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A não incidência da multa de 10% no cumprimento de sentença no processo trabalhista

tema nº 4 dos recursos repetitivos do TST

A não incidência da multa de 10% no cumprimento de sentença no processo trabalhista: tema nº 4 dos recursos repetitivos do TST

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Em princípio, não incidem na fase inicial do cumprimento de obrigação de pagar estabelecida em sentença trabalhista a multa de 10% e os honorários sucumbenciais de 10% previstos no art. 523, § 1º, do CPC.

No dia 21 de agosto de 2017, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) realizou o julgamento do Tema nº 4 de seus Recursos Repetitivos, instaurado para a debater a incidência – ou não – da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC/73 (e no art. 523, § 1º, do CPC/2015) ao cumprimento de obrigação de pagar no processo do trabalho.

Recorda-se que a reforma processual efetuada pela Lei nº 11.232/2005 sobre o CPC/73 consolidou o processo sincrético, envolvendo as etapas de cognição e execução na mesma relação jurídica processual, deixando a segunda fase de ser realizada em um processo autônomo. O cumprimento da sentença continuou com o mesmo objetivo do processo de execução, de satisfazer o direito do credor, por meio do cumprimento da obrigação pelo devedor, ou independentemente da vontade deste.

No cumprimento das obrigações de pagar quantia certa, o Estado expropria bens do devedor para o pagamento da dívida, o que afasta, em princípio, a utilização de meios de execução indireta, e da fixação de multa pelo descumprimento. Porém, o art. 475-J do CPC/73 previa que o devedor deve satisfazer a obrigação no prazo de 15 dias, sob pena de incidência de multa no percentual de 10% do montante devido:

“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.

A norma foi reproduzida, com algumas alterações, pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015:

“Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§ 1o Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento”.

A multa incide obrigatoriamente no cumprimento de sentença, por força de lei, logo, o executado tem a ciência prévia de que será punido, caso não efetue o pagamento do débito no prazo de 15 dias.

Ainda, por ser estabelecida por lei, essa multa incide independentemente de requerimento do credor.

Caso haja vários devedores, não haverá a obrigação de cada um de pagar 10%, considerando que o dispositivo legal prevê expressamente sua incidência sobre o valor do débito, independentemente da quantidade de executados.

Há quem sustente que, caso o devedor demonstre não ter condições de pagar a dívida, não incide a multa. Porém, não existe qualquer ressalva legal sobre essa situação; deixando de efetuar o pagamento no prazo, prossegue-se no cumprimento da sentença, com a expedição de mandado de penhora e avaliação, acrescida a dívida da multa de 10%. Salienta-se, contudo, que existem decisões de tribunais no sentido de que, havendo o cumprimento espontâneo da obrigação, ainda que com um pequeno atraso, não se aplica a multa.

A controvérsia sobre a incidência – ou não – dessas regras ao processo trabalhista está na existência de normas processuais específicas na CLT sobre a execução de obrigação de pagar quantia. Dentre elas, destaca-se o art. 880 da CLT, que prevê a intimação do executado para o pagamento da dívida no prazo de 48 horas, sob pena de penhora:

“Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive, de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora”.

Portanto: (a) a regra especial (CLT) fixa o prazo de 48 horas para pagamento, sob pena de penhora; (b) a regra geral (CPC) fixa o prazo de 15 dias para pagamento, sob pena de multa de 10% e honorários advocatícios de 10%.

No julgamento do Tema nº 4 dos Recursos Repetitivos, após a manifestação de três amigos da Corte, o relator do Recurso de Revista nº 1786-24.2015.5.04.0000, Ministro Mauricio Godinho Delgado, buscou a compatibilização das normas da CLT com as do CPC, para concluir que, desde que conste no dispositivo da decisão judicial que constituir o título executivo, incide no processo trabalhista a multa de 10%, pelo descumprimento da obrigação no prazo de 15 dias. Ressalvou que essa regra não se aplica quando o executado já tiver prestado a garantia do juízo (especialmente por meio do depósito recursal), ou quando o título for sentença homologatória de acordo com outra sanção pelo descumprimento, ou quando se tratar de cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública (que possui regras específicas).

Por outro lado, o Ministro João Oreste Dalazen divergiu do voto do relator, para concluir que incidem no cumprimento de sentença trabalhista apenas as regras especiais da CLT, que preveem um prazo inferior para o cumprimento da obrigação (ou a garantia do juízo ou a indicação de bens à penhora), mas não estipulam a multa como sanção inicial pelo descumprimento. Por uma diferençade 3 votos, esse entendimento preponderou no julgamento do colegiado.

Assim, por maioria (13 x 10 votos), o Pleno do TST concluiu que não incide no processo trabalhista a multa de 10% prevista no CPC, em virtude da existência de regras específicas na CLT, que preveem, nas obrigações de pagar quantia: (a) o cumprimento da obrigação no prazo de 48 horas, sob pena de penhora (art. 880); (b) ou a garantia da execução pelo devedor, por meio do depósito do valor devido e das custas processuais, ou da nomeação de bens à penhora (art. 882).

Consequentemente, o Tribunal Superior do Trabalho definiu a seguinte tese no Tema nº 4 dos Recursos Repetitivos:

“A multa coercitiva do artigo do artigo 523, parágrafo 1º do CPC (antigo artigo 475-J do CPC de 1973) não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o processo do trabalho, ao qual não se aplica”.

Portanto, em princípio, não incidem na fase inicial do cumprimento de obrigação de pagar estabelecida em sentença trabalhista a multa de 10% e os honorários sucumbenciais de 10% previstos no art. 523, § 1º, do CPC, tampouco o prazo de 15 dias para pagamento, mas sim o prazo de 48 horas para pagamento, nomeação de bens à penhora ou depósito, sob pena da penhora de bens do executado.

Contudo, isso não impede que, na ausência de bens à penhora e na reiteração do descumprimento da obrigação, seja fixada pena de multa (inclusive superior ao percentual de 10%, ou até mesmo periódica) ou qualquer outra medida indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória necessária para assegurar o cumprimento da decisão judicial, conforme prevê o art. 139, IV, do CPC.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. A não incidência da multa de 10% no cumprimento de sentença no processo trabalhista: tema nº 4 dos recursos repetitivos do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5423, 7 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61394. Acesso em: 6 maio 2024.