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Compliance como instrumento de combate à corrupção

Compliance como instrumento de combate à corrupção

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A adoção do Compliance no Brasil revela uma nova perspectiva da legislação brasileira para enfrentar o problema da corrupção com a possibilidade de quebrar um ciclo perverso de atos de corrupção que permeia os negócios escusos existentes nos contratos com a Administração Pública.

Você acredita que a Corrupção pode ser combatida pelo cidadão? Você sabe o que é Compliance?

Neste trabalho vamos demonstrar que a chaga da corrupção conta com uma nova ferramenta de combate, que, de forma inovadora, tem a capacidade de estimular e envolver os cidadãos e as empresas brasileiras a praticarem atos éticos e probos, seja nas relações eminentemente privadas, seja nas relações com o Poder Público. Esse instrumento é o Compliance, que embora previsto antes na Lei Anticoncorrencial, tem nova configuração conforme será demonstrado.

Com efeito, a edição da Lei 12.846/13, popularmente batizada como Lei Anticorrupção[1], sem descurar da responsabilidade do agente público, robusteceu o protagonismo do particular, seja alcançando-o no sistema de responsabilidade, seja investindo-o em principal articulador de um conjunto de normas que previnem atos de corrupção e fomentam a ética como valor humano.

Dentre outras inovações, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade das empresas adotarem os chamados programas de integridade, também conhecidos como programas de Compliance.

Trata-se de instituto timidamente difundido no país, de contornos jurídicos e sociais indefinidos, razão pela qual seu estudo merece atenção, principalmente diante do caráter inovador que lhe é peculiar: o fomento da ética dentro das atividades privadas empresariais. Essa é a primeira impressão dada por Patrícia Toledo de Campos ao afirmar que o Compliance constitui um avanço direcionado à ética e à transparência das relações negociais e um sinal de que a empresa deve adotar um determinado padrão de conduta compatível com uma boa-fé objetiva[2].

O termo Compliance é traduzido do inglês como conformidade, observância, complacência ou submissão, substantivo que advém do verbo inglês to comply cuja tradução é adequar, cumprir, obedecer.

Após a edição de leis internacionais, sobretudo norte-americana (FCPA-Foreign Corrupt Practices Act) e inglesa (UK Bribery Act) que passaram a exigir que as empresas apresentassem um programa geral de adequação de suas normas e práticas a determinados marcos legais comuns ao setor em que atuavam na economia, o termo Compliance popularizou-se e ganhou significado próprio. Passou a corresponder conformidade com as regras, sejam leis, valores morais ou éticos, razão pela qual passou a ser um conceito de comportamento moral e de honestidade.

Com efeito, após alguns escândalos de corrupção que ganharam notoriedade internacional, os Estados Unidos da América editou, em 1977, a FCPA-Foreign Corrupt Practices Act, legislação que, dentre outras inovações, passou a exigir das empresas que operam na Bolsa de Valores de Nova York que adotassem um conjunto de regras que buscavam evitar e punir fraudes de toda espécie, essencialmente aquelas ligadas a atos de corrupção.

Compliance pode ser definido então como conjunto de ações e planos adotadas facultativamente por pessoas jurídicas visando garantir o cumprimento de todas as exigências legais e regulamentares do setor ou segmento econômico em que atuam, inclusive preceitos éticos e de boa governança administrativa, visando evitar e punir adequadamente fraudes e atos de corrupção em geral.

Observe-se desde logo que a Lei 12.846/13 adotou a expressão programa de integridade para nominar o Compliance, muito embora não o tenha definido inteiramente.

Essa imprecisão conceitual acerca do que seja programa de integridade ou Compliance aproxima o instituto daquilo que se convencionou denominar no direito de conceito jurídico indeterminado que são institutos jurídicos cujo conteúdo deve ser valorado, caso a caso, pelo julgador, tomando como base os dados concretos da situação em apreciação.

Como se sabe, os conceitos jurídicos indeterminados são comuns ao atual modelo constitucional no qual se insere o direito uma vez que a dinâmica dos acontecimentos da vida moderna impossibilitam que todas as situações sejam previstas em leis.

Alguns desses conceitos abertos possibilitam que a interpretação das normas seja permeada por valores éticos de modo a evitar que, em nome do frio cumprimento da lei, sejam validados atos incompatíveis com os ideais de uma vida moderna virtuosa.

Essa textura aberta é verificada no termo 'programa de integridade' previsto no artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção, o que proporciona, sob os influxos do pós-positivismo, a sua aproximação com valores da ética e da justiça. De outro lado, no atual estágio em que se encontram as relações negociais, celebradas com grande velocidade, informalidade e sem conhecimento de fronteiras geopolíticas, exigir que a legislação regulamente programas de integridade detalhadamente levaria ao risco de uma constante desatualização do instituto e consequente desestímulo na sua adoção.

Em âmbito federal foi editado o Decreto n. 8.420/2015, que se destina a regulamentar a Lei 12.846/13, no qual, em seu artigo 41 prevê que o programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

De qualquer modo, em qualquer programa de Compliance devem ser identificados parâmetros mínimos que caracterizem adequadamente o instituto, previstos no artigo 42 do Decreto 8.420/15.

Na Lei Anticorrupção o Compliance não é de implementação obrigatória, sendo que a sua adoção é estimulada na medida em funciona como mero atenuante de pena caso a empresa seja condenada por uma das infrações previstas na Lei[3]. Pode parecer pouco, mas como assiná-la José Anacleto Abduch não se pode esquecer que a Lei Anticorrupção adotou o sistema de responsabilidade objetiva, em que as absolvições são restritas a casos em que houver quebra do nexo causal. Neste contexto, investir em um mecanismo seguro de atenuação de pena é mais produtivo. Assim, se, por um lado, a comprovação de mecanismos de Compliance pela empresa não tem condão de isentá-la da infração cometida, por outro lado, a atenuação da pena ganha muita importância, sobretudo se considerarmos que a multa prevista pela lei é bastante elevada[4].

Embora à luz da Lei 12.846 o Compliance tenha o propósito de funcionar como atenuante de eventual pena de multa, é inegável que o instituto tem efeito secundário comercial de certificação da empresa que o adota.

Este tipo de efeito midiático, para além de mera manobra de marketing, pode agregar valor imaterial à pessoa jurídica que realiza Compliance, seja em decorrência da melhora de sua imagem e reputação perante o mercado, seja na eliminação dos prejuízos que os atos de corrupção costumam representar.

Uma boa imagem da empresa é capaz de atrair novos investidores ávidos por um ambiente que reflete confiança e segurança econômica. Conforme salienta Amartya Sen, quanto maior a confiança entre as pessoas, melhor o ambiente para o desenvolvimento das relações econômicas[5].

Essa postura da legislação brasileira de estímulo a um comportamento social e empresarial ético é alvissareira e revela o nascimento de uma política pública indutora de comportamento com características behaviorista neoliberal capaz de produzir práticas sociais aptas a enfrentar condutas antiéticas e de corrupção da população e empresas brasileiras.

A adoção do Compliance no Brasil revela uma nova perspectiva da legislação brasileira para enfrentar o problema da corrupção com a possibilidade de quebrar um ciclo perverso de atos de corrupção que permeia os negócios escusos existentes nos contratos com a Administração Pública.


Notas

[1]Cabe anotar enorme divergência quanto o nome da Lei. 12.846/15, que tem sido chamada de Lei Anticorrupção, Lei Empresa Limpa (CGU), Lei de Improbidade Empresarial, Lei de Responsabilidade da Pessoa Jurídica, etc. Preferimos a adoção do nome que, de certo modo, tem se popularizado nos periódicos e noticiários com mais frequência, sem, entretanto, motivações metodológicas mais acuradas para tanto.

[2]DE CAMPOS, Patrícia Toledo. Comentários à Lei n. 12.846/2013-Lei Anticorrupção. Revista Digital de Direito Administrativo da USP (RDDA), v. 2, n. 1, 2014. p. 174.

[3]Além da Lei 13.303/16 acima mencionada, a Lei Anticoncorrencial brasileira (lei n. 12.529/2011) também prevê a adoção compulsória pelas empresas de um programa de Compliance.

[4]SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus; COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei 12.846/2013: Lei Anticorrupção. São Paulo: RT. 2014. p. 187.

[5]SEN, Amartya. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p.71.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Renee do Ó; LIMA, Rogério Sanches de. Compliance como instrumento de combate à corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5193, 19 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60506. Acesso em: 7 maio 2024.