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Novas perspectivas do controle da omissão inconstitucional no Direito brasileiro

Novas perspectivas do controle da omissão inconstitucional no Direito brasileiro

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O controle das omissões constitucionais, tema da mais grave repercussão na esfera da distribuição das funções estatais, deveria ser tratado de maneira séria e sistematizada pela Constituição Federal ou, ao menos, pelo legislador infraconstitucional. Mas não foi.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A omissão inconstitucional; 3. Tipos de omissão inconstitucional; 4. Ações de controle da inconstitucionalidade por omissão; 5. Parâmetro de controle das omissões inconstitucionais; 6. Objeto do controle abstrato da constitucionalidade omissiva; 6.1. Distinção entre disposição e norma; 6.2. Objeto propriamente dito do controle da constitucionalidade dos atos omissivos; 7. Interesse processual nas ações de controle abstrato de constitucionalidade frente aos tipos de omissões inconstitucionais; 8. Técnicas decisórias no controle abstrato de constitucionalidade dos atos omissivos; 8.1. Técnicas decisórias na ação direta de inconstitucionalidade por omissão; 8.2. Técnicas decisórias da argüição de descumprimento de preceito fundamental autônoma utilizada no controle da constitucionalidade omissiva; 9. Fundamentos do controle das omissões relativas pelas vias de fiscalização dos atos comissivos; 10. Controle da inconstitucionalidade da omissão parcial e vedação da atuação do juiz como "legislador positivo"; 11. Precedentes ilustrativos da superação de inconstitucionalidades omissivas relativas pelas vias do controle da constitucionalidade por ação; 12. Técnicas decisórias de enfrentamento das omissões constitucionais relativas; 13. Possibilidade de indenização a danos decorrentes de omissão inconstitucional; 14. Conclusões; 15. Referências bibliográficas.


1. Introdução

Um dos maiores problemas do direito constitucional, senão o maior deles, é a inoperância jurídica das normas elaboradas pelo constituinte. Todavia, passados quinze anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, é fácil perceber que os instrumentos judiciais destinados à implementação da plena aplicabilidade das normas constitucionais vêm apresentando resultados insatisfatórios. [1] E a maior razão disso parece estar na própria omissão de quem teria de regulamentar o assunto.

É que o controle das omissões constitucionais, tema da mais grave repercussão na esfera da distribuição das funções estatais, deveria ser tratado de maneira séria e sistematizada pela Constituição Federal ou, ao menos, pelo legislador infraconstitucional. Mas não foi. A leniência do constituinte reservou à matéria apenas dois dispositivos (inciso LXXI do art. 5º e §2º do art. 103), os quais somente acirraram as dúvidas acerca de como tal tarefa pode ser realizada. Do mesmo modo, o Legislativo esquiva-se da regulamentação dos processos de controle judicial das omissões inconstitucionais, o que se demonstra pela ausência de legislação a respeito do mandado de injunção, bem como diante do total esquecimento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão na Lei 9.868, de 10/11/99.

Ou seja, o sucesso da tentativa do constituinte de qualificar como juridicamente tutelado o interesse à promoção de ações positivas de índole normativa esbarrou, ela própria, na omissão quanto à edição das necessárias diretrizes para torná-la eficaz. [2]

Dessa forma, a tímida regulação constitucional quanto aos efeitos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADInO) fez com que todas as esperanças e esforços exegéticos voltados à correção judicial das inércias normativas se concentrassem no teor incerto e quase irresoluto da regra que criou o mandado de injunção (MI). Todavia, como o controle jurisdicional dos comportamentos omissivos das demais funções estatais é dos tópicos que mais geram conflitos institucionais, o STF adotou cautelosa postura auto-limitativa (self-restraint) ao ser convocado para decidir a respeito da eficácia prática desse novo remédio constitucional. [3]

Dessarte, em vez de simplesmente aguardar que o legislador ou o STF venha a alterar o vigorante e restritivo entendimento acerca dos efeitos práticos do mandado de injunção, o presente estudo procura explorar outras possibilidades de superação das omissões inconstitucionais no âmbito do controle de constitucionalidade.

As dimensões deste trabalho, contudo, não permitem abordar todos os aspectos ligados à legitimidade da fiscalização da constitucionalidade feita pelo Judiciário, muito embora não se desconheça seja tal questão o pano de fundo de qualquer debate em torno da profundidade em que se pode adentrar no exame da conformidade constitucional dos comportamentos omissivos imputados ao Legislativo.

O estudo adota, portanto, linha dogmática de pesquisa. [4] Busca alternativas ao enfrentamento do problema da inércia na implementação da aplicabilidade das normas constitucionais a partir da disciplina normativa já existente. Nesse rumo, focalizando mecanismos atualmente operantes na fiscalização abstrata de constitucionalidade, tem a ousada pretensão de descobrir novas perspectivas de combate às omissões inconstitucionais no direito brasileiro.

O desafio, então, está em localizar novos panoramas ao controle da constitucionalidade dos atos omissivos, num esforço pautado, porém, pelos limites entre o que a sistemática ora vigorante permite fazer e aquilo que ainda se pode avançar em relação ao dogma da proibição a que o juiz atue como "legislador positivo".

No entanto, a despeito de o trabalho estar centrado nos processos do controle abstrato, os raciocínios e as conclusões obtidos, com as adaptações necessárias, afiguram-se úteis para incrementar também as técnicas da fiscalização concreta das omissões inconstitucionais.


2. A omissão inconstitucional

O conceito de atos omissivos inconstitucionais deve ser fixado com cautela, pois nem toda inércia dos órgãos constituídos afronta a ordem constitucional. A omissão que interessa não é o evento naturalístico tipificado pelo simples não-fazer, mas a abstenção em implementar satisfatoriamente determinadas providências necessárias para tornar aplicável norma constitucional. [5] Logo, omissão genuinamente inconstitucional é aquela cuja fonte que qualifica como devida e necessária a atividade omitida está na própria constituição. [6]

Entretanto, o mero "dever geral de emanação de leis não fundamenta uma omissão inconstitucional." [7] Do contrário, a simples e genérica distribuição de competências legislativas aos entes federados serviria de fundamento à fiscalização judicial em face da omissão de legislar sobre qualquer assunto.

Assim, de acordo com CANOTILHO, devem-se diferenciar as "imposições abstratas" das "imposições constitucionais concretas". [8] É insuficiente violar norma constitucional certa e determinada, pois a configuração da omissão inconstitucional exige "a violação de uma imposição constitucional concreta." [9] A omissão há de se relacionar ao descumprimento de uma "exigência concreta constitucional de acção". [10]

Nesse rumo, não é todo tipo de lacuna da constituição que pode propiciar o surgimento de omissões inconstitucionais. A omissão inconstitucional juridicamente sindicável decorre tão-só das lacunas constitucionais intencionais que representam opção consciente do constituinte em transferir a órgãos constituídos a tarefa de implementar a plena aplicabilidade da regulação referente a determinados bens jurídicos constitucionalizados. [11] Assim, embora igualmente intencionais, as lacunas que sinalizam "silêncio eloqüente" da constituição ou que dizem respeito a campos temáticos que o constituinte não quis ocupar tampouco dão ensejo a omissões inconstitucionais.

Analisando agora as próprias omissões inconstitucionais e não mais as espécies de normas constitucionais que lhes possam dar origem, se aquilo que a princípio se parece com uma omissão inconstitucional puder ser remediado pelos meios de colmatagem de lacunas, não haverá autêntica omissão, mas apenas lacuna do enunciado lingüístico que deve ser contornada pela identificação da norma não-textual – já existente – aplicável à situação. [12]

Ângulo diverso, na esfera do controle abstrato de constitucionalidade, sobressaem somente as omissões na expedição de atos normativos abstratos e genéricos. [13] Nessa linha, quando a materialização da norma constitucional prescindir da edição de algum outro ato normativo dotado dos atributos de abstração e generalidade, o eventual descumprimento da constituição, caso possa ser juridicamente controlado, somente estará sujeito à revisão judicial pelas vias do controle concreto.

Reparar que esse cuidado em antes verificar se é possível contornar uma aparente omissão decorre do princípio da "máxima efetividade". [14] Só cabe concluir pela presença de omissão inconstitucional depois de esgotados todos os mecanismos interpretativos voltados a reconhecer na norma constitucional alguma carga de aplicabilidade jurídica e somente após eliminada qualquer dúvida razoável em torno da existência dessa carga. [15]

De outro lado, o constituinte pátrio foi mais generoso do que o português, pois não restringiu às medidas legislativas o alcance da fiscalização abstrata da constitucionalidade dos atos omissivos. [16] Por isso, é possível controlar também a inércia na produção de atos normativos das demais esferas do Poder Público, o que abarca igualmente a mora na edição de atos normativos secundários. Aqui, portanto, a inequívoca intenção do constituinte foi a de não reproduzir, na esfera do controle abstrato dos atos omissivos, a teoria a respeito das diferenças entre inconstitucionalidade direta e indireta. [17] É dizer, mostra-se igualmente fiscalizável a "ilegalidade por omissão", [18] se a lei que necessite de regulamentação é aquela em que se confiou a tarefa de implementar a aplicabilidade de alguma norma constitucional. No entanto, parece inadequado atacar a omissão concernente ao dever de baixar atos normativos regulamentares enquanto ainda não editada a lei à qual deveriam servir. [19] Se a norma constitucional não prescinde do Legislativo para ganhar aplicabilidade, descabe exigir dos demais órgãos a edição de ato normativo secundário para supri-la, sob risco de invasão da competência do legislador. [20]

Por fim, fala-se também em omissão juridicamente relevante decorrente do descumprimento da tarefa de "melhorar ou corrigir" as prognoses normativas que se revelarem incorretas ou defasadas em razão de circunstâncias supervenientes. [21] Em outras palavras, o dever de implementação da aplicabilidade das normas constitucionais possui caráter permanente, o que sujeita a constitucionalidade da medida normativa editada a uma espécie de cláusula rebus sic stantibus. [22]


3. Tipos de omissão inconstitucional

No campo dos atos omissivos, distinção inicial importante é aquela feita entre omissões no sentido formal e no sentido material. [23] As primeiras decorrem da ausência de qualquer emanação de atos voltados ao desenvolvimento da aplicabilidade da constituição. Nesse rumo, a noção jurídica de omissão formal equivale a seu próprio conceito naturalístico (omissão-inatividade), pois a providência que afastaria a configuração da inércia inconstitucional nem chegou a se exteriorizar. As omissões materiais, de sua vez, não se confundem com a concepção naturalística de atos omissivos. A presença delas é constatada a partir de um ato comissivo (omissão-produto) ao qual se agrega, porém, um juízo de valor acerca da respectiva adequação à constituição. [24]

Admite-se, ainda, que a violação omissiva da constituição seja total ou parcial. A omissão é total quando, a despeito da prévia obrigação concreta de implementar a aplicabilidade de alguma norma constitucional, não se toma "nenhuma" providência; é parcial se essa mesma obrigação for cumprida de forma "insuficiente" para atender integralmente à norma constitucional que necessita de interposição normativa. [25]

Por outro ângulo, sabendo que o órgão normativo, nas mais das vezes, não está sujeito a prévio e concreto dever de atuação juridicamente exigível, a omissão pode ser absoluta ou relativa. [26] No primeiro tipo, a omissão resulta do simples não-exercício da competência normativa geral conferida pela constituição, sem que daí se extraia necessária relação de inconstitucionalidade. [27] Na segunda hipótese, embora não houvesse prévia e concreta obrigatoriedade de atuação normativa, o ato produzido pelo órgão constituído descumpre o texto constitucional, em razão de não contemplar determinadas pessoas, fatos ou situações que igualmente deveriam estar incluídos no respectivo programa normativo. [28] Assim, como o legislador espontaneamente resolveu estabelecer certa disciplina jurídica, torna-se então obrigado a produzir proposições que sejam compatíveis com o princípio isonômico. Como disse LARENZ, "princípio que é inerente a toda a lei porque e na medida em que pretende ser «Direito», é o do tratamento igual daquilo que é igual." [29]

Com relação às omissões relativas, portanto, é de suma importância verificar o papel desempenhado pelo princípio da isonomia. [30] Isso porque, em se raciocinando que tal princípio não impõe concreta obrigação de atuação normativa, as omissões relativas tampouco poderiam ser enquadradas no conceito das omissões inconstitucionais.

Ocorre, todavia, que o princípio isonômico é concebido tanto no sentido formal quanto material, pois representa imposição seja da igualdade na aplicação da lei ("igualdade perante a lei"), seja da igualdade por intermédio da lei ("igualdade na lei"). Por conseguinte, concordando com CANOTILHO, há mesmo uma "justificação jurídico-constitucional" para elevar o princípio da igualdade a fundamento de "imposições legiferantes". [31] E a razão disso está "na própria directividade material da igualdade que, começando por ser constitucionalmente consagrada como imposição permanente geral e abstrata, adquire uma dimensão impositiva concreta sempre que o legislador iniciou, em alguns domínios, a sua concretização." [32]

Em resumo, a despeito de não estabelecer obrigação prévia de atuação, o princípio da isonomia, em seu aspecto material, funciona como ulterior elemento constitutivo de qualquer regulação normativa. Daí o motivo para se considerá-lo não somente princípio constitucional geral, mas também princípio constitucional de imposição concreta.

De seu turno, as diferenças entre omissão parcial e omissão relativa são bastante sutis. Porém, a delimitação desses tipos de omissão parece residir nos respectivos parâmetros de controle. Na omissão parcial, presente prévia obrigação concreta de atuação normativa voltada à exeqüibilidade de alguma norma constitucional, a inconstitucionalidade está no cumprimento insuficiente do próprio preceito que impõe essa obrigação. Na omissão relativa, inexistindo tal obrigação prévia, o parâmetro utilizado para sustentar a inconstitucionalidade é composto pelos preceitos auto-aplicáveis que conduzem a atuação normativa no sentido da observância do princípio constitucional da isonomia e das normas que dele decorrem.

Essa linha distintiva, porém, não afasta exemplos fronteiriços das duas espécies de omissão. Imagine-se a lei de que cuida o inciso X do art. 37 da CF/88, com redação dada pela EC 19/98. [33] Nesse caso, o legislador está obrigado, entre outras coisas, a conceder revisões remuneratórias anuais aos servidores públicos, sem distinção de datas ou índices. Aqui, portanto, depara-se com preceito miscigenado que agrega, no que interessa, duas normas distintas, que bem poderiam estar destacadas em disposições autônomas. A primeira dessas normas não possui aplicabilidade imediata (dever de revisão anual); a outra deriva do próprio princípio da isonomia (a revisão não pode conter distinção de datas ou índices). Logo, como a última norma, embora tenha sua incidência condicionada à imposição da primeira, não necessita da intermediação do legislador para adquirir aplicabilidade, o cumprimento deficiente do preceito miscigenado pode se enquadrar tanto no conceito de uma omissão parcial quanto no de uma relativa. [34] De outro lado, se a lei prevista no inciso VIII do art. 37 da CF/88 [35] reservasse ínfimo percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência, ter-se-ia uma omissão parcial, pois insuficiente a disciplina legal. Mas se a mesma lei discriminasse mulheres em igual situação de deficiência, haveria uma omissão relativa, conquanto afrontado o princípio da isonomia e não o próprio preceito do inciso VIII do art. 37.

Prosseguindo com a análise das espécies de inconstitucionalidade omissiva, percebe-se que a omissão relativa ocorre quando se promove "exclusão" ou "não-inclusão" de maneira incompatível com o princípio da igualdade, como na hipótese de norma que "concede vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas." [36] Surge daí outra distinção importante para o controle de constitucionalidade: a divisão da omissão relativa em explícita e implícita (ou concludente). [37] Na explícita, o ato normativo incompleto veicula norma que promove expressa "exclusão" daquelas pessoas, fatos ou situações [38] que deveriam merecer igual disciplina. [39] Na omissão concludente (ou implícita), o vício está na "não-inclusão", no enunciado textual da disposição, de outros supostos que haveriam de receber o mesmo tratamento. [40]

Também no campo das omissões materiais, a doutrina italiana identifica outras duas categorias de grande relevo no momento de saber que tipo de provimento judicial se deve utilizar ao se reconhecê-las. Por esse prisma, novamente considerado o parâmetro de controle dos atos omissivos, fala-se em omissões (de soluções) definidas e indefinidas. [41] Nas omissões definidas, o déficit da medida contrapõe-se a uma única disciplina constitucional reparatória. Nesse caso, a solução para o comportamento omissivo é "logicamente necessária e freqüentemente está implícita no contexto normativo"; ou é "unívoca e constitucionalmente vinculatória", [42] motivo pelo qual se deve aplicar essa singular e preexistente regra constitucionalmente obrigatória. Já a omissão indefinida é aquela deficiência, constante na providência normativa, para a qual se apresentam diversas soluções constitucionais, todas elas indiferentes do ponto de vista do respectivo parâmetro de controle. [43]

De seu turno, as omissões indefinidas podem ser próprias ou impróprias. Próprias são aquelas omissões cujas soluções não competem aos órgãos judiciais, mas à discricionariedade do próprio órgão normativo. Mesmo quando a providência está aquém de satisfazer a qualquer das várias formas de atender à constituição, isso não implica que a opção por uma dessas formas deixou de pertencer ao órgão normativo, pois a pauta de soluções está inserida na esfera das escolhas discricionárias a partir das quais só ele pode operar. As omissões indefinidas impróprias são aquelas para as quais, embora não se tenha identificado regra que sirva como única solução constitucionalmente obrigatória, é cabível indicar princípio(s) constitucional(is) específico(s) para remediá-las, sem vulnerar a competência discricionária do órgão normativo omisso. [44] Daí, será então possível individualizar a solução nos casos concretos, a despeito de a inatividade normativa persistir. [45]


4. Ações de controle da inconstitucionalidade por omissão

Como já analisado, a Constituição Federal previu expressamente dois tipos de remédios judiciais para o problema das omissões inconstitucionais: no âmbito do controle concreto, o mandado de injunção (inciso LXXI do art. 5º); e no do controle abstrato, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (§2º do art. 103).

De outro lado, a partir da regulamentação dada pela Lei 9.882/99 ao atual §1º do art. 102 da CF/88, pode-se dizer que a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), por sua modalidade autônoma (caput do art. 1º da Lei 9.882/99), também se inclui no rol dos instrumentos judiciais especialmente vocacionados à fiscalização da constitucionalidade dos atos omissivos. [46]

Obviamente, essas não são as únicas ações por meio das quais se controlam todas e quaisquer omissões inconstitucionais, mas sim as únicas adequadas para fiscalizar as omissões do tipo "formal". É que as chamadas omissões "materiais", por pressuporem a edição de algum ato normativo, podem, em princípio, ser questionadas no controle concreto de constitucionalidade. [47]

Pois bem. Como o presente trabalho só pretende analisar nuanças do controle abstrato da constitucionalidade dos atos omissivos, não irá tratar especificamente das demais formas de fiscalizá-los, muito embora os fundamentos e as conclusões da pesquisa possam ser aproveitados no âmbito de atuação do controle concreto.


5. Parâmetro de controle das omissões inconstitucionais

Como notou IBAGÓN, a constituição não atribui ao legislador somente competências para regular certas matérias. Nela também estão contidas normas imperativas por meio das quais se proíbe ou se ordena a realização de determinadas condutas. [48] Logo, é necessário distinguir aquilo que o constituinte proibiu daquilo que ele determinou fosse feito, pois violar uma proibição constitucional não é o mesmo que descumprir o que a constituição ordenou que se fizesse. [49]

Certo, KELSEN demonstrou que toda "proibição de uma determinada conduta é a imposição da omissão dessa conduta" e que "toda imposição de uma determinada conduta é a proibição da omissão dessa conduta." [50] Com isso, poder-se-ia, então, sustentar o equívoco da distinção apregoada por IBAGÓN. Entretanto, o mesmo KELSEN afirmou que, embora toda proibição possa ser descrita como imposição, e vice-versa, existem diferenças quanto ao tipo de objeto da prescrição normativa. A conduta prescrita pela norma pode ser uma ação ou uma omissão desta ação. [51] Daí, novamente com base nas lições de KELSEN, é não só possível como também necessário identificar se a conduta prescrita pela norma qualifica-se como um não-agir ou um fazer.

Dessa maneira, traçando fronteira entre a inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por omissão, um conceito "puro" de omissão juridicamente relevante há de se basear não no descumprimento de quaisquer normas constitucionais, mas somente daquelas que imponham, previamente, obrigação certa e determinada de atuação a quem tenha de implementar a aplicabilidade das normas constitucionais. Sem essa predeterminação daquilo que deve ser feito, não há parâmetros para controlar o que não se fez.

Nesse rumo, se a fiscalização da constitucionalidade omissiva opera, como visto, no campo da implementação da aplicabilidade das normas constitucionais, então já se poderiam excluir do parâmetro de controle de constitucionalidade das "puras" omissões constitucionais todas aquelas normas dotadas de auto-aplicabilidade [52] ou, na dicção de AFONSO DA SILVA, de "aplicabilidade direta". [53]

Pois bem. Na linha de CANOTILHO, cabe sustentar que, inclusive no Brasil, a mora quanto à implementação de "normas-fim ou normas-tarefa" abstratamente impositivas não dá ensejo ao surgimento de omissão jurídico-constitucional. [54] É diferente dizer que há omissão inconstitucional quando o legislador não adota medidas legislativas necessárias para executar preceitos constitucionais que estabelecem obrigações permanentes e concretas (como atualizar o salário mínimo, organizar serviços de segurança social, garantir ensino básico universal, obrigatório e gratuito), do que quando a lei não cumpre "normas-fim e normas-tarefa que, de forma permanente mas abstrata, impõem a prossecução de certos objetivos." [55] O não-atendimento dos fins e objetivos da constituição, embora possa igualmente ser considerado inconstitucional, não é juridicamente controlável. A concretização dessas "normas-fim" ou "normas-tarefa", como bem expõe CANOTILHO, "depende essencialmente da luta política e dos instrumentos democráticos". [56]

CLÈVE aponta, mais, a necessidade de outra restrição paramétrica: como a omissão deve ser juridicamente relevante, não há como censurar comportamentos omissivos de "provisão exterior ao universo do direito", razão pela qual as normas constitucionais que impliquem atuação material do Estado, como a organização de determinados serviços, a alocação de recursos ou a construção de obras, não fazem parte do parâmetro de fiscalização da constitucionalidade abstrata das omissões. [57]

Deslocando a discussão para os aspectos temporais do parâmetro de controle dos atos omissivos, tampouco há como declarar inconstitucionalidade por omissão baseando-se em parâmetros constitucionais superados. Como já decidiu o STF, a ação (no caso, a ADInO) fica prejudicada quando "a norma revogada for a que necessitava de regulamentação para a sua efetividade." [58]

Além disso, o elemento cronológico tem crucial importância no exame da evolução das chamadas situações constitucionais imperfeitas, nas quais "a demora do legislador em regulamentar determinado tipo de norma faz com que se convertam em verdadeira inconstitucionalidade por omissão." [59] Onde antes não havia inconstitucionalidade, o transcurso de determinado tempo e a inércia na implementação da aplicabilidade de certas normas constitucionais determinam o surgimento de inconstitucionalidades omissivas imputáveis aos órgãos responsáveis pelo integral desenvolvimento da eficácia da constituição.

Isso quer dizer que a omissão não se caracteriza sem o decurso de algum prazo. Inexistindo meios para conceder, de hora para outra, aplicabilidade direta à constituição, percebe-se que ao conceito de omissão se deve agregar algum juízo valorativo sobre o período razoavelmente necessário para baixar os atos normativos necessários à exeqüibilidade das normas constitucionais. [60]

A inadimplência normativa não se configura sem o decorrer do tempo. Como afirma PFEIFFER, enquanto "o prazo razoável para a edição da lei não se esgotar, estaremos diante de uma situação constitucional imperfeita. Transcorrido tal lapso temporal, a inércia legislativa transforma-se em inconstitucionalidade por omissão." [61] Na linha inversa, porém, considerando que a vocação natural do parlamento é fazer leis que regulamentem a constituição, a tendência é que a ocorrência de omissões formais perca espaço para a das materiais, [62] sem embargo das constantes reformas constitucionais no direito brasileiro.

Excepcionalmente, contudo, alguns preceitos constitucionais já prevêem prazo determinado para que o legislador lhes conceda aplicabilidade. [63] Nessas hipóteses, descumprido o termo prefixado pela própria constituição, aflora tipo mais grave e evidente de inércia, uma espécie de mora qualificada do órgão omisso.

Dessarte, como é o transcurso do tempo que irá determinar se a inércia regulamentar acarreta situação constitucional imperfeita ou inconstitucionalidade por omissão, o parâmetro do controle da constitucionalidade dos atos omissivos consistirá não somente do mero aspecto material da norma constitucional, mas dependerá ainda da avaliação do elemento cronológico, numa equação assim exprimível: parâmetro de controle = norma constitucional + decurso tempo. De sua vez, a inconstitucionalidade por omissão parece ser resultado da operação: parâmetro de controle − atuação normativa requerida = inconstitucionalidade por omissão.

Mas se todas essas conclusões parecem aceitáveis em relação às omissões formais (absolutas e totais), a fixação do parâmetro de controle das omissões materiais (parciais e relativas) carece de novos apontamentos.

Em primeiro lugar, sabendo que as omissões parciais também exigem a prévia determinação do dever concreto de implementar a aplicabilidade de alguma norma constitucional, a elas se aplica a mesma restrição acerca do conjunto das normas paramétricas da constitucionalidade das omissões formais. Dessarte, somente preceitos constitucionais desprovidos de aplicabilidade direta é que podem compor o parâmetro de controle das omissões parciais. Contudo, a caracterização delas não depende necessariamente de análises temporais, pois se costuma notar a insuficiência da providência a partir do próprio momento em que o ato normativo incompleto é produzido. Sem embargo, o tempo pode ser indispensável para se configurar uma omissão parcial, como na hipótese de o preceito editado ser considerado "ainda constitucional", dado o grau de dificuldade inerente à exeqüibilidade da norma paramétrica. [64]

De outro lado, é diverso o problema do parâmetro das omissões relativas. É que o conceito desse tipo de omissão refoge parcialmente dos pressupostos utilizados para definir o regime das demais. As omissões relativas, além de desconhecerem a necessidade de prévia determinação de atuação normativa, são identificadas a partir de juízo valorativo fundado em preceitos auto-aplicáveis. E mais: já se sabe de antemão que o parâmetro de controle delas será sempre alguma norma ligada ao princípio da isonomia. Daí a dificuldade para incluir as omissões relativas no grupo das omissões "puras".

Não obstante, pode-se deduzir que as omissões relativas e as parciais podem igualmente se enquadrar no conceito das indefinidas, mas somente as primeiras admitem ser qualificadas como omissões definidas. Isso porque embora tanto as indefinidas quanto as definidas pressuponham soluções contidas no próprio ordenamento constitucional, a tipificação destas últimas exige que o parâmetro de controle seja composto somente por normas constitucionais dotadas de aplicabilidade direta, pois só esse caso dá ensejo à adoção de uma única solução constitucionalmente obrigatória.


6. Objeto do controle abstrato da constitucionalidade omissiva

Parece estranho à primeira vista, mas a análise do objeto do controle da constitucionalidade por omissão não pode estar dissociada do exame de um dos típicos aspectos do objeto da fiscalização da constitucionalidade dos atos comissivos. Nesse rumo, assume grande importância a questão relativa às diferenças entre disposição e norma.

É que essa diferenciação, certamente uma das maiores contribuições da fiscalização de constitucionalidade à teoria geral do direito, [65] possui enorme importância para o desenvolvimento das técnicas das decisões do controle de constitucionalidade.

Por isso, antes de enfrentar o tema relativo ao objeto propriamente dito das omissões constitucionais, é preciso abrir subitem no qual se explique a pertinência da aludida diferença no âmbito do controle abstrato dos atos comissivos.

6.1. Distinção entre disposição e norma

Toda atividade de controle jurídico de constitucionalidade supõe, obviamente, interpretação de preceitos normativos. De sua vez, no âmbito da interpretação de tais preceitos normativos, distinguem-se, de um lado, a disposição textual e, de outro, seu conteúdo normativo, fruto do trabalho de interpretação. [66] Como interpretar, em última análise, é compreender e atribuir sentido a determinado texto normativo, extraem-se dois conceitos relacionados. Disposição constitui-se na fórmula lingüística adotada e emanada do trabalho de produção de direito. [67] Na definição de GUASTINI, é cada enunciado lingüísitco pertencente a uma fonte de direito. [68] A seu turno, norma é o conteúdo de sentido resultante da interpretação da disposição. [69] Logo, do ponto de vista interpretativo, as disposições formam o objeto, e as normas o resultado da interpretação.

Entre disposição e norma costuma existir sempre relação de reciprocidade. [70] Em geral, não pode haver norma sem que exista disposição que lhe dê suporte e só há sentido na disposição após descoberta a norma respectiva. Ademais, se o texto é o limite da interpretação, a disposição é tanto o marco inicial como a limitação última para a obtenção da norma. [71]

De regra, a cada disposição corresponde uma norma, caso em que é indiferente a distinção entre uma e outra. [72] Nesse prumo, em matéria de controle abstrato de constitucionalidade, a eliminação da disposição textual implica a da norma co-respectiva. [73]

No entanto, a relação entre disposição e norma não é necessariamente biunívoca. [74] Segundo CALLEJÓN, [75] essa falta de correspondência pode ensejar, teoricamente, as seguintes situações: 1ª) norma sem disposição; 2ª) existência de disposição não-normativa; 3ª) possibilidade de articular a norma aplicável a partir de diversas disposições (várias disposições que ensejam uma só norma); ou 4ª) pluralidade de normas extraídas de mesma disposição (uma disposição que dá lugar a várias normas).

Na situação n. 1, a norma é obtida de elementos outros que não a disposição. Exemplo típico são as normas consuetudinárias. [76] Igualmente, as normas (implícitas e decorrentes) que derivam de elementos interpretativos não textuais, bem assim as normas provenientes de integração analógica. Conforme o mesmo CALLEJÓN, na situação n. 2, abstraída a dificuldade de se traçar a linha entre o normativo e o não-normativo, estão as disposições que isoladamente carecem de conteúdo normativo próprio. [77] A outra face dessa situação conduz à situação de n. 3, que diz respeito às normas constituídas a partir de várias disposições, como no caso em que a disposição seja insuficiente, por si própria, para dar lugar a uma norma, mas cujo conjunto delas (de disposições "fragmentárias") conflui à obtenção final de uma norma. [78] Em tal situação enquadram-se, mais, as disposições "sinônimas", pelas quais várias delas só dão ensejo a uma única norma, [79] e as disposições "parcialmente sinônimas", em que de cada uma das disposições se originam diversas normas, algumas das quais coincidem. [80] Por fim, ocorre a situação n. 4 quando mais de uma norma deriva de mesma disposição, fenômeno que se desdobra da seguinte forma: (4’) de disposição "polissêmica" (ou ambígua) defluem normas de sentido antagônico entre si, caso em que a opção por aplicar uma exclui a aplicação da(s) outra(s); [81] e (4") de disposição "complexa" [82] obtêm-se duas ou mais normas parciais, cuja soma exaure o significado do enunciado textual. [83]

Assentadas tais diferenças entre disposição e norma, caber perguntar qual delas constitui o objeto do controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Na busca dessa resposta, contudo, é inútil socorrer-se aos diplomas jurídicos existentes. Como detectou REVORIO ao analisar as legislações espanhola e italiana, [84] também não se afigura que da terminologia utilizada na Constituição e leis brasileiras possa surgir conclusão clara a respeito do objeto do controle de constitucionalidade. Nesse prumo, o constituinte não se preocupou em identificar se o objeto do controle abstrato recai sobre o texto ou sobre a norma dos atos normativos impugnáveis (cf. art. 97; inciso I, a e §2º do art. 102; bem como o §2º do art. 125). [85] De sua vez, a Lei 9.868/99 é contraditória. Ora se refere ao "dispositivo" da lei ou ato normativo impugnado (art. 3º, I), ora incorpora fórmulas decisórias cujo objeto do controle é – como ficará evidente – a norma, e não o dispositivo, caso da "interpretação conforme a Constituição" e da "declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto" (parágrafo do art. 28). [86]

Com efeito, a solução para tal questionamento passa pela rejeição da escolha exclusiva do dispositivo ou da norma para só num deles repousar o objeto do controle. Esse o escólio de REVORIO, após analisar as várias correntes doutrinárias sobre o assunto. [87]

De fato, o objeto do controle de constitucionalidade não pode recair exclusivamente no dispositivo textual. Isso limitaria as espécies de decisão de mérito no controle abstrato de constitucionalidade, as quais somente poderiam ser declaratórias de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade (total ou parcial) da disposição impugnada. Assim, no caso de disposição "ambígua" ou polissêmica, em que dela surgissem duas ou mais interpretações, não haveria como manter a eventual interpretação que se conformasse à constituição, pois a eliminação do texto também a atingiria. Mesmo problema impediria a declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto: restrito o objeto do controle à disposição, impossível seria eliminar somente a interpretação (norma) que dela decorresse. Além disso, normas não-textuais dificilmente poderiam ser alvo de fiscalização. Por fim, só se poderia explicar o efeito vinculante da decisão de inconstitucionalidade, em relação a atos normativos similares, mediante a conclusão de que o pronunciamento do tribunal recai também sobre a norma e não só sobre a disposição em si. [88]

É recomendável, portanto, a incorporação da idéia de que o controle incide sobre a norma. Com isso evitam-se alguns inconvenientes, como a extinção do processo nos casos em que o legislador, nitidamente para se furtar à fiscalização, revogue o ato normativo questionado por meio de diploma que possua dispositivo equivalente àquele revogado e a partir do qual se possa extrair a mesma norma antes atacada; bem assim problemas relacionados com o ataque a disposições reproduzidas em múltiplos diplomas. [89]

De outro lado, se pela técnica processual o pedido é a expressão do objeto do processo, [90] não há entender-se que o objeto do controle de constitucionalidade abstrato incida tão-só em normas. Caso assim fosse, o órgão judicante não poderia se afastar da própria interpretação dada ao ato normativo impugnado pela petição inicial. É que o pedido (objeto) da ação recairia somente na(s) norma(s) extraída(s) pelo autor da interpretação da disposição. Logo, por força do princípio da adstrição ao pedido inicial, o tribunal só poderia avaliar a constitucionalidade da(s) mesma(s) interpretação(ões) apresentada(s) pelo requerente. [91] Não fazendo a disposição parte do objeto do controle, também não faria parte do pedido (objeto da ação). Daí, o âmbito de cognoscibilidade do controle judicial não abarcaria quaisquer outras interpretações que da disposição se pudessem extrair, sob pena de julgamento extra ou ultra petita. Remanesceria, inclusive, a possibilidade de que a norma (interpretação) impugnada fosse considerada constitucional, enquanto outras interpretações desconformes não teriam como ser reputadas inconstitucionais, ainda que derivadas da mesma disposição, porque não incluídas na impugnação (pedido). [92] Dessarte, à medida que de determinada disposição derivassem duas ou mais normas, poderia haver igual número de ações a impugnar cada um dos sentidos normativos daquela mesma disposição.

Por conseguinte, acatando sugestão de REVORIO, o objeto do controle abstrato de constitucionalidade parece ser o "complexo normativo" – ao qual o autor deu o nome de preceito [93]formado tanto pela disposição impugnada quanto pela(s) norma(s) dela derivada(s), em outras palavras, pelo significante e seus significados normativos. [94]

Isso não quer dizer, porém, que o tribunal tenha sempre de se valer de complicadas operações para extrair diferenças entre a norma e a disposição em exame. Como foi dito acima, de regra, a cada disposição corresponde uma norma, razão pela qual é indiferente a distinção entre uma e outra. Portanto, o objeto "primário" ou imediato do controle de constitucionalidade costuma ser o texto (disposição). [95] Apenas secundariamente atinge a norma. [96] De fato, o órgão controlador pode declarar a inconstitucionalidade de somente parte da disposição, mas muitas vezes, com isso, não conseguiria o efeito de eliminar todas as conseqüências inconstitucionais advindas do texto impugnado sem também fazer incidir a decisão diretamente sobre os significados dele. [97]

Em determinadas ocasiões, o controle de constitucionalidade não recai propriamente sobre o texto, mas sobre a norma, especialmente nos casos em que a disposição deva ser conservada na íntegra, pois dela se extrai(em) outra(s) interpretação(ões) compatível(is) com a constituição. [98] Do mesmo modo, é a norma que serve de objeto principal do controle quando não haja disposição textual que lhe dê origem expressa (normas não-textuais), como no exemplo das normas obtidas pela interpretação a contrario, [99] ou nas hipóteses em que se registrem disposições "sinônimas", das quais se extraem as mesmas normas. [100]

Contudo isso não significa, como advertiu ZAGREBELSKY, que qualquer norma extraída de uma disposição forneça material idôneo para sustentar eventual declaração de inconstitucionalidade. [101] É preciso que a norma seja ao menos plausível e não puramente hipotética ou fruto de artifício argumentativo ou mesmo de verdadeiro erro hermenêutico. [102] Seria paradoxal que tribunal tivesse de proceder à declaração de inconstitucionalidade de alguma norma tão-só porque a disposição correspondente foi defeituosamente interpretada. [103]

Nesse rumo, ainda que implicitamente, a jurisprudência do STF vem distinguindo entre disposição e norma por via da incorporação de técnicas decisórias ligadas à "interpretação conforme a constituição" e à "declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto", [104] modalidades hoje consagradas pela Lei 9.868/99.

6.2. Objeto propriamente dito do controle da constitucionalidade dos atos omissivos

Com base na exposição a respeito dos tipos de omissão, percebe-se inexistir disposição textual que sirva de objeto ao controle das omissões formais. No entanto, mesmo nessas hipóteses em que não houve providência alguma por parte do órgão inadimplente, existe sim uma norma que se aplica ao caso. Trata-se daquela norma implícita (inconstitucional) obtida como conseqüência da falta de disposição textual. Em outras palavras – e consideradas as diferenças entre disposição e norma –, a omissão inconstitucional radica na ausência de texto ou disposição normativa que gera, a contrario sensu, uma norma implícita que viola a constituição. [105] Ou seja, só se poderia falar em omissão a partir do ponto de vista da disposição, porém não do prisma da norma. [106]

Diversamente, a omissão material manifesta-se quando a disposição possui conteúdo normativo inferior do que aquele que, segundo a constituição, deveria ter. [107] Logo, nesse tipo de comportamento omissivo, ainda que a inconstitucionalidade possa derivar da incompletude do enunciado textual, será esse mesmo enunciado (disposição) o alvo da impugnação. [108]

Dessa forma, partindo da premissa segundo a qual as omissões materiais só se exteriorizam quando insatisfatórios os meios colmatagem da incompleta conformação dos respectivos enunciados, elas vêm sempre acompanhadas da presença de espécie de vontade negativa do órgão inadimplente. [109] Do contrário, não houvesse essa "vontade negativa", ter-se-ia simples lacuna não-intencional na disciplina normativa, o que poderia ser remediado a partir dos vários métodos possíveis de integração de lacunas. [110]

Assim, recorrendo novamente à diferenciação entre disposição e norma, na linha da doutrina italiana [111] e espanhola, [112] é lícito dizer que o objeto da fiscalização de constitucionalidade das omissões materiais recai: ou (a) numa norma explícita que exclui determinadas situações que mereceriam o mesmo tratamento normativo (nas hipóteses de omissões relativas expressas); ou (b) numa norma implícita que decorre da interpretação a contrario sensu do enunciado textual deficitário, "na parte em que não inclui" determinadas providências ou situações que deveriam estar inseridas na disciplina normativa (no caso das omissões parciais e relativas implícitas).

A propósito, falando sobre as omissões relativas (implícitas), REVORIO sustenta o seguinte. Ou se deve considerar que é o ato normativo que exclui implicitamente o suposto não previsto, fazendo com que o problema se desloque para a inconstitucionalidade desse próprio ato, na "parte em que não prevê" o que constitucionalmente deveria prever; ou então se deve entender que não há tal norma implícita, razão por que não existe nenhum obstáculo normativo para realizar uma interpretação extensiva, analógica ou sistemática que permita aplicar ao suposto não previsto as conseqüências expressamente assinaladas no preceito questionado. [113]

Obviamente, não cabe nas pretensões deste trabalho analisar a partir de quais tipos de formulações lingüísticas se pode ou não identificar uma omissão inconstitucional. [114] Deve-se apenas ressaltar que, mesmo nas hipóteses em que há exclusão implícita, a omissão será em certo sentido imprópria (ou puramente textual), pois já existe norma aplicável ao suposto não expressamente previsto. [115] E essa norma é aquela que termina, implicitamente, por não contemplar ou por discriminar determinadas pessoas, fatos ou situações da esfera de aplicação da disposição textual. Se uma lei concede pensão às "filhas" de "militares", está implicitamente discriminando os "filhos" dos "não-militares", e assim por diante. Nesses casos, detectada a presença de inequívoca "vontade negativa" do legislador, não cabe usar nenhuma interpretação ou sistema de colmatagem de lacuna que possa validamente negar a existência da norma implícita de exclusão. [116]

Em outras palavras, se a tentativa exegética de corrigir incompletudes em determinado ato normativo esbarrar na presença da "vontade negativa" do órgão que o criou, já que este órgão conscientemente resolver excluir ou não incluir alguma situação do programa normativo produzido, não há como fugir da existência de juízo de valor quanto à constitucionalidade de uma norma explícita ou implícita decorrente da disciplina editada.

Daí se percebe que as omissões materiais radicam tecnicamente numa norma decorrente da incompletude da disposição textual interpretada, o que gera controvérsias sobre se devem ser atacadas no âmbito da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão ou na da inconstitucionalidade por ação. Esse tema é dos mais polêmicos e será tratado no item seguinte.


7. Interesse processual nas ações de controle abstrato de constitucionalidade frente aos tipos de omissões inconstitucionais

A exemplo do que ocorre no controle abstrato de constitucionalidade dos atos comissivos, é também a partir da óptica do princípio do interesse objetivamente considerado que se identifica a presença do interesse de agir nas ações da fiscalização abstrata da constitucionalidade dos atos omissivos. [117]

Pois bem. Tratando especificamente do controle dos atos omissivos formais, só subsiste interesse processual enquanto não sobrevier a disciplina normativa por cuja produção se reclama. Sobrevindo o ato normativo imposto pela constituição, não há mais interesse objetivo em prosseguir com a ação do controle omissivo. E isso ocorre mesmo que se repute deficitária a medida legislativa superveniente, pois o tribunal não teria como julgar o mérito da causa sem violar o princípio da congruência entre o pedido e a decisão respectiva. [118]

Ângulo diverso, no tocante ao aspecto da adequação das vias de controle abstrato, não parece haver dúvidas em que as omissões formais (das quais fazem parte as totais e as absolutas), no direito brasileiro, só podem ser atacadas por meio de ADInO ou ADPF autônoma, únicas vias direcionadas ao controle dos atos omissivos "puros". Não podendo ser obtidas a partir de alguma "lei ou ato normativo", a contrario do art. 102, I, da CF/88 e do inciso I do par. único do art. 1º da Lei 9.882/99, descabe contra as omissões formais utilizar algum dos instrumentos da fiscalização abstrata de atos comissivos. Contudo, o mesmo não se pode dizer quanto às omissões materiais.

É que as omissões materiais (gênero que inclui as omissões parciais e as relativas), como visto, decorrem da edição de atos normativos, ainda que se os considerem incompletos. Logo, surgem dúvidas se tais comportamentos omissivos devem, teoricamente, ser impugnados por mecanismos do controle de constitucionalidade por ação ou por omissão. E essa confusão entre fiscalização comissiva e omissiva da constitucionalidade complica-se sobremaneira quando se nota, conforme demonstrado, que o objeto do controle das omissões materiais pode recair sobre normas implícitas.

Daí emerge, ademais, a questão de saber se é possível haver fungibilidade na escolha das vias de fiscalização da constitucionalidade e, conseqüentemente, se há ou não interesse processual (adequação) em se utilizar ação do controle de atos omissivos no lugar de alguma outra do controle de atos comissivos. [119] E já num momento seguinte, vem à tona a seguinte indagação: se o objeto do controle de constitucionalidade abstrato das omissões parciais e relativas recai numa norma (explícita ou implícita) decorrente da edição de ato normativo, como se poderia contra elas utilizar instrumentos do controle dos atos omissivos?

A resposta a tais questionamentos parece reconduzir à própria fixação do que seja omissão inconstitucional e de como se compõe o respectivo parâmetro de controle. Conforme dito anteriormente, deve-se distinguir, de um lado, as normas constitucionais que requerem a produção de condutas (no caso, disciplinas normativas) voltadas ao implemento da aplicabilidade da constituição e, de outro, as normas constitucionais que, ao prescreverem algo, importam na proibição de determinadas atuações comissivas, dando assim margem para se reputar inexistente ou inválido o ato normativo que contrariar a vontade do constituinte. [120]

Em paralelo, a possibilidade de o objeto da fiscalização das omissões recair numa norma (implícita ou explícita) que decorre de algum ato normativo não parece fator estipulante, por si só, do tipo de ação pela qual se podem controlá-las. A partir do momento em que as omissões materiais passaram a integrar o rol dos comportamentos omissivos, a identificação dos caracteres de uma omissão juridicamente sindicável, por coerência, deve buscar horizontes que não se esgotem na simples constatação da presença de ato normativo que dê origem à norma defeituosa.

Portanto, aliando os raciocínios expostos nos dois parágrafos acima, conclui-se que, no campo da inconstitucionalidade omissiva, o importante é analisar em qual proporção o ato editado contribui para dar exeqüibilidade à norma constitucional que censura o comportamento omisso (discussão quanto à "aplicabilidade" da norma paramétrica); [121] e não em que medida se encontra abalado o valor constitucional desse ato deficiente (discussão quanto à "existência" e "validade" do ato impugnado).

Assim, caso o pedido não esteja claro a respeito, é principalmente a causa de pedir que irá determinar a adequação da via eleita no controle das omissões materiais. Se os fundamentos da ação tiverem por base o descumprimento de uma proibição constitucional de agir, por questionarem exatamente "aquilo que foi feito" e não "aquilo que faltou fazer", a discussão gravitará em torno de uma conduta positiva, o que implica discussão quanto à "existência" ou à "validade" do preceito impugnado. Nessa hipótese, a ação adequada será sempre alguma do controle de atos comissivos. No sentido inverso, do ponto de vista da omissão, ou seja, daquilo que não foi mas que deveria ser contemplado no ato deficitário, se se sustentar que a inconstitucionalidade deriva da circunstância de a conduta ter sido incompleta para atender a um dever de agir imposto na constituição, há que se valer de ação do controle de atos omissivos, pois está em debate a implementação ou não da "aplicabilidade" da norma constitucional paramétrica. [122] E como não é possível converter ou cumular os pedidos de ação do controle abstrato de constitucionalidade omissiva com os das ações da fiscalização comissiva, [123] as petições iniciais que não respeitarem essa coerência entre fundamento, objeto e a via eleita devem ser indeferidas, por falta de interesse processual. [124]

Feita essa primeira aproximação, quanto às omissões parciais, o problema aparenta menor complexidade. Isso porque que tais omissões dizem sempre respeito a preceitos cujo objeto é a imposição de condutas voltadas à aplicabilidade da constituição. E, se assim é, inserem-se nos termos da definição contida no art. 103, §2º, da CF/88. Daí, não se questionando o ato normativo em relação "ao que foi feito", mas somente "naquilo que faltou fazer", tais omissões deverão ser atacadas, no direito brasileiro, pela via do controle de atos omissivos.

Aliás, embora por meio de equação diversa, a prática vem revelando o acerto dessa conclusão. Segundo a óptica do interesse objetivo que impulsiona o controle abstrato de constitucionalidade, se a omissão parcial decorre de providência "insuficiente", nunca haverá utilidade em declarar a nulidade do ato normativo quanto "àquilo que foi feito", pois isso só contribuiria para agravar a anomalia. [125] Assim, inclusive nessa visão pragmática, também não existe interesse processual objetivo a justificar a utilização dos instrumentos de controle de inconstitucionalidade por ação. [126]

Contudo, a respeito das omissões relativas, a discussão é mais complicada. Porque se encara o princípio da igualdade "quer como exigência de tratamento igual", "quer como proibição de tratamento desigual", [127] a constituição seria em tese atendida tanto se se declarasse a inconstitucionalidade do ato normativo deficitário em relação "àquilo que foi feito" quanto "àquilo que faltou fazer".

Desse modo, há quem sustente que, no campo da exigência de tratamento igualitário, caberia o controle por omissão, e no da proibição de tratamento desigual, o controle por ação. [128] No mesmo rumo, mas numa óptica apegada à questão textual da providência incompleta, tratando-se de omissões relativas explícitas, teriam lugar instrumentos do controle de atos comissivos, e, nos casos de omissão relativa implícita (ou concludente), adequado seria utilizar os meios da fiscalização dos atos omissivos. [129]

Entretanto, pelas razões já expostas, concordando em que toda proibição de determinada conduta admite ser textualizada sob a forma de imposição da omissão dessa mesma conduta, [130] parece que não se deve creditar tanta importância à circunstância de o princípio da isonomia poder ser encarado seja como exigência de tratamento igual, seja como proibição de tratamento desigual. Além disso, considerando que o objeto do controle dos atos comissivos pode muito bem recair numa norma implícita, tampouco se afigura tão relevante o argumento da inexistência de disposição expressa nos casos de omissão relativa.

Com efeito, acredita-se que a solução para esse problema parta de rumos diversos, pelo menos no sistema brasileiro. Se nas omissões relativas não está em debate o descumprimento de dever de implementar a aplicabilidade de alguma norma constitucional, a questão acerca "daquilo que faltou fazer" não diz respeito a alguma medida requerida para "tornar efetiva norma constitucional", até porque o parâmetro de controle desse tipo de omissão é composto por preceitos já revestidos de auto-aplicabilidade. Portanto, a contrario sensu do §2º do art. 103 da CF/88, tais omissões, mesmo as concludentes ou implícitas, devem ser controladas pelas vias de fiscalização de atos comissivos. [131]

A propósito, somente uma concepção dessas para o controle das omissões inconstitucionais relativas é que parece justificar o funcionamento de determinadas aplicações de técnicas decisórias típicas do controle de atos comissivos, como a "interpretação conforme a constituição" e a "declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto", quando o que o órgão controlador faz é uma redução teleológica do âmbito de incidência do enunciado lingüístico do preceito interpretado. Isso porque, a operação de inserir restrições teleológicas que não estão contidas no texto de um dado preceito normativo, mesmo a pretexto de conformá-lo à constituição, em última instância, significa aplicar o princípio da isonomia para corrigir verdadeira lacuna "oculta" contida na regulação examinada. Na linha do que explicou LARENZ, referida operação não se trata de interpretação restritiva, mas na realidade de redução teleológica obtida a partir do acréscimo de restrição normativa condizente com o sentido que a constituição espera do preceito analisado. Logo, assim como o recurso à analogia encontra justificativa "no imperativo de justiça de tratar igualmente os casos iguais segundo o ponto de vista o valorativo" da decisão, "também a justificação da redução teleológica radica no imperativo de justiça de tratar desigualmente o que é desigual". [132]

No entanto, a priorização dos meios de controle de atos comissivos para cuidar das omissões relativas não significa retrocesso frente ao progresso obtido com aquilo que, embora de forma deficitária, foi contemplado pelo ato normativo. Isso será demonstrado no item 9. Nada obstante, sem fugir da questão a respeito do interesse de agir, pode-se antecipar que a solução ora proposta traz grandes vantagens práticas. É que ela deixa aberta a possibilidade para que o órgão controlador eventualmente decrete a nulidade "daquilo que foi contemplado" pela providência discriminatória, caso entenda que a declaração de inconstitucionalidade da norma que "exclui" ou "não inclui" pessoas, fatos ou situações acarretaria uso destemperado do princípio da igualdade, [133] como na hipótese de risco de extensão de privilégio, em vez da respectiva eliminação. [134]


8. Técnicas decisórias no controle abstrato de constitucionalidade dos atos omissivos

Restrito o interesse do trabalho às novas perspectivas do controle abstrato das omissões inconstitucionais, afigura-se impertinente tratar a miúdo dos efeitos das decisões por meio das quais se as fiscalizam, como os efeitos temporais, erga omnes, vinculantes. Tais assuntos já se encontram bem sistematizados na doutrina nacional [135] e este estudo não lhes pretende apresentar inovações. Nesse sentido, parece suficiente abordar somente as técnicas de enfretamento das omissões e exclusivamente aqueles efeitos decisórios situados entre os objetivos do trabalho.

8.1. Técnicas decisórias na ação direta de inconstitucionalidade por omissão

Assentado o raciocínio de que a ADInO pode ser usada no controle das omissões formais e materiais parciais, mas não no das omissões relativas, cumpre saber quais são as técnicas e, no que interessam aos objetivos do trabalho, os efeitos da procedência do pedido feito neste tipo de ação.

Antes da atual Constituição brasileira, dois sistemas constitucionais já haviam previsto específicos instrumentos de controle abstrato de atos omissivos. A primeira fórmula concebida para corrigir omissões inconstitucionais era apenas uma espécie de denúncia da omissão a um órgão superior. Conforme o art. 377 da Constituição de 1974 da extinta Iugoslávia, poderia o Tribunal de Garantias Constitucionais denunciar à Assembléia da República a inércia de algum órgão na edição das normas de execução previstas nesta Constituição. Contudo, referido art. 377 não dispunha sequer sobre a hipótese de o órgão omisso ser a própria Assembléia republicana.

A segunda tentativa de remediar o problema das omissões inconstitucionais pelo controle abstrato coube ao art. 279 da Constituição portuguesa de 1976, em sua versão original. Tratava-se de uma emissão de recomendação ao órgão inadimplente. A atividade do órgão controlador circunscrevia-se a recordar o órgão omisso acerca do dever de emitir as providências solicitadas pela constituição.

A terceira, também se deve ao direito português. Após reforma constitucional, a atual redação do art. 283 da Constituição de 1976 avançou para a comunicação para o suprimento da omissão. O Tribunal Constitucional, após verificar a ocorrência de omissão, procede à intimação do órgão inadimplente para que edite as medidas necessárias à exeqüibilidade da norma constitucional desprovida de aplicabilidade.

Já no direito brasileiro, o art. 103, §2º, da CF/88 prevê que, uma vez declarada "a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias."

De nítida inspiração no reformado art. 283 da Constituição portuguesa, o mecanismo previsto pelo constituinte pátrio representou alguma inovação. É que embora tenha optado pela fórmula lusitana da simples comunicação (no caso em que a mora provenha do Legislativo), a Constituição brasileira adotou ainda a intimação com cominação de prazo para a hipótese de a inatividade ser de órgãos administrativos. [136]

Todavia, o STF entende não lhe caber suprir a omissão normativa, nem mesmo quando ela seja do tipo material. Salvo a fixação de prazo quando o órgão omisso for administrativo, a atuação da Corte vem se limitando à mera comunicação da mora ao órgão inadimplente, sem prever nenhuma sanção jurídica adicional. [137]

Aliás, aí se revelou extremamente infeliz o constituinte brasileiro, em sua opção de copiar a Constituição portuguesa, quando criou mecanismo específico para o controle abstrato de constitucionalidade dos atos omissivos. Se quanto às omissões formais houve nisso grande avanço, pois incorporada a idéia da existência de interesse objetivo e juridicamente tutelado à emanação de medidas que implementem a aplicabilidade da Constituição Federal, o mesmo não pode ser dito quanto à fiscalização das omissões parciais. É que, considerados os parcos efeitos previstos para as decisões da ADInO, o constituinte acabou por reduzir as possibilidades de corrigir a disciplina insuficiente. Seria muito melhor não tivesse criado a ADInO ou que houvesse restringido a aplicação dela só às omissões formais, porque assim se poderia mais facilmente caminhar, no âmbito mesmo do controle da constitucionalidade dos atos comissivos, no rumo da adoção de técnicas decisórias mais eficientes para enfrentar o problema. [138]

Ainda sobre o assunto, ensina CARRAZZA que a procedência do pedido da ADInO surte efeitos "basicamente", mas não "exclusivamente declaratórios", porquanto, em relação ao Executivo, há uma "eficácia mandamental média, pois o concita a praticar o ato, sob pena de responsabilidade e, em relação ao Legislativo, eficácia mandamental mínima, já que, como vimos, embora não o compila a editar a lei, atesta publicamente sua omissão, aplicando-lhe, grosso modo, uma sanção de natureza política." [139] Para CARRAZZA, entretanto, sempre que o Legislativo remanescer omisso, mesmo após comunicado da mora pelo STF, a questão poderá ser resolvida em perdas e danos, com fundamento na inércia do Poder Público. [140] Esse último assunto será tratado em item específico.

8.2. Técnicas decisórias da argüição de descumprimento de preceito fundamental autônoma utilizada no controle da constitucionalidade omissiva

Não cumpre a este trabalho discorrer sobre o que é ou como funciona a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), tampouco sobre os fundamentos e a constitucionalidade de sua divisão nas espécies autônoma (caput do art. 1º da Lei 9.882/99) e incidental (inciso I do par. único do art. 1º da Lei 9.882/99). [141] Cabe apenas estudar, naquilo que interessam aos objetivos do estudo, as técnicas e os efeitos do provimento judicial exarado no controle da inconstitucionalidade omissiva por via da ADPF autônoma.

Ademais, embora também cabível a ADPF autônoma para controlar omissões relativas, o presente item delas não tratará. Tal assunto será examinado adiante, [142] pois a abordagem ora se restringe à fiscalização da constitucionalidade omissiva e, portanto, somente às omissões formais e parciais.

Não custa ainda dizer que, em sede de ADPF, o parâmetro de controle é formado apenas pelos preceitos fundamentais, e não por toda e qualquer norma constitucional. [143] No entanto, como não pretende este trabalho fixar o que sejam tais preceitos, prossegue-se com a explanação.

Nesse rumo, em matéria de fiscalização por omissão, embora a Lei 9.882/99 tenha sido lacunosa – como aliás o foi também a Lei 9.868/99 –, parece que os efeitos das decisões da ADPF devam ser analogicamente os mesmos das decisões em ADInO. Aplica-se, então, a mesma sistemática exposta no §2º do art. 103 da CF/88. Com uma ressalva: o art. 10 da Lei 9.882/99 dá a entender que a decisão de mérito na ADPF poderia fixar "as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental", o que levou MENDES a sustentar que esse dispositivo "abre uma nova perspectiva, não por criar uma nova via processual, mas justamente por fornecer suporte técnico-legal em subsídio ao desenvolvimento de técnicas que permitam superar o estado de inconstitucionalidade decorrente da omissão." [144]

Ocorre, todavia, que esse artigo 10 parece ser inconstitucional. É que ele tenta atribuir ao STF o papel de verdadeiro intérprete autêntico dos preceitos fundamentais da Constituição Federal, mas essa atribuição não compete ao Judiciário. Em vez de esclarecer que o STF pode fixar as condições para que o ato impugnado se concilie com a Constituição Federal, referida regra faculta à Corte decidir como se deveria interpretar ou aplicar o próprio preceito fundamental! Ou seja, o legislador, sem autorização constitucional, pretendeu ampliar o objeto da ADPF aos respectivos parâmetros de controle. [145]

Aliás, foi por essa inconveniência de fixar quais são as interpretações válidas da constituição que o próprio STF, na Carta Constitucional passada, não quis conhecer de representação para interpretação em tese de norma constitucional. [146] Bem assim, na vigência da Constituição atual, quando negou a tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais originais, assentou o STF que não se encontrava em sua jurisdição alguma atribuição que lhe permitisse exercer o papel de fiscal do constituinte originário. [147]


9. Fundamentos do controle das omissões relativas pelas vias de fiscalização dos atos comissivos

Já se sublinhou que as omissões relativas, inclusive as implícitas, por não dizerem respeito à inobservância de alguma norma constitucional sem aplicabilidade direta, estão a contrario sensu do §2º do art. 103 da CF/88 excluídas do âmbito de cabimento dos instrumentos de controle da constitucionalidade omissiva. Essa conclusão, portanto, restringe à fiscalização comissiva o problema dos fundamentos da fiscalização das omissões relativas.

Pois bem. Conforme demonstrado, a utilização das ações do controle de constitucionalidade comissivo tem a vantagem de, a um só tempo, permitir tanto o reconhecimento da desconformidade constitucional "daquilo que foi feito" quanto "daquilo que faltou fazer" na disciplina normativa incompleta. Como a igualdade pode ser restabelecida seja declarando a inconstitucionalidade do próprio regime favorável ("aquilo que foi feito"), seja reconhecendo a inconstitucionalidade da norma (implícita ou explícita) que consagra a discriminação arbitrária ("naquilo que não foi feito"), fiscalizar as omissões relativas por meio das ações do controle de atos comissivos é a melhor opção.

Entretanto, ao contrário do que se pode pensar, a aplicação dessas ações do controle comissivo para cuidar das omissões relativas quanto "àquilo que não foi feito" não significa necessariamente retroceder com o progresso obtido, embora de forma deficitária, com a disciplina contemplada pelo ato normativo. Muito pelo contrário.

Eventual juízo de inconstitucionalidade articulado nas vias do controle de atos comissivos fulmina, exatamente, a norma discriminatória extraída da interpretação do preceito impugnado, "na parte em exclui" ou "que não inclui" o que deveria prever. Então, sabendo que o parâmetro de controle das omissões relativas é formado por normas constitucionais auto-aplicáveis, defende-se o seguinte. Uma vez decretada a incompatibilidade constitucional do preceito que promove discriminação arbitrária, a defeituosa "vontade negativa" contida na disciplina incompleta seria reparada pela aplicação da própria norma constitucional violada, a qual, por possuir eficácia plena, não necessita de interpositio legislatoris para ser imediatamente aplicada. [148]

Por isso, nessas hipóteses, a decisão do tribunal implicaria espécie de "efeito aditivo". Declarar a inconstitucionalidade seja da cláusula expressa de exclusão (omissão relativa explícita), seja da norma implícita discriminatória (omissão relativa implícita), envolve nítida "adição normativa" ao preceito impugnado, pois a conseqüência lógica dessa declaração é a própria extensão da disciplina legal a fatos, pessoas ou situações não desejados pelo órgão legislativo. [149] Em outras palavras, mesmo quando a censura incide em face "daquilo que não foi contemplado" pela providência normativa, por meio dessa mecânica de controle, o que sucede é a adesão, à providência censurada, daquilo que foi por ela omitido. [150]

Obviamente, a proposta de controlar as omissões relativas por meio de mecanismos assim empreendidos não resolve sempre o problema, até porque não é freqüentemente que se encontram regras que impliquem extensão logicamente imposta pelo sistema constitucional. Contudo, se essa constatação é mais veemente nos países cujas constituições não são tão analíticas quanto a brasileira, parece que o constituinte pátrio disponibilizou ao STF número maior de regras para realizar a importante tarefa, mencionada por CERRI, de "descobrir instrumentos auto-aplicáveis de eliminação das inconstitucionalidades". [151]

Todavia, não se pode deixar de ressaltar que o tribunal controlador não procede, ele próprio, à aplicação da regra constitucionalmente obrigatória, pois a incidência concreta dela não é objeto de consideração no controle abstrato de constitucionalidade. O tribunal restringe-se a decidir pela existência de uma única solução constitucionalmente obrigatória para o defeito da providência incompleta. Somente então, se essa decisão contar com efeitos vinculantes, é que a solução apontada será também vinculante aos casos concretos em que se discutir a incidência da disciplina deficitária. Ou seja, o "momento reconstrutivo" do ato normativo incompleto é sempre uma conseqüência da nulidade da norma discriminatória contida na regulação omissa. [152]

De fato, o tema não é assim tão simples que possa ser resolvido somente com essa linha de considerações, pois sempre remanescerão polêmicas quanto à legitimidade e extensão do controle judicial da constitucionalidade. Nesse rumo, se inclusive a declaração de inconstitucionalidade do texto da cláusula expressa de exclusão importa na incorporação de algum "efeito aditivo" ao programa normativo do ato impugnado, é de se concordar com MENDES quando afirma que se situa "a problemática principal da omissão do legislador menos na necessidade da instituição de processos para o controle dessa modalidade de ofensa constitucional do que no desenvolvimento de formas adequadas de decisão para superar o estado de inconstitucionalidade". [153]

Mas uma coisa é certa: enquanto não incorporados às vias de controle abstrato fundamentos teóricos e técnicas decisórias que não resumam o julgamento à mera dicotomia entre declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da "disposição" impugnada, a superação das omissões relativas será sempre um problema insolúvel.


10. Controle da inconstitucionalidade da omissão parcial e vedação da atuação do juiz como "legislador positivo"

Como já que se antecipou, um dos grandes desafios do trabalho está em navegar entre os limites do que a sistemática ora vigorante permite fazer e daquilo que ainda se pode avançar em relação ao velho dogma da proibição a que o juiz atue como "legislador positivo". [154]

Dessarte, o maior obstáculo da superação das omissões inconstitucionais relativas, por intermédio das vias de controle da constitucionalidade comissiva, reside nas objeções a que órgãos judiciais intervenham, positivamente, no programa normativo ou no âmbito de incidência do preceito impugnado.

Isso porque ainda vigora concepção que impede a atribuição de qualquer "efeito aditivo" aos atos normativos questionados em juízo, nem mesmo a pretexto de corrigir claras distorções que neles se possam verificar. Na jurisprudência do STF, é paradigmático o seguinte exemplo:

(...) O STF COMO LEGISLADOR NEGATIVO: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o Supremo Tribunal Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador. (...) [155]

Para a Corte, portanto, se a declaração de inconstitucionalidade importar na modificação da sistemática do ato normativo impugnado, por acréscimo ou alteração de seu sentido, haverá impossibilidade jurídica do pedido. [156] E essa concepção restritiva do STF acaba por atingir também tanto os casos de omissões inconstitucionais relativas do tipo indefinido, [157] como os em que se alegara a existência de omissões relativas da espécie definida. [158]

Nesse rumo, sem distinguir entre os tipos de omissão, a Corte vem genericamente entendendo que, embora seja factível declarar a inconstitucionalidade da norma que concede o benefício discriminatório, não o seria a extensão jurisdicional dela "aos fatos arbitrariamente excluídos do benefício, dados que o controle da constitucionalidade das leis não confere ao Judiciário funções de legislação positiva." [159]

Certo, ainda é necessária a manutenção do dogma proibitivo da atuação do juiz como "legislador positivo". Não se discute que o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito exige que o princípio da independência das funções estatais seja preservado, de maneira que o Judiciário não pode e nem deve se imiscuir na esfera discricionária da atuação normativa dos demais Poderes. Nessa linha, é salutar o autocontrole da jurisdição constitucional, pois não é atribuição dela interferir ou impedir que os outros órgãos atuem, mas sim zelar para que isso seja feito de forma compatível com os preceitos constitucionais.

Todavia, se não for o caso de julgar inconstitucional o preceito impugnado em face "daquilo que foi contemplado", o princípio da supremacia constitucional pode exigir atitude que não restrinja o poder decisório do tribunal à simples extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido.

Especialmente quando se depara com omissões inconstitucionais relativas definidas, é o próprio ordenamento constitucional que prevê regra preexistente e plenamente eficaz para ser aplicada no lugar da norma (implícita ou explícita) que consagra a discriminação arbitrária. Com isso, tem-se por descaracterizada uma atuação do juiz como "legislador positivo", porquanto o que se faz é simplesmente permitir a aplicação de norma já existente, auto-aplicável e que possui superior hierarquia. É dizer: não há falar-se em desrespeito ao princípio da separação dos Poderes, pois, se a norma constitucional adequada para suprir a omissão relativa dispõe de eficácia plena, não se poderia recusar a aplicá-la em substituição à disciplina defeituosa. O tribunal limita-se a fazer aquilo há muito recomendado por HAMILTON, o precursor do controle de constitucionalidade: dar prevalência à norma constitucional em detrimento da norma infraconstitucional decorrente da providência incompleta. [160]

Em outras palavras: infirmada a constitucionalidade do preceito discriminatório "naquilo que faltou fazer", supera-se a omissão relativa pela incidência obrigatória de norma constitucional auto-aplicável, na mesma trincheira já aberta, na Espanha e na Itália, pelas chamadas sentenças "manipulativas" aditivas. [161]

É bem verdade, mesmo nesses países, o tema está longe de ser pacificado. Embora as sentenças "manipulativas" venham sendo adotadas pelas Cortes Constitucionais italiana e espanhola, há brilhantes doutrinadores a sustentar que tais expedientes convertem o órgão controlador em "legislador positivo". [162] Sem embargo, segue prevalente a tese de que o tribunal constitucional, como acima sustentado, apenas faz emergir, por via da interpretação, norma auto-aplicável e já presente no texto constitucional. [163]

Ademais, na defesa desse tipo de controle sobre as omissões relativas, REVORIO traz outros argumentos de peso, dos quais se destacam os seguintes. Em muitos casos, as exigências constitucionais podem impor a extensão do regime previsto no preceito discriminatório, já que a supressão da regulação favorável iria contra certos mandamentos contidos na própria constituição. Se a disciplina deficiente representa, ainda que de modo incompleto, a atuação da constituição, o realizado na disciplina não pode ser "desatuado" contra a vontade da norma fundamental. [164] Por isso, num contexto constitucional com grande elenco de direitos sociais, é justificável por que a Corte Constitucional espanhola vem antes preferindo considerar a legislação antiisonômica como portadora de "insuficientes generalizações" do que de benefícios em sentido inconstitucional. [165] Embora não se devam chancelar privilégios injustificados, [166] a solução aditiva, quando contrastada com a opção de decretar a inconstitucionalidade do regime favorável, é mais respeitosa com as exigências constitucionais. [167] Enfim, a sentença aditiva não é senão uma maneira de salvar, ao menos parcialmente, a decisão tomada pelo legislador. [168]

Obviamente, não são todos os casos de omissão que admitem livremente sentenças "manipulativas" aditivas. A Corte Constitucional italiana, com base no rigoroso princípio da legalidade em matéria penal, não admite sentenças aditivas in malam partem. [169]

Além disso, atenta ao problema financeiro que a solução judicial pode ensejar, a doutrina italiana tem diferenciado decisões "aditivas de gastos" ou de "prestação" (additive di spese e additive de prestazione) daquelas "aditivas de garantias". Assim, questiona-se a constitucionalidade de precedentes da Corte Constitucional italiana nos quais não houve indicação da fonte de recursos necessários para suportar o aumento de despesas decorrente da extensão, mediante sentenças "aditivas de prestação", do original programa normativo da lei deficitária.

Essa discussão tem por pano de fundo o art. 81, §4º, da Constituição italiana, o qual exige – de forma até mais contundente que o art. 63 da CF/88 – que qualquer lei que implique novos ou maiores gastos deve indicar os meios para lhes fazer frente. [170] A melhor solução para o problema, contudo, tanto no Brasil quanto na Itália, parece estar no raciocínio exposto por ROMBOLI, para quem o art. 81, §4º, da Constituição italiana não vincula diretamente os pronunciamentos judiciais, mas deve ser visto como princípio a ser considerado e valorado pela Corte no momento de julgar a legitimidade constitucional de uma lei. [171]

Neste ponto, vem ainda à tona a relevante distinção já aludida entre omissões definidas e indefinidas. Isso porque, se a constituição contempla diversas soluções possíveis para remediar a providência deficiente, todas indiferentes sob a óptica do respectivo parâmetro de controle (omissão indefinida), não compete ao órgão controlador, mas à discricionariedade do próprio órgão normativo optar por uma delas. Logo, a decisão do tribunal não poderá indicar uma regra que traduza a solução constitucional obrigatória, senão apontar princípio ou princípios que nortearão as posteriores modalidades de atuação normativa necessárias para corrigir a disciplina incompleta. [172]

No entanto, se a omissão indefinida for da espécie imprópria, é possível ainda que o tribunal identifique um princípio específico a direcionar a reconstrução da disciplina deficitária por parte dos demais órgãos constituídos, sem que isso signifique vulnerar o âmbito discricionário do órgão normativo omisso. Como disse REVORIO, há ocasiões em que as conseqüências jurídicas derivadas da constituição são suficientemente genéricas a ponto de exigir uma concretização, porém não tão genéricas que tornem imprescindível que a concretização se realize pelo próprio legislador. [173] Ademais, existem outras situações em que, embora a intervenção do legislador seja muito conveniente ou necessária, ainda sim cabe uma aplicação "provisional" dos princípios constitucionais considerados como soluções ao problema da providência deficiente. [174]

Daí se vê que a compulsória indicação e posterior incidência do preceito constitucional violado, no lugar da norma (explícita ou implícita) discriminatória, só é cabível em se tratando de omissão relativa definida, pois somente nesses casos é que os aplicadores do preceito impugnado estão constitucionalmente vinculados a observar aquela única solução constitucionalmente obrigatória.


11. Precedentes ilustrativos da superação de inconstitucionalidades omissivas relativas pelas vias do controle da constitucionalidade por ação

Nos dois itens anteriores, analisaram-se os fundamentos dogmáticos do controle abstrato das omissões inconstitucionais relativas pelas vias da fiscalização dos atos comissivos, bem como a possibilidade de se controlar tais tipos de omissão por meio de mecanismos que não restrinjam as opções decisórias somente ao reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido ou da inconstitucionalidade "daquilo que foi feito". Agora, neste item, em apoio ao que se sustentou, cabe indicar alguns precedentes nos quais o Judiciário brasileiro, preocupado em atender ao princípio da isonomia ou a regras dele decorrentes, empreendeu à correção de omissões relativas.

Sublinhe-se que este trabalho não tem a intenção de criticar o mérito das decisões adiante relacionadas. Pretende apenas sustentar que elas, bem ou mal, inadvertidamente ou não, acabaram por estender a situações e grupos discriminados, na mesma linha defendida no presente estudo, a disciplina favorável contida em atos normativos considerados atentatórios ao princípio isonômico. Nesse rumo, como tampouco faz parte dos objetivos da pesquisa realizar apanhado exaustivo da jurisprudência sobre o assunto, pareceu suficiente trazer a lume apenas três precedentes judiciais.

A começar, então, com precedentes do STF, cumpre mencionar duas situações paradigmáticas em que Corte, a despeito de sua tradicional jurisprudência aferrada ao dogma da vedação a que o Judiciário aja como "legislador positivo", admitiu fazer autênticas "adições normativas" para contemplar situações manifestamente contrárias à "vontade negativa" do Legislativo.

É o caso, por exemplo, da farta jurisprudência criada para estender aos proventos de servidores inativos aumentos remuneratórios que os discriminaram. [175] E nesses precedentes, o curioso é que o STF se vale do mesmíssimo raciocínio usado na legitimação das sentenças manipulativas aditivas, qual seja, o argumento de que o tribunal pode desconsiderar a norma infraconstitucional discriminatória a pretexto de aplicar uma outra norma, auto-aplicável, já prevista na Constituição Federal. Por todos, confira-se:

ISONOMIA – ATIVOS E INATIVO - §4º DO ARTIGO 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – APLICABILIDADE. A garantia insculpida no §4º do artigo 40 da Constituição Federal é de eficácia imediata. A revisão dos proventos da aposentadoria e a extensão aos inativos de quaisquer benefícios e vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade pressupõem, tão-somente, a existência de lei prevendo-os em relação a estes últimos. O silêncio do diploma legal quanto aos inativos não é de molde a afastar a observância da igualação, sob pena de relegar-se o preceito constitucional a plano secundário, potencializando-se a atuação do legislador ordinário como se a este fosse possível introduzir, no cenário jurídico, temperamentos à igualdade. Uma vez editada lei que implique outorga de direitos aos servidores em atividade, dá-se, pela existência da norma constitucional, a repercussão no campo patrimonial dos aposentados. A locução contida na parte final do §4º em comento – ‘na forma da lei’ – apenas submete a situação dos inativos às balizas impostas na outorga do direito aos servidores da ativa. [176]

E no mesmo rumo foi a decisão do STF no RMS 22.307/DF. [177] Aqui, conforme havia decidido no Processo Administrativo 19.426-3 – no qual se consideraram, entre outros fatores, "a auto-aplicabilidade e, portanto, a imperatividade, com eficácia imediata, da norma constitucional asseguradora da revisão geral da remuneração de civis e militares na mesma data, sem distinção de índice" [178] –, com base no inciso X do artigo 37 da CF/88, [179] o STF estendeu a outros servidores públicos a revisão salarial concedida somente a determinadas categorias pelas Leis 8.622, de 10/01/93, e 8.627, de 19/02/93.

Reparar que, nesse precedente, restou desacolhida justamente a tese de que a concessão da segurança vulneraria o raciocínio da Súmula 339/STF ("Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia."). Contudo, se é correto dizer que tal extensão não converteu o Judiciário em legislador positivo, o mesmo não pode ser dito quanto à negativa de que ela se baseou em norma de isonomia. Se o fundamento determinante do RMS 22.307/DF foi a auto-aplicabilidade do inciso X do artigo 37 da Constituição Federal (em sua redação original) e se tal preceito nada mais é do que um "corolário do princípio fundamental da isonomia", [180] não há negar que a finalidade da extensão estava realmente em corrigir discriminação arbitrária aos funcionários não contemplados pela disciplina legal.

O que se retira desses dois exemplos, portanto, é que o STF constatou a ocorrência de implícita omissão relativa "determinada", motivo pelo qual procedeu à aplicação da regra constitucional obrigatória ao caso. E mais: como as decisões importaram em acréscimo de gastos não previstos na legislação censurada, os efeitos "aditivos" consagrados pela Corte foram do tipo "aditivo de prestação", ou seja, o mais complicado deles.

De se ressaltar, ainda, que a decisão do RMS 22.307/DF adquiriu notável caráter pedagógico. A ela se seguiram semelhantes pronunciamentos adotados por toda a Justiça Federal, daí ocasionando a correção da omissão relativa por parte do próprio Presidente da República, que editou medida provisória estendendo os efeitos daquele julgamento do STF. [181]

A última ilustração diz respeito à linha jurisprudencial firmada pelo segundo mais importante tribunal brasileiro. Em matéria penal, efeito aditivo "de garantia" vem sendo dado pelo Superior Tribunal de Justiça na interpretação do art. 2º da Lei 10.259, de 12/07/2001. Esse dispositivo fixou a competência dos Juizados Especiais Criminais da Justiça Federal para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo e o parágrafo único do mesmo artigo assim as definiu: "Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa." Todavia, no âmbito dos Juizados Especiais da justiça dos Estados-membros e do Distrito Federal, o legislador foi menos generoso. O art. 61 da Lei 9.099, de 26/09/95, restringiu o conceito das infrações penais de menor potencial ofensivo somente aos delitos criminais cuja pena máxima não seja superior a um ano. Mas como tal disparidade implicaria tratamento discriminatório, o STJ, embasado exatamente no princípio da isonomia, passou a entender que a nova definição de crimes de menor potencial ofensivo acabou por derrogar aquela prevista no art. 61 da Lei 9.099/95. [182] E isso tudo a despeito da regra de exclusão explícita, contida no transcrito parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001, conforme a qual a nova definição de crimes de menor potencial ofensivo só se aplicava para os efeitos da própria Lei 10.259/2001.

Em outras palavras, o STJ, inadvertidamente, acabou considerando inconstitucional omissão relativa expressa pretensamente cometida pelo legislador e, de conseqüência, em razão do princípio da isonomia, estendeu a nova definição de crimes de menor potencial ofensivo ao âmbito da Lei 9.099/95, a despeito de cláusula explícita de exclusão contida na Lei 10.259/2001.

Enfim, a partir desses exemplos, percebe-se que as sementes das sentenças aditivas já foram lançadas no Brasil, pelo menos no controle concreto de constitucionalidade, e aqui podem encontrar todas as condições jurídicas para germinar também no âmbito da fiscalização abstrata. [183]


12. Técnicas decisórias de enfrentamento das omissões constitucionais relativas

Traduzindo as conclusões extraídas dos itens anteriores, já se pode caminhar para a ilustração das técnicas decisórias aplicáveis, no âmbito do controle abstrato dos atos comissivos, ao problema das omissões relativas.

Nesse sentido, supostamente considerando descabidas as hipóteses de julgamento pela inconstitucionalidade "daquilo que foi contemplado" na disciplina deficitária, seguem-se exemplos de dispositivos para as decisões de mérito que reconhecessem a inconstitucionalidade de uma omissão relativa quanto "àquilo que faltou fazer".

No caso de omissões relativas explícitas, bastaria que o tribunal declarasse a suspensão da eficácia da cláusula de exclusão. O dispositivo do acórdão ficaria redigido da forma habitual: "...Pelo exposto, decide-se suspender a eficácia do dispositivo X da lei Y...".

Se a omissão relativa definida for implícita, haveria necessidade da indicação expressa da regra constitucionalmente obrigatória para a situação. O dispositivo poderia ficar deste jeito: "...Pelo exposto, decide-se suspender a eficácia da norma decorrente do dispositivo X da lei Y, ‘na parte em que não prevê’ a aplicação do preceito [aqui entendido como uma regra] constitucional A...".

Em se tratando de omissão indefinida imprópria, inclusive a do tipo explícita, deveria o tribunal apontar o(s) princípio(s) que deveria(m) ser usado(s) na "reconstrução normativa" da providência incompleta, o que ensejaria dispositivos assim exemplificados: 1) se a omissão for explícita: "...Pelo exposto, suspende-se a eficácia do dispositivo X da lei Y, determinando a utilização do(s) preceito(s) [aqui entendido(s) como um ou vários princípios] constitucional(is) B (e C) na aplicação da..."; 2) se a implícita a omissão: "...Pelo exposto, decide-se pela suspensão da eficácia da norma decorrente do dispositivo X da lei Y, ‘na parte em que não prevê’ a aplicação do(s) preceito(s) [aqui entendido(s) como um ou vários princípios] constitucional(is) B (e C)."

De outro lado, para as hipóteses de reconhecimento de omissão indefinida própria, as melhores técnicas decisórias parecem ser aquelas recentemente incorporadas ao direito brasileiro por meio dos artigos 27 da Lei 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99. Assim, sem querer estudá-los a fundo ou tampouco adentrar a polêmica que cerca a constitucionalidade desses dois artigos, a partir deles se poderiam conceber técnicas decisórias que atenderiam plenamente àquilo que se tentou demonstrar neste trabalho.

Isso porque, com base nesses novos dispositivos legais, é possível defender, no direito brasileiro, a adoção de fórmulas de fiscalização equivalentes às adotadas na Alemanha – como a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade ou o reconhecimento de que a norma impugnada é "ainda constitucional", além do chamado "apelo ao legislador" –, bem assim de sentenças com eficácia ablativa pro futuro, a exemplo do direito austríaco. [184]

Dessa forma, como a possibilidade de "reconstrução" da disciplina normativa deficiente decorre necessariamente da declaração de nulidade da norma discriminatória, caso o tribunal entenda que tal reconstrução só possa ser empreendida pelo próprio órgão inadimplente, poderá haver "excepcional interesse social" ou "razões de segurança jurídica" que justifiquem optar por uma das mencionadas espécies de sentenças, como excepcionalmente admitem os artigos 27 da Lei 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99.

E os motivos para tal opção radicam nos seguintes fundamentos. Ao contrário do que à primeira parece, o valor do excepcional interesse social não estaria pendendo contra a declaração de inconstitucionalidade, senão a favor dela, ainda que os efeitos da decisão que assim a reconhecesse ficariam subordinados a termo fixado pelo STF. É que, do contrário, não fosse dessa maneira reconhecida a inconstitucionalidade da omissão indefinida própria, a atitude do órgão controlador seria ou (a) julgar inconstitucional o preceito impugnado em relação "àquilo que foi contemplado"; ou (b) extinguir o processo, sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, [185] pois o Judiciário, à míngua de única solução constitucional obrigatória, não poderia permitir que, sequer por conseqüência, uma entre as múltiplas soluções disponíveis fosse concretizada por órgãos diversos que não o próprio órgão omisso.

Esclarecendo melhor, é lícito imaginar casos em que, em vez de (a) admitir a supressão do regime favorável concedido pela disciplina deficitária ou (b) simplesmente abster-se de pronunciar a inconstitucionalidade omissiva, o interesse público recomendará ao tribunal, excepcionalmente, seja decretada a incompatibilidade constitucional do comportamento omisso ("naquilo que faltou fazer"), ensejando assim a que o órgão inadimplente corrija a providência deficiente, mas sem permitir que os demais órgãos constituídos procedam, eles próprios, à superação da inconstitucionalidade omissiva.

Na mesma ordem de idéias, a escolha por uma das técnicas decisórias admitidas pelos artigos 27 da Lei 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99 poderá basear-se no outro motivo previsto pelo legislador, ou seja, em "razões de segurança jurídica". Isso porque, igualmente desprezadas as opções (a) e (b) expostas nos dois parágrafos antecedentes, o tribunal reconheceria a inconstitucionalidade por omissão indefinida própria, com o objetivo de evitar situações incertas, que pudessem representar lesão a outros princípios constitucionais, ou mesmo para impedir grandes incertezas e diversidades de posicionamento por parte daqueles que deveriam concretizar a solução ao problema da omissão inconstitucional. [186]


13.

Possibilidade de indenização por danos decorrentes de omissão inconstitucional

Segundo já se antecipou, há quem entenda que a procedência do pedido de uma ação do controle abstrato de constitucionalidade contra atos omissivos (no caso a ADInO) abriria margem a que a parte lesada reclamasse perdas e danos, se o órgão inadimplente permanecesse omisso. [187]

De fato, num primeiro momento, tal idéia faz sentido. Sabendo que o processo da ADInO é do tipo objetivo – daí por que suas decisões de mérito têm efeitos erga omnes –, se o órgão inadimplente remanesce inativo, mesmo após comunicado da mora pelo STF, as partes prejudicadas pleiteariam eventual reparação do Poder Público por meio dos processos comuns. Assim, a possibilidade indenizatória não seria propriamente um efeito da decisão da ADInO, porém apenas conseqüência possível dela e que deveria ser analisada no âmbito do controle concreto de constitucionalidade. [188]

Entretanto, essa tese esbarra em múltiplos problemas. O primeiro deles está na quantificação dos pretensos prejuízos. Isso porque, identificar o quantum devido a título de ressarcimento por inércia na atuação normativa, de certa forma, é virtualmente presumir qual seria a disciplina que o órgão inadimplente deveria ter editado, para daí extrair o montante que indenizaria o prejuízo experimentado pela pessoa lesada. Ocorre que tal operação, óbvio, esbarra no problema da substituição, pelo juiz, da discricionariedade do legislador quanto às escolhas disponíveis em relação às providências tendentes a desenvolver a aplicabilidade da norma constitucional violada pela omissão.

Ademais, essa linha de raciocínio não tem a ver só com as omissões "formais". O mesmo problema concernente à intromissão judicial na discricionariedade do órgão normativo (omissões indefinidas próprias) sucede em matéria de omissões parciais. Se se reconheceu como insuficiente a disciplina legal, isso não significa que o juiz esteja investido de competência para interferir no âmbito das escolhas discricionárias a partir das quais o legislador deveria operar. [189]

Mas não é só. Há ainda o problema da legitimidade passiva do pedido reparatório. É que o órgão omisso, nas mais das vezes, está obrigado a implementar a aplicabilidade de normas constitucionais que disciplinam relações jurídicas estranhas à entidade federativa à qual pertence. Basta imaginar a fixação do salário-mínimo em valores insuficientes. Aqui, embora seja esse tema da competência legislativa da União Federal, afigura-se difícil sustentar deva ela responder por prejuízos decorrentes da insuficiência salarial cujo pagamento é da responsabilidade de terceiros.

Além disso, não parece que a procedência do pedido feito em ação do controle abstrato de constitucionalidade omissiva assegure direito geral de indenização. Se o interesse que move o autor dessa ação é do tipo objetivo, i.e., não identificado com os interesses subjetivos de quem quer que seja, só se poderia falar em direito subjetivo à indenização pela omissão à medida que também se pudesse vislumbrar a existência de direito subjetivo à atuação normativa tendente à exeqüibilidade da norma constitucional violada. Mas isso não está assegurado pela Constituição Federal, a não ser nas hipóteses contra as quais caiba mandado de injunção. [190]

Por tudo isso, é difícil imaginar outros casos em que se mostre possível a recomposição patrimonial senão quando a própria norma constitucional cuja aplicabilidade se encontra comprometida pela omissão é que prevê alguma indenização. Para ilustrar com a casuística dos mandados de injunção julgados pelo STF, ao contrário do que se costuma pensar, nos supostos em que o tribunal assegurou direito à reparação pela inércia, não houve qualquer condenação indireta à indenização pela omissão, mas apenas o afastamento da necessidade de intermediação normativa para que se obtivesse aquilo que a própria norma constitucional violada havia garantido. [191]

Pelo exposto, não se afigura adequado estender a responsabilidade patrimonial pela inércia a raias mais largas que as concebíveis em matéria de mandado de injunção.

Daí, mesmo após reconhecida a inconstitucionalidade pelas vias do controle abstrato de constitucionalidade por omissão, parece só existir direito à indenização quando: (a) também houver direito subjetivo à edição das providência normativas não implementadas; (b) não se basear o pleito indenizatório na mera insuficiência da providência incompleta; [192] (c) a pretensão do lesado tiver por fundamento reparação prevista na própria norma constitucional cuja aplicabilidade haja sido inviabilizada pela omissão impugnada; e (d) seja a mesma entidade responsável pela omissão inconstitucional quem devesse suportar a reparação prevista na norma constitucional se esta tivesse sido devidamente regulamentada.

Mas se tais conclusões parecem corretas quanto às vias de controle da constitucionalidade por omissão, inclusive em sede de ADPF autônoma, nada indica que se aplicam raciocínios semelhantes, sem maiores questionamentos, às hipóteses em que, no âmbito da fiscalização comissiva, se reconhece uma omissão relativa.

É que o regime de controle desse tipo de omissão é inteiramente diverso daquele empreendido para as demais espécies omissivas. E isso determina as seguintes diferenciações. A primeira delas tem a ver com a possibilidade de a omissão relativa ser ou não corrigida pela "reconstrução" da disciplina deficiente, como conseqüência da decisão do STF em controle abstrato de constitucionalidade. Nesse caso, se o juiz, à vista da indicação de regra constitucionalmente obrigatória (omissão relativa definida) ou de princípio constitucional específico (omissão relativa indefinida imprópria), puder remediar a situação omissa, não há falar-se em direito à indenização, mas em direito subjetivo à aplicação judicial da disciplina questionada sem a discriminação arbitrária.

Portanto, só será possível sustentar direito à reparação por perdas e danos nos supostos em que se declarar uma omissão relativa indefinida própria e, mesmo assim, somente a partir do momento em que tiver início a eficácia da sanção de nulidade aplicada à norma discriminatória inconstitucional ("naquilo que faltou fazer") ou após a fluência in albis do prazo eventualmente assinalado ao órgão inadimplente. Além do mais, como a norma paramétrica utilizada no controle das omissões re lativas é alguma ligada ao princípio da isonomia, o fundamento da indenização deve estar não na norma constitucional violada, mas na própria disciplina na qual se detectou a discriminação arbitrária.


14. Conclusões

Num grande esforço de síntese, as conclusões extraídas desta pesquisa são as seguintes. Primeira: no direito brasileiro, mesmo a partir dos instrumentos ora disponíveis, à medida que evolua o estudo dos fundamentos e das técnicas decisórias de enfrentamento do problema, é possível ainda avançar muito em matéria de controle abstrato das omissões inconstitucionais. Segunda: a melhor solução para a fiscalização da constitucionalidade dos atos omissivos está na incorporação de técnicas decisórias aditivas, a exemplo do direito italiano e espanhol. Terceira: com a devida sistematização da matéria, a incorporação de técnicas decisórias aditivas não transforma o juiz em "legislador positivo". Quarta: a jurisprudência do STF e do STJ já registra casos, no controle concreto de constitucionalidade, de decisões aditivas que corrigiram o problema de determinadas omissões relativas.


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para atualização, acerca do julgamento da inconstitucionalidade por ação da norma que fere a isonomia:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma de efeitos concretos. Impossibilidade de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Alegação improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada. 2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

ADI 1655 / AP - AMAPÁ

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, DOU de 22/04/2004


Notas

1 Para ilustrar tais resultados insatisfatórios, basta ver que muitas das comunicações, feitas pelo STF, de casos de inércia legislativa não sensibilizaram o Congresso Nacional. Nesse sentido, vejam-se as inúmeras decisões judiciais que atestaram a omissão na regulamentação do limite das taxas de juros (art. 192, §3º, in fine, redação original, da CF/88), até que esse limite fosse revogado pela Emenda Constitucional 40, de 29/05/2003 (por todas, cf. MI 323/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, j. 08/04/1994, DJU de 09/12/94, p. 34.080; e MI 361/RJ, Rel. desig. Min. SEPULVEDA PERTENCE, j. 08/04/1994, DJU de 17/06/94, p. 15.707); bem como os vários acórdãos que reconheceram a inércia legislativa em regulamentar o direito de greve de servido público, como previsto na CF/88, art. 37,
VII, tanto em seu texto original quanto na redação da Emenda Constitucional 19, de 04/06/98 (cf., e.g., MI 20/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 19/05/94, DJU de 22/11/96, p. 45.690).

2 Nesse sentido, falando sobre a baixa densidade normativa do art. 5º, LXXI, da CF/88, afirmou recentemente DIMITRI DIMOULIS: "Aqui o constituinte não se preocupou em definir como será ‘concedido’ o mandado de injunção e qual seu conteúdo. O silêncio sobre as questões processuais não cria problemas insuperáveis, sendo possível aparentar o mandado de injunção ao mandado de segurança, que, aliás, o precede imediatamente no texto constitucional. Ao contrário, o silêncio sobre os efeitos da concessão do mandado de injunção revelou-se extremamente danoso. Como resolver o problema por via interpretativa se o instituto é absolutamente novo; se a Constituição não oferece indicações úteis a seu respeito; se o legislador infraconstitucional permanece em uma inércia que parece escandalosa se comparada com a produção de aproximadamente três mil leis federais, desde a entrada em vigor da Constituição? Temos aqui um caso particularmente expressivo dos problemas que acarreta o silêncio constitucional." (DIMOULIS, Dimitri. Redundâncias e silêncios constitucionais no exemplo da argüição de descumprimento de preceito fundamental. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.) et al. Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil: recurso extraordinário e argüição de descumprimento de preceito fundamental. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 80.)

3 Como é sabido, inspirado na queixa constitucional alemã (Verfassugsbechwerde), por maioria de votos, o STF conferiu à decisão em mandado de injunção efeitos semelhantes aos da sentença concessiva de ADInO. Entendeu-se que, além do reconhecimento formal da omissão normativa, a concessão do mandado de injunção implica, tão-somente, a cientificação do estado de mora ao órgão inadimplente, não competindo ao Judiciário prover a medida normativa requerida pela Constituição. (Cf. MI 107/DF, RTJ 133:11.) Entretanto, conforme também a Suprema Corte, a procedência do pedido do mandado de injunção comporta algumas peculiaridades: (a) a sentença concessiva determina, "se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional" (RTJ 133:11); (b) em se tratando de omissão decorrente da inobservância de prazo estipulado na própria Constituição Federal (mora qualificada), o STF já assinou prazo para que a norma constitucional fosse regulamentada, após o que a impetrante poderia gozar da imunidade inviabilizada pela inércia legislativa (RTJ 137:965); (c) também em caso de mora qualificada, o STF fixou prazo para a regulamentação do artigo constitucional violado (art. 8º, §3º, do ADCT), decidindo que, não observado esse prazo, ficava assegurada ao impetrante "a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrarem" (RTJ 135:882); (d) em outro mandado de injunção calcado no mesmo dispositivo do ADCT, o STF deferiu parcialmente o pedido e assegurou direito à imediata ação de liquidação do valor prometido pela norma não regulamentada, independentemente de sentença condenatória. (MI 543/DF, Rel. Min.OCTÁVIO GALLOTTI, DJU de 24/05/2002, p. 55.)

4 Entendida aqui a dogmática "como o ramo da ciência jurídica que não tem por fim única e exclusivamente a investigação. Seu fim, sua teleologia é a aplicação; seu conhecimento, portanto, é instrumental para a práxis." (BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Metodologia da pesquisa jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 58.) Dessarte, com base nas definições do mesmo autor, sem a pretensão de buscar a verdade absoluta, o papel científico da linha dogmática de pesquisa é a definição de questões relevantes ao funcionamento do sistema jurídico, com o intuito de analisá-las sob óptica coordenada e concatenada de idéias e pensamentos, tendo por escopo final a apresentação de soluções razoáveis voltadas à eliminação dos problemas que possam tais questões apresentar.

5 Certo, ao tratar da omissão inconstitucional, o §2º do art. 103 da Constituição de 1988 refere-se a alguma "medida para tornar efetiva" a norma constitucional. Todavia, parece que aí o constituinte originário não usou de convenções lingüísticas científicas. Se o termo "efetividade" denota significado técnico ligado à materialização dos efeitos da norma no mundo dos fatos (BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 75), tem mais a ver com o controle concreto de constitucionalidade. Logo, não se mostra cientificamente adequado falar em "medida para tornar efetiva" a norma constitucional, em se tratando de ação do controle abstrato. Por isso, o conceito técnico que parece melhor traduzir a noção de omissão inconstitucional parece conectado ao de "aplicabilidade" da norma constitucional, naquele sentido que SILVA deu ao termo em seu Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. Assim, a medida de que trata o §2º do art. 103 da CF/88 é aquela necessária ao aparelhamento normativo do preceito constitucional, para que este possa, por conseqüência, incidir adequadamente nas situações concretas. Vale dizer, a omissão é anomalia que precisa ser corrigida, é ponte que precisa ser construída, para que só então seja possível reconhecer na norma constitucional o atributo da "efetividade". Veja-se, aqui, a íntima relação que o conceito de "aplicabilidade" mantém com o de "eficácia". Nas próprias palavras de SILVA, "eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encaradas por prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade." (Ibidem, p. 60.) Talvez por isso, o mesmo autor tenha dito que a inconstitucionalidade por omissão se verifica "nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou executivos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais que postulam lei ou providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstas se efetivem na prática." [Grifou-se.] (Ibidem, p. 166.)

6 Cf. SATÈ, Luca Geninatti. Contributo allo studio dei remedi della Corte costituzionale alle lacune ed alle omissioni del legislatore (con alcune osservazioni sulle sentenze di inammissibilità). Sezione I, p. 15. Diritto & Diritti – rivista giuridica on line. Disponível em: <http://www.diritto.it/articoli/diritto_costituzionale/sate_sez1.html>. Acesso em: 13 ago. 2003.

7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 1994, p. 332.

8 Ibidem, p. 332.

9 Ibidem, 333.

10 Ibidem, 332.

11 Portanto, uma omissão inconstitucional juridicamente controlável nunca decorrerá de eventuais lacunas constitucionais não-intencionais, quer ofendam ou não o plano da constituição e quer possam ou não ser colmatadas pelos tradicionais processos de integração de lacunas (interpretação extensiva, analógica, sistemática, princípios gerais do direito etc.). Nesse sentido, CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2000, p. 325-326.

12 À semelhança, operações de verificação da possibilidade de superar omissões são igualmente pressupostas como condição de admissibilidade do mandado de injunção. Aqui também a omissão relevante só se caracteriza se a aplicabilidade da norma constitucional não puder ser obtida pelos meios de integração de lacunas textuais (cf. voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE na RTJ 133:51). Se viável o afastamento de tais lacunas, não se cuidará de verdadeira omissão concreta, porquanto haverá norma não-textual a permitir a aplicação da constituição. Daí, inexistirá interesse de agir no ajuizamento do mandado de injunção. Contudo, acaso somente factível chegar a essa norma não-textual pela necessária intermediação de ato decisório concreto (v.g., sentença judicial ou decisão administrativa), percebe-se que o dever objetivo de implementação normativa da aplicabilidade dos preceitos constitucionais continuará insatisfeito. Logo, não haverá óbices à utilização das vias controle abstrato de constitucionalidade por omissão, pois remanesce interesse processual objetivo na edição de norma abstrata e genérica sobre o assunto. Ou seja, aquilo que no controle concreto se considera simples "lacuna colmatável", no controle abstrato pode ser encarado de forma diversa.

13 Assim decidiu o STF: "A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de que trata o parágrafo 2. do art. 103 da nova C.F., não é de ser proposta para que seja praticado determinado ato administrativo em caso concreto, mas sim visa a que seja expedido ato normativo que se torne necessário para o cumprimento de preceito constitucional que, sem ele, não poderia ser aplicado."(ADIn 19/AL, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, DJU de 14/08/89, p. 5.456.)

14 O princípio da "máxima efetividade" é um princípio interpretativo constitucional que foi assim definido por INOCÊNCIO M. COELHO: "na interpretação das normas constitucionais devemos atribuir-lhes o sentido que lhes empreste maior eficácia ou efetividade." (COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 91.) Nesse rumo, aplicando mencionado princípio no campo das omissões constitucionais, confira-se o seguinte acórdão do TRF da 4ª Região:

"Constitucional. Previdência social. Auto-aplicabilidade do parágrafo sexto do artigo 201 da Constituição Federal.

1. Dado o caráter obrigatório das normas de direito constitucional, delas se há de extrair, para imediata aplicação, todo o potencial de eficácia possível.

2. Deixar de aplicar preceito constitucional, sob fundamento de ausência de norma de caráter regulamentar necessária, implica admitir-se inconstitucionalidade por omissão.

3. O reconhecimento de inconstitucionalidade por ação e por omissão subordina-se a cuidados e princípios exegéticos idênticos: a presunção milita em favor da constitucionalidade do ato ou da omissão; a omissão inconstitucional só pode ser admitida quando a necessidade de norma regulamentadora se demonstrar evidente e acima de toda a dúvida razoável.

4. Inexistência, na hipótese, de óbices sérios à imediata aplicação, com plena eficácia, do preceito constitucional.

5. Precedentes do TRF Quarta Região e do Supremo Tribunal Federal.

6. Sentença mantida." (2ª Turma, Apelação Cível 91.04241720/RS, Rel. Juiz TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJU, Seção II, de 23/06/93, p. 24.675.).

15 E o que foi dito vale tanto para o juiz quanto para qualquer um que se depare com problemas de interpretação constitucional. Com efeito, a Administração, principalmente, deve procurar ao máximo extrair alguma eficácia das normas constitucionais, em vez de ficar no constante aguardo da regulamentação delas. O princípio da legalidade não é obstáculo para cumprir a constituição naquilo em que ela prescinde de intermedição legislativa para se considerar aplicável.

16 Enquanto o §2º do art. 103 da Constituição brasileira fala em "inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional", o art. 283, n. 1, da Constituição portuguesa refere-se à "omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais." [Sublinhou-se.] Todavia, reparar que o constituinte português, ao contrário do brasileiro, incluiu a fiscalização de constitucionalidade por omissão entre as cláusulas pétreas da Constituição de 1976 (art. 288, l).

17 Nesse sentido, cf. CLÈVE, op. cit., p. 343-344.

18 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 230.

19 Isso, todavia, não impede sejam os instrumentos da fiscalização abstrata dos atos omissivos utilizados para sanar eventual omissão material do legislador, como na hipótese de a lei – que deveria implementar a norma constitucional – ter sido promulgada de tal forma incompleta ou haver utilizado terminologia tão indeterminada que acabasse por delegar ao regulamento, de maneira imprópria, a tarefa que lhe competia.

20 Nesse caso, tampouco é possível atacar cumulativamente a omissão do legislador e a do órgão regulamentar, pois enquanto não vier a lei não há que se falar em mora na regulamentação dela.

21 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 968.

22 Nesse sentido, sem embargo da conclusão de que uma omissão inconstitucional só se caracteriza quando não é possível corrigi-la pelos meios de integração de lacunas, tal espécie omissiva parace similar ao conceito de "lacunas subseqüentes", em comparação com o de "lacunas iniciais". Para LARENZ, lacunas subseqüentes são aquelas, relacionadas ao fator tempo, que podem surgir "pelo facto de em conseqüência da evolução técnica ou econômica emergirem novas questões, que agora carecem de ser reguladas no quadro do escopo da regulação e do sector da regulação compreendido pela intenção fundamental da lei, mas que o legislador ainda o não viu." (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 537.)

23 Cf. CANOTILHO, Constituição dirigente..., p. 335-336.

24 Esse é o caso das chamadas omissões "parciais" e "relativas", nas quais se registra a produção de um preceito normativo (ato comissivo), mas este se mostra deficitário para atender adequadamente à vontade do constituinte.

25 Exemplos clássicos, no direito brasileiro, são as leis que fixam valores ao salário mínimo de maneira insuficiente para suprir as despesas previstas no inciso IV do art. 7º da CF/88. Cf. ADIn 1.439/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 30/05/2003.

26 A presente distinção tem pouco a ver com aquela dada por CLÈVE e PIOVESAN à inconstitucionalidade de mesma denominação. (Cf., respectivamente, op. cit., p. 327; e PIOVESAN, Flávia C. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. São Paulo: RT, 1995, p. 83-84.)

27 Nesse sentido, afirmou BARROSO: "Normalmente, o legislador tem a faculdade – e não o dever – de legislar. Insere-se no âmbito próprio de sua discricionariedade a decisão acerca da edição ou não de uma norma jurídica. De regra, sua inércia não caracterizará um comportamento inconstitucional." (BARROSO, op. cit., p. 156-157.)

28 Exemplo seria a lei que arbitrariamente, ou seja sem razão plausível, concedesse isenção tributária ao setor financeiro, abstendo-se de contemplar os demais setores econômicos.

29 Op. cit., p. 531.

30 Sobre o assunto, cf. CANOTILHO, Constituição dirigente..., p. 385-388.

31 Ibidem, p. 388.

32 Idem.

33 O dispositivo mencionado tem a seguinte redação: "X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;"

34 Para ilustrar: se o Legislativo promover revisão salarial em índices que não recomponham sequer a inflação do período, estará incorrendo em omissão "parcial", pois a providência será "insuficiente" em relação à norma de aplicabilidade mediata contida no mencionado inciso X do art. 37 da CF/88, nova redação. Todavia, se o defeito da lei radicar em eventual discriminação de datas ou de índices, haverá uma omissão "relativa".

35 Diz referido preceito: "VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;"

36 MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle de constitucionalidade como garantia da cidadania – necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de decisão: possibilidade da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade no direito brasileiro. In ___. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 1998, p. 44.

37 Sobre o assunto, cf. MENDES, ibidem, p. 45.

38 A referência a "pessoas", "fatos" ou "situações" deve-se à lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO conforme a qual é só com base nesses elementos que podem residir as diferenças relativas à aplicação do princípio da isonomia. (Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 9. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 33.)

39 Para exemplificar, imagine-se uma lei cujo art. 1º concedesse aumento aos servidores públicos civis, mas contivesse parágrafo que excluísse da aplicação do caput do artigo determinada classe deles.

40 Exemplo seria a lei que instituísse pensão a "viúvas" de determinada classe trabalhadora, deixando de se referir a "viúvos" em igual situação.

41 Cf. SATÈ, op. cit., p. 16.

42 Trechos entre aspas retirados de expressões contidas em sentenças da Corte Constitucional italiana, conforme citação de SATÈ, ibidem, p. 8.

43 No direito brasileiro, poder-se-ia ilustrar cada um desses tipos de omissão da seguinte forma. Se o legislador concedesse aumento de vencimentos a servidores públicos da ativa, excluindo os inativos em igual situação, a Constituição obrigaria o órgão julgador a aplicar uma única solução possível, que é a de estender o aumento à categoria discriminada, por força do atual §8º do art. 40 da CF/88. Ter-se-ia, aí, uma omissão (relativa) "definida". De outro lado, considerando que a Constituição condiciona aos "critérios definidos em lei" a aplicabilidade do 201, § 4º (na redação dada pela Emenda Constitucional 20, de 15/12/98), não pode o Judiciário interferir no âmbito das escolhas legislativas para fixar qual seja o índice de correção monetária adequado para preservar o valor real dos benefícios previdenciários, até porque isso exigiria avaliação sobre vários índices e a sistemática de cálculo de cada um deles. Nesse caso, portanto, reconhecida a insuficiência do índice eleito pela lei, haveria uma omissão (parcial) "indefinida". Sobre o assunto, cf. recente julgado pelo STF: Agravo Regimental no RE 322.348/SC, 2ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 06/12/2002, p. 74.

44 Anotando essa peculiaridade ao comentar as sentenças "manipulativas aditivas de princípio" no direito italiano, cf. ROMBOLI, Roberto. Il giudizio di costituzionalità delle leggi in via incidentale. In: ____ (Org.) et al. Aggiornamenti in tema di proceso costituzionale (1999-2001). Torino: G. Giappichelli, 2002, p. 107-108.

45 Exemplo desse tipo de situação, conforme jurisprudência da Corte Constitucional italiana, parece ser a enfrentada na Sentença 270/99, pela qual se reconheceu omissão (parcial) na legislação que regulava a disciplina do afastamento obrigatório da parturiente do trabalho, na parte em que a lei não estabelecia prazos idôneos a assegurar a adequada tutela à mãe e à criança nos casos de parto prematuro. Nesse precedente, afirmou a Corte que, embora a escolha entre as possíveis soluções à situação competia ao legislador, na ausência de intervenção legislativa, seria o juiz quem individualizaria a regra idônea à disciplina da fattispecie, de conformidade com os princípios indicados pelo acórdão. (Apud ROMBOLI, ibidem, p. 110.) Em matéria de omissão do tipo relativa, é ilustrativo outro caso julgado pela Corte Constitucional italiana. Na Sentença 158/2001, declarou-se a inconstitucionalidade de inciso do Código Penitenciário (Lei de 26/07/75), na parte em que, descumprido o preceito constitucional que assegura direito a repouso anual ao trabalhador, não conferiu tal direito aos detentos que prestavam atividade laboral nas dependências da administração carcerária. Nesse caso, a par de reconhecer que a situação comportava diversificadas formas de solução, a Corte deixou tanto ao legislador quanto ao juiz ou ao administrador a tarefa de concretizar a modalidade de realização do aludido repouso. (Apud ROMBOLI, ibidem, p. 111.) Para que não fiquem dúvidas em que o fundamento dessa decisão foi mesmo o princípio da isonomia, cf. o seguinte trecho dela, como extraído do sítio eletrônico da Corte Costituzionale: "D''altro lato, la garanzia del riposo annuale - imposta in ogni rapporto di lavoro subordinato, per esplicita volontà del Costituente - non consente deroghe e va perciò assicurata ad ogni lavoratore senza distinzione di sorta, dunque anche al detenuto, sia pure con differenziazione di modalità." ["De outro lado, a garantia de repouso anual – imposta em caso de trabalho subordinado, por explícita vontade do Constituinte – não admite derrogação e por isso é assegurada a todo trabalhador sem distinção de qualquer tipo, portanto também ao detento, ainda que com modalidades diferenciadas."]

46 Nesse sentido, defendendo que a ADPF pode ser usada no controle da omissão inconstitucional, cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: parâmetro de controle e objeto. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.) et al. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei nº 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 146 e segs.; e BERNARDES, Juliano Taveira. Princípios processuais do controle judicial abstrato da constitucionalidade dos atos comissivos: aspectos contemporâneos no direito brasileiro. Brasília, 2003. Dissertação (Mestrado em Direito e Estado) - Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, f. 142-146.

47 Cf. CANOTILHO, Constituição dirigente..., p. 346-347. No Brasil, advogando que "a omissão pode ser reconhecida também incidentalmente", cf. SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 201.

48 IBAGÓN, Mónica Liliana. Control jurisdiccional de las omisiones legislativas en Colombia. In: GÓMEZ, Juan Vega; SOSA, Edgar Corzo (Coord.) et al. Instrumentos de tutela y justicia constitucional: memoria del VII Congreso Iberoamericano de Derecho Constitucional. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2002, p. 312. Disponível em: <http://www.bibliojuridica.org/libros/libro.htm?l=344>. Acesso em: 15 ago. 2002.

49 Ibidem, p. 313.

50 Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986, p. 121.

51 Confira-se a lição de KELSEN: "A função específica de uma norma é a imposição de uma conduta fixada. ‘Imposição’ é sinônimo de ‘prescrição’. Descrição é o sentido de um ato de conhecimento; prescrição, imposição, o sentido de um ato de vontade. Descreve-se algo, como ele é, prescreve-se algo – especialmente uma certa conduta –, ao exprimir-se como a conduta deve ser. Mas isto não são duas diferentes funções, mas uma e a mesma função com referência à conduta diferente: uma ação e uma omissão desta ação.

Toda proibição pode ser descrita como uma imposição. (...) O conceito de conduta compreende o fazer ou a ação, e a omissão passiva de um fazer ou de ação. Tendo-se em vista só o fazer ativo, precisa-se distinguir entre imposição de um fazer fixado e a proibição desse fazer, e tendo-se em vista só a omissão passiva, precisa-se distinguir a imposição de uma omissão e a proibição dessa omissão, e obtém-se assim a impressão de duas diferentes funções normativas.

Mas o objeto de uma norma: a conduta não pode ser apenas um fazer fixado. Qualificando-se corretamente a ‘conduta’ como objeto da norma, então cabe a necessidade de distinguir entre a imposição e a proibição." [Itálico do original; grifos não.] (Ibidem, p. 120-121.)

52 Exatamente por entender que o dispositivo constitucional tido por violado era auto-aplicável, o STF não conheceu da ADInMC 297/DF, Rel. OCTÁVIO GALLOTTI, DJU de 25/04/96, p. 43.199. Cf. também a ADIn 480/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD, DJU de 25/11/94, p. 32.298.

53 Por aí se vê que o problema da definição dos parâmetros de controle das omissões inconstitucionais desperta grande interesse pela tipologia a respeito da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais. Entretanto, o presente trabalho não se propõe a tratar dessa intrincada matéria, daí por que utilizará conceitos trabalhados anteriormente pela doutrina, sem querer problematizá-los a fundo. Sobre o assunto, cf., v.g., SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade..., cit; DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989; PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais programáticas. São Paulo: Max Limonad, 1999; BARROSO, Limites e possibilidades..., cit.; e MORO, Sérgio Fernando. Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 2001.

54 Direito constitucional e teoria..., p. 967. Em sentido equivalente, afirma HAGE, "somente as verdadeiras ‘normas programáticas’ (que correspondem ao conceito de ‘policies’ de Dworkin) é que constituem diretrizes ou objetivos políticos a serem perseguidos pelo Estado e pela comunidade como um todo, é que podem ter sua concretização condicionada ou dependente do julgamento ou da oportunidade, dos legisladores, e da avaliação das disponibilidades (o que vale dizer, de prioridades) materiais e financeiras dos administradores que detenham poder político neste ou naquele momento.

Jamais podem ficar nessa dependência, ao arbítrio das prioridades selecionadas pelas forças políticas, os princípios jurídicos, que representam imperativos de justiça, de igualdade, de integridade, de solidariedade, de ética, de honestidade, e de outros valores morais, que, longe de lhe serem alheios, fazem parte do conceito de Direito, e que se expressam, acima de tudo, nos próprios direitos fundamentais do cidadão." [Negritos do original.] (HAGE, Jorge. Omissão inconstitucional e direito subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 38.)

55 Direito constitucional e teoria..., p. 967. Contrariamente, cf. CLÉVE, op. cit., p. 325.

56 Direito constitucional e teoria..., p. 968.

57 Op. cit., p. 344.

58 ADInQO 1.836/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 04/12/98, p. 10.

59 CANOTILHO, Constituição dirigente..., p. 205.

60 A propósito, já decidiu o STF: "A mora - que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa -, é de ser reconhecida, em cada caso, quando, dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da Lei Fundamental; vencido o tempo razoável, nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo podem descaracterizar a evidência da inconstitucionalidade da persistente omissão de legislar." (MI 361/RJ, Rel. desig. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU de 17/06/94, p. 15.707.)

Ainda sobre o assunto, comentando caso em que se considerou que o legislador ultrapassou, sem justificação, o prazo razoável para editar legislação referente a televisões por cabo, cf. RODRÍGUEZ, José Julio Fernández. Consideraciones en torno de la jurisprudencia constitucional de 1994 sobre la televisión por cable en relación a la inconstitucionalidad por omisión. Revista Española de Derecho Constitucional, Madrid, n. 48, p. 227-240, set./dez. 1996.

61 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de injunção. São Paulo: Atlas, 1999, p. 71. Na mesma linha, ensina CLÈVE, com apoio em PAULO MODESTO, a omissão inconstitucional configura um plus em relação às "situações jurídicas imperfeitas", porquanto exigem juízo sobre o transcurso do tempo (Op. cit., p. 221).

62 Nesse sentido, MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 292.

63 Cf., v.g., arts. 12, 20 e 48 do ADCT. No entanto, para a grande maioria dos casos que podem ensejar omissão juridicamente relevante, não há cominação de prazo.

64 Acerca do assunto da lei "ainda constitucional", cf. MENDES, Gilmar Ferreira. A declaração de constitucionalidade e a lei ainda constitucional. Consulex-Revista Jurídica, Brasília, n. 35, p. 32-35, nov. 1999. Ainda sobre o tema, o Min. PERTENCE já afirmou que "a alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações na realidade fáctica que a viabilizem." (STF, 1ª Turma, RE 147.776/SP, DJU de 19/06/98, p. 9.) No mesmo sentido, atrelando a inconstitucionalidade à verificação de situação de fato, no HC 70.514/RS, o STF entendeu que não era de "ser reconhecida a inconstitucionalidade do §5º do art. 1º da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública." (Plenário, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJU de 27/06/97, p. 30.225.)

65 Cf. CERRI, Augusto. Corso de giustizia costituzionale. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2001, p. 102.

66 Na doutrina nacional, cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 71 e segs.

67 Nesse sentido, ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 1977, p. 148.

68 Cf. GUASTINI, Riccardo. Teoria e dogmatica delle fonti. Milano: Giuffrè, 1998, p. 16.

69 Idem.

70 Como disse REVORIO (ibidem, p. 52), inspirado em VILLAVERDE, a distinção entre disposição e norma é mais um recurso processual de grande utilidade para a conservação e composição do ordenamento jurídico do que uma distinção substantiva entre dois fenômenos que tiveram vida própria.

71 Apoiada em GADAMER, cf. lição semelhante de HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 69. Ainda sobre o assunto, após dizer que o "recurso ao ‘texto’ para se averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional não significa a identificação entre texto e norma", ensina CANOTILHO que o "conteúdo vinculante da norma constitucional deve ser o conteúdo semântico dos seus enunciados lingüísticos, tal como eles são mediatizados pelas convenções lingüísticas relevantes", bem como que a "formulação lingüística da norma constitui o limite externo para quaisquer variações de sentido jurídico-constitucionalmente possíveis (função negativa do texto)." (Direito constitucional e teoria..., p. 1.143.)

72 ZAGREBELSKY, op. cit., p. 148.

73 Idem.

74 REVORIO, Las sentencias..., p. 37.

75 Op. cit., p. 111-112.

76 Exemplo de CALLEJÓN, ibidem, p. 112. ALEXY dá outro exemplo de normas obtidas sem enunciado escrito: aquelas expressas por sinais luminosos de um semáforo. Cf. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 2. reimp. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 51.

77 CALLEJÓN, op. loc., p. 112. O mesmo autor, porém, adverte sobre os problemas da aceitação das disposições não-normativas, pois o próprio conceito de disposição não-normativa é contraditório. Disse ele: "En cuanto disposiciones, éstas sólo son disposiciones no normativas (este es, carente por sí mismas del contenido normativo que sólo adquieren cuando se convierten en normas), ya que las disposiciones son sólo el contenido del acto normativo, cuyo resultado es la norma. De otro modo no habría lugar a la diferenciación entre disposción y norma." (Idem.) Na mesma linha, segundo CANOTILHO, a noção da existência de disposições sem normas implica conceito mais restrito do que se deve entender por normas. Assim, teria pouca operacionalidade no direito constitucional, já que tal restrição marginalizaria as normas programáticas e os princípios. (Direito constitucional e teoria..., p. 1.131.) Contudo, sem incorrer nessa restrição, GUASTINI é mais convincente. Com base em CRISAFULLI, aponta como exemplos de disposições não-normativas aquelas privadas de qualquer sentido normativo, tais quais as evocações divinas, as fórmulas dedicatórias, as enunicações de motivos, as declarações didáticas e exortativas. E, num sentido mais débil, cita as disposições cujo sentido não é suscetível de identificação em sede interpretativa (Teoria..., p. 18-19).

78 CALLEJÓN, op. cit., p. 112.

79 REVORIO, op. cit., p. 37.

80 Idem.

81 Nesse caso, a opção por uma norma elimina a outra. Cf. ZAGREBELSKY, op. cit., p. 148.

82 REVORIO, op. cit., p. 37.

83 Conforme ensina ZAGREBELSKY (op. loc. cit.), se a disposição quer dizer x, e x é a soma de a mais b, pode-se então dizer a disposição exprime duas normas (a e b).

84 REVORIO, op. cit., p. 37.

85 A única luz estaria na letra "a" do inc. III do art. 102, que trata do recurso extraordinário contra decisão que contrariar "dispositivo" da Constituição. Aqui, no entanto, além de se estar referindo ao parâmetro do controle (difuso, ressalte-se), o constituinte não refletiu sobre a diferença apontada; apenas reproduziu fórmulas semelhantes utilizadas em constituições anteriores. Cf. as Constituições de 1934 (art. 76, III, "a"), de 1946 (art. 102, III, "a"), de 1967 (art. 114, III, "a") e de 1969 (art. 119, III, "a").

86 Não olvidar, ainda, o que dispõe o parágrafo único incluído no art. 12 da LC 95/98 pela LC 107, de 26/04/2001: "O termo ‘dispositivo’ mencionado nesta Lei refere-se a artigos, parágrafos, incisos, alíneas ou itens."

87 Op. cit., p. 46 e segs. No mesmo sentido, cf. CAMPO, Jiménez Javier. El control de constitucionalidad de la ley en el derecho español. In: ____; LLORENTE, Francisco Rubio. Estudios sobre jurisdicción constitucional. Madrid: McGraw-Hill, 1998, p. 76.

88 Sobre o assunto, cf. BERNARDES, Princípios..., f. 290-292.

89 Cf. BERNARDES, ibidem, f. 288-290.

90 Cf., v.g., DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 2, p. 187.

91 Não confundir com a questão da causa de pedir aberta do controle abstrato, já que esta se refere ao parâmetro e não ao objeto de controle.

92 REVORIO, op. cit., p. 48.

93 Ibidem, p. 53. Segundo o próprio o autor, a designação do "complexo normativo" sob o nome de "preceito" deu-se com base na simples necessidade de identificação de um termo diferente de "dispositivo" ou "norma".

94 Ademais, à noção desse complexo normativo que forma o objeto do controle pode-se também agregar o raciocínio subjacente ao conceito de "situação normativa", fórmula utilizada por RUGGERI e SPADARO para abarcar elementos normativos e factuais da interconexão entre norma e dispositivo. Assim, a "norma" constituiria o êxito final de processo compreensivo determinado não somente pela disposição textual, mas também por consideração em torno de dados circunstanciais que a rodeiam. (RUGGERI, Antonio; SPADARO, Antonino. Lineamenti de giustizia costituzionale. Torino: G. Giappichelli, 1998, p. 136-137.)

95 REVORIO, op. cit, p. 52.

96 Nesse sentido, afirmou ZAGREBELSKY: "In conclusione, si può dire che le pronunce della corte costituzionale incidono in primo luogo e normalmente sui testi, ma che eccezionalmente esse incidono sulle norme (e non anche sui testi), purché tali norme non siano puramente ipotetiche o imaginarie." (Op. cit., p. 154.)

97 Nesse sentido, cf. CERRI, op. cit., p. 234.

98 Especialmente nos casos em que é necessário conservar possíveis interpretações compatíveis com a constituição, quando simultaneamente extraídas com outros sentidos (inconstitucionais) de uma mesma disposição.

99 Nesse sentido, ZAGREBELSKY, op. cit., p. 155.

100 Contudo, pelo menos no caso brasileiro, há ainda que se atentar aos aspectos formais das normas. Não se podem considerar semelhantes, para fins de controle, a despeito da identidade de conteúdo, normas aprovadas por processos legislativos diversos ou editadas por entidades de diferentes competências. Essa peculiaridade, entre outras coisas, é útil para ratificar a distinção que se deve fazer entre atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais, bem assim para resolver problemas ligados ao ataque a disposições "sinônimas" ou "parcialmente sinônimas". Sobre o assunto, cf. BERNARDES, Princípios..., f. 286-288.

101 Op. cit., p. 155.

102 Idem.

103 Idem.

104 Só para ilustrar, essa distinção ficou bem clara, por exemplo, no julgamento da questão de ordem suscitada na ADIn 319/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 30/04/93, p. 7.563. Nesse precedente, ao julgar parcialmente inconstitucional o caput e o §2º do art. 2º, bem como o art. 4º da Lei 8.039, de 30/05/90, o STF o fez "em todos os sentidos que não aquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em que, no caso concreto, ocorra direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada." Logo, numa interpretação conforme a Constituição, a Corte identificou sentido válido extraído daqueles preceitos legais – cujo texto (disposição) foi mantido – e somente declarou a invalidade de determinadas interpretações (normas) que deles se podiam obter.

105 Cf. REVORIO, op. cit., p. 170-171. Essa também é a base do conceito de VILLAVERDE MENÈNDEZ, para quem a omissão ocorre quando o silêncio legislativo cria uma norma contrária à constituição. (La inconstitucionalidad por omisión. Madrid: McGraw-Hill, 1997, p. 3 e segs., 45 e segs., e 49 e segs., apud REVORIO, ibidem, p. 170.)

106 Cf. REVORIO, idem.

107 Nesse sentido, aludindo ao objeto das sentenças manipulativas aditivas do direito italiano, disse SATÈ, apoiado em ZAGREBELSKY: "Anzitutto, si ritiene che le sentenze additive vengono pronunciate dalla Corte costituzionale ‘quando una disposizione ha portata normativa minore di quella che, costituzionalmente, dovrebbe avere’." (Op. cit., p. 5.)

108 Nesse sentido, referindo-se às omissões "parciais", cf. REVORIO, op. cit., p. 172.

109 Tratando da voluntà negativa do legislador, em matéria de atos que podem servir de objeto das sentenças manipulativas, cf. RUGGERI e SPADARO, op. cit., p. 205.

110 Nesse rumo, falando sobre o princípio que serve de base para o reconhecimento das omissões relativas (princípio da isonomia), leciona CELSO ANTÔNIO BANDERIA DE MELLO: "Não se podem interpretar como desigualdades legalmente certas situações, quando a lei não haja ‘assumido’ o fator tido como desequiparador. Isto é, circunstâncias ocasionais que proponham fortuitas, acidentais, cerebrinas ou sutis distinções entre categorias de pessoas não são de considerar. (...) Bem por isso, é preciso que se trate de desequiparação querida, desejada pela lei, ou ao menos, pela conjugação harmônica das leis. Daí, o haver-se afirmado que discriminações que decorram de circunstâncias fortuitas, incidentais, conquanto relacionadas com o tempo ou a época da norma legal, não autorizam a se pretender que a lei almejou desigualar situações e categorias de indivíduos. E se este intento não foi professado inequivocamente pela lei, embora de modo implícito, é intolerável, injurídica e inconstitucional qualquer desequiparação que se pretenda fazer." [Itálico do original.] (Op. cit., p. 45-46.)

111 CERRI, por exemplo, defende que as sentenças "manipulativas aditivas" do direito italiano, ao reconhecerem a inconstitucionalidade de uma disposição na parte em que ela omite a prescrição de alguma coisa, incidem sobre uma norma implícita de conteúdo "negativo".(Op. cit., p. 237.) Assim, o que distingue as sentenças aditivas em face das sentenças de acolhimento parcial da inconstitucionalidade é unicamente o caráter implícito e negativo da norma censurada. (Ibidem, p. 241.)

112 Em senso similar, acerca das omissões "relativas", cf. REVORIO, op. cit., p. 171 e segs.

113 Ibidem, p. 183.

114 À guisa de simples ilustração, contudo, cabe fazer breve referência às três modalidades de formulações textuais que, segundo REVORIO, ensejariam dúvidas acerca da exteriorização de omissões inconstitucionais relativas: (a) os termos que em si mesmo parecem resultar excludentes de seu "oposto", contrário ou correlativo (p. ex., a menção a "filhos e irmãs" pode excluir "filhos e irmãos"); (b) nos enunciados que regulam exceção ou especialidade em relação ao que é critério geral, os supostos não incluídos expressamente podem ser considerados excluídos (v.g., se uma disposição estabelece critério especial de tributação para as pensões por invalidez, a mesma disposição parece excluir desse regime especial, implicitamente, qualquer outro tipo de pensão); ou (c) quando os termos em que se expressa o preceito, aparentemente, indicam a exclusão de outros supostos (como no caso em que a referência ao "matrimônio" poderia ser interpretada como excludente da "união estável"). (REVORIO, ibidem, p. 175-176.)

115 REVORIO, ibidem, p. 181.

116 Houvesse possibilidade de colmatar a norma incompleta, entendendo que ela não pretendeu fazer a exclusão incompatível com o princípio isonômico, seria possível interpretá-la conforme a constituição. Mas aí, todavia, o julgamento do mérito da ação de controle abstrato de constitucionalidade omissiva seria improcedente, pois não se trataria de autêntica omissão inconstitucional, mas de lacuna que poderia ser colmatada pelos meios disponíveis.

117 Sobre o assunto do interesse objetivamente considerado no controle abstrato de constitucionalidade, cf. BERNARDES, Princípios..., f. 265-277.

118 Acerca do princípio da congruência nos processos de fiscalização abstrata, cf. BERNARDES, ibidem, f. 287-299.

119 Sustentando haver fungibilidade entre a ADIn e a ADInO no caso das omissões relativas, cf. MENDES, Jurisdição..., p. 299.

120 Sobre a relevância e a aplicação prática da distinção entre "existência" e "validade" no controle abstrato de constitucionalidade, cf. BERNARDES, Princípios..., f. 238 e segs.

121 Por isso, aliás, é que o §2º do art. 103 da CF/88 só fala em "inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional". [Grifou-se.]

122 Entretanto, nem sempre é possível identificar claramente tais características na formulação das causas de pedir. Por isso, na esteira do art. 3º, I, da Lei 9.868/99 e do art. 3º, I, da Lei 9.882/99, é importante precisar qual seja o parâmetro de controle utilizado pelo autor da ação, a saber, o preceito constitucional que se considera violado pelo ato normativo impugnado.

123 Como são diversos os efeitos e o procedimento de cada ação do controle abstrato de constitucionalidade – mesmo se comparadas a ADIn por ato comissivo e a ADInO – não se podem cumular pedidos de uma e outra. (Cf. BERNARDES, Princípios..., f. 280.) Pelo mesmo motivo, não cabe a conversão do pedido formulado no âmbito de uma ação para servir à finalidade visada por outra ação. Logo, não parece aceitável sequer a conversão da ação direta de inconstitucionalidade por omissão em ação direta de inconstitucionalidade comum (e vice-versa), embora igualmente objetivem juízo de inconstitucionalidade. Basta lembrar que do procedimento da ADIn por omissão não participa o Advogado-Geral da União (embora se possa defender que ele deveria participar nos casos em que se questionasse uma omissão material), bem como que os efeitos da respectiva decisão são aqueles previstos no §2º do art. 103 da CF/88, não comportando suspensão da eficácia do ato (omissivo) impugnado. Entendendo pela impossibilidade de conversão, cf. ADIn 986/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJU de 08/04/94, p. 619.

124 E aqui não se pode dizer que o princípio da causa de pedir aberta sirva para infirmar a conclusão acima. Isso porque ele diz respeito a poderes inquisitórios dispostos em favor do órgão judicial controlador, motivo pelo qual não pode ser invocado para contemporizar falhas existentes na petição inicial de quem promove a ação. (Mas sobre o assunto, cf. BERNARDES, Princípios..., f. 302-307.)

125 No mesmo sentido, afirmou MOREIRA ALVES: "Nesses casos de omissão parcial inconstitucional surgem um problema em sistema misto de controle de constitucionalidade como o é o brasileiro. (...) A questão se complica porque com relação à mesma lei parcialmente omissa será possível ocorrer a propositura, por diferentes legitimados ativos, das duas ações diretas: a de inconstitucionalidade por ação e a de inconstitucionalidade por omissão. Mais: no curso de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão poderá o Supremo Tribunal Federal, ao julgar recurso extraordinário contra acórdão que declarou inconstitucional essa declaração, tendo de comunicar tal decisão ao Senado que, se suspender a vigência dessa, tornará prejudicada a tramitação da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. E o problema se torna mais delicado quando se trata, por exemplo, de lei que fixe salário-mínimo manifestamente insuficiente para atender às necessidades previstas na Constituição, como por exemplo às despesas com o lazer. Nessa hipótese, a solução para a inconstitucionalidade dessa lei será a de só se admitir seja ela objeto de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, e não por via do controle difuso ou de ação direta de inconstitucionalidade por comissão, vias essas que conduziriam a resultado absurdo: o de reduzir o montante do salário-mínimo ao patamar da lei anterior revogada por ser insuficiente a elevação dele pela lei revogada, que por isso mesmo é inconstitucional." (ALVES, José Carlos Moreira. O controle de constitucionalidade no Brasil. Revista da Procuradoria-Geral da República, São Paulo, n. 9, p. 130, jul./dez. 1996.)

126 Nesse rumo, ao apreciar ação direta em que se defendia a insuficiência de norma que fixava valor para o salário mínimo (ADIn 1.996/DF), o STF restringiu a admissibilidade do pleito somente ao controle de inconstitucionalidade por omissão, não conhecendo do pedido cumulado que sustentava a inconstitucionalidade por ação da mesma medida legislativa. Lamentavelmente, porém, constou da ementa referência, típica dos processos subjetivos, à incompatibilidade "com os interesses dos assalariados". Confira-se:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CUMULADA COM AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.824, DE 30.04.99, QUE INSTITUIU O NOVO SALÁRIO MÍNIMO. ALEGADA OFENSA AOS ARTIGOS 68, § 1º, II; 246; 7º, INC. IV; E 201, §§ 3º E 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Impossibilidade de apreciação da primeira ação, por objetivar resultado incompatível com o interesse dos assalariados, qual seja, a eliminação do mundo jurídico de lei que, mal ou bem, reajustou o salário mínimo. Descabimento, na segunda, de medida cautelar, providência insuscetível de antecipar efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final."(Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJU de 28/02/2003, p. 7)

127 CANOTILHO, ibidem, p. 387.

128 Nesse sentido, CANOTILHO afirma: "Esta concretização incompleta [derivada das omissões legislativas parciais] pode resultar de uma intenção deliberada do legislador em conceder vantagens só a certos grupos ou contemplar certas situações (exclusão expressa ou explícita), violando o princípio da igualdade e cometendo uma «inconstitucionalidade por acção», como derivar apenas de uma incompleta apreciação das situações de facto, mas sem que haja o propósito de arbitrária e unilateralmente se favorecerem só certos grupos ou situações (incompletude regulativa). Nesta última hipótese, haverá uma inconstitucionalidade por omissão e não por acção." (Direito constitucional e teoria..., p. 969.)

129 Nessa trilha, CLÈVE adverte ser "necessário verificar com cuidado se a hipótese é mesmo de inconstitucionalidade por omissão (v.g., não previsão involuntária da extensão do benefício a determinadas categorias). Isso porque a omissão pode ser, apenas, aparente, havendo na verdade ato inconstitucional incompatível com o princípio da isonomia e, então, desafiante dos mecanismos convencionais de fiscalização da constitucionalidade (‘por ação’). Cite-se, a título de ilustração, a hipótese de normativa dotada de cláusula expressa de exclusão de vantagem incompatível com o princípio da isonomia. Aqui pode não haver inconstitucionalidade por omissão, mas, antes, genuína inconstitucionalidade por ação." (Op. cit., p. 328-329.)

130 KELSEN, op. cit., p. 121.

131 No mesmo sentido, inclusive em Portugal – onde também existe ação específica para cuidar das omissões –, pode-se extrair doutrina pela inadequação do uso dos instrumentos do controle abstrato dos atos omissivos contra as omissões relativas. JORGE MIRANDA, por exemplo, ao defender a adoção das sentenças "aditivas" na fiscalização da constitucionalidade, advogou afastar a utilização da ação de inconstitucionalidade por omissão prevista no art. 283 da Constituição portuguesa. Basta ver o seguinte trecho: "E nem se invoque a contrario o art. 283º como sinal de preferência pelo legislador, porquanto este preceito [como o §2º do art. 103 da Constituição brasileira] se reporta a normas constitucionais não exeqüíveis por si mesmas ou programáticas e as decisões aditivas (ou modificativas) pressupõem normas exequíveis e a eficácia destas depende do processo em que são emitidas." (MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 515.) E como tais sentenças "aditivas", segundo o mesmo autor, são geralmente utilizadas para declarar a inconstitucionalidade da norma "na medida em que não contém tudo aquilo que deveria conter" (ibidem, p. 514), logo se percebe que a defesa feita por MIRANDA acaba por transferir o ataque das omissões relativas aos mecanismos do controle da constitucionalidade dos atos comissivos.

Nesse sentido, sem porém enfrentar a questão, cf. ADIn 1.655/AP (Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DOU de 22/04/2004), em que o STF procedeu a julgamento da inconstitucionalidade por ação de norma estadual considerada lesiva ao princípio da isonomia.

132 Op. cit., p. 556.

133 Sobre esse receio da generalização de privilégios, cf. ZAGREBELSKY, op. cit., p. 162-163. Na jurisprudência do STF, acerca do agravamento da isonomia e do risco de privilégios, parece paradigmático o seguinte precedente:

"Ação rescisória: argüição de inconstitucionalidade de medidas provisórias (MPr 1.703/98 a MPr 1798-3/99) editadas e reeditadas para a) alterar o art. 188, I, CPC, a fim de duplicar o prazo para ajuizar ação rescisória, quando proposta pela União, os Estados, o DF, os Municípios ou o Ministério Público; b) acrescentar o inciso X no art. 485 CPC, de modo a tornar rescindível a sentença, quando "a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao preço de mercado objeto da ação judicial": preceitos que adoçam a pílula do edito anterior sem lhe extrair, contudo, o veneno da essência: medida cautelar deferida. 1. Medida provisória: excepcionalidade da censura jurisdicional da ausência dos pressupostos de relevância e urgência à sua edição: raia, no entanto, pela irrisão a afirmação de urgência para as alterações questionadas à disciplina legal da ação rescisória, quando, segundo a doutrina e a jurisprudência, sua aplicação à rescisão de sentenças já transitadas em julgado, quanto a uma delas - a criação de novo caso de rescindibilidade - é pacificamente inadmissível e quanto à outra - a ampliação do prazo de decadência - é pelo menos duvidosa: razões da medida cautelar na ADIn 1753, que persistem na presente. 2. Plausibilidade, ademais, da impugnação da utilização de medidas provisórias para alterar a disciplina legal do processo, à vista da definitividade dos atos nele praticados, em particular, de sentença coberta pela coisa julgada. 3. A igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law; quando uma das partes é o Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, tem sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso na parte em que a nova medida provisória insiste, quanto ao prazo de decadência da ação rescisória, no favorecimento unilateral das entidades estatais, aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes e que, somadas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública, agravam a conseqüência perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo. 4. No caminho da efetivação do due process of law - que tem particular relevo na construção sempre inacabada do Estado de direito democrático - a tendência há de ser a da gradativa superação dos privilégios processuais do Estado, à custa da melhoria de suas instituições de defesa em juízo, e nunca a da ampliação deles ou a da criação de outros, como - é preciso dizê-lo - se tem observado neste decênio no Brasil." [Original sem grifo.] (ADInMC 1.910/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU de 27/02/2004.)

134 Aqui, percebe-se novamente o acerto em se defender que o objeto do controle abstrato de constitucionalidade não incide unicamente sobre a disposição ou a norma, mas sobre o "complexo normativo" formado por ambas. Do contrário, considerando o princípio da congruência entre a decisão e o pedido, se se sustentasse que o controle recaísse somente sobre o texto, não seria possível extirpar a norma que promovesse a exclusão implícita; e acaso se pretendesse que o controle teria por objeto só a norma, quando o tribunal fosse chamado a controlar somente aquela norma de exclusão explícita ou implícita que caracteriza a omissão relativa, não haveria como seguir com a declaração do preceito na parte em que ele criasse situação de privilégio.

135 Sobre o assunto, cf., especialmente, FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. São Paulo: Método, 2003.

136 Nesse sentido, mas sem distinção quanto ao tipo de órgãos, cf. o art. 336, n. 7, da atual Constituição venezuelana de 1999.

137 Por todos, cf. o seguinte trecho do recente acórdão da ADIn 1.439/DF: "A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente." (Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 30/05/2003.)

138 Nesse rumo, REVORIO lança corretas e severas críticas ao sistema de controle abstrato das omissões no direito português. (Op. cit., p. 257 e segs.) E em lição que se aplica inteiramente ao sistema brasileiro, afirma o Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade de Castilla-La Mancha: "Más allá del sistema português (que he tomado como ejemplo más cercano), me parece que puede afirmarse com carácter más general que el estabelecmiento de un procedimiento específico de verificación de las omisiones legislativas no resulta un remedio eficaz frente a las omisiones legislativas relativas [leia-se aqui parciais, até porque o autor não faz diferenciação entre ambas], en comparación con otras soluciones a esta situación. Y ello por las dificultades para configurar como inconstitucional por omisión un proceso cuyo objeto, más que la omisión en sentido estrito, sería realmente el precepto incompleto o defectuoso, lo que nos sitúa más bien en la inconstitucionalidad por accíon. Pero aun admitiendo que estos supuestos puderian tratarse como omisiones, el problema sería entonces el de dotar de efectos jurídicos a la sentencia estimatoria, por las dificuldades existentes para vincular jurídicamente al legislador a iniciar un procedimiento legislativo, cuyo resultado además permitirá en algunos casos un margen de discricionaridad que há de respetarse." (Ibidem, p. 259.)

139 Itálicos do original. CARRAZZA, op. cit., p. 231.

140 Idem.

141 Acerca do assunto, consulte-se a doutrina específica, especialmente: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.) et al. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei nº 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001; TAVARES, André Ramos. Tratado da argüição de preceito fundamental: (Lei n. 9.868/99 e Lei n. 9.882/99). São Paulo: Saraiva, 2001; TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.) et al. Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil: recurso extraordinário e argüição de descumprimento de preceito fundamental. Rio de Janeiro: Forense, 2003; BERNARDES, Juliano Taveira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jurídica Virtual, n. 08, jan. 2000, Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_08> Acesso em: 10 fev. 2000; MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental (I) (§ 1º do art. 102 da Constituição Federal). Revista Jurídica Virtual, n. 07, dez. 1999, Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_07/arguiçao.htm.> Acesso em: 10 jan. 2000; MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: demonstração de inexistência de outro meio eficaz. Revista Jurídica Virtual, n. 13, jun. 2000, Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev-13/argui-des.htm.>. Acesso em: 10 jul. 2000; e BERNARDES, Princípios..., f. 69-91 e 142-151.

142 Item n. 9.

143 Por todos, cf. TAVARES, Tratado..., p. 188 e segs.

144 MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: parâmetro de controle e objeto..., p. 149.

145 Em outras palavras, o dispositivo do acórdão do STF decidiria não só sobre o ato impugnado, mas também sobre a norma constitucional paramétrica.

146 Lê-se da ementa da Representação 1.273/DF, Pleno, Rel. Min. OSCAR CORREA, j. 26/09/1985, DJU de 23/02/96, p. 3.623: "Representação para interpretação de textos constitucionais (art. 119, i, 1, da Constituição Federal). Inadmissibilidade. O Texto Constitucional autoriza ao Procurador-Geral da Republica pedir a interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. Não lhe facultou pedir a interpretação em tese de texto constitucional. Representação não conhecida."

E do voto do Min. MOREIRA ALVES, nesse precedente, consta ainda: "Como, porém, em se tratando de representação de interpretação, o resultado do julgamento é o de fixar a única interpretação que o texto legal pode ter - e fixação essa que tem eficácia erga omnes, vinculando inclusive o próprio Supremo Tribunal Federal - , não se compadece ela com a interpretação de texto constitucional, que não admite o imobilismo daí decorrente, impedindo que se lhe dê, no futuro, interpretação evolutiva, mais adequada às necessidades da época."

147 RTJ 163:872.

148 Entre outras razões, é por isso que não se pretende a mesma solução para o caso das omissões parciais, muito embora elas também possam ser exprimíveis como uma "norma implícita" contida na disciplina normativa insuficiente. É que o parâmetro a partir do qual são controladas só inclui normas desprovidas de aplicabilidade direta, motivo pelo qual não seria possível identificar preceito constitucional auto-aplicável para corrigir a insuficiência da providência incompleta.

149 No STF, por exemplo, problema semelhante já foi apreciado na ADIn 1.755/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJU de 18/05/2001, p. 431. Tratava-se de caso em que se alegara ocorrência de típica omissão relativa expressa contida na Lei 9.294, de 15/06/96. Por meio desse diploma legal, estipulou-se série de limitações às propagandas de "produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas", mas o parágrafo único do respectivo art. 1º, para os efeitos da lei, só considerou ser bebida alcoólica aquela que tivesse "teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac." Com fundamento no princípio da isonomia, o autor requereu a inconstitucionalidade dessa cláusula de exclusão expressa, com isso pretendendo a inclusão, na disciplina legal, de todos os tipos de bebida alcoólica. A Corte, todavia, considerando que o pedido importaria em indireta adição normativa ao conteúdo da lei, não conheceu da ação.

150 CERRI, op. cit., p. 241. O mesmo autor, para ilustrar o acerto da conclusão acima, serve-se de exemplo da álgebra: para eliminar um número negativo, basta a ele se acrescer um número positivo (e vice-versa). (Idem.)

151 Op. cit., p. 232.

152 Nesse sentido, cf. REVORIO, op. cit., p. 241.

153 Jurisdição..., p. 293.

154 Sobre esse dogma e a necessidade de superá-lo, cf. MORO, op. cit., p. 84-87.

155 ADInMCQO 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 27/04/2001, p. 57. E em matéria de interpretação conforme a constituição, cf. ainda:

"O princípio da interpretação conforme a Constituição (Verfassungskonforme Auslegung) é princípio que se situa no âmbito do controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação. A aplicação desse princípio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF - em sua função de Corte Constitucional - atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo poder legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme a Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo". [Grifos do original.] (Representação 1.417/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 15/04/88, p. 8.397.)

156 ADIn 1.822/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, RTJ 172:425.

157 Cf., v.g., ADIn 1.755/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJU de 18/05/2001, p. 431. E só para despertar polêmicas, pode-se ainda citar casos similares ao do RE 149.659/SP (2ª Turma, Rel. Min. PAULO BROSSARD, DJU de 31/03/95, p. 7.776), em que se pretendia a extensão de benefícios tributários com fundamento no princípio da isonomia. Nessas hipóteses, ainda que exista regra constitucional sobre o assunto, para saber se se trata de omissão relativa do tipo "definida" ou "indefinida", surge a dificuldade de estabelecer como deve ser aferido o cumprimento da proibição de "tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente"(CF/88, art. 150, II), ou seja, se a igualdade de tratamento mede-se, por exemplo, pelo total do sistema tributário, pelos tributos cobrados por uma mesma entidade federativa ou considerada apenas a modalidade tributária em que houve diferenciação. Isso porque, somente a partir da fixação desses critérios, é que se poderá identificar se existem ou não múltiplas soluções constitucionais a direcionarem a atuação legislativa sobre a matéria. Para ilustrar a complexidade do tema, se a igualdade de tratamento for medida com base na totalidade do sistema tributário – como parece que deve ser, a exemplo da interpretação dada pelo STF ao art. 150, IV (ADInMC 2.010/DF, Rel. CELSO DE MELLO, DJU de 14/04/2002, p. 51) –, além da extensão do benefício tributário, a situação pretensamente discriminatória poderia ser remediada por várias maneiras, como pela extinção ou redução de outros tributos cobrados do contribuinte discriminado, pela criação de alíquotas compensatórias ou de isenções especiais etc. Logo, a omissão aí seria relativa do tipo "indefinido", pois não haveria regra constitucional que determinasse, como única solução, a extensão do benefício.

158 Cf., e.g., um dos fundamentos para negar o pedido do HC 76.371/SP, Pleno, Rel. desig. Min. SYDNEY SANCHES, DJU de 19/03/99, p. 10.

159 RE 213.201/SP, 1ª Turma, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU de 12/09/97, p. 43.756.

160 Nesse sentido, cf. os seguintes trechos do item 78 da famosa obra O federalista: "Não há posição que se apóie em princípios mais claros que a de declarar nulo o ato de uma autoridade delegada, que não esteja afinada com as determinações de quem delegou essa autoridade. (...) Por outro lado, não é de admitir-se que a Constituição tivesse pretendido habilitar os representantes do povo a sobreporem a própria vontade à de seus constituintes. (...) O campo de ação próprio e peculiar das cortes se resume na interpretação das leis. Uma constituição é, de fato, a lei básica e como tal deve ser considerada pelos juízes. Em conseqüência, cabe-lhes interpretar seus dispositivos, assim como o significado de quaisquer resoluções do Legislativo. Se acontecer uma irreconciliável discrepância entre estas, a que tiver maior hierarquia e validade deverá, naturalmente, ser a preferida; em outras palavras, a Constituição deve prevalecer sobre a lei ordinária, a intenção do povo sobre a de seus agentes." (HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O federalista. Trad. Heitor Almeida Herrera. Coleção Pensamento Político, Brasília: UnB, 1984, p. 577-578.)

161 Sobre o assunto das sentenças "manipulativas", por todos, cf. a tantas vezes já citada obra de REVORIO, Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional. Valladolid: Lex Nova, 2001.

162 Serve de ilustração a posição contrária às sentenças manipulativas exposta por JIMÉNEZ CAMPO. Para ele, a reparação da inconstitucionalidade omissiva relativa, por parte do tribunal constitucional, não pode acarretar atividade de legislação positiva. Por isso, tal reparação haveria de ser necessariamente mediada pela intervenção da lei ou de outra decisão judicial que viesse a ser depois editada pelo juízo ordinário. Destarte, quando implementa a reparação imediata daquele tipo de vício, o TC espanhol trabalha sob a falsa premissa segundo a qual, por intermédio da anulação da negação implícita contida na lei, é possível introduzir no enunciado legal as determinações por cuja falta o legislador incidiu em inconstitucionalidade. Nesses casos, porém, como a nulidade é sanção puramente ablativa, a reparação da inconstitucionalidade por omissão não nasce da invocação da própria nulidade. Surge, na verdade, de nova ordenação abstrata, materialmente legislativa, baixada pelo próprio TC, com desrespeito aos limites da jurisdição constitucional. (Cf. CAMPO, Jiménez Javier. La declaración de inconstitucionalidad de la ley. In: ____; LLORENTE, Francisco Rubio. Estudios sobre jurisdicción constitucional. Madrid: McGraw-Hill, 1998, p. 135-136.)

Por aí se, todavia, que a revolta contra as sentenças "manipulativas" não se deve à possibilidade da declaração da inconstitucionalidade da norma implícita que caracteriza a omissão, mas em aceitar que a "reconstrução" da disciplina incompleta seja feita pelo próprio tribunal constitucional. É o caso, também, de ZAGREBELSKY, para quem, embora seja claro que da declaração de inconstitucionalidade da omissão resulte necessário integrar a lacuna criada, o problema está em que tal necessidade não deve ser desempenhada pela própria Corte Constitucional italiana. Ela pode e deve explicitar os motivos que tornam inválida a lei. O que não pode é pretender fazer valer aqueles que são os motivos da inconstitucionalidade como prescrições normativas vinculantes para todos. A determinação dos modelos pelos quais o ordenamento deve se recompor, depois da pronúncia de inconstitucionalidade, para colmatar o vazio de forma a responder aos ditames da constituição, não pode senão advir de modo difuso, por obra de todos os operadores jurídicos, mormente da jurisprudência da magistratura comum. (Op. cit., p. 159-160).

163 Cf. MARTINES, Temistocle. Diritto costituzionale. 13. ed. rev. por Gaetano Silvestri. Milano: Giuffrè, 2000, p. 493.

164 Op. cit., p. 207.

165 Ibidem, p. 208.

166 Ibidem, p. 210.

167 Ibidem, p. 211.

168 Ibidem, p. 215.

169 Cf. CERRI, op. cit., p. 237-238. Mais sobre o assunto, cf. REVORIO, op. cit., p. 220-224.

170 Sobre as várias posições acerca do assunto, cf. REVORIO, op. cit., p. 212-220.

171 ROMBOLI, Roberto. La tipología de las decisiones de la Corte Constitucional en el proceso sobre la constitucionalidad de las leyes planteado en vía incidental. Trad. Ignacio Torres Muro. Revista Española de Derecho Constitucional, Madrid, n. 48, set./dez. 1996, p. 66-67.

172 Daí vem a diferenciação, no direito italiano, das sentenças manipulativas aditivas comuns e aditivas de princípio.

173 Op. cit., p. 241.

174 Idem.

175 Cf.,e.g., RE 173.682/SP, 1ª Turma, Rel. SYDNEY SANCHES, DJU de 19/12/96, p. 51.791; e RE 145.005/DF, 1ª Turma, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 28/02/97, p. 4.072.

176 Grifou-se. Agravo Regimental no RE 198.129/SP, 2ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJU de 30/05/97. Aludiu-se à redação original do §4º do art. 40 da CF/88. Atualmente, por força da EC 19/98, a mesma regra está no §8º do art. 40 da Constituição Federal.

177 Pleno, Min. MARCO AURÉLIO, DJU de 13/06/97, p. 26.722. No que interessa, constou da ementa do acórdão o seguinte texto: "REVISÃO DE VENCIMENTOS - ISONOMIA. ‘a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data’ - inciso X - sendo irredutíveis, sob o ângulo não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo) os vencimentos dos servidores públicos civis e militares - inciso XV, ambos do artigo 37 da Constituição Federal."

178 Cf. Ata da 8ª Sessão Administrativa, realizada em 29/04/93, como transcrita no voto do Min. MARCO AURÉLIO na RTJ 163:147.

179 Em sua redação anterior à Emenda Constitucional 19/98;

180 ADInMC 526/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU de 05/03/93, p. 2.896.

181 Nos termos do art. 1º da MP 1.704, de 30/06/98, e suas sucessivas reedições (atual MP 2.169-43/2001), foi amplamente "estendida aos servidores públicos civis da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo Federal a vantagem de vinte e oito vírgula oitenta e seis por cento, objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal assentada no julgamento do Recurso Ordinário no Mandado de Segurança nº 22.307-7 - Distrito Federal, com a explicitação contida no acórdão dos embargos de declaração."

182 Por todos, cf. RHC 12.033/MS, 5ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJU de 09/09/2002, p. 234.

183 Após concluído e publicado este ensaio na obra Constituição Federal – 15 anos: mutação e evolução – comentários e perspectivas (TAVARES, André Ramos; FERREIRA, Olavo A. V. Alves; LENZA, Pedro (Org.) et al. São Paulo: Método, 2003, p. 225-282), veio a lume acórdão do STF que sinaliza a inadvertida adoção de sentença aditiva também na esfera do controle abstrato de constitucionalidade. No julgamento da ADIn 2.652/DF, a Corte corrigiu omissão relativa que excluía advogados vinculados a entidades estatais da exceção prevista no art. 14 do CPC, na redação dada pela Lei 10.358/2001. Referido dispositivo ressalvava da imposição de multa por obstrução à Justiça tão-só "os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB". Assim, da forma como editada, a expressão "exclusivamente" deixa claro que a regra legal continha inequívoca vontade de excluir da ressalva os advogados e procuradores de entidades públicas, já que sujeitos também à disciplina estatutária dessas entidades. Contudo, por entender violado o princípio da isonomia, o STF julgou procedente o pedido para, sem reduzir o texto da disposição atacada, "dar interpretação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil conforme a Constituição Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos." (Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJU de 14/11/2003.)

184 Sobre as técnicas decisórias alemãs, cf. MENDES, Jurisdição..., p. 188 e segs. Acerca da eficácia ablativa pro futuro, cf. ERMACORA, Felix. El Tribunal Constitucional austriaco. Trad. Luis Aguiar de Luque e Maria Gracia Rubio de Casas. In: FAVOREU, Louis (Dir.) et al. Tribunales constitucionales europeos y derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984. p. 281-282.

185 A propósito, exatamente pela impossibilidade jurídica do pedido, o STF não conheceu de recurso extraordinário em que, a pretexto de isonomia, se pretendia a extensão de isenção tributária (RE 196.590/AL, 1ª Turma, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 14/11/96, p. 44.492). Também nesse sentido, cf. ADIn 1.822/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, RTJ 172: 425.

186 Com essa mesma ordem de idéias, tratando das justificativas das sentenças manipulativas aditivas de princípio, cf. trechos de D’AMICO e DOLSO, apud ROMBOLI, Il giudizio..., p. 108, rodapé.

187 CARRAZZA, op. cit., p. 231.

188 A propósito, já são muitos os exemplos de sentenças da Justiça Federal de primeiro grau a condenar a União Federal a indenizar servidores públicos em razão da mora e da insuficiência da legislação relativa a revisões remuneratórias previstas no inciso X do art. 37, nova redação, da CF/88.

189 Nesse sentido, cf., v.g., as Sentenças 27/98 e 423/2000, todas da Corte Constitucional italiana, que reconheceram a improcedência da alegação de inconstitucionalidade, por insuficiência dos valores indenizatórios fixados, de leis que estabeleciam indenizações para portadores de problemas biológicos decorrentes de campanhas públicas de vacinação obrigatória e de transfusões e aplicações de substâncias derivadas do sangue (emoderivati).

190 A propósito, aplicar-se-ia o seguinte raciocínio exposto pelo Min. CELSO DE MELLO:

"É preciso ter presente, pois, que o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa, portanto, que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público, consoante adverte o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (MI 633-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Desse modo, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional (MI 463-MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO)." (Decisão monocrática no MI 642/DF, conforme transcrita no Informativo STF, n. 240/2001.)

191 Conferir os casos em que o STF: (a) em se tratando de omissão decorrente da inobservância de prazo estipulado na própria Constituição Federal (mora qualificada), assinou prazo para que a norma constitucional fosse regulamentada, após o que a impetrante poderia gozar da imunidade inviabilizada pela inércia legislativa (RTJ 137:965); (b) fixou prazo para a regulamentação do artigo constitucional violado (art. 8º, §3º, do ADCT), decidindo que, não observado esse prazo, ficava assegurada ao impetrante "a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrarem" (RTJ 135:882); e (b) em outro mandado de injunção calcado no mesmo art. 8º, §3º, do ADCT, deferiu parcialmente o pedido e assegurou direito à imediata ação de liquidação do ressarcimento advindo da omissão normativa, independentemente de sentença condenatória. (MI 543/DF, Rel. Min.OCTÁVIO GALLOTTI, DJU de 24/05/2002, p. 55.)

192 Cf. MI 60/DF, DJU de 09/03/90 e MI 80/DF, DJU de 30/03/90.


Autor

  • Juliano Taveira Bernardes

    Juliano Taveira Bernardes

    juiz federal em Goiás, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB), ex-membro da magistratura e do Ministério Público do Estado de Goiás, membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDES, Juliano Taveira. Novas perspectivas do controle da omissão inconstitucional no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 539, 28 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6126. Acesso em: 20 maio 2024.