendam a honra de outrem, pois o fato é que existem leis que preveem o repúdio a qualquer conduta que viole o princípio da dignidade da pessoa humana, e que apesar das diferenças sociais, econômicas e culturais, independentemente dessas divergências, todos têm direito de ser tratado como ser humano.

A tutela do dano moral apenas se evidencia no momento em que os atos de calúnia, injúria e difamação interferem em vários aspectos da vida humana. Essa temática, pois, trata de um tema que abrange a todos. Portanto, é de suma importância, tratar da questão do dano moral, pois este não se dá somente no contexto do distrito Riacho Pequeno, mas também ocorre em outras realidades fazendo-se presente no dia-a-dia das pessoas seja nas suas relações sociais, familiares, profissionais o que demonstra a relevância de ser estudado no meio acadêmico.


2. Tratamento jurídico dado à responsabilidade civil

Depreende-se da legislação e da doutrina que a responsabilidade civil é a obrigação que tem o causador do dano de pagar uma indenização ao sujeito lesado. Nos crimes contra a honra a responsabilidade civil do causador do dano é de natureza extracontratual e nesse sentido, cita Carlos Roberto Gonçalves: “Todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também chamada aquiliana”. (GONÇALVES, 2012, p. 42).

De acordo com Silvio de Salvo Venosa a responsabilidade civil pode ser dividida em responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva. Enquanto para que esta se configure seja necessário que estejam presentes os elementos do ato ilícito, nexo de causalidade, dano e culpa aquela exige apenas o ato ilícito, nexo de causalidade e dano, excluindo, pois, o elemento culpa, baseando-se, portanto, na teoria do risco. (VENOSA, 2015, p. 1-13);

O ato, pois de agredir alguém no seu aspecto moral de maneira a lhe causar prejuízos seja de ordem psicológica, social, familiar, profissional, expondo a pessoa à humilhação, cabendo ressaltar que não é o simples aborrecimento que caracteriza o dano, porque esse ato deve causar perturbações psíquicas, afetando os sentimentos e a tranquilidade, bem como afetar a pessoa até mesmo em face de suas relações sociais, como está escrito no artigo 927, do Código Civil: “Aquele por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. O prejuízo advindo do ato é o que dá ensejo ao dever de reparação dessa lesão por meio do qual o causador poderá responder civilmente.

O dano moral se caracteriza pelo sentimento de dor profunda a que uma pessoa é exposta pela ação de outra pessoa. Fica, pois, o dano configurado quando existe uma relação entre o cometimento do ato ilícito e o sentimento ferido.

Nesse sentido, explica Uadi Lammêgo Bulos que o dano moral é “detectado pela mágoa profunda ou constrangimento de toda espécie que deprecie o ser humano quando lhe causa lesões extrapatrimoniais”. (BULOS, 2014, p. 574).

Na aplicabilidade do dano moral se deve levar em consideração alguns fatores, pois, como já foi dito, não é qualquer situação que possibilitará a sua concessão.

No que tange a isso, Carlos Roberto Gonçalves explica com precisão quais aspectos devem ser considerados quando o magistrado apreciar questões atinentes a essa temática.

No arbitramento de indenização de reparação do dano moral, o juiz terá em conta (...) “a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido”, bem como a “intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica. (GONÇALVES, 2012, p. 59).

Será no caso concreto que o juiz decidirá a incidência da norma do caráter ilícito da conduta do agressor bem como do prejuízo a ser reparado, o qual condenará a parte ao pagamento, tradicionalmente, estabelecido em pecúnia.

Dispõe o artigo 953, do Código Civil, prevê: “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.

A calúnia, a injúria e a difamação são condutas ilícitas que além de abranger a responsabilidade penal engloba também a responsabilidade civil. Rui Stoco explica o que é essencial para configurar os crimes contra a honra: 

A calúnia, a difamação e a injúria, podem eventualmente não causar dano material, mas só terão existência e estarão caracterizadas se causarem ofensa à honra, pois esta é o seu substrato. E desonrar é o mesmo que desmoralizar. Demoralização, por sua vez, é a fonte do dano moral e com ele se confunde. (STOCO apud BOGO, 2014, p. 25).

Assim, o dano material não é essencial para caracterizar os crimes contra a honra, mas o dano moral decorre da própria prática do ato e está bem esclarecido que dada situação dá ensejo a reparação do dano, como se depreende do inciso X, do artigo 5º, Constituição Federal que dispõe: “são invioláveis [...] a honra e a imagem das pessoas, assegurado o dano material ou moral decorrente de sua violação”.


3. Calúnia

A calúnia é configurada quando alguém atribui a outrem um fato tipificado como crime na legislação. Este é considerado o crime mais grave, pois além de imputar-se uma conduta falsa, está ainda é prevista como crime.

Para que o mesmo também se configure como crime ele não deve estar inserido em brincadeiras e o agente deve ter o praticado com a intenção de ofender a vítima. E o fato deve ser certo, e não apenas palavras sem fundamentos. Nesse sentido, diz a doutrina de Fernando Capez:

O fato criminoso deve ser determinado, ou seja, um caso concreto, não sendo necessário, contudo, descrevê-lo de forma pormenorizada, detalhada, como por exemplo, apontar dia, hora e local. Não pode, por outro lado, a imputação ser vaga, afirmar simplesmente que José é um ladrão. (CAPEZ apud BOGO, 2014, p. 20).

O objeto jurídico desse crime é a honra objetiva, que corresponde à reputação da vítima na sociedade, ou seja, o seu apreço e valor social e é consumado quando o fato chega ao conhecimento de outras pessoas.  Nos dizeres de Vicente Greco Filho:

O delito só admite a modalidade dolosa, ou seja, o chamado animus calumniandi, a vontade de ofender a honra do sujeito passivo [...] O agente caso não tenha certeza da veracidade do fato e ainda assim, mesmo correndo o risco de ser falsa a informação que divulga, a profere do mesmo jeito, age com dolo eventual. (GRECO FILHO apud BOGO, 2014, p. 20).

Portanto, tem-se que a calúnia deve reunir os seguintes elementos: fato determinado, imputação de ato criminoso e ato falso. A difamação é configurada quando uma pessoa atinge também a honra objetiva de outra, atribuindo-lhe fato que diminua o valor social que a pessoa possui diante de todos, ou seja, a imagem da pessoa é denegrida.


4. Difamação

Acerca da difamação Yussef Said Cahali afirma que esta se caracteriza pelo fato de alguém imputar a outra pessoa algo que fira o seu valor social de forma negativa, ainda que o fato imputado não seja crime, bastando que a pessoa denegrir ou macular a reputação alheia.  (CAHALI, 2011, p. 247).

Tendo em vista que há pessoas que prezam por sua imagem social, preservando certos valores acerca da sua personalidade, sejam de ordem religiosa, social, familiares, o legislador compreendeu ser necessário criar um instituto que visasse tornar viável compensar os prejuízos resultantes desse mal injusto.

E assim como na calúnia, o ato não pode ter sido inserido em uma brincadeira e para que ele prejudique a imagem social da vítima não é relevante se ele é verídico ou não.  Assim, a ofensa pode ser não apenas propagada verbalmente, bem como pode ser por outros meios.


5.      Injúria

Na injúria o ato praticado fere a honra subjetiva do ofendido e pode ser de forma direta ou indireta.

A injúria ocorre quando alguém ofende a esfera jurídica de outra pessoa utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. A injúria consiste, pois, na ofensa a outra pessoa através da atribuição de elementos pejorativos, e pode ser através de palavras ou gestos. E para a conduta enquadrar-se na tipificação o agente deve agir de forma dolosa. 

No que diz respeito a isso, a doutrina se posiciona da seguinte maneira:

Não será suficiente ao aperfeiçoamento da injúria qualificada pelo preconceito, que alguém venha a ultrajar alguém pejorativamente chamando-o de negro, baiano, judeu, macaco, africano ou carcamano. [...] Sempre será necessário que se agregue ao simples dolo de ofender a incolumidade moral alheia o elemento subjetivo do injusto, a conferir-lhe maior amplitude e contundência, consiste numa manifestação do sentimento a revelar, de forma prevalente, a intenção de ferir não apenas a pessoa particularmente considerada e propriamente dita, mas de discriminá-la pela sua raça, etnia ou religião. (PEDROSO apud BOGO, 2014, p.24).

Cabe ressaltar que na injúria não é necessário que o conteúdo da ofensa seja comunicado a terceiro, é suficiente que o ofendido leia, ouça ou perceba o ato.

No campo da responsabilidade civil, Yussef Said Cahali cita casos em que a jurisprudência brasileira tem reconhecido o dano moral em situações em que estaria configurada a injúria:

1ª turma Rec. do JE do DF: Havendo a projeção de palavras ofensivas moralmente, seja em razão da cor,da capacidade administrativa em função eletiva legítima, caracteriza-se dano moral indenizável(16.04.2002, Rep. IOB Jurisp. 3/1.944).4ª Câmara do TJPR: O insulto sofrido pelo apelante teve forte sentido de menosprezo à pessoa humana, além de características de preconceito racial, cabendo nos termos da Carta Magna, a recomposição dos danos sofridos.(apel 55.179,04.03.1998, AASP 2090, p. 855).1ª Câmara do TALçMG: Comprovada a ofensa com palavras, expressões ou frases ofensivas, demonstrando o ofensor nítida intenção de denegrir a honra e a imagem da vítima em razão de sua cor,é devida indenização por dano moral(04.11.2003, Revista Jurídica 313/131). (CAHALI, 2011, p. 293).

Aquele que comete um ato ilícito pode fazer nascer tanto a responsabilidade civil como a penal, ou seja, o ofensor pode ser demandado não somente na esfera cível, mas também pode responder pelo seu ato na esfera criminal.


6 . Tutelas e violações

6.1 Casos de injúria

6.1.1. Injúria Racial

Um caso contemporâneo a este trabalho foi relatado por um dos entrevistados que reside no distrito Riacho Pequeno, que é considerado um ato grave. De acordo com ele, uma determinada pessoa o teria chamado de “urubu”, quando o avistou ao passar por uma determinada rua da comunidade, ou seja, fez menção a sua cor negra, fato este que o teria ofendido profundamente, ridicularizado e o deixado com baixa autoestima. No entanto, não houve busca para a reparação do dano.

Esse episódio apresenta elementos relevantes e que devem ser discutidos, pois o ato praticado configura uma prática preconceituosa que é muito reprimida e que é considerada muito grave pelo ordenamento jurídico, pois revela um dos mais crimes repudiados pelo ordenamento jurídico, no que diz respeito a discriminação em razão da cor.

Ele também se enquadra no crime tipificado como injúria racial, pois dispõe o Código Penal: “Injuriar alguém, ofendendo a dignidade ou o decoro”, utilizando elementos referentes à raça, e, no caso em questão, o ato se caracteriza por ser direcionado a uma pessoa determinada e não a um grupo.

Tal ato praticado viola direitos fundamentais, como o que está elencado no inciso III, do artigo 5º, da Constituição Federal: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

E usar palavras pejorativas com o intuito de magoar, inferiorizar, humilhar outra pessoa é uma forma de tratamento degradante e desumano, na medida em que todos são iguais perante a lei, não cabendo fazer distinção de qualquer natureza, como dispõe o artigo 5º, da Carta Magna.

Terceiro, o fato descrito acima muito mais do que causar constrangimento, humilhação ou ofensa, ele fere um direito fundamental que é o decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, o que faz mensuração da existência do elemento dolo, estando, pois, caracterizada a responsabilidade civil do agressor. Portanto, é cabível o pedido de danos morais em face do ofensor.

A prática de injúria racial pode ser compreendida como uma prática que está diretamente ligada ao racismo, pois ambos têm como objeto em comum a cor como se observa no relato de uma entrevistada que diz, também, que foi vítima de injúria racial, e descreveu que o seu sogro teria afirmado para seu esposo não se casar com ela, porque a família dela só tinha “nego”. A entrevistada contou ter se sentido humilhada, ridicularizada e ofendida com a atitude do sogro.

A injúria racial que é uma forma de manifestação do racismo tem um caráter histórico na comunidade, pois em décadas anteriores, no distrito Riacho Pequeno, havia separação de grupos pelo critério racial, existia o clube dos brancos, do qual pessoas negras não poderiam participar. E apesar de aparentemente, o preconceito ter sido combatido, no entanto, frases pejorativas ainda são usadas como forma de inferiorizar essa raça, como se depreende do caso em questão, ainda, hoje.

Em casos como esses, vê-se que os direitos fundamentais estão sendo violados e que o dano moral não é requerido no contexto local, tendo em vista que situações como essas se repetem sempre, e os agressores não tem respondido judicialmente pelo dano moral por causa do ato praticado, em virtude da inércia do lesado.

Esses atos, no entanto, têm atingido em todas as classes profissionais, até mesmo artistas famosos, no dia a dia, o que confirma que em todas as classes sociais esse tipo de prática tem ocorrido.

Cabe citar aqui um caso muito polêmico que envolve injúria racial que ocorreu a nível nacional, que foi o caso de Maria Júlia Coutinho, conhecida como “Maju”, jornalista da área de meteorologia do Jornal Nacional da TV Globo, que foi vítima de frases como as seguintes: “Só conseguiu emprego no 'Jornal Nacional' por causa das cotas. Preta imunda”; “Não tenho TV colorida para ficar olhando essa preta não”. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO).

Outro caso bastante polêmico foi o ocorrido com a atriz Tais Araújo, pois a mesma foi vítima de injúria racial através de sua página no facebook logo após postar uma fotografia com uma imagem sua. O site do Diário de Pernambuco noticia os comentários que se fizeram acerca dela: “Me empresta seu cabelo para lavar louça”, “Te pago com banana”, “Com esse cabelo dá pra lavar a Globo inteira”, “Não sabia que no zoológico tinha câmera”, “Como pode alguém achar bonito esse cabelo de Bombril?”. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO).

Diante disso, fatos como estes revelam o desrespeito à integridade moral das pessoas, ilícitos estes que se manifestam das suas mais variadas formas, os quais devem motivar as pessoas a impetrarem ações no âmbito judicial.

6.1.2 Injúria - Ofensa verbal

Outra entrevistada diz ter sido vítima de outra pessoa da comunidade, a qual teria gritado em praça pública com ela, proclamando diversas palavras que teriam ferido a sua honra como “vagabunda”, além de ter partido para a agressão. A mesma afirmou que teria se sentido humilhada, desmoralizada e constrangida com a situação diante de todos que estavam presentes.

A entrevistada explicou que não litigou na justiça, mas que sabia que o fato daria ensejo ao dano moral. O fato, também de a agressora ter denegrido publicamente a ofendida sem a mesma ter feito sequer provocação, isso revela que agressora agiu com dolo, o que reúne todos os elementos da responsabilidade civil subjetiva. No caso em análise é possível constatar o dano moral, pois se verifica uma conduta do ofensor que ofende os direitos da personalidade.

Nesse sentido, a honra a qual é objeto de estudo do caso em questão, está prevista no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal: “são invioláveis (...) a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Acerca disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se posiciona da seguinte forma:

EMENTA-DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PUBLICAÇÃO DEMATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA À HONRA. MODIFICAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. ELEVAÇÃO NECESSÁRIA, COMO DESESTÍMULO AO COMETIMENTO DE INJÚRIA. CONSIDERAÇÃO DAS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DOS OFENSORES, DA CONCRETIZAÇÃO POR INTERMÉDIO DEVEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DE GRANDE CIRCULAÇÃO E RESPEITABILIDADE E DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO OFENDIDO. PREVALECIMENTO DE VALOR MAIOR, ESTABELECIDO PELA MAIORIA JULGADORA EM R$ 500.000,00.

1.- Matéria jornalística publicada em revista semanal de grande circulação que atribui a ex-Presidente da República a qualidade de “corrupto desvairado”. 2.- De rigor a elevação do valor da indenização por dano moral, com desestímulo ao cometimento da figura jurídica da injúria, realizada por intermédio de veículos de grande circulação e respeitabilidade nacionais e consideradas as condições econômicas dos ofensores e pessoais do ofendido, Ex-Presidente da República, que foi absolvido de acusação de corrupção cumpriu suspensão de direitos políticos e veio a ser eleito Senador da República. 3.- Por unanimidade elevado o valor da indenização, fixado em R$500.000,00 pelo entendimento da D. Maioria, vencido, nessa parte, o voto do Relator, acompanhado de um voto, que fixavam a indenização em R$ 150.000,00. 4.- Recurso Especial provido para fixação do valor da indenização em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Resp 1120971/ RJRecurso Especial 2008/0112653-7-relator Sidnei Beneti (1137) terceira turma. (destaques nossos).

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a configuração do dano moral pela prática da injúria. Diante do julgado, verifica-se que a aplicabilidade do dano moral deve cumprir suas finalidades, ou seja, o juiz ao analisar o caso considera vários fatores antes de aplicar a punição.

6.1.3 Injúria – Religião

Um outro caso que também chama bastante atenção, relatado por uma entrevistada, foi o caso de algumas pessoas que se encontravam reunidas na igreja evangélica, prestando culto e uma certa pessoa adentrou no local e jogou uma lata de lavagem no meio do salão, fazendo referência aos porcos. Todos, então, ficaram profundamente ofendidos, pois o sujeito naquele instante estaria ferindo o sentimento de todos os fiéis, além do desrespeito a liberdade de culto das mesmas. No entanto, os evangélicos não buscaram reparação para o dano moral.

Diante do exposto, cabe lembrar que a injúria não é praticada apenas por palavras, mas também pode ser manifestada por meio de gestos e outras ações.

Diante do fato, verifica-se que o ato praticado pelo ofensor violou o inciso VI, do artigo 5º, da Constituição Federal que dispõe: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais do culto e suas liturgias”. Assim, o sujeito feriu um direito fundamental e poderia eventualmente ser condenado a reparação do dano como dispõe o inciso X, do artigo 5º, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Também, enquadra-se na tipificação do Código Penal: “Injuriar alguém, ofendendo a dignidade ou o decoro”, utilizando elementos referentes à religião.

No caso em apreço entra em questão a violação do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual está elencado na Constituição Federal.

Dessa forma, ofender outra pessoa, por qualquer meio, é uma atitude que contraria dispositivos legais e, primordialmente, o principal modelo de regramento.

Fatos como esses acontecem porque os responsáveis nunca foram condenados judicialmente a arcar com os danos decorrentes. No caso em questão o dano moral teria a finalidade de compensar os prejuízos sofridos pelo ofendido, apesar de nem sempre ele conseguir voltar ao status quo.

6.2 Caso de calúnia

6.2.1 Calúnia-Furto

Há, também, o caso de um jovem que diz ter sido vítima de calúnia, pois determinadas pessoas lhe imputaram o crime de furto, ou seja, o furto de um bode. O mesmo revela que além de ter tido o seu sentimento ferido, desmoralizado, também teve a sua reputação denegrida diante de muitas pessoas da comunidade, tendo em vista que muitas pessoas perderam a credibilidade nele.

O fato demonstra que o valor social do ofendido foi afetado, tendo em vista que sua reputação foi maculada, o que torna possível o requerimento do dano moral em face do ato de calúnia, pois os ofensores espalharam o fato dentro da localidade.

E muitas pessoas da comunidade reconheceram que foram espalhados esses boatos pelos ofensores, bem como estes próprios reafirmaram que a vítima tinha praticado tal ato, ainda que não tivessem certeza da materialidade do fato, isto é, mesmo não ficando provado que tal ato havia se consumado, o que caracteriza ainda mais o crime de calúnia.

A calúnia é configurada quando alguém atribui a outrem um fato tipificado como crime na legislação. O Código Penal traz esse conceito, no seu artigo 138: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”.

Não se pode negar, portanto, que a conduta da pessoa que lhe caluniou SE mostra motivo suficiente para que este seja responsabilizado pelos danos sofridos pela vítima. Trata-se, então, tal caso de dano moral, ficando comprovado o dano sofrido pelo ofendido o qual encontra guarida na lei.

É importante ainda enfatizar que ter seu nome associado ao de ladrão de bode, fato este que não ocorreu, é um ato prejudicial à integridade psicológica do ofendido, bem como a sua honra, e uma violação aos direitos da personalidade, os quais são protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois o simples ato do ofensor de pôr simples suspeita dizer para um grande número de pessoas, sem ter provas, que alguém lhe furtou um bode é uma ofensa muito grave que atinge a honra objetiva e subjetiva de alguém. Diante dessas circunstâncias se elucida, a repercussão do ato atribuído à referida vítima.

Cabe ressaltar que o valor do dano deve ter como princípio basilar o da razoabilidade, pois o magistrado não deve causar enriquecimento ilícito da parte ofendida, bem como não pode arbitrar um valor que não corresponda a uma sanção a parte que causou o prejuízo tendo em vista que estaria causando um desequilíbrio no arbitramento.

Em decorrência de as pessoas não ocuparem a maior parte de seu tempo exercendo alguma atividade, isso sempre possibilitou, e, ainda tem possibilitado, as chamadas “fofocas”, pois a maior parte das pessoas observa muito o cotidiano uma das outras, costumam fazer julgamentos pessoais acerca de outras pessoas, e devido a existência de certas indiferenças entre elas, isso propicia o surgimento de crimes como calúnia e difamação, fatos como esses típicos de lugares pequenos.

Essa prática, no entanto, não pode ser aceita como algo inofensivo, na medida em que é possível verificar danos concretos de ordem moral, psicológica e social, que afetam e violam os direitos da pessoa humana, os seus valores, os seus relacionamentos pessoais e interpessoais.

Na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Pernambuco se encontram julgados que tratam da condenação de pessoas a reparação do dano moral por calúnia:

EMENTA-APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRELIMINARES DE CARÊNCIA DE AÇÃO E INTEMPESTIVIDADE REJEITADAS. DANO MORAL CONFIGURADO. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO, ACUSAÇÃO INDEVIDA DE ROUBO DE CARGA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA REDUZIR O VALOR DOS DANOS MORAIS ARBITRADOS. DANOS MATERIAIS AFASTADOS. DESPROVIDO O RECURSO ADESIVO.

A alegação de cometimento de crime, quando infundada, dá ensejo à reparação por danos morais. O valor do dano moral deve se orientar pelo princípio da razoabilidade. Descabe fixação de valor a permitir enriquecimento ilícito, como também não se pode aceitar um valor que não represente uma sanção efetiva ao ofensor. Os danos materiais demandam prova inequívoca de sua ocorrência. Ausente tal prova, afasta-se a indenização pleiteada. Recurso parcialmente provido. Decisão unânime. (Apelação cível n.º 111208-5. Relator Itamar Pereira da Silva Júnior, 2008).

Assim, vê-se que esse tipo de comportamento é reprovável pelos tribunais brasileiros e especificamente pela jurisprudência pernambucana, pois pelo que se depreende do caso objeto de ementa citado acima, mesmo o juiz tendo conhecido a pretensão de redução do valor arbitrado em sede de apelação não rejeitou o fato de a vítima ter sofrido dano moral, reconhecendo o caráter reparatório e pedagógico da condenação.

Nesse aspecto, é imprescindível ao magistrado atender aos fins sociais da condenação.

6.3 Caso de difamação

6.3.1 Difamação – adultério

Outro exemplo que ocorreu, foi o de uma senhora casada que teve seu nome difamado dentro da localidade, pois esta conta que a tentaram prejudicar espalhando o boato de que ela traia o esposo, a qual se sentiu coagida por pessoas do seu convívio a confessar tal ato e menciona que não o praticou, fato este que a levou a se afastar do convívio social, do seu âmbito de trabalho, e de seu grupo religioso, o que desencadeou um estado depressivo, de baixa-estima e desmoralização diante dos que a conhecia na localidade, considerando que se trata de um lugar pequeno, no qual todos se conhecem, aspecto este que traz maior repercussão do fato no distrito.

Ante o exposto, o caso em questão revela a existência de grandes prejuízos a ofendida, tendo em vista que inúmeras pessoas tomaram ciência do fato, expondo assim a integridade moral da mesma, diante das pessoas que compõem o distrito, o que faz jus a indenização pelo dano moral sofrido em decorrência da difamação, o que traz em discussão a questão da proteção do bem imaterial que integra os direitos da personalidade, bem este que é inalienável, irrenunciável e imprescritível que é o direito de imagem e a integridade moral.

É de se considerar também que a ofendida, pelos fatos relatados, teve inúmeras perturbações psíquicas, fato este que lhe tirou o sossego e que a fez passar muitas noites sem dormir e que faz enquadrar a conduta dos ofensores no artigo 186, do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Este dano, encontra respaldo, tanto na lei como na jurisprudência. Também dispõe o artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

No caso em apreço, verifica-se que o ato imputado à ofendida e os danos resultantes do fato repercutiram prejuízos de ordem moral e trouxe constrangimento a mesma, na medida em que ficou em abalado estado emocional, além de que resultou consequências até mesmo em face de suas relações profissionais.

Essa vítima enfrentou dificuldades no seu ambiente de trabalho, a qual se sentiu constrangida e com vergonha de encarar o olhar e a indiferença dos seus colegas de trabalho, bem como a dor a que foi submetida em face de seu conflito com seu esposo, o qual passou a lhe tratar com indiferença e repugnância, ameaçando até mesmo pedir a separação da união conjugal. E apesar de o ato de adultério não ser mais tipificado como crime se deve considerar que a mesma foi difamada em face dos que integram o seu grupo religioso e que a cultura local ainda preserva certas condutas pautadas na religião como a fidelidade conjugal.

No que diz respeito ao dano moral esta se configurou porque a conduta do ofensor atingiu aspectos íntimos da sua personalidade, causando lesão ao bem imaterial.  Acerca do tema, o Tribunal de Justiça de Pernambuco tem decisões no sentido de conceder à mulher que tem sua honra violada a reparação do dano moral:

INDENIZAÇÃO. DIFAMAÇÃO. IMPUTAÇÃO DE ADULTÉRIO. REVELIA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. BOA FAMA E REPUTAÇÃO. DIREITO À HONRA. DANO MORAL IN RE IPSA. PROCEDÊNCIA. 1-É notório que a pública exposição da mulher ao ridículo, a quem se imputa a prática de adultério, figura já banida do nosso ordenamento jurídico, com o evidente propósito de comprometer a sua idoneidade moral perante a vizinhança, colegas de trabalho e familiares, é motivo bastante a causar ofensa moral passível de ser reparada civilmente. 2-O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano imaterial deve levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições da ofendida, a capacidade econômica do ofensor, além da reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Por fim, há que se ter presente que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito. (Apelação Cível 0277302-2-Relator José Fernandes).

Ninguém, pois está desamparado pela lei, pois mostram as sentenças prolatadas no Tribunal de Justiça de Pernambuco que aquele que comete esses atos ilícitos não estão livres de responderem na esfera cível por suas condutas as quais são repudiadas pelo ordenamento jurídico, pelos tribunais, pela doutrina.


7. Dados estatísticos da Comarca de Belém do São Francisco/PE

Em entrevista com o Chefe de Secretaria da Vara Única da Comarca de Belém do São Francisco/PE, foi dito pelo mesmo que tramitava no Fórum local muitos processos, entre os quais duas centenas são sobre os crimes contra a honra, e uma dezena se requer a aplicabilidade do dano moral. São cerca de quatrocentos termos circunstanciado de ocorrência. Além disso, é importante ressaltar que não se faz registro na Comarca de Belém do São Francisco/PE de nenhum processo que tramite sobre os crimes contra a honra que tenham como demandantes os habitantes de Riacho Pequeno.

PROCESSOS

VARA ÚNICA DA COMARCA DE BELÉM DO SÃO FRANCISCO

Nº de processos que tramitam na Comarca

4.572

Nº de processos recebidos no mês

60

Nº de processos sobre os crimes contra a honra

200

Nº de processos que tramitam sobre os crimes contra a honra que se requerem a aplicabilidade do dano moral

10

Nº de processos que se requer a aplicabilidade do dano moral por pessoas do Riacho Pequeno-Belém do São Francisco

0

Nº de sentenças proferidas no mês

69

Média das despesas

R$ 300,00

% de processos que se requerem a Justiça Gratuita

90%

Tempo usado para prolatar uma sentença

1 a 2 anos

FONTE: Levantamento feito pela autora nos meses de outubro a dezembro de 2015 na Vara Única da Comarca de Belém do São Francisco/PE.

A partir desses dados se nota que os litigantes do município, em sua grande maioria, são hipossuficientes econômicos, e que, considerando que o Juiz de Belém do São Francisco/PE exerce jurisdição dentro do território municipal, bem como no município de Itacuruba/PE, chegando a cerca de trinta e cinco mil jurisdicionados, e que dentre os processos apenas dez requerem o dano moral, então se conclui que são poucos os que buscam a reparação do dano na justiça no município, quando sua honra é violada.

No que se refere aos dados coletados acerca da ocorrência do dano moral nos crimes contra a honra no distrito Riacho Pequeno se verifica que mais de oitenta por cento dos entrevistados já foram vítimas de atos que trouxeram desonra a sua pessoa e que muitas destas, devido a aspectos culturais da localidade, não buscam a reparação do dano quando sua honra é violada.     

Nesse sentido, a autoridade judiciária local, o juiz Carlos Fernando Arias, relatou que praticamente não havia processos que demandavam a aplicabilidade do dano moral por injúria, difamação e calúnia e, nos casos que ocorrem, o que motiva as pessoas a requererem o dano não é a busca por uma resposta judicial, mas as pessoas veem a via judicial como uma forma de se vingarem da outra parte. Muitas pessoas, ainda, apontaram que a distância entre Riacho Pequeno e Belém do São Francisco/PE também se constitui um obstáculo para elas pleitearem seus direitos.

Portanto, os fatores relacionados acima, indicam que a aplicabilidade do dano moral, no que diz respeito aos crimes contra a honra, não tem sido promovida nesse contexto e a responsabilidade civil dos que praticam tais atos não tem sido reconhecida judicialmente, tendo em vista que o Poder Judiciário não tem sido acionado pelas pessoas vítimas da lesão.  Nesse sentido, Mauro Cappeletti e Bryan Garth:

Identificam, no movimento de acesso à justiça, três ondas e barreiras que deveriam ser superadas para que os indivíduos, sobretudo os mais carentes tivessem de fato, seus direitos garantidos, transformando-se em cidadãos. A primeira garantia da assistência jurídica aos pobres. A segunda se manifesta na representação dos direitos difusos e a terceira ocorre com a informalização de procedimentos de resolução de conflitos. (CAPPELETTI E GART apud SADEK, 2014, p. 58).

Ante o exposto, os referidos autores apontam a pobreza como fato social, o qual se constitui como obstáculo entre as pessoas e a justiça, no que se refere ao fato de que muitas pessoas, por serem pobres, não têm acesso a níveis elevados de conhecimento.

Isso resulta na falta de entendimento necessário para buscar o reconhecimento de seus direitos, isto é, as possibilidades jurídicas de exigi-lo judicialmente.

Esse fato ocorre na referida localidade Riacho Pequeno, na medida em que muitas pessoas desconhecem a existência de Defensorias Públicas e muito menos conhecem a sua função, as quais existem para suprir o problema da hipossuficiência, como se pode entender da leitura da Lei Federal n.º 1.060, de 1950, e do inciso LXXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, que dispõe: “O Estado prestará assistência integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

No entanto, o juiz da comarca de Belém do São Francisco/PE, Carlos Fernandes Arias, acredita que a falta de conhecimento não é um problema, pois o mesmo em entrevista disse: “não acredito que a falta de conhecimento seja um problema, pois as pessoas por qualquer coisa estão buscando seus direitos”.

O mesmo, ainda, defendeu a ideia de que o excesso de formalidades não é um impedimento para as pessoas buscarem o acesso à justiça, mas ressaltou que as pessoas mais idosas geralmente compõem o grupo de pessoas que tem temor em relação à figura que o magistrado representa, ou seja, a sua imposição.

Acerca da linguagem muito técnica, uma das entrevistadas falou que tinha medo de não saber se expressar diante do juiz, e que isso se constituía um dos fatores que lhe desmotivava no que tange a busca dos seus direitos.

Essa realidade social é confirmada por Ailton Alfredo de Souza quando este leciona que:

A dominação legal se apresenta hoje, por meio do normativismo jurídico o qual, [...] pretende colonizar “o “mundo da vida” com suas disposições normativas, estrategicamente cunhadas na linguagem escrita e formal.

Nesta perspectiva, aos dominados resta obedecer sem questionar e, se questionar, o fará por meio de quem exerce a dominação, ou seja, advogados procuradores, promotores etc..., todos experts na linguagem falada pelo Estado de direito. (SOUZA, 2005, p.163).

Dessa forma, não se pode negar que o tecnicismo tem se colocado como um fator que distancia muitas pessoas de exercer diretamente os seus direitos, as quais estão obrigadas a se submeterem as imposições do Estado.

Acerca da morosidade esta se dá porque a quantidade de juízes e servidores não é suficiente para atender a imensidão de demandas.

O problema, no entanto, da celeridade da justiça não se resolve assim pelo que se entende da concepção de Maria Tereza Aina Sadek:

Argumentos baseados na necessidade de gerenciamento se contrapõem a esse diagnóstico focado no número insuficiente de juízes e servidores. Ao invés de “mais do mesmo”, alega-se que a organização do trabalho, o estabelecimento de metas, a administração de Varas e Tribunais teriam maior possibilidade de provocar diferenças significativas no grau de produtividade dos juízes, desembargadores, ministros e serventuários judiciais e, consequentemente, no combate a morosidade, do que o aumento de magistrados e servidores. A proposta encontra suporte em pesquisas que demonstrem os efeitos positivos do gerenciamento na morosidade processual. (SADEK, 2014, p. 62).

O planejamento das atividades é, pois, um instrumento eficiente para se chegar a bons resultados, no sentido de ele desencadeia de forma mais rápida o desentrave dos processos em trâmite no judiciário.

O juiz, da Comarca de Belém do São Francisco/PE, apontou medidas que poderiam ser tomadas para diminuir o número de processos do Judiciário: “Tem que mudar a estrutura do Poder Judiciário, tem que se criar meios extrajudiciais de resolução dos conflitos”. Para ele tem que acabar com a cultura de que tudo tem que se resolver em juízo, pois as comarcas vivem lotadas de processos.

Aliás, esse é um pensamento que é idealizado e defendido, majoritariamente, pelos operadores do direito.

Já no que diz respeito ao aspecto econômico, esse problema tem sido minimizado, pois, com a instituição de Defensorias Públicas, para atender aos hipossuficientes, isso vem representando um avanço muito grande para a justiça brasileira.

Permanece, no entanto, o desafio de educar as pessoas para recorrer aos mecanismos jurídicos para a busca efetiva da tutela jurisdicional quando sofrer ameaça dos direitos.

Maria Tereza Aina Sadek assevera: “Atendimento que não se restringe ao ajuizamento de ações junto ao judiciário, mas que engloba também uma série de atividades, desde a educação em direitos até a solução de conflitos extrajudicialmente”. (SADEK, 2014, p. 63). Logo, investir em meios alternativos de resolução de conflitos é um meio viável para a efetividade do direito.


8. Conclusão

Diante dos casos analisados, percebe-se que há no distrito Riacho Pequeno uma predominância dos valores morais, pois é costume das pessoas não resolverem seus conflitos com a intervenção estatal, pois quando ocorre algum fato que poderia dar ensejo a uma ação judicial, como nos casos configurados como crimes contra à honra, as pessoas em virtude de serem conhecidas entre si, e muitas vezes por questões religiosas, por não querer prolongar o conflito, acabam optando por não litigar na justiça porque acreditam que dessa forma se evitam contritos prolongados.

Além disso, muitos fatores como a falta de conhecimento, a morosidade processual, a linguagem incompreensiva e o medo de sofrer alguma vingança as impedem de recorrer à justiça.

Há também que se falar nos entraves psicológicos, como o medo do poder judiciário, a falta de interação com as formalidades e o tecnicismo exacerbado, típico do linguajar usado pelos operadores do direito, bem como o modus operandi, considerado difícil e o ambiente intimidador que são os tribunais. Esses aspectos foram apontados pelos entrevistados como obstáculos para a busca da tutela jurisdicional.

Devido à falta de costume que as pessoas não têm de lidar com autoridades como o Juiz, isso as levam, muitas vezes, a sentirem um determinado temor quando estas se deparam com situações que envolvem a justiça, pois a primeira lembrança que vêm as suas mentes é a figura da polícia e o uso abusivo de autoridade e devido aos fatos históricos abordados sobre a localidade em que envolve casos de justiça.

Além disso, devido à falta de informações, muitas pessoas têm uma imagem distorcida do que representa o aparelho repressivo, pois não conseguem discernir com mais profundidade o que representa e qual é a função dessas pessoas. É importante frisar que parte da população é analfabeta, e esse é o fator preponderante que impede às pessoas de buscar seus direitos, mas o problema não se resume ao analfabetismo na medida em que muitas pessoas concluíram o ensino médio e têm o ensino superior completo, pois lhes faltam a devida instrução, ou educação, para despertá-las para o exercício da cidadania.

Outro entrave que se constitui obstáculo é a morosidade processual, pois muitos dos entrevistados alegaram que a justiça é lenta e que se demoram muitos anos para se realizar um julgamento.

Durante a entrevista, foi perguntado ao juiz se ele conhecia os aspectos sociais do município, o que envolve o distrito de Riacho Pequeno, e ele em resposta afirmou: “conheço muito pouco”. Assim, esse fato revela que os juízes não estão inseridos na realidade dos jurisdicionados, pois ele, bem como a maioria dos magistrados, desconhece a verdadeira realidade na qual está inserido o povo belemita, e mais especificamente, a realidade do Riacho Pequeno, na medida em que muitas pessoas apesar de terem nível médio, superior, isso não lhes garantem que tenham conhecimento de seus direitos e de como pleiteá-los e principalmente aquelas pessoas que residem distante da Comarca, como as que moram nos distritos e nas fazendas circunvizinhas, onde o acesso é mais difícil.

Diante do exposto, conclui-se que a demanda de processos que requerem o dano moral nos casos configurados crimes contra a honra é pouca no município e pela pesquisa realizada não se faz nenhum registro de processo que tenha como demandantes os habitantes do Riacho Pequeno.  Tendo em vista esse aspecto, surge a necessidade de ampliar o acesso à justiça, buscando-se efetivar os direitos individuais, simplificando o formalismo exacerbado dos procedimentos que integram o processo, bem como a criação de outras formas de resolução desses problemas.

 Assim, além de combater o excesso de formalismo, é necessário criar outras formas de solucionar os litígios, o que funcionará como uma medida eficaz para reduzir a quantidade de processos que são impetrados no judiciário, pois, diante da lentidão com que são julgados os processos, surge à necessidade de combater a morosidade processual, minimizar os problemas da pobreza, como já vem sendo feito com a ampliação de acesso cada vez maior à justiça gratuita, da falta de acesso ao conhecimento dos mecanismos necessários para se pleitear no judiciário, permitindo às pessoas amplo acesso à cultura jurídica, impedindo que o acesso seja de poucos, combatendo, pois, a exclusão social daqueles que por fatores sociais, históricos, econômicos, culturais e psicológicos ficam a margem do cenário jurídico, arcando em decorrência disso com o ônus da desigualdade.

A educação se revela, também, um instrumento poderoso para tornar possível a efetivação da tutela jurisdicional dos direitos e, mais especificamente, no que se refere aos crimes contra a honra, pois é por meio dela que as pessoas terão a oportunidade de serem conscientizadas dos seus direitos, com a obtenção de informações. 

Por isso, é fundamental que os planos de educação elaborados para ser executados nas escolas contemplem o conhecimento básico da cultura jurídica, pelo menos, abrangendo na grade curricular a disciplina da Constituição Federal, pois essa será uma forma de despertar as pessoas para o exercício dos seus direitos.

Casos como esses, de injúria racial, que ocorrem diariamente, necessitam ser coibidos e o importante é que os ofendidos busquem a reparação do dano como uma forma de serem compensadas pela lesão de ordem moral e a integridade psicológica, bem como os juízes devem arbitrar um valor que faça o ofensor refletir sobre a sua conduta.

Portanto, o que falta é uma ampla socialização do conhecimento a respeito dos direitos das pessoas, por meio das instituições sociais, bem assim pelos meios de comunicação de massa e a criação de meios alternativos para que as pessoas possam buscar a tutela desses direitos.

Além disso, existe o problema da distância entre a Comarca local (sede do município) e o distrito de Riacho Pequeno, apontado como um obstáculo pelas pessoas para requererem a indenização pela lesão de seus direitos, sendo um argumento até razoável, de certa forma. Isso, pois, leva a pensar que as autoridades competentes deveriam facilitar o acesso das pessoas à justiça, criando algum meio extrajudicial dentro da própria localidade para que muitas pessoas tenham seus direitos tutelados.

Assim, muitas pessoas, sentir-se-iam motivadas a buscar a reparação do dano, bem como seria uma forma de reprimir os ofensores, na medida em que estes não se sentiriam livres para violar a honra de outras pessoas, sem que fossem punidos de alguma forma.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Manoel Messias Pereira ; BARROS, Jordana Rafaela Nogueira de. Dano moral nos crimes contra a honra no distrito Riacho Pequeno, Município de Belém do São Francisco-PE. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5299, 3 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60310. Acesso em: 6 maio 2024.