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Aspectos técnico–legais concernentes ao gás natural

Aspectos técnico–legais concernentes ao gás natural

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1.Gás Natural: o levantar de uma cortina

A evolução da humanidade relaciona-se com a história da energia, não sendo possível ocorrer de forma diferente. Por milênios, os seres humanos utilizam-se de sua própria força motriz para colocar sob a luz do sol, os sonhos e as lutas pelo poder que os movem. Cada nova forma de energia que era conquistada permitiu uma completa mudança de paradigmas, observada nas mais variadas escalas. Foi assim com a conquista do fogo, na descoberta da força obtida do vapor, pelo advento do uso da energia elétrica, do petróleo e assim poderá se dar também com o emprego do gás natural.

O debate sobre o "gás natural" não deve ser respaldado por um discurso desprovido de perquirições de seu real papel e importância no novo milênio que abre as portas para a humanidade. Há de se observar os feitos e erros do passado para se trilhar o futuro que se almeja para as presentes e futuras gerações. Desta forma, os acertos devem permanecer, abrindo-se espaço para corrigir as distorções até então aceitas como verdades intocáveis.

Se o gás natural não substituirá todos os demais energéticos até então conhecidos, é tido como razoável pelos estudiosos que o mesmo detém um importante papel na construção de nossa sociedade, havendo por bem de se reservar seu devido espaço na matriz energética de nosso País.

Por diversas que sejam as folhas gastas e a tinta de caneta empregada, nada muda a realidade que se observa no presente momento. Nesta, percebe-se que o Gás Natural torna-se patente no seio da sociedade. Cumpre informar que cada Estado adequar-se-á ao mesmo, de acordo com o binômio: necessidade/possibilidade a ser verificado no caso concreto, incorrendo em erro aquele que intentar conclusões apriorísticas. Ocorre que, consoante será demonstrado, a realidade do gás natural não se cinge a casos particularizados, espraiando-se pelos Países mais variados.

Falar em tamanha mudança de paradigmas importa na reestruturação dos mais variados setores da vida em sociedade. Por tal razão, necessário que o ímpeto dos afoitos seja coibido pela reflexão dos sábios, sob pena de se voltar a anomia social.

Cumpre informar que por várias décadas o petróleo tem sido a força motriz da civilização contemporânea. Entretanto, o fato deste ser uma fonte não renovável de energia atrelado ao desmedido consumo que a sociedade capitalista/consumista do final do século XX empreendeu, bem como as instabilidades verificadas nos maiores países produtores, leva-nos a perquirir fontes "alternativas" para, flexibilizando a matriz energética, possa-se atender as demandas existentes e vindouras.

É bem verdade que no início de uma longa caminhada que se abre verificam-se à frente as mesmas pedras de outrora. As guerras empregadas, a destruição do meio ambiente, a miséria e as doenças, são apenas alguns dos vários dentes que a engrenagem dessa história mostrou quando se buscou o petróleo. Necessário o questionamento de como se darão as relações desta nova página que se abre, pois caso contrário, o pagamento pelos benefícios a serem auferidos far-se-á na mesma moeda.

Traçar políticas que importem no uso do gás natural implica, preliminarmente, na perquirição de sua origem. Tal indagação se dá diante das conseqüências que seu devido enquadramento ensejará; fincar a bandeira no início da jornada permitirá que o estudioso não desvie do objetivo final a ser alcançado. A verificação de sua inter-relação, ou não, com o petróleo, composições típicas, especificidades técnicas, são alguns dos questionamentos que devem ser enfrentados para que se tenha o norte a ser trilhado.

Falar em erros e acertos leva o pesquisador à observância nas experiências internacionais como forma de superar parte dos percalços. Isto posto, um estudo que vise um aprofundamento sobre a temática não pode prescindir da demonstração das experiências externas. Colocar os argumentos à luz do que vem sendo feito por décadas em Países desenvolvidos, serve para elevar as conclusões propostas. Não se vive em uma ilha isolada, devendo as políticas a serem empreendidas respaldadas pelos sucessos obtidos ao redor do mundo.

Definido os detalhes supra, o presente estudo observará o gás natural em sede do Brasil. Para tanto, questionar-se-á sua história, as recentes opções políticas, vantagens e desvantagens de seu uso, oferta e demanda, participação na matriz energética, previsões para o futuro; em suma, o comportamento da sociedade em face dos novos caminhos que se abrem na atualidade.

O uso do gás natural impulsiona toda uma indústria necessária para que este atinja o consumidor final. O processo produtivo é complexo e extenso, envolvendo um número infindável de atores e figurantes para a conclusão do espetáculo que se busca produzir. Como uma grande peça teatral, cada partícipe entra em cena para acrescentar um ponto ao conto, visando, ao final, a completude da trama. A cada novo ato e cena da cadeia produtiva, mudam-se os personagens, pondo-se aos bastidores àqueles que desempenharam fielmente seu papel. O expectador, ao contrário, sempre é o mesmo, ou seja, a população, público-alvo de toda a grande pantonímia. Embora, às vezes os atores ganhem papel de destaque; quando se esvazia a platéia não subsiste razão para o espetáculo. Permitir a compreensão da troca de cenários, o desenvolvimento da história, as mudanças e desvios que a história contada suporta, levará a erigir as bases para a construção de nosso pensamento, intento que se dá ao presente trabalho.


2.Parâmetros técnico - legais para uma correta definição do gás natural

Necessário uma plena definição do que venha a ser o gás natural, para, se necessário, diferenciá-lo dos demais tipos energéticos, bem como fazer incidir as considerações à ele pertinente.

O gás natural é uma mistura de hidrocarbonetos leves que, nas condições normais de temperatura e pressão, encontra-se em estado gasoso. Sua composição predominante é de metano, etano, propano, e outros componentes de maior peso molecular. A composição do gás natural varia conforme o campo em que é encontrado; posto os diversos fatores que concorrem para sua formação como, por exemplo: as especificidades da matéria orgânica acumulada nas bacias sedimentares, a associação ou não do gás com óleo, e a ação da natureza (variação de temperatura, pressão, atividade bacteriana, etc). Acresce-se à composição do gás natural a presença de contaminantes, citando-se a título exemplificativo: o dióxido de carbono, água, nitrogênio e compostos sulfurados. Pode-se, também, presenciar em seu teor gases nobres como o hélio e argônio [1].

O gás natural, na sua configuração primária, é inodor, incolor, inflamável e asfixiante (em altas concentrações). O processo de "odorização do gás" consiste na adição de compostos à base de enxofre, permitindo-se a identificação de vazamentos e a realização de técnicas de segurança. [2]

Quanto a presença de óleo no subsolo é classificado o energético em análise em gás associado e gás não associado. O gás associado é aquele em que em um reservatório de óleo cru, encontra-se dissolvido no óleo ou como uma capa de gás na superfície superior da formação rochosa. Ao contrário, o gás tido como não associado é aquele em que se verifica sua formação em separado do óleo. Chamado de poço-de-gás, a concentração de gás é plena ou predominante (água e óleo, embora normalmente presentes, encontram-se em baixos percentuais em face do volume total do poço).

A Lei nº 9.478/97 define em seu artigo 6º, inciso II o gás natural, como sendo verbis: "todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos, incluindo gases úmidos, secos, residuais e gases raros."

Analisando-se a referida Lei e os dispositivos constantes da Carta Maior, percebe-se que o legislador pátrio quis diferenciar juridicamente o petróleo do gás natural. É por tal razão que, enquanto a referência para o gás natural encontra-se circunscrita ao citado inciso II; o petróleo, ao seu turno está definido em inciso diverso do artigo em comento.

O ministro Carlos Ayres Brito quando do julgamento da ADIN nº 3273, mostrando que o gás natural difere do petróleo, leciona:

É dizer, a Carta-cidadã, fiel à proposição kelseniana de que o Direito constrói suas próprias realidades, optou por ignorar as discussões geológicas e geofísicas sobre a distinção entre hidrocarbonetos fluidos e gasosos (que seriam substâncias orgânicas) e os recursos minerais propriamente ditos (que teriam a natureza de substâncias inorgânicas). Isto para fazer destes últimos ("recursos minerais") o gênero no qual os dois primeiros recursos se encartariam. As três tipologias fundindo-se, em princípio, numa única realidade normativa ou figura de Direito, sob o nome abrangente de "recursos minerais".

Assim, juridicamente analisando-se, não há de se entender que o gás natural seja um derivado do petróleo, mas sim que ambos são tipologias normativas distintas entre si.

A portaria 104, de 08 de julho de 2002 da Agência Nacional do Petróleo (ANP), traz as especificações técnicas do gás natural, de origem nacional ou importada, a serem observadas quando o mesmo venha a ser comercializado no território nacional. Para tal fim, há de se observar também as disposições contidas no Regulamento Técnico ANP nº 3/2002, o qual é parte integrante da citada Portaria.

Consoante a norma citada, a determinação das características do produto far-se-á mediante o emprego dos testes padronizados pelas normas da "American Society for Testing and Materials" (ASTM), da "International Organization for Standardization" (ISO) e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A mens legis é de que se imponha padrões aceitáveis na escala mundial para a operacionalização do gás natural.

O quadro I, do regulamento técnico da ANP nº 3/02 traz as características científicas a serem perquiridas no gás natural, entre outras verbis: Poder calorífico superior, metano (mín), etano (máx), propano (máx), butano e mais pesados (máx), oxigênio(máx), nitrogênio, enxofre total (máx), gás sulfídrico - H2S – (máx). A tabela apresenta uma variação dos limites conforme a região (Norte, Nordeste, Sul/Sudeste/Centro-Oeste) onde o gás natural é descoberto. Através do processamento em refinarias, o gás natural pode ser separado dos componentes indesejáveis adequando-se às exigências legais.

Por todo o exposto, verifica-se que a delimitação de critérios precisos e específicos para a operacionalização do gás natural no território nacional coaduna-se com as necessidades da sociedade; encontra-se o País dentro das exigências internacionais que se espera para operacionalização do gás natural no vigente mundo globalizado.


3.Aplicação do gás natural

Delimitado o objeto a ser estudado, é necessário verificar suas vantagens e usos para se poder compreender os motivos que o impulsionam a ser uma viável resposta à flexibilização da matriz energética brasileira.

3.1 Respeito ao meio ambiente

Inicialmente, há de se considerar os impactos ambientais que sua utilização ocasiona. Erigido a nível constitucional, o meio ambiente deve ser preservado para as presentes e futuras gerações, tendo todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial a sadia qualidade de vida.

Embora o uso do gás natural acarrete na emissão de gases, sendo errôneo afirmar que o mesmo é uma "energia plenamente limpa", em comparação aos demais combustíveis de origem fóssil (carvão, petróleo) é o que detém menores taxas de poluentes [3]. A diminuição na emissão de poluentes, pela sua empregabilidade, trará melhoras para a qualidade do ar, diminuindo-se o efeito estufa, o ataque à camada de ozônio e a ocorrência de chuvas ácidas.

No que é pertinente ao efeito estufa, Edmilson Moutinho dos Santos, afirma, verbis:

O gás natural tem uma vantagem ambiental significativa no que tange ao problema do efeito estufa. Em substituição aos demais combustíveis fósseis, o gás provoca uma grande redução nas emissões de CO2 (cerca de 20 a 23% menos do que o óleo combustível e 40 a 50% menos que os combustíveis sólidos como o carvão). No atual estágio tecnológico de combustíveis fósseis, o gás natural é o menos poluente. (SANTOS, 2002, p. 93).

Ademais, seu emprego implica: a não emissão de particulares (cinzas); rápida dispersão de vazamentos [4]; a redução no uso de produtos químicos para se obter o produto final almejado; a limitação do desmatamento, bem como na baixa presença de contaminantes (óxido de enxofre, partícula sólidas, CO, etc.).

Embora as vantagens ambientais elencadas não sejam de cunho exaustivo, percebe-se que o uso do energético em análise contribuirá sensivelmente para a melhoria do meio ambiente, característica a ser sopesada quando a sociedade por intermédio de seu Poder Público, escolha o energético do novo milênio.

3.2 Respeito à racionalidade

Quando se iniciou a indústria do petróleo não se questionou sobre o dia vindouro. Atualmente, o uso desmedido da energia deve ser questionado e, também, reprovado. Tendo em vista que, tanto o petróleo como o gás natural são fontes não renováveis de energia, não pode o homem dar ensejo a uma nova era do desperdício. A energia deve ser racionalmente produzida e consumida, sob pena de voltarmos a viver na idade das trevas. De nada adiantaria falar em produção do gás natural se este não atendesse as necessidades energéticas de todos. Desta forma, mister citar alguns benefícios que terão àqueles que o tenham a disposição.

Em termos de planejamento do fornecimento industrial, há atividades que não podem ter seu fornecimento de energia suprimido, sob pena de perda da produção, ou conseqüências mais graves. Assim, podem as empresas se valer do sistema de abastecimento e alimentação dual, o qual se dá através de um estoque de energia alternativa para eventuais falhas no sistema de fornecimento. Feita a alimentação dual por gás canalizado, os grandes consumidores desoneram-se dos gastos na construção de parques de armazenamento, diminuindo-se o espaço físico a ser gasto para estoque das energias "tradicionais" (normalmente a distribuição se dá por gasodutos subterrâneos); a instalações de dutos no modelo anelar supre a descontinuidade do serviço em casos de danos na rede.

Pelas suas características técnicas, o gás natural permite um controle do processo de combustão mais eficiente [5]. Ademais, o uso para a cogeração, (o vapor liberado na queima do gás natural é reintroduzido na cadeia para se gerar mais energia, melhorando-se o rendimento do processo como um todo), diminuindo-se os custos finais para a produção de energia elétrica. Acresce-se que, segundo Percy Lousada de Abreu e José Antonio Martinez, a possibilidade de cogeração por gás natural gera que pequenas unidades e indústrias médio-consumidoras instalem-se junto aos maiores centros consumidores, impulsionando-se assim o crescimento industrial.

O emprego de turbinas movidas a gás natural junto a turbo-geradores elétricos convencionais atuando em ciclo-combinado é outra hipótese em que se verifica um alcance de significativa eficiência energética.

Em termos de facilidade de operação, o gás natural assemelha-se a energia elétrica. Como já salientado, o energético apresenta uma reduzida emissão de contaminantes em sua queima. Permite-se a aproximação das instalações industriais junto ao consumidor final, ganhando as empresas em rentabilidade e competitividade. Seu transporte ocasiona a perda de apenas 3% de energia sendo mais eficiente em relação a outros energéticos.

Quanto ao processo de produção e distribuição, sua eficiência energética é aproximadamente de 90%, enquanto que na energia elétrica tem-se tão somente 30% de aproveitamento [6].

Não implicando na deposição de impurezas, evita-se a corrosão dos equipamentos prolongando-se a vida útil destes; o controle fino da temperatura e a possibilidade de entrar em contato direto com o que se destina aquecer garante a qualidade do acabamento, conferindo competitividade às empresas nos mercados mais exigentes. Passa-se a observar suas destinações.

3.3 Gás Natural: um versátil ator

O gás natural detém uma variedade e versatilidade enquanto produto final. Embora o avanço tecnológico seja contínuo, podendo novas aplicações serem descobertas para o mesmo, a cada dia que se passa cumpre afirmar que concorre com outros energéticos tradicionalmente aceitos, como o carvão, o óleo combustível, a hidroeletricidade, energia nuclear, óleo diesel, gasolina, GLP, etc. Apesar de não deter um mercado específico, sua larga gama de atuação pode ser sua maior vantagem.

Tem-se, enquanto potenciais usos para o gás natural, segundo dados obtidos do Douto Edmilson Moutinho dos Santos:

1 – para síntese de: diesel, gasolina sintética, amônia, metanol, alcoóis, hidrogênio e demais derivados químicos do gás natural;

2 – como combustível, pode ser utilizado em: (alta temperatura) refinarias, química, cimento, tijolos, vidros, cerâmica, metalurgia e mecânica; (média temperatura) outras indústrias, eletricidade/vapor, alimentos; (baixa temperatura) papel/celulose, secagem de grãos, alimentos, indústria têxtil e aquecimento de cozinha.

3 – na compressão: para combustível automotivo.

4 – pode ser fracionado, dando origem a líquidos como: etano (usado em oleofinas para petroquímica), GLP (oleofinas para petroquímica, combustível automotivo e aquecimento e cozinha) e gasolina natural (oleofinas para petroquímica e combustível automotivo).

Isto posto, abre-se um leque de diversos mercados que o gás em comento pode ser aplicado. A correta compreensão e delimitação destes permite o cientista estudar com mais propriedade as conseqüências sócio-jurídicas que a sua inserção importará para toda a sociedade.

Se é verdade que os reflexos econômicos de sua inserção serão sentidos pelas industrias que se baseiam na produção de outros tipos de energéticos, não se pode deixar de afirmar que tantos outros postos de trabalho serão gerados pela vindoura indústria gasífera. Se existe incerteza quanto a escolha, verifica-se que alguns dos principais países do mundo já formaram sua convicção sobre o papel do gás natural


4.Gás Natural e o mundo

A descoberta do gás natural enquanto energético está atrelada ao surgimento da indústria petrolífera. Embora num primeiro momento tenha se dado pouca importância a este energético, priorizando-se a indústria do petróleo, as mudanças tecnológicas, históricas e sociais vivenciadas após meados do século XIX fizeram com que os segmentos de mercado voltassem seus olhares para o gás. Diante das barreiras intrínsecas que o gás natural apresenta, a ampliação de seu uso deu-se primordialmente nos países desenvolvidos, sendo restrito sua utilização pelos países subdesenvolvidos.

Com o advento da Segunda Revolução Industrial, onde se verificou que o poder calorífico do GN era mais elevado do que o do gás manufaturado, passou-se substituir este por aquele; foi o ímpeto da sociedade em dar resposta aos novos mercados e a seus anseios que impulsionou a inserção do energético sob análise.

A indústria do gás natural surge nos Estados Unidos enfrentando a concorrência do carvão, que servia de energético para as indústrias, e do gás manufaturado (produzido do carvão). Neste País, nos meados do século XIX até início do século XX (1920), a evolução do gás natural deu-se gradativamente com a acumulação de tecnologia da base que se fazia necessária para sua implementação em escalas cada vez mais amplas. A evolução do sistema de transporte, que passava a ser feita por gasodutos construídos com tubos de aço, permitiu que fosse empreendido um novo ritmo à evolução da industria do gás natural.

O uso exclusivo para iluminação fora modificado, atendendo-se as exigências industriais; o governo norte americano no período da segunda grande guerra mundial, deu ensejo a criação de uma rede de transporte à nível nacional. [7]

Com o expansionismo das cidades, fez-se necessário a ampliação do abastecimento por gás natural. Em 1950, a substituição do gás manufaturado já se tornara uma realidade, tornando-se o país um grande importador de energia. O consumismo norte americano exigiu que, o gás natural, cada vez mais, fosse empregado nos mais diversos setores.

Atualmente, os Estados Unidos da América tem um consumo diário de gás natural na ordem de 1,8 bilhões de metros cúbicos. A participação do GN na matriz deste País é de 26,2%, pelo que se constata a importância energética que o mesmo representa. De seu consumo total, tem-se que 21,7% destinam-se ao setor residencial, 14,8% ao comercial, 46,8% ao industrial, 13,3% para geração de eletricidade, e 3,3% para transporte próprio.

Inicialmente, foram priorizados os consumidores de menor porte como forma de se minimizar os riscos, compatibilizar a oferta com a demanda e a transformação cultural da sociedade (ganhando espaço frente as antigas fontes de energia). Atualmente, com o desenvolvimento industrial, vem a se inverter as metas de investimento, notadamente diante do amadurecimento do setor e a diminuição das ingerências Estatais. O novo modelo esperado na busca de investidores aponta para o uso massivo do gás natural. Para tanto, busca-se que o mesmo participe na geração de eletricidade em termelétricas por ele movidas.

No que é pertinente a Rússia, diante da atratividade que o petróleo encontrado na região exerceu nos investidores, a guerra civil instaurada nesse país após a revolução de 1917 e a primeira grande guerra mundial, cumpre informar que a expansão no início do século XX, do setor de hidrocarbonetos foi atrasada. Os planos (Segundo Plano Qüinqüenal de 1933 a 1937 e o Terceiro de 1938 a 1942) não deram ao gás natural sua devida importância. Apenas em 1955, terminada a Segunda Guerra Mundial, que o seu consumo começa a ter significativos números, passando as políticas governamentais a lhe darem ênfase. As grandes descobertas de gás natural na Sibéria fizeram com que a URSS se tornasse, já em 1960, no maior produtor, exportador e consumidor mundial. A partir de então, se inicia uma ampla construção da rede dutoviária da URSS, consolidando a participação do energético. Diante da guerra fria que se instalou entre os dois mega blocos, Pós - Segunda Guerra, a URSS não pode mais abrir mão do gás natural visto sua importância estratégica.

Situados entre as superpotências que disputavam, os países europeus, que não tinham uma tradição no uso do gás natural, começaram a se questionar sobre inserirem um terceiro pilar energético em suas matrizes (até então adotavam apenas o petróleo e o carvão). Entretanto, o clima de tensão instalado com a guerra fria impediu a abertura de mercados, fator este que poderia ter contribuído para a entrada do gás natural nos países europeus. Diante da importância estratégica que se deu ao petróleo na Segunda Grande Guerra, os países do antigo continente lançaram mão de procurá-lo, como forma de se prepararem para o incerto futuro. Apesar disto, poucos resultados foram obtidos, tendo sido descobertos alguns campos de gás natural, o que impulsionou, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, o início da indústria gasífera.

Atrelada às descobertas, encontra-se como fator preponderante a opção política da maioria dos países europeus pela adoção de um Estado intervencionista, e centralizador onde se primava pelo "bem estar" geral da nação (o afamado Welfare State). O surgimento das grandes empresas estatais foi a alavanca para a inserção em definitivo do gás natural (criação de mercados, promoção de preços, financiamento de troca de equipamentos, etc).

Por tais razões, no início da década de sessenta a demanda já superava a disponibilidade por gás natural. Voltaram-se as atenções para desenvolvimentos tecnológicos mais eficientes e a ampliação das explorações.

Em 2002 a França consumia 42,8 bilhões de metros cúbicos de gás natural, a Alemanha 82,6, a Itália 63,6, a Holanda 39,3, a Espanha 20,8, Ucrânia 69,8, a Polônia 11,2, Reino Unido 94,5, Uzbequistão 52,4, enquanto que o Brasil, país de dimensões continentais, consumia tão somente 13,7 bilhões de metros cúbicos. [8]

No continente asiático, tem-se que o Japão apresentou características peculiares no desenvolvimento de sua indústria gasífera, razão pela qual há de se tecer breves considerações acerca de como se deu o avanço do gás neste país.

Até 1950 a indústria nipônica era abastecida primordialmente pelo carvão; o petróleo participava tão somente em 7% na composição da matriz energética deste Páis. Tendo em vista a derrota sofrida na Segunda Guerra Mundial, passou o País a sofrer a intervenção da administração militar americana, sendo-lhe "facultada" o direito de abertura de suas industrias de base à participação internacional. Desta forma, após a metade do século XX, verifica-se um crescimento acelerado das importações petrolíferas japonesas para suprir as necessidades dos novos partícipes da indústria Japonesa; já no início da década de 70 tinham se tornado o terceiro maior País consumidor de petróleo em escala mundial.

Entretanto, com as variações do preço do petróleo decorrente das crises iniciadas em 1973, o governo japonês entendeu que a matriz energética deveria ser flexibilizada. Para tanto, estabeleceu-se o gás natural e a energia nuclear enquanto fontes alternativas para geração de eletricidade. Diferentemente dos modelos dos outros Países, no Japão direcionou-se a utilização do gás natural para a geração de eletricidade, como forma de massificar sua utilização.

Enquanto no início da indústria dos Estados Unidos havia políticas governamentais contrárias a tal prática, preferindo-se uma maior capilaridade de distribuição, no Japão, ao seu turno, o setor elétrico foi a âncora que gerou a demanda necessária para o gás natural.

Diante das peculiaridades territoriais inerentes ao Japão, impossibilitado que se encontrava de ser abastecido por gasodutos, buscou-se o desenvolvimento de tecnologias para o gás natural liquefeito – GNL. Os sucessos obtidos (desde o aperfeiçoamento das indústrias e refinarias de liquefação e gaseificação até o transporte do GNL por navios) fizeram com que o mercado se expandisse para outros Países próximos sob a égide da liderança japonesa.

Percebe-se que os Países desenvolvidos valeram-se do gás natural para alavancar suas indústrias e suprir suas necessidades energéticas. Não se pode desejar que um País que almeje conseguir posição de destaque no atual mundo globalizado engesse sua política energética, sem questionar os sucessos colhidos pela experiência internacional.

Segundo a British Petroleum Statistical Review of World Energy, de 2004, as reservas provadas de gás natural até o final de 2003 no mundo, em trilhões de metros cúbicos, são: América Central e do Sul: 7.19; América do Norte: 7.31; Ásia/ Pacífico: 13.47; África: 13.78; Europa & Eurásia: 62.30; Oriente Médio: 71.72.

Diante das vastas reservas existentes, razões não existem para o energético ficar esquecido. Assim, mister refletir sobre a política energética brasileira, para poder se ter uma base sólida do papel que o gás natural virá a ter no seio da sociedade, traçando-se as metas viáveis para o futuro que se almeja alcançar.


5.Gás natural no Brasil.

A ampliação do gás natural na participação da matriz energética brasileira deve-se a um conjunto de fatores. A reforma constitucional realizada através das Emendas nº 5/95 e 9/95; as constantes crises externas vivenciadas pelos países produtores de petróleo, sendo questionável a dependência para com os mesmos; a mudança paradigmática do "Welfare State" para um Estado eminentemente Regulador-Fiscalizador como está proclamado na Carta Maior; a insuficiência do setor elétrico em atender a crescente demanda de nossa sociedade; a dificuldade que se tem para a construção de novas hidroelétricas (pelos danos ambientais causados e localização dos rios); a instabilidade das chuvas; a "crise do apagão"; a parceria firmada com países vizinhos (Argentina e Bolívia) para suprimento de gás natural; a descoberta de um vasto campo produtor de GN na bacia de Santos; a possibilidade do país se tornar um exportador para os países da América Latina; a redução dos danos ao meio ambiente obtido com a implementação deste energético; a versatilidade em seu uso final; o desenvolvimento (empregos, criação de tecnologias, fluxo de investimentos, etc) gerado pela sua próspera indústria; as economias auferidas pelos consumidores finais; a implementação de um sistema de infra-estrutura de distribuição integrado (onde haja a possibilidade de se passar no mesmo duto sistemas de: água, esgoto, gás e telefonia); a viabilidade de desenvolver-se as regiões mais interioranas, com a ampliação planejada da malha de dutos, e o aumento da qualidade de vida são alguns dos argumentos que impõe urgência na alteração da matriz energética brasileira com a inserção da energia do novo milênio.

A cada ano que se passa o consumo do energético vem a crescer, alimentando as expectativas dos players envolvidos com essa indústria. O Brasil que até 1998 nada importava do energético da Bolívia, no final de 2002 já passara a consumir quatro milhões e setecentos e setenta e se mil metros cúbicos de nossos vizinhos (Fonte: ANP/SCG, conforme a Portaria ANP n.º 43/98). Os números de importação tendem tão somente a crescer.

Entretanto, embora vantagens existam, obstáculos há a serem superados.

O perfil que o governo traçou para a matriz energética brasileira, com o intento de flexibilizá-la, tinha por intento aumentar a participação do gás natural. Pautava-se, inicialmente no programa prioritário de termoelétricas – PPT, em setembro de 1999, como forma de atingir tal fim. Habilitados 49 projetos térmicos, sendo destes 43 direcionados ao consumo de gás natural [9], pouco foi feito até então. Edmilson Moutinho dos Santos, discorrendo considerações sobre as inconsistências do programa, com seu peculiar acerto, leciona:

Na verdade, a adoção de um modelo termelétrico a gás natural apresenta inconsistências estruturais profundas com a realidade energética brasileira. Essas tem sido amplamente acorbertadas ou ignoradas pelos formuladores da política energética. O objetivo é estimular e direcionar os investimentos. Porém, insistir nas inconsistências somente será possível através de distorções importantes nas forças do mercado, fazendo tais políticas pouco críveis e insustentáveis. (SANTOS, 2002, p. 276).

Ademais, a abertura feita em sede constitucional não foi acompanhada de um necessário marco regulatório para o setor. A Lei nº 9.487/97, denominada Lei do petróleo, não trouxe a segurança jurídica necessária para todos aqueles que desejam "interagir" com a nova energia. A forma de Estado adotada por nosso país traz uma miríade de questionamentos jurídico-econômicos que, se não impossíveis, encontram-se longe de serem solucionados e pacificados; a guerra fiscal, por exemplo, é cada vez mais acirrada, notadamente face às vultuosas quantias monetárias que a indústria movimenta.

No mesmo diapasão de incertezas, o papel conferido à Agência Nacional do Petróleo não se encontra bem delimitado e consolidado. O modelo de agências reguladoras importado dos Estados Unidos da América, sem as alterações necessárias, começa a mostrar suas falhas. A estabilidade dos dirigentes em descompasso com o mandado do chefe do executivo leva ao questionamento se as agências realmente atuam como a longa mão do Estado. O poder regulamentar, materializado por suas portarias, muitas das vezes esbarra no princípio da legalidade, penalizando-se a segurança jurídica exigida pelos investidores.

Se as dificuldades apontadas, a título exemplificativo, devem ser sobrepujadas, não se pode descurar dos impactos que a inserção causará. Assim, mister a reflexão de como se dará a mutação mercadológica operada com a massificação do gás natural. Empresas moldadas ao longo de anos, e mesmo décadas, com uma cadeia cativa de consumidores, poderão ser postas abaixo quando da ampliação do uso do energético sob análise; o desemprego que poderá ser gerado, e as formas de combate-lo devem ser assuntos devidamente tratados quando am debate o planejamento energético do Brasil. Necessário o gás natural ganhar seu espaço sem, entretanto, destruir outros mercados que estão a funcionar plenamente.

A ordem tributária, ponto de ávido interesse de todos os partícipes envolvidos, há de ser detidamente analisada. Até o presente momento, inexistem maiores estudos sobre a tributação direta incidente sobre o gás natural no ordenamento jurídico brasileiro. As divergências jurídicas existentes abrem espaço para que, de um lado se fomente a indústria das liminares e de outro haja ilegalidades na atividade estatal.

Por todo o exposto, abertas estão as portas para um novo campo de trabalho, que não está restrito a um ramo da ciência, exigindo um esforço conjunto dos profissionais, sob pena incorrer-se nos erros cometidos quando do início da indústria petrolífera. Conhecer profundamente a indústria do gás natural será o início de uma necessária caminhada.


Referências Bibliográficas

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http://www.anp.gov.br/, 24/08/04, às 15:35h


Notas

1 São elementos integrantes da composição típica do gás natural: metano, etano, propano, iso-butano, n-butano, hexano, heptano e superiores, nitrogênio, dióxido de carbono.

2 Sobre as regras acerca do processo de odorização, consultar os artigos 10 e 11 da portaria nº 104 da Agência Nacional do Petróleo.

3 O Douto Edmilson Moutinho dos Santos, expressa a ressalva de que, quanto a emissão de NOx, em combustão de altas temperaturas, pode o gás natural apresentar grandes impactos ambientais, citando, como exemplo, as hipóteses de sua utilização em termoelétricas.

4 Dados estes obtidos do Centro de Tecnologia do Gás – CTGAS.

5 Sobre eficiência energética, Percy Lousada de Abreu e José Antonio Martinez.

6 Fundamentos do gás Natural, trabalho elaborado pela CTGAS.

7 Sobre a história da industria dos dutos norte–americana, Keneedy a narra resumidamente (1993). Para maiores dados técnicos, Moutinho, págs 191/192.

8 Dados obtidos do Portal Gás Energia, que usa como fonte: http://www.bp.com

9 Série nº 2 da ANP, traz uma defesa detalhada da necessidade de utilização do gás natural para consolidação deste no mercado nacional, e flexibilização da matriz energética. Apesar do defendido, a história mostrou-nos, até a presente data, que o plano prioritário de termoelétrica não atingiu as metas esperadas.


Autor


Informações sobre o texto

Esta monografia foi elaborada sob a orientação do professor Otacílio dos Santos Silveira Neto (mestre em Direito Econômico pela UFPB, advogado, professor da UFRN, pesquisador visitante da ANP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALVÃO, Rafael Silva Paes Pires. Aspectos técnico–legais concernentes ao gás natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 540, 29 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6138. Acesso em: 26 abr. 2024.