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A prescrição da indenização por responsabilidade civil e a redução do prazo prescricional no Código Civil brasileiro de 2002

A prescrição da indenização por responsabilidade civil e a redução do prazo prescricional no Código Civil brasileiro de 2002

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O trabalho analisa o art. 2.028 do novo Código Civil, especificadamente nas hipóteses de responsabilização civil, uma vez que houve sensível redução destes prazos prescricionais e a interpretação mais apressada pode conduzir o aplicador da lei a cometer injustiças.

RESUMO: O presente trabalho visa analisar a regra de direito transitório, representado pelo artigo 2.028, do novo Código Civil Brasileiro, mais especificadamente, nas hipóteses de responsabilização civil, uma vez que, houve sensível redução destes prazos prescricionais e, a interpretação mais apressada do dispositivo indicado, pode conduzir o aplicador da lei a cometer prováveis e irremediáveis injustiças. Analisar-se-á a redação do dispositivo de forma crítica, apresentando os problemas que exsurgem no momento de sua aplicação em determinados casos concretos, indicando, outrossim, qual deverá ser a forma mais adequada de interpretação de sobredita norma.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. O advento da novel legislação civil brasileira e a redução dos prazos prescricionais para as pretensões oriundas de reparação civil: 2.1. Por que o legislador fixa prazos para que a parte exerça seu direito de procurar a tutela jurisdicional?; 2.2. Conceito de prescrição; 2.3. Da redução do prazo prescricional no CCB/2002 para as pretensões originárias de responsabilização civil. Redução drástica do prazo de 20, para 3 anos. Artigo 206, parágrafo 3°, inciso V, do Código Civil; 2.4. Da possibilidade de redução dos prazos prescricionais segundo a visão de Clóvis Beviláqua; 2.5. Dos limites para a retroação da lei - 3. Do conteúdo do artigo 2.028 - 4. Da vacilação da jurisprudência quanto à aplicação do artigo 2.028 - 5. Da interpretação, mais apropriada, ao artigo 2.028, do Código Civil Brasileiro de 2002, com relação aos casos de responsabilidade civil - 6. Conclusões - 7. Referências Bibliográficas

PALAVRAS CHAVE: responsabilidade; responsabilidade civil; prescrição; Código Civil Brasileiro de 1916; Código Civil Brasileiro de 2002; retroação da lei; limites da retroação da lei; direito transitório; hermenêutica jurídica.


1. Introdução

Há pouco mais de um ano que os operadores jurídicos em geral estão se debatendo no intuito de bem interpretar a nova legislação civil brasileira, representada pela Lei n.° 10.406/2002, por muitos já "apelidada" de "Código Reale", mas que o próprio Reale prefere seja denominada como a "Constituição do Cidadão Comum" [1].

Em expressão popularesca, os operadores do Direito estão verdadeiramente "quebrando a cabeça" para adaptar-se às recentes modificações introduzidas pelo recém lançado estatuto civil.

É mais do que consabido que, com o nascedouro de determinada legislação, inevitavelmente conflitos entre a novel lei e a disposição revogada podem surgir.

Assim foi com a entrada em vigor da Lei n.° 1.533, de 31 de dezembro de 1.951 (Mandado de Segurança); com o lançamento do Código de Processo Civil de 1973 [2], em 11 de janeiro de 1973; com o advento da Lei n.° 9.099, de 26 de setembro de 1995 que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; bem como as dúvidas oriundas do lançamento em território brasileiro do Código Civil ora revogado (Lei n. ° 3.071 de 1° de janeiro de 1916).

Clóvis Beviláqua bem advertia no início do século passado: "As leis, desde o momento em que se tornam obrigatorias, põem-se em conflicto com as que, anteriormente, regulavam a materia, de que ellas se occupam, regulando-a por outro modo." [3]

Com o advento de nova legislação "por mais sábio que seja o legislador, por mais previdente ou por mais casuísta, não poderá nunca prever tôda a variedade de relações sôbre as quais vai recair a lei" [4] e daí "a norma posterior pode gerar, como se vê, zonas imprecisas ou cinzentas de incertezas, que requerem precisão na aplicação da norma e um equilíbrio entre a dimensão temporal normativa e a realidade fática." [5]

Daí porque, assumem especial relevo, as regras de direito intertemporal pois estas "soluciona[m] o[s] conflito[s] de leis no tempo, apontando critérios para aquelas questões, disciplinando fatos em transição temporal, passando da égide de uma lei a outra, ou que se desenvolvem entre normas temporalmente diversas. Visa[m], como ensina Paul Roubier, a proteção de fato aquisitivo, cuja eficácia jurídica não pode ser eliminada por uma lei diversa daquela sob a qual ocorreu." [6]

Por tudo isto, tencionando desarraigar eventuais dúvidas é que o legislador, invariavelmente, prefixa regras de direito intertemporal - ou em linguagem mais adequada e atual, regras de direito transitório - as quais deverão nortear o exegeta na escorreita aplicação da lei indicando, dessa forma, qual norma deverá incidir quando duas leis (revogada e revogadora) entrem em conflito.

Outrossim, para apimentar o debate, faz-se necessário realizar o seguinte questionamento: o que acontecerá quando o operador jurídico for instado a aplicar a lei, se deparar com a denominada "zona imprecisa e de incertezas" do conflito temporal de leis, constatando, outrossim, que a norma que deveria resolver o problema (regra de direito transitório) é deficiente e, sua interpretação, poderá conduzir a soluções injustas ou iníquas, ou até mesmo ferir a lógica jurídica, o que deverá o operador fazer?

Aplicar a letra fria da lei, afinal de contas dura lex, sed lex? Ou então procurar compatibilizá-la com as demais regras do ordenamento?

Convenhamos que a questão é deveras difícil mas, inevitavelmente, deve ser enfrentada.

Para encontrar a melhor saída para esta encruzilhada jurídica, assume especial relevo e, transmuda-se em tema dos mais importantes, a interpretação do texto legal pelo operador jurídico.

Mas, pode e deve-se questionar: por que motivo este autor traz esta gama de informações sobre regras de direito transitório? O que isto tem a ver com o presente ensaio?

A resposta é encontrada nas constantes dificuldades enfrentadas pelos operadores jurídicos para dar adequada interpretação ao disposto no artigo 2.028 do Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB/2002), mais especificadamente, quando se subsume seu conteúdo a regra de prescrição prevista no inciso V, do parágrafo 3°, do artigo 206 do mesmo Código.

Tentemos ser mais claros.

Faz-se tal afirmação, porque a regra do artigo 206, reduziu de forma significativa o prazo prescricional para os casos de responsabilização civil (de 20 para 3 anos) e, a regra inserta no artigo 2.028, adverte que uma vez diminuído o prazo de prescrição pela nova lei (CCB/2002) e se na data em entrada em vigor desta não houver transcorrido mais da metade do prazo prescricional este prazo será o do CCB/2002.

Pois bem. Em interpretação literal e mais apressada (e aqui encontra-se o problema), o magistrado, advogado, promotor de justiça, enfim, operador jurídico em geral, constatará que fatos originados entre os anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, somente para citarmos alguns exemplos, estariam irremediavelmente prescritos se utilizada a regra transitória do artigo 2.028. Isto porque, tais fatos, não teriam ultrapassado mais da metade do prazo prescricional da lei revogada (20 anos CCB/1916) e, então, a regra de prescrição seria aquela prevista no artigo 206 da lei atual, que prevê termo final de 3 anos para a propositura do pedido e daí, concluir-se-ia que o fato de 1994, estaria prescrito em 1997, o de 1995, estaria prescrito em 1998, etc. etc. etc..

Não sei o leitor notou mas a prescrição atingiria a pretensão do autor da ação mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 2002 (11.01.2003) o que não é preciso mencionar revela-se em inconcussa injustiça!

Outrossim, tencionando contribuir com o aprofundamento do debate e, apresentar o ponto de vista do autor sobre qual deve ser a interpretação mais adequada da regra de direito transitório, representada pelo artigo 2.028, do Código Civil Brasileiro de 2002, para os casos em que se discute a responsabilização civil, far-se-á breve digressão sobre os institutos jurídicos que permeiam à espécie para, logo após, analisar a redação do dispositivo ora em comento, à luz também das decisões jurisprudenciais já lançadas por alguns tribunais pátrios.

Destarte, passa-se neste primeiro momento, ao relato das mudanças operadas na legislação com a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 2002.


2. O advento da novel legislação civil brasileira e a redução dos prazos prescricionais para as pretensões oriundas de reparação civil

Visando reformular bases teóricas e adaptar a legislação que regula as relações civis no território brasileiro, tudo com vistas à atingir o almejado "Estado Social" desejado por Miguel Reale, após amplos debates, emerge o novo Código Civil Brasileiro.

Após tramitar por mais de três décadas nas casas legislativas, passando pela influência de governos ditatoriais e restabelecimento da democracia; por eleições indiretas e diretas e, até pelo impeachment de um presidente eleito diretamente pelo povo, é aprovado pelo legislativo federal e, promulgado pelo Presidente da República, a nova legislação civil brasileira a qual, a partir de janeiro de 2003, passaria a regular todas as relações civis dos cidadãos em território brasileiro.

Apesar das críticas formuladas por alguns juristas [7], as quais foram veementemente repelidas por aqueles que participaram do processo legislativo [8], a novel legislação civil apresentou, na matéria relativa ao presente estudo, sensíveis alterações, pois reduziu drasticamente os prazos prescricionais para as hipóteses de responsabilização civil [9] [10], fixando regra de direito transitório, extremamente maliciosa em seu artigo 2.028, claro que, se interpretada de forma literal e mais açodada.

Entretanto, antes de adentrarmos na discussão a ser travada sobre a melhor interpretação a ser dada ao artigo retromencionado, mister se faz tecer breves considerações sobre o que vem a ser o instituto "prescrição", realçando algumas de suas peculiaridades, as quais auxiliarão na conclusão do estudo.

2.1. Por que o legislador fixa prazos para que a parte exerça seu direito de procurar a tutela jurisdicional?

Por sermos partidários da opinião de que só podemos bem escrever o futuro se nos espelharmos nas luzes do passado, entende-se como indispensável que se faça pequena incursão sobre a passagem histórica do instituto da prescrição. Para isto nos utilizaremos de copiosa lição de Agnelo Amorim Filho.

Mencionado doutrinador, citando o escólio de Savigny e Pontes de Miranda, pontifica:

"Acentua Savigny que, durante muito tempo, a prescrição foi um instituto completamente estranho ao Direito Romano, mas, ao surgir o Direito Pretoriano, passou a constituir uma exceção à antiga regra da duração perpétua das ações. Por último, a exceção se converteu em regra geral (Sistema del derecho romano, tomo IV, págs. 181 e 185 da trad. cast.). Tendo ainda em vista o Direito Romano, diz o mesmo autor que o principal fundamento da prescrição é a necessidade de serem fixadas as relações jurídicas incertas, suscetíveis de dúvidas e controvérsias, encerrando-se dita incerteza em um lapso determinado de tempo (ob. e vol. cits. pág. 178).

Por sua vez, ensina Pontes de Miranda que o instituto da prescrição ‘serve à segurança e à paz públicas’, e é êste, precisamente o ponto de vista que, de modo geral, prevalece a respeito do assunto, na doutrina e na jurisprudência, embora haja ainda quem procure apresentar, como fundamento do mesmo instituto, o castigo à negligência, a aplicação do princípio ‘dormientibus non sucurrit ius’." [11] [12]

A primeira ilação que se extrai desta passagem histórica é a de que "a prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza das relações jurídicas." [13]

Sim, porque acaso não fosse estipulado determinado prazo para que o jurisdicionado procurasse defender seu direito, as situações fáticas nunca chegariam a termo e, possivelmente, uma variada gama de negócios se inviabilizariam.

Faz-se tal afirmação com amparo na conclusão lógica do alto nível de insegurança que estas relações trariam. Não é difícil imaginar o quão custosa seria a venda de determinado bem por herdeiro, após a partilha dos bens do de cujus, caso não fosse prevista a regra do parágrafo único, do artigo 2.027 do CCB/2002, pois o adquirente poderia ser molestado, 20 ou 30 anos depois da transação, por determinado herdeiro que entendesse ter sido preterido na sucessão.

Destarte, visando dar maior segurança jurídica às relações jurídicas em geral é que o ordenamento jurídico estipula prazos de prescrição para o exercício de determinados direitos.

Após passarmos os olhos sobre a principal função exercida pela prescrição, passe-se ao aprofundamento do estudo, iniciando-se pela definição do instituto.

2.2. Conceito de prescrição

Orlando Gomes há muito lecionava: "a prescrição é o modo pelo qual um direito se extingue pela inércia do seu titular, durante certo lapso de tempo, que fica privado da ação própria para assegurá-lo." [14]

Em outros termos: "prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, de tôda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo." [15]

Ou seja, nas palavras de Clóvis Beviláqua e Orlando Gomes a prescrição, nada mais vem a ser, do que a perda da possibilidade do lesado procurar a obtenção da tutela do Estado, na busca da satisfação de seu direito, tendo em vista o decurso do tempo estabelecido na legislação.

Como já afirmado anteriormente (e nisto a doutrina é unânime), o instituto visa a segurança e estabilidade das relações jurídicas em geral.

Para transcrevermos só uma das opiniões acerca da principal função da prescrição, apresente-se o pensamento de Pontes de Miranda:

"Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade. Qual seja essa duração, tolerada, da eficácia pretensional, ou simplesmente acional, cada momento da civilização o determina." [16]

Outrossim, uma vez transposta a apresentação do conceito do instituto, bem como o motivo originário que conduz o legislador a fixar prazos prescricionais, apresente-se quais foram as mudanças introduzidas pelo estatuto civil de 2002 com relação ao tema.

2.3. Da redução do prazo prescricional no CCB/2002 para as pretensões originárias da responsabilização civil. Redução drástica de 20 para 3 anos. Artigo 206, parágrafo 3°, inciso V, do Código Civil

Para iniciar a apresentação deste capítulo, rememore-se o que previa a legislação civil revogada.

Na falta de estipulação expressa, o Código Civil Brasileiro de 1916 estabelecia o prazo de 20 anos para as hipóteses de responsabilidade civil. O amparo legal para esta conclusão advinha justamente da interpretação da regra contida no artigo 177 do "Código Beviláqua". Tratava-se de legítima ação de direito pessoal [17].

O prazo prolongado de 20 anos fazia jus aos reclamos da época pois, no início do Século XIX, como bem historiam os estudiosos, a comunicação era extremamente deficitária, ainda mais em um país de dimensões continentais como o Brasil.

Era um século em que os tropeiros desbravavam os Estados para comercializar rezes, não existia fac-símile, telex, tampouco, internet e e-mail, sem falar que os meios de comunicação escrita, televisiva e falada, somente vieram a se popularizar na metade da década de 80 em diante.

Outrossim, era mais do que justificável que se estipulasse o prazo de 20 anos para o atingimento da pretensão pela prescrição.

Entretanto, no alvorecer deste início de Século XXI, já não se justificava mais aquele longínquo prazo, pois a comunicação, como se sabe, é extremamente ágil e, mesmo nos mais distantes grotões do país, encontram-se meios de comunicação eficazes capazes de transmitir as informações aos cidadãos (internet; rádio; televisão, jornais, etc.).

Destarte, tendo em vista o avanço tecnológico e, visando dar maior segurança aos cidadãos, o legislador de 2002 fixou prazo determinado (e menos espaçado) para que o lesado promovesse a defesa do direito ofendido.

Outrossim, determinou-se o seguinte prazo, para as hipóteses de responsabilização civil:

Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 3º Em três anos:

(...)

V - a pretensão de reparação civil;

Extrai-se da comparação entre a disposição revogada e a recém-lançada lei, que houve substancial redução do prazo prescricional para as hipóteses de responsabilização civil.

Mas pode se questionar: é válida a redução tão drástica dos prazos prescricionais?

2.4. Da possibilidade de redução dos prazos prescricionais segundo a visão de Clóvis Beviláqua

A dúvida lançada ao final do capítulo anterior é a seguinte: é possível reduzir os prazos prescricionais sem que isto importe em ofensa ao direito dos concidadãos?

Socorremo-nos da importante lição de Clóvis Beviláqua:

"Levantou-se a questão de saber se os prazos da prescrição podiam ser diminuídos. Respondi afirmativamente pelas seguintes razões:

a) O encurtamento do prazo da prescrição não contraria os fins sociais desta. Por isso mesmo não ofende a ordem pública em que se baseia. O fim da prescrição, fundamento racional da sua instituição, é a necessidade de se assegurar a estabilidade do patrimônio, contra infindáveis reclamações. A redução do prazo, longe de contrariar, favorece a finalidade da prescrição, concorre para estabilizarem-se, mais prontamente, as relações jurídicas.

b) Quando se diz que a prescrição é de ordem pública, tem-se em mente significar que foi estabelecida por considerações de ordem social, e não no interêsse exclusivo dos indivíduos. Ela, assim, existe, independentemente da vontade daqueles a quem possa prejudicar ou favorecer. A lei que cria, é rigorosamente obrigatória. Por essa razão, não pode ser renunciada senão depois de consumada, porque, então, já entrou, para o patrimônio do indivíduo, o direito que nela se funda. E todo direito patrimonial é renunciável. Mas a lei, que impede a renúncia da prescrição, o que não quer é que o prazo da prescrição se alongue indefinidamente. Há de ser o que a lei estabeleça. Encurtar, porém, o prazo é diminuir a resistência do direito, a que a prescrição se opõe; é, portanto, robustecê-la, dar-lhe maior energia." [18] (grifo nosso)

Como se extrai do pensamento daquele jurista, é perfeitamente possível a redução, pela nova lei, dos prazos prescricionais.

Esta orientação ressoou na jurisprudência, como pode se extrair de decisão proferida pela mais alta Corte de Justiça do país, o Supremo Tribunal Federal, que se manifestou nos seguintes termos:

"A PRESCRIÇÃO EM CURSO NÃO CRIA DIREITO ADQUIRIDO, PODENDO O SEU PRAZO SER REDUZIDO OU DILATADO POR LEI SUPERVENIENTE, OU SER TRANSFORMADA EM PRAZO DE DECADÊNCIA, QUE É ININTERRUPTÍVEL." (19) (grifo nosso)

Até porque, como já foi afirmado em capítulo anterior, em tempos de constante e vertiginosa automatização, na velocidade com que a informação chega aos eventuais interessados, seria uma temeridade engessar e tolher a liberdade do legislador, suprimindo-lhe a prerrogativa de reduzir os prazos prescricionais, haja vista que tal orientação, em nosso entendimento, inviabilizaria-se por completo, a adaptação das regras jurídicas para a nova era em que vivemos, a era da informação instantânea.

Porém, para que não andemos pela estrada da temeridade, convém ressaltar que esta afirmação não é uma verdade absoluta, pois se ao legislador é dada a faculdade de reduzir o prazo prescricional, isto não se dará a seu bel prazer, pois como por variadas vezes já foi afirmado, a prescrição, antes de tudo, visa estabelecer a segurança jurídica das relações.

Disto se conclui: existem limites para a retroação da lei.

2.5. Dos limites para a retroação da lei

É sabido que a maioria dos ordenamentos impõem barreiras para a retroação da lei. Algumas vezes a proibição decorre da própria Constituição do país e, em outros casos, como em França [20], a vedação decorre de lei infraconstitucional.

No primeiro caso a vedação de dirige para o próprio legislador, a quem caberá não formular leis que possam retroagir no tempo. No segundo caso, a ordem vedatória se dirige, única e exclusivamente, ao julgador, ou seja, ao juiz que apreciará a retroação da lei no caso concreto, podendo, inclusive e se necessário, julgá-la ilegal.

Por outro lado, existem ordenamentos - tal como o nosso - que não proíbem taxativamente à retroação da lei. Entretanto, por outro lado, fazem a importante ressalva de que a lei somente poderá retroagir dês que, não atinja o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Salutar transcrever o escólio de Silvio Rodrigues com relação ao tema:

"E, finalmente, encontramos sistemas em que se não proíbe diretamente a existência de leis retroativas, mas apenas excluem-se da retroatividade da lei nova algumas espécies de atos. Assim é o atual sistema brasileiro, pois, quer a Constituição, quer a lei ordinária, não consignam proibição de leis retroativas. Apenas excluem da incidência da lei nova o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada." (21)

A advertência quanto à impossibilidade de que a nova lei atinja o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, é encontrada de forma remansosa na doutrina [22], donde, somente a título de amostra, apresentamos o entendimento do professor de Direito, da Faculdade Real de Roma - Roberto de Ruggiero - que explica, com lucidez cristalina, a vedação e seus motivos:

"O princípio sôbre o qual se funda essa doutrina é o de que a proibição geral da retroactividade se deve limitar aos direitos adquiridos, entendendo-se por direitos adquiridos, segundo com maior precisão disse Gabba, todos aquêles direitos que são conseqüência de um facto capaz de os produzir em virtude da lei vigente ao tempo em que êsse facto se verificou, e que entraram imediatamente no património da pessoa, pôsto que a ocasião de os fazer valer sómente se apresente na vigência da nova lei." (23)

Arrematando seu raciocínio:

"Predominando na esfera do direito privado o interêsse dos indivíduos e a sua vontade, o respeito devido à confiança, que o particular tem na lei vigente, exige que a lei nova não tenha acção retroactiva sôbre as relações e efeitos que dela derivam, ainda que elas se produzam na vigência da norma posterior." [24]

No mesmo diapasão, para arrematar, a lição da doutrina brasileira:

"Sob a égide da nova lei, cairiam os efeitos presentes e futuros das situações pretéritas, com exceção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, pois a nova norma, salvo situações anormais de prepotência e ditadura, não pode e não deve retroagir atingindo fatos e efeitos já consumados sob o império da antiga lei." [25] (grifo nosso)

Se desume então, da mais seleta doutrina, que existem limites fixos para a retroação da lei, os quais não poderão ser ultrapassados, sob pena de ilegalidade e, o que é pior, manifesta inconstitucionalidade [26].

Destarte, seriam estes os limites impostos pelo legislador brasileiro, para o alcance dos atos originados na legislação anterior, e que, inevitavelmente, gerassem efeitos somente sob a égide da nova lei.

Ultrapassados os conceitos imprescindíveis para o bom estudo da matéria, passemos a análise específica do problema originado quanto à interpretação do artigo 2.028, do CCB/2002.


3. Do conteúdo do artigo 2.028

Expressamente consignou o legislador civil no artigo 2.028 do CCB/2002:

Art. 2028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. (grifos nossos)

Como visto, o legislador civil procurou solucionar previamente eventuais dúvidas oriundas da passagem das duas disposições legais (CCB/1916 – CCB/2002) através da estipulação de três condições específicas, quais sejam: os prazos seriam aqueles previstos na lei anterior (CC/1916) quando fossem (i) reduzidos pelo Código Civil de 2002 e se, (ii) na data de sua entrada em vigor, já houvesse transcorrido (iii) mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Passemos os olhos a seguir sobre a oscilação da jurisprudência quanto à aplicação do artigo 2.028 em casos concretos.


4. Da vacilação da jurisprudência quanto à aplicação do artigo 2.028

A aparente obviedade da redação do artigo 2.028, conduz o exegeta a interpretação (em nosso entendimento) deveras equivocada, pois ao se utilizar de método hermenêutico lógico-gramatical, poderá se concluir que, várias ações, as quais teriam seu nascedouro anos antes da entrada em vigor do CCB/2002, já estariam irremediavelmente prescritas.

Como já afirmado na introdução do presente estudo ao interpretar de forma meramente gramatical o dispositivo constatar-se-á que, fatos originados entre os anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, somente para citarmos alguns exemplos, estariam prescritos. Isto porque, tais fatos, não teriam ultrapassado mais da metade do prazo prescricional da lei revogada (20 anos CCB/1916) e, então, a regra de prescrição seria aquela prevista no artigo 206 da lei atual, que prevê termo final de 3 anos para a propositura do pedido. Daí a única conclusão seria a de que o fato originado em 1994, estaria prescrito em 1997, o originado em 1995, estaria prescrito em 1998, e, assim por diante.

Para que deixemos a discussão em ponto mais palpável, bem como fácil de visualização, convém dar exemplo simples e corriqueiro do cotidiano.

Imagine-se pedido de indenização, cujo fato originador tenha se dado no dia 18.05.1997, sendo que a petição inicial foi distribuída no dia 24.06.2003.

Se nos utilizarmos da interpretação literal da disposição contida no artigo 2.028 do CCB/2002, poderíamos afirmar, extreme de dúvida, que, a pretensão do autor daquela demanda, teria sido atingida e fulminada pela prescrição.

Sim, porque os elementos previstos na regra de direito transitório estariam satisfatoriamente preenchidos.

Se não, vejamos:

(i) A lesão teria se dado em 18.05.1997, portanto antes da entrada em vigor do CCB/2002.

(ii) O pedido foi distribuído em 24.06.2003, portanto, logo após a entrada em vigor do novo Código. [27]

(iii) O pedido de reparação se funda em fato originário de acidente de trânsito (responsabilidade civil), questão perfeitamente incluída no rol do artigo 187, do CCB/2002.

iv) O prazo prescricional para tais casos (responsabilidade civil), foi reduzido de 20 para 3 anos.

(v) Por fim, atente-se à circunstância que, entre a data do fato (18.05.1997), e a propositura do pedido (24.06.2003), decorreram-se menos de 10 anos [28] (metade do tempo previsto no CCB/1916).

Por tudo isso, poderíamos afirmar, pela interpretação do artigo 2.028 do CCB/2002, que a pretensão estaria fulminada pela prescrição.

Mas como pode isso? O raciocínio é possível. E se é possível, é justo?

Que se trata de raciocínio possível, pela dicção do disposto na regra repisada, se trata. Entretanto, apesar de ser possível, acreditamos que não seja a melhor interpretação a ser dada a regra em comento.

Amparamos nossa afirmativa no pensamento do preeminente magistrado do Superior Tribunal de Justiça – Ministro Humberto Gomes de Barros – que, ensinando os mais inexperientes adverte: "a melhor exegese, ensinam todos os estudiosos do Direito, não é a que se apega à restrita letra fria da lei, mas a que seja fiel ao espírito da norma a ser aplicada, dando-lhe um sentido construtivo que venha a atender aos verdadeiros interesses e reclames sociais, bem como corresponda às necessidades da realidade presente." [29] (grifo nosso)

Outrossim, até para que não se pense que o exemplo proposto é mero devaneio, fruto de alguma noite mal dormida deste autor pois, será impossível de encontrar albergue nos tribunais (até porque geraria extrema injustiça), permita-nos noticiar o que decidiu determinado Tribunal da República.

O caso a seguir relatado foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e tratava de pedido de indenização por danos, materiais e morais, oriundos de acidente de trânsito, pelo qual a vítima havia falecido em decorrência de suposto ato ilícito de preposto de empresa de ônibus [30].

O pedido havia sido distribuído no mês de junho de 2003, portanto há mais de 5 meses de vigência do CCB/2002.

O juízo de 1° Grau, ao analisar o processo, acolheu a alegação da empresa ré, de que a pretensão de reparação civil havia sido atingida pela prescrição, com base no que dispõe a regra do artigo 2.028 do CCB/2002, declarando, naquela ocasião, a extinção do feito.

Irresignados, os autores interpuseram recurso de apelação ao tribunal mencionado, tencionando reverter a declaração de prescrição da ação.

Entretanto, a 3ª Turma Cível, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sob os fundamentos abaixo transcritos, deixou de acolher os argumentos dos autores e, consequentemente, não reformou a decisão, mantendo a sentença de 1° Grau. Eis os termos do decisum:

"Analisando a prejudicial de mérito suscitada pela apelada, verifico que o fato gerador do direito pleiteado na presente ação de reparação de danos ocorreu em 18/05/1997 e foi proposta somente em 24/06/2003, quando já em vigor, portanto, o novo Código Civil Brasileiro.

À luz do novo Diploma, vigente desde janeiro de 2003, os prazos prescricionais foram consideravelmente reduzidos, limitando o artigo 205, caput, em dez anos o prazo prescricional, quando outro menor não tenha sido expressamente fixado. Nos dispositivos seguintes, o novo diploma legal disciplina inúmeras hipóteses de prazos prescricionais, prevendo, no artigo 206, §3°, inciso V, que prescreve em três anos o prazo para a pretensão de reparação civil.

Atendo ainda ao disposto no artigo 2.028 do novo Código Civil Brasileiro, ateve-se o MM. Julgador à sua correta aplicação, considerado não ultrapassado o prazo ali estipulado que remete à aplicação das regras prescricionais do diploma anterior, culminando por acolher a preliminar de prescrição argüida.

O referido dispositivo regula as situações de transição no que tange à correta aplicação dos prazos prescricionais, estabelecendo, para tanto, que:

‘Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.’ (grifo no original)

Determina o novo Código que, se já transcorrido mais da metade do prazo previsto na lei anterior, não se aplicará o prazo da nova lei; assim o prazo prescricional continuaria sendo o prazo ordinário de vinte anos.

In casu, entretanto, entre a data do fato (18/05/1997) e a propositura da presente ação (24/06/2003), quando já em vigor o CCB, passaram-se apenas seis anos e dois meses, lapso inferior ao que determina a norma ora transcrita, consumando-se assim a prescrição, com a inteira aplicação das regras prescricionais estabelecidas na nova lei."

Como se infere do raciocínio utilizado pela douta Câmara, entendeu esta que, uma vez não havia sido superada a metade do prazo prescricional da antiga Lei (o que naquele caso representaria 10 anos e 1 dia) e, tendo em vista que houve a redução do prazo prescricional pela nova legislação, automaticamente poderia se concluir que estaria prescrita à pretensão à reparação civil dos autores. Tal raciocínio amparou-se, básica e fundamentalmente, na interpretação literal do artigo 2.028.

Esta exegese, pela interpretação lógico-gramatical, não estaria de todo errada, uma vez que a leitura do artigo conduz o operador jurídico a esta conclusão.

Entretanto, não podemos deixar de assinalar, que não somos mero leitores de dispositivos legais [31], mas sim, exegetas e devemos antes de aplicar a lei, saber bem aplicá-la e visualizar seus efeitos no mundo dos fatos.

Nunca se esqueça que a regra normativa visa disciplinar situações jurídicas, mas sempre tendo em vistas o bem maior que é a justiça.

Outrossim, como visto, existem decisões judiciais que declararam à prescrição do direito de propositura da ação, mesmo para os casos em que o termo ad quem do prazo tenha se expirado antes da entrada em vigor do CCB/2002.

Mas para que o leitor não imagine que a decisão anteriormente apresentada é isolada, apresente-se o que decidiu outro Tribunal da República.

Ao ser instado a julgar caso de hipótese análoga, o Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, dessa forma decidiu:

"PRESCRIÇÃO - REPARAÇÃO CIVIL - PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO CAMBIAL - PRAZO PRESCRICIONAL REDUZIDO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL - ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - PRAZO DA LEI ANTECEDENTE (20 ANOS - ART. 177) NÃO TRANSCORRIDO MAIS DO QUE A METADE (10 ANOS) - APLICABILIDADE DA NOVA LEI - INTELIGÊNCIA DO ART. 2.028 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - PRESCRIÇÃO CARACTERIZADA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO PROVIDO.

Nos termos do art. 2.028 do novo Código Civil, se o prazo prescricional ou decadencial foi reduzido pela nova lei e ainda não transcorrido mais da metade do prazo da lei anterior, quando da entrada em vigor da nova lei (11-1-2003), aplica-se o prazo do novo Código Civil. No caso 3 (três) anos para a pretensão de reparação civil. Prescrição consumada. Improcedência do pedido inicial." [32]

Como se vê, em uma pesquisa jurisprudencial superficial, não foi somente um dos tribunais que compõe o sistema judiciário brasileiro, que declarou a extinção do processo pelo atingimento da prescrição. Foram dois, o que denota concluir não são decisões isoladas.

Entretanto, para justificarmos a chamada de abertura do presente capítulo, quando nos referimos à vacilação da jurisprudência dos tribunais com relação ao assunto, detenhamo-nos com atenção sobre outro julgado, da mesma Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, para pretensão semelhante à das duas últimas:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - INCLUSÃO INDEVIDA NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - ILEGITIMIDADE PASSIVA - AFASTAMENTO - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - PRESENTES OS REQUISITOS ENSEJADORES DO DEVER DE INDENIZAR - DECISÃO ACERTADA - RECURSO IMPROVIDO.

1. É legítima a figurar no pólo passivo da demanda a instituição financeira que permite que seus procedimentos eletrônicos indiquem o cliente, indevidamente, ao cadastro de inadimplentes.

2. A contagem do prazo prescricional das ações de responsabilidade civil reduzido pelo novo Código Civil, tem como termo inicial a data de início de sua vigência.

3. Presentes os requisitos ensejadores do dever de indenizar, correta a decisão que condena a instituição financeira em danos morais." [33]

Como se infere do conteúdo das decisões apresentadas, os juízes têm vacilado ao decidir a questão da prescrição, pois ora entendem que esta deve ser reconhecida e o processo extinto, em virtude da interpretação dos dispositivos já mencionados do CCB/2002 e, em outras oportunidades, julgando casos semelhantes, pelo qual se discute a mesma causa debendi (responsabilidade civil), declaram que a prescrição não atingiu a relação jurídica, sob a égide do CCB/1916.

Por tudo isto é que devemos tentar apresentar qual das interpretações apresentadas é a mais adequada para a disposição ora em comento.


5. Da interpretação, mais apropriada, ao artigo 2.028, do Código Civil Brasileiro de 2002, com relação aos casos de responsabilidade civil

Chegando ao ponto final do presente estudo, após apresentar os conceitos dos institutos que influenciam diretamente as situações de pretensão por reparação civil e, constatando à vacilação encontrada na jurisprudência quanto ao tema, nos arriscaremos a propor a interpretação mais apropriada a ser dada ao artigo 2.028 do Código Civil Brasileiro de 2002.

Inicialmente devemos tecer críticas aos entendimentos estampados em algumas decisões judiciais de primeira instância e, igualmente, encontradas em colegiados dos tribunais, que, ao interpretar a disposição do artigo 2.028, do CCB/2002, somente o fazem com vistas a interpretação gramatical do texto, não se preocupando, porém, com os nefastos reflexos que esta decisão trará ao jurisdicionado.

Não podemos ter como adequada exegese, àquela apresentada nas decisões dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná [34], as quais vão justamente neste sentido, pois se apegam estritamente à interpretação gramatical das palavras contidas no artigo 2.028.

Ainda mais "se com a aplicação rígida da lei, em sua interpretação gramatical ou lógica [se] chegar ao resultado evidentemente absurdo. A lei tem por si a presunção do bom senso. Mas ainda assim, não substituirá o intérprete a sua opinião à que conste do texto. Procurará apenas a concordância entre as palavras e o fim da lei, dando prevalência a êste." [35](grifo nosso)

Igualmente, não acreditamos que a melhor exegese para o dispositivo em comento, seja aquela de retroação da nova disposição para alcançar fatos constituídos anteriormente à sua entrada em vigor, atingindo assim, atos jurídicos perfeitos ou direitos adquiridos.

Por fim, não podemos ter como boa exegese também, aquela que se apega a letra fria e crua da lei, pois bem sabemos que o legislador não é "dono da verdade", tampouco ser infalível.

Vale dizer: o legislador comete deslizes e, quando estes deslizes são encontrados no corpo da lei, cabe ao operador jurídico em geral, levando em conta os princípios básicos de direito e, principalmente, os ensinamentos da escola de hermenêutica, dar a melhor interpretação para a legislação debatida.

O jurista de escol e "pai" do Código Civil Brasileiro de 1916 - Clóvis Beviláqua - dá a sua opinião (a qual nos filiamos), acerca da mais correta interpretação a ser dada às regras de direito transitório, especificadamente com relação aos casos de prescrição:

"Em relação às prescrições iniciadas antes de entrar em vigor o Código Civil, observem-se as regras seguintes:

1.ª Se a lei nova estabelece prazo mais longo, do que a antiga, prevalece o prazo mais longo, contado do momento em que a prescrição começou a correr.

2.ª Se o prazo da lei nova é mais curto, cumpre distingüir: a) Se o tempo, que falta para consumar-se a prescrição, é menor do que o prazo estabelecido pela lei nova, a prescrição se consuma de acôrdo com o prazo da lei anterior; b) Se o tempo, que falta para se consumar a prescrição pela lei anterior, excede ao fixado pela lei nova, prevalece o desta última, contado do dia em que ela entrou em vigor." [36] (grifos nossos e no original)

Vale a pena dissecar este pensamento para daí extrair conclusões importante.

Na 1ª hipótese, pelo pensamento de Beviláqua, se a nova lei estabelece prazo mais longo do que o da antiga, prevalece o mais longo, a partir do momento em que a pretensão ressarcitória, iniciou seu curso.

Em exemplo: suponhamos que o CCB/2002 aumentasse o prazo de prescrição para as hipóteses de responsabilização civil de 20, para 30 anos, prevaleceria este último prazo (30 anos), entretanto, contados a partir do momento em que a pretensão originou-se.

Até aqui nenhum problema.

Passemos nesta mesma ordem de idéias então à 2ª hipótese.

Se o prazo previsto pela lei nova, é mais curto abrem-se duas possibilidades: i) se o tempo que falta para se consumar a prescrição é menor do que o previsto pela lei nova, aplica-se a disposição da lei anterior.

Exemplo: imagine-se situação de pretensão ressarcitória originada no CCB/1916, em que já transcorrera 19 anos. Vem o CCB/2002 e estipula que os prazos para reparação civil é de 3 anos. Outrossim, como se contará a prescrição?

Pelo lúcido raciocínio de Clóvis a resposta é simplória: aplicar-se-á a disposição do CCB/1916, a qual previa prazo de 20 anos para o ajuizamento do pedido e, daí, se concluiria que o ofendido teria mais 1 ano para ajuizar a ação.

Como se vê, a situação não seria alcançada pela nova lei. Até porque, este seria indevidamente beneficiado com a dilação de seu prazo, o qual transmudar-se-ia de 20, para 22 anos (19 anos do CCB/1916, mais 3 anos do CCB/2002).

Para arrematar a explicação do raciocínio do eminente jurista, analisemos com cuidado a parte final de seu raciocínio.

ii) Se o tempo, que falta para se consumar a prescrição pela lei anterior, excede ao tempo fixado pela lei nova, prevalece o desta última, contado do dia em que ela entrou em vigor.

Aqui, o pensamento de Clóvis, é de capital importância para bem interpretar a disposição contida no artigo 2.028.

O que nos legou o jurisconsulto ao firmar este entendimento?

Ao comentar o Código Civil Brasileiro de 1916 (em lição que se encontra atualíssima para o início deste Século XXI), Clóvis ensinou que, se houve redução do prazo prescricional pela lei nova, e, este prazo, excede ao tempo fixado pela lei nova, prevalecerá o desta última, entretanto, contado a partir do momento em que esta entrou em vigor.

Resumidamente, para o que aqui nos interessa: somente poderá ser aplicada a regra do CCB/2002, a partir da data em que este entrou em vigor (11.01.2003), sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade.

Para não fugir a regra dos dois exemplos anteriores, de igual maneira, apresentemos situação hipotética, que esclarecerá melhor o ensinamento.

Imaginemos àquelas situações de reparação civil originadas em janeiro de 1994.

Pelo raciocínio do preclaro jurisconsulto, esta ação somente poderá prescrever em 11.01.2006.

Explica-se.

O fato ensejador da pretensão de reparação civil originou-se em janeiro de 1994. De janeiro de 1994, até a entrada em vigor do CCB/2002, decorreram-se 9 anos. Não é difícil concluir que, o prazo de 9 anos, é superior ao que prevê o CCB/2002 (3 anos). Por outro lado, este prazo, é muito menor do que aquele previsto na disposição revogada (20 anos – CCB/1916). Outrossim, para que injustiças não sejam cometidas, tendo em vista que houve, efetiva e significativa, redução do prazo, bem como o tempo restante ultrapassou a marca da nova lei, esta deve ser aplicada, entretanto somente a partir da sua entrada em vigor.

Para finalizar o raciocínio, como o CCB/2002 entrou em vigor em 11.01.2003, e o prazo desta lei para a hipótese é de 3 anos, e o mesmo só pode ser aplicado a partir de sua vigência, só resta concluir que a pretensão por reparação civil alcançaria seu termo em 11.01.2006, como afirmado em parágrafo anterior.

A opinião de que o prazo prescricional, nestes casos, somente poderá ser contada a partir da entrada em vigor da nova lei, não é encontrada somente no pensamento de Clóvis, mas, de igual forma, no escólio de Washington de Barros Monteiro, que cita inclusive, como fundamento de seu pensamento, a lição de Reynaldo Porchat: "se, para terminar o prazo antigo, falta tempo igual ou maior que o estabelecido pela lei nova, aplica-se esta, contando-se da data da sua vigência o novo prazo." [37] (grifo nosso)

Esta parece ser a melhor interpretação do dispositivo ora em comento.

Felizmente é aquela que está sendo seguida por diversos tribunais brasileiros. Passemos os olhos sobre algumas decisões.

O Tribunal de Alçada de Minas Gerais dá a sua contribuição:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL - PRESCRIÇÃO. - As ações pessoais prescrevem ordinariamente em vinte anos (Código Civil de 1916, art. 177). - Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil (Código Civil de 2002, art. 206, § 3º, V). - Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada (Código Civil de 2002, art. 2.028). - A última disposição assinalada, de caráter intertemporal, busca conciliar o novo diploma legal com relações relativas a prazos já definidos pelo Código Civil de 1916. - "A partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricional das ações de reparação de danos que não houver atingido a metade do tempo previsto no Código Civil de 1916 fluirá por inteiro, nos termos da nova lei (art. 206)" - STJ, Enunciado 50, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida em setembro de 2002, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. - Na hipótese vertente, onde o prazo prescricional passaria a contar de 7.12.1998, sob a égide do Código Civil anterior, é certo que houve a redução marcada no novel diploma, contando-se, contudo, a partir de sua entrada em vigor, que é quando passou a ter força. - Pensar-se diferentemente faria com que, na espécie, com a só publicação da Lei n. 10.416/02, ficasse, de pronto, prescrito o direito de ação do agravado." (38)

No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"AÇÃO INDENIZATÓRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA PARAA AÇÃO. PRESCRIÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL. Atribuindo o autor da ação a autoria do fato ao réu, ser isso, ou não, real é questão de mérito, a ser decidida na sentença final, e não de legitimidade de parte, inexistindo carência acionária. A suspensão do lapso prescricional prevista no art. 200 do novo Código Civil somente alcança as ações penais que sejam prejudiciais às civis, não àquelas que possam ser exercidas independentemente de seu resultado. Se o novo Código Civil reduziu a prazo prescricional, ainda não tendo decorrido metade do previsto na legislação revogada, é por aquele que se rege a prescrição (art. 2.028). Esse prazo menor, contudo, somente começa a fluir da data em que entrou em vigor a nova legislação, conforme de há muito já pacificado na doutrina e na jurisprudência. Fato ocorrido em 04/07/1998 e que, pelo antigo Código Civil, prescreveria em 04/07/2018, passando a prescrever pelo novo somente em 11/0 1/2006, três anos após sua entrada em vigor (art. 206, §3º, V). Prescrição não consumada, portanto. Desprovimento do recurso." (39)

Não destoando deste entendimento, a torrencial jurisprudência [40] do 2° Tribunal de Alçada Cível de São Paulo:

"RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO - DIREITO COMUM - PRESCRIÇÃO - PRAZO - VINTE ANOS - REDUÇÃO PARA TRÊS ANOS (ARTIGO 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002) - DECURSO DE MAIS DA METADE DO TEMPO ESTABELECIDO NA LEI REVOGADA - INOCORRÊNCIA - REGÊNCIA PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - TERMO INICIAL - FLUÊNCIA A PARTIR DA DATA DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO – RECONHECIMENTO.

‘Certa a redução do prazo, de vinte para três anos (novo Código Civil, artigo 206, § 3º, V, e artigo 2028), e decorrido menos da metade dos vinte anos estabelecidos no Código Civil de 1916, a prescrição da pretensão à reparação civil, em que se compreende a resultante de acidente ou doença do trabalho fundada no direito comum, rege-se pelo Código Civil de 2002, mas o termo inicial do lapso, que não retroage, coincide com a vigência do novo Código (artigo 2044)’." (41)

E, o próprio Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, diferentemente da decisão apresentada no capítulo anterior, segue esta mesma trilha de entendimento:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESPACHO SANEADOR QUE AFASTOU AS PRELIMINARES DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.

1) AGRAVANTE QUE PRETENDE A APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 206, § 3º, IV DO NOVO CÓDIGO CIVIL ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO. IMPOSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO QUE DEVE FLUIR A PARTIR DA DATA DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO.
Correm somente a partir da entrada em vigor do novo Código Civil (2002), os prazos prescricionais nele previstos, quando aplicáveis (p. exemplo: quando não houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido no Código Civil antigo - art. 2028 do novo código). Essa regra protege o titular do direito prescritível, que não pode ser apanhado de surpresa com a fluência do menor prazo, de forma retroativa.

2) PRELIMINAR DE DECADÊNCIA SOB A ALEGAÇÃO DE TRATAR-SE DE VÍCIO DO SERVIÇO, E PRETENSA APLICAÇÃO DO ARTIGO 26, II DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, CUJO PRAZO É DE 90 DIAS. CIRCUNSTÂNCIAS QUE ESCLARECEM TRATAR-SE EFETIVAMENTE DE VÍCIO DO SERVIÇO E QUE DEPENDEM DA PROVA JÁ DEFERIDA NO DESPACHO SANEADOR. DECISÃO QUE DEVE SER TOMADA A FINAL, SOMENTE DEPOIS DE CONCLUÍDA A INSTRUÇÃO, EM PREJUDICIAL DE MÉRITO. DECISÃO MONOCRÁTICA CORRETA.

A questão que necessita de instrução probatória, ainda que argüida em preliminar de mérito na contestação, deve ser apreciada somente após a colheita da prova.

3)PRELIMINAR DE INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR EMPREGO DO RITO ORDINÁRIO QUANDO DEVERIA SER O RITO SUMÁRIO. PRELIMINAR TRAZIDA APÓS A CONTESTAÇÃO. ACEITAÇÃO TÁCITA DO RITO APLICADO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE INEXISTENTE.

Não constitui causa de nulidade do processo preferir o autor o procedimento ordinário ao sumário, especialmente se o réu não impugnou o rito quando da contestação (aceitação tácita) e principalmente, quando não causa nenhum prejuízo às partes. AGRAVO IMPROVIDO." (42)

Interpretação diferente desta, levaria ao absurdo de imaginarmos que, o pobre jurisdicionado, deveria ser proprietário de "bola de cristal" para "adivinhar" o futuro.

Isto porque, nos valendo do exemplo extraído da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, aquela família, deveria saber de antemão, que o novo Código Civil Brasileiro, que, diga-se de passagem, se "arrastou" por mais de 29 anos no Congresso Nacional, entraria em vigor em janeiro de 2003. E mais. A "bola de cristal" deveria ser tão boa a ponto de indicar que no bojo daquela disposição havia disciplina que atingiria os fatos originados no ano de 1997.

Com o máximo respeito aos que pensam o contrário, esta interpretação nos parece ilógica e absurda.

Ressalte-se ainda que "os direitos realizados ou apenas dependentes de um prazo para que se possam exercer, não podem ser prejudicados por uma lei, que lhes altere as condições de existência" [43] pois "exige a vida social que a fé na segurança e estabilidade das relações não seja ameaçada pelo receio de que uma lei posterior venha perturbar aquelas que validamente já se formaram". [44]

Ou seja: ofende o princípio da segurança jurídica, a disposição normativa que atinge fatos originados no passado, e que, pela disposição revogada, ainda podiam ser reclamados.

Vale a ressalva, por oportuno, que se, a nova disposição atinge atos realizados sob o império da lei revogada, prejudicando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, há inequívoca ofensa ao que dispõe o artigo 6°, da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe:

Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

§ 3º. Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Redação dada ao artigo pela Lei n.º 3.238, de 01.08.1957)

Além de gritante ofensa ao artigo 5°, inciso XXXVI, da Constituição Brasileira de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Julgamento peculiar (e que confirma esta tese), foi lançado pela 1ª Câmara Cível, do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL - PRETENSÃO DEDUZIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO ANTERIOR - EXTINÇÃO DO PROCESSO - PRESCRIÇÃO RECONHECIDA - ART. 206, § 3º, INC. V, CÓDIGO CIVIL VIGENTE - PRAZO REDUZIDO - DIREITO INTERTEMPORAL - INTERPRETAÇÃO DO ART. 2.028 DO NOVO CÓDIGO CIVIL - EQUÍVOCO JUDICIAL - PROVIMENTO DO RECURSO.

I - A lei nova somente se aplica, sem qualquer distinção, aos feitos iniciados após a sua vigência, o que não é o caso dos autos e, ademais, não pode atingir situação constituída sob o império da lei antiga, sob pena de flagrante infringência ao art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º, do Decreto-lei n.º 4.657/1942.

II - Sob outro ângulo, deveria o doutor juiz, também, respeitar a interrupção da prescrição pela propositura da ação, o que restou obliterado." [45]

Destarte, acreditamos estar com inteira razão Reynaldo Porchat, quando emitiu sua opinião logo no lançamento do Código Civil de 1916, em artigo publicado pela editora de vanguarda - Revista dos Tribunais – RT 21, março de 1917, p. 163-168 – citando Lassale, asseverando, naquela oportunidade, que: "aquelle que agiu livremente, conhecendo a lei vigente e de conformidade com ella adquiriu um direito, sujeitando-se a todas as consequencias do seu acto nos termos dessa mesma lei; por confiar na ordem juridica existente, não póde, sem violencia, ser por disposição de uma lei nova, privado desse direito adquirido. O effeito retroactivo da lei neste caso, seria uma affronta á personalidade do individuo, desrespeitando a vontade por elle manifestada, de accôrdo com a lei que conhecia." [46]


6. Conclusões

Na atualíssima lição de Carlos Maximiliano: "O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita." [47]

As precisas palavras de um dos maiores, se não o maior, mestres em tema de hermenêutica jurídica, nos conduz à conclusão de que, não basta ao exegeta a aplicação do dispositivo através de sua interpretação gramatical, pois, tal interpretação, conduzirá este a resultados absurdos, ilógicos, ilegais e inconstitucionais, sem mencionar ainda, que, guiarão à verdadeira injustiça.

Isto porque, para irmos além dos exemplos apresentados no decorrer do presente trabalho, fatos ocorridos anteriormente a 11 de janeiro de 1993 e, cujo pedido de reparação fossem distribuídos após 11 de janeiro de 2003 [48], portanto, ultrapassados 10 anos, estariam plenamente aptos a surtir efeito [49].

Por outro lado, o mesmo fato, se ocorrido entre os dias 11 de janeiro de 1993 [50] e 11 de janeiro de 2000 [51] (prazos inferiores aos 10 anos do exemplo anterior, e que, preencheriam o suporte fático do artigo 2.028) estariam irremediavelmente prescritos.

Mais ainda: se aquela pessoa, que tivesse seu direito ofendido durante este último período assinalado (11 de janeiro de 1993 e 11 de janeiro de 2000), e, objetivando pleitear a reparação, batesse às portas do Judiciário no mês de janeiro de 2003 [52], poderia ver ser direito satisfeito, pois, ali, naquela data, ainda não estava em vigor o novo Código Civil.

Vê-se porque reprimimos, com tamanha veemência, a interpretação literal do dispositivo, pois na mesma esteira de pensamento, àqueles cidadãos que se inserissem no período de 10 de janeiro de 1993 e 11 de janeiro de 2000, e que, não houvessem distribuído o pedido antes da entrada em vigor do novo Código, cairiam em um "vaco legislativo", pois sua pretensão seria atingida em cheio pela nova disposição legal.

Então, por tudo isto, não basta a interpretação literal da regra representada pelo artigo 2.028 do CCB/2002, deve haver sim, uma interpretação integrativa, inteligente e, principalmente, que não conduza o aplicador da regra, a suprimir direitos assegurados ao cidadão pela ordem legal e constitucional.

Destarte, nesta seara de raciocínio e voltando às regras da boa hermenêutica, quando a norma legal apresenta defeitos que possam atingir direitos assegurados pela Constituição da República, tal como o dispositivo do artigo 2.028 do CCB/2002, cabe ao intérprete analisá-lo de forma integrada e não isolada.

Vale ainda a ressalva que, a redação do artigo 2.028 não é de toda ruim. A intenção do legislador acreditamos tenha sido até das melhores, pois visou solucionar previamente eventuais dúvidas, sobre qual deveria ser a norma aplicável àqueles casos em que os possíveis efeitos da relação jurídica se protraíssem no tempo.

Entretanto, o inferno astral do legislador se deve quanto à redação do dispositivo em comento, para aquelas hipóteses exaustivamente apresentadas e decorreu, provavelmente, das várias alterações legislativas que se sucederam até a aprovação final do projeto.

Isto porque o artigo 2.028 manteve-se original desde o envio e submissão do texto original às duas casas legislativas [53].

Por sua vez o artigo 206 não teve a mesma sorte e, na regressão histórica de Maria Helena Diniz, "o dispositivo sofreu várias modificações tanto na Câmara como no Senado" [54] o que pode nos levar a concluir que, com as subseqüentes alterações de redação do dispositivo e a redução do prazo prescricional com relação aos pedidos de reparação civil, diminuindo-o para 3 anos e não havendo a atenção para a redação do artigo 2.028, o qual disciplina as regras de direito transitório, a confusão estava feita.

Daí que, se mostra extremamente importante, a interpretação do dispositivo pelos operadores jurídicos em geral, nos moldes das sugestões apresentadas no capítulo anterior, até para que verdadeiras "aberrações jurídicas" não pululem a jurisprudência brasileira.

Destarte, fazendo nossas as sábias palavras do juiz do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, é ululante a idéia de que "o espírito do legislador não foi o de prejudicar o jurisdicionado que, dentro de seu prazo prescricional vintenário não havia exercitado, ainda, seu direito de ação quando entrou em vigor a nova regra." [55]

Outrossim, não seria crível, tampouco admissível, que o legislador de 2002, tão preocupado em inserir no estatuto civil, através das denominadas cláusulas gerais, princípios básicos e, estritamente necessários, tais como: correção, cooperação, ética, lealdade, etc., ou seja, todos indicadores de uma premissa maior, que é a boa-fé nas relações jurídicas em geral, tencionasse a "passar a perna" no cidadão, com a regra do artigo 2.028, objetivando retirar-lhe direitos.


Referências Bibliográficas

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BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria geral do Direito Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1929.

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Notas

1 Expressão cunhada pelo próprio presidente da Comissão, Professor Miguel Reale. In O Projeto do Novo Código Civil – situação após a aprovação pelo Senado Federal. 2 ed., reformulada e atualizada, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 03.

2 Interessante obra a ser consultada sobre este tema é a seguinte: O novo Direito Processual Civil e os feitos pendentes.; escrita em 1974, pelo eminente jurista Galeno Lacerda logo após o advento do "novo" Código de Processo Civil de 1973.

Nesta obra o autor dá seu depoimento:

"O novo Código de Processo Civil brasileiro mostra-se muito conciso em matéria de direito transitório. Limita-se a reproduzir, no art. 1.211, o velho preceito, cuja origem remonta à Ordenança francesa de 1363, de que a lei nova se aplica desde logo aos processos pendentes.

O silêncio do legislador nesta difícil matéria certamente haverá de provocar graves dificuldades na prática, para juízes e advogados, tão grandes e profundas se apresentam as modificações que a nova lei impõe ao procedimento. Competências novas, acréscimos de atos, supressão de outros, modificações de rito, alterações na prova, eliminação de recursos e de graus de jurisdição, alongamento e diminuição de prazos, constituem inovações cuja incidência aos processos em curso suscita problemas de difícil solução, agravados pelo nenhum socorro, pela nenhuma orientação do novo Código ao desventurado intérprete.

Nesta angustiosa conjuntura, outro caminho não se abre ao aplicador da lei nova senão o apelo aos princípios gerais de direito transitório, sem dúvida aplicáveis também ao direito processual." (LACERDA, Galeno. O novo Direito Processual Civil e os feitos pendentes. Rio de Janeiro: Forense, 1974, páginas 11-12.)

3 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria geral do Direito Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1929, página 20.

4 GUIMARÃES, Mário. O Juiz e a Função Jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 1958, página 332.

5 DINIZ, Maria Helena. Comentários ao Código Civil – parte especial – livro complementar – das disposições finais e transitórias (arts. 2.028 a 2.046). Maria Helena Diniz; coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003, página 02.

6 DINIZ, Maria Helena. Idem, ibidem.

7 Críticas no sentido de que o novo Código Civil Brasileiro já nasceu "velho" pois não contemplou diversos assuntos tais como a união entre pessoas do mesmo sexo; a bioética; as operações eletrônicas, dentre outras. Expressão relatada e exposta pelo próprio presidente da Comissão professor Miguel REALE, na abertura do Congresso Nacional de Direito Civil, promovido em sua homenagem, realizado na Cidade de Curitiba, Paraná, entre os dias 20 e 23 de novembro de 2002. Igualmente, nesse sentido, Renan LOTUFO: "Vê-se que a atribuição conferida à nova comissão foi com orientação diversa, ou seja, não a de fixar princípios de ordem político-partidária, ou ideológicos, mas a de elaborar um novo projeto que seguisse as linhas estruturais do Código Civil brasileiro, portanto que não tivesse o intuito de simplesmente inovar, mas procurasse introduzir nele tudo o que julgasse merecer ser disciplinado em um Código Civil.

Essa orientação foi a que guiou a comissão presidida pelo professor Miguel Reale, e composta originalmente pelos professores José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Silvio Marcondes, Erbert Chamoun, Clóvis do Couto e Silva, [sic] e Torquato Castro.

Assim, pretendiam que no Código apenas fossem contemplados aqueles institutos que há tivessem estratificação necessária para figurar em uma codificação e, consequentemente, compor uma legislação com vocação para certa permanência.

Por isso mesmo mereceu críticas, porque várias inovações científicas e novos questionamentos sociais começam a tomar relevo recentemente e não estão regulados expressamente nas disposições do Código." (grifo nosso) LOTUFO, Renan. Código civil comentado, volume 1, parte geral (arts. 1° a 232). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 03-04.

8 Críticas que são diuturnamente refutadas pelos participantes das comissões que elaboraram o Código, tal como o relator na Câmara dos Deputados, Deputado Ricardo Fiúza para quem: "Reclamam alguns da ausência de temas novos, tais como a clonagem, negócios eletrônicos, dentre outros vários que ainda não estão pacificados na doutrina, muito menos na jurisprudência dos tribunais, quando é notório que nos Códigos devem figurar apenas matérias consolidadas, sedimentadas, estratificadas na consciência jurídica nacional. Indago, por exemplo, se já existe norma em algum país do mundo ou no Brasil que regule o tratamento a ser dado à clonagem humana. (...) Vê-se, portanto, caro leitor, que não poderia o novo Código pretender tudo disciplinar. Se tivéssemos, de alguma forma, tratado desses temas que acabei de abordar, certamente o novo Código, em curtíssimo espaço de tempo, já estaria superado, em decorrência da evolução natural da ciência.

Um Código Civil, na condição de lei geral, deve apresentar seus comandos de forma suficientemente aberta, de maneira a permitir a função criadora do intérprete. Tem de sair do positivismo exagerado que engessa o direito e atrasa as transformações, para alcançar o que chamo a fase pós-positivista do direito.

O excesso de positivismo, que vê no sistema legal inexauríveis soluções para todas as hipóteses da vida legal, onde a lei tudo prevê e tudo dispõe, é a maior fonte de instabilidade e precariedade das normas do direito legislado, propagando e contaminando de forma igualmente corrosiva a ordem jurídica do País de que todos temos sido testemunhas, nas últimas décadas." (Fiúza, Ricardo; [et alli]. Novo Código Civil Comentado, coordenação Ricardo Fiúza, 1 ed., 2ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2002, introdução da obra, págs. XIV, XV e XVI)

9 Como veremos adiante o CCB/2002 reduziu o prazo de 20 (vinte) anos (artigo 177 do CC/1916), o qual era extremamente dilatado, para o prazo reduzido de 3 (três) anos (artigo 206, §3°, inciso V).

10 O professor da Universidade Federal de Santa Catarina – Fernando Noronha – exprime seu pensamento sobre a severa redução dos prazos prescricionais no CCB/2002, observando inclusive que, para maior uniformização da legislação, sobredito prazo deveria seguir aquele proposto pelo Código de Defesa do Consumidor, qual seja, de 5 anos. Eis o pensamento de mencionado doutrinador:

"Aliás, se o prazo anterior era excessivo, este prazo de três anos parece ser demasiado reduzido; melhor seria, até no interesse de uma uniformidade de regras para situações similares, ter-se adotado o tempo de cinco anos, contado a partir da data ‘do conhecimento do dano e de sua autoria’, que no Código de Defesa do Consumidor foi fixado para responsabilidade por fato do produto ou do serviço (art. 27)." (grifos nossos) in Direito das obrigações, fundamentos do direitos das obrigações – introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, página 524.

11 AMORIM F°, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais volume n.° 300. Ano 49. Outubro de 1960. Páginas 07 a 37.

12 Encontra-se ainda esta posição na jurisprudência pátria:

PRESCRIÇÃO TOTAL – INCORPORAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – A prescrição começa a fluir da data em que ocorreu a lesão do direito, e o seu prazo é interrompido com o ajuizamento da ação, restando sepultado o período em que o interessado permaneceu inerte. A prescrição constitui penalidade para o negligente (dormientibus non sucurrit jus). (TRT 12ª R. – RO-V 07484-2002-036-12-00-2 – (09763/20035816/2003) – Florianópolis – 3ª T. – Relª Juíza Licélia Ribeiro – J. 29.09.2003) (grifo nosso)

No mesmo sentido o RO 4099/2001, do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, julgado pela 1ª Turma, tendo como relatora a Juíza Licélia Ribeiro. Julgamento ocorrido em 28.08.2001

EMBARGOS DECLARATÓRIOS – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PRETENSÃO DE REDUÇÃO – ESTADO DE MATO GROSSO QUE NÃO APRESENTOU RECURSO DE APELAÇÃO E PRETENDE O EXAME DA MATÉRIA QUE NÃO PREQUESTIONOU ATRAVÉS DO RECURSO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS – QUESTÃO PRECLUSA – EMBARGOS DECLARATÓRIOS IMPROVIDOS – Dormientibus Non Succúrrit Ius. (TJMT – RED 6.636 – Cuiabá – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Licínio Carpinelli Stefani – J. 03.09.2001)

13 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Undécima edição atualizada por Achilles Bevilaqua e Isaias Bevilaqua. Volume I. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1956, página 349.

14 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1957, página 375.

15 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. página 349.

16 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado – parte geral – tomo VI. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, página 101.

17 Inteligência da interpretação do contido no artigo 177 cumulado com o artigo 179 do CC/1916:

Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em vinte anos, as reais em dez, entre presentes e, entre ausentes em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 2.437, de 07.03.1955)

Art. 179. Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados, quanto ao prazo, pelo artigo 177.

18 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Página 370.

19 STF, Recurso Extraordinário n.° 21341. 1ª Turma. Relator Ministro Nelson Hungria. Julgamento em 21/05/1953. Publicação: ADJ DATA-22-08-55 PG-02880 ADJ DATA-22-08-53 PG-02421 DJ DATA-02-07-53 PG-07582 EMENT VOL-00132 PG-00357.

20 Art. 2° do Code Francês.

21 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume 1 – parte geral. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1994, páginas 28-29.

22 Destacando-se os seguintes autores, fora aqueles já mencionados: Washington de Barros Monteiro; Sílvio de Salvo Venosa, dentre outros.

23 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil – volume I – introdução e parte geral – direito das pessoas. Tradução da 6ª edição italiana, com notas remissivas aos Códigos civis Brasileiro e Português por Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1934, página 173.

24 RUGGIERO, Roberto de. op. cit. Página 177.

25 DINIZ, Maria Helena. op. cit. página 05.

26 Inconstitucionalidade confirmada pela doutrina: "não poderá, portanto, a lei posterior à ocorrência do fato, sob pena de inconstitucionalidade, retroagir, atingindo ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada." (DINIZ, Maria Helena. Idem, página 25)

27 Donde se conclui que, em tese, deverá ser esta nova lei a disciplinadora do caso, pois "a lei tem força a partir do instante em que entrar em vigência, daí a máxima de que deve ter aplicação imediata." (Maria Helena Diniz, op. cit., página 67)

28 Mais especificadamente 6 anos, 7 meses e alguns dias.

29 Trecho de seu voto no julgamento do Resp n.° 387.846/RS, da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em 16.05.2002.

30 Apelação Cível n.° 2003051004423-2, julgada pela 3ª Turma Cível, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, relator Desembargador Lécio Resende, julgamento realizado em 1°.04.2004. Acórdão ementado nos seguintes termos:

"REPARAÇÃO DE DANOS – PRESCRIÇÃO – PRAZO – CÓDIGO CIVIL – VIGÊNCIA – RECURSO DESPROVIDO – UNÂNIME. À luz do novo Código Civil, os prazos prescricionais foram reduzidos, limitando o artigo 205, caput, em dez anos o prazo prescricional, quando outro menor não tenha sido expressamente fixado, sendo o da reparação civil determinado em três anos, conforme preceitua o art. 206, §3°, item V, observada a regra de transição contida no artigo 2.028."

31 Até porque, se fosse esta a intenção, os operadores jurídicos em geral, poderiam ser substituídos por computadores, os quais se sabe, são programados para ler dados, e não, interpretá-los.

32 TAPR, agravo de instrumento n.° 262.682-2, 7ª Câmara Cível, relator Juiz Lauro Laertes de Oliveira, julgamento em 23.06.2004.

33 TAPR, apelação cível n.° 253.580-4, 7ª Câmara Cível, relator Juiz Prestes Mattar, julgamento em 07.04.2004.

34 Este último no julgamento do agravo de instrumento n.° 262.682-2.

35 GUIMARÃES, Mário. op. cit. página 332.

36 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. página 369.

37 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – 1° volume - parte geral. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1976, página 33.

38 TAMG, agravo de instrumento n.° 413.799-5, 6ª Câmara Cível, relatora Beatriz Pinheiro Caires, julgamento em 07.08.2003.

39 TJRJ, agravo de instrumento n.° 2003.002.22722, 15ª Câmara Cível, relator Desembargador Sérgio Lúcio Cruz, julgamento em 03.03.2004.

40 Para comprovar o uso do termo "torrencial jurisprudência", outras decisões do 2° Tribunal de Alçada Cível do Estado do São Paulo: agravo de instrumento n.° 850.815-00/9, 8ª Câm. - Rel. Juiz Orlando Pistoresi - julgamento em 9.6.2004; agravo de instrumento n.° 848.304-00/7, 7ª Câm. - Rel. Juiz Miguel Cucinelli - julgamento em 11.5.2004; agravo de instrumento n.° 847.171-00/0, 5ª Câm. - Rel. Juiz Pereira Calças - julgamento em 28.4.2004; agravo de instrumento n.° 838.530-00/0, 7ª Câm. - Rel. Juiz Miguel Cucinelli - julgamento em 13.4.2004; agravo de instrumento n.° 836.947-00/9, 5ª Câm. - Rel. Juiz Dyrceu Cintra - julgamento em 10.3.2004; agravo de instrumento n.° 829.544-00/8, 4ª Câm. - Rel. Juiz Francisco Casconi - julgamento em 10.2.2004; agravo de instrumento n.° 819.302-00/4, 2ª Câm. - Rel. Juiz Gilberto Dos Santos - julgamento em 20.10.2003; agravo de instrumento n.° 828.231-00/0,10ª Câm. - Rel. Juiz Soares Levada - julgamento em 16.12.2003; agravo de instrumento n.° 826.101-00/8, 11ª Câm. - Rel. Juiz Egidio Giacoia - julgamento em 15.12.2003; agravo de instrumento n.° 847.171-00/0, 5ª Câm. - Rel. Juiz Pereira Calças - julgamento em 28.4.2004; agravo de instrumento n.° 804.703-00/0, 4ª Câm. - Rel. Juiz Celso Pimentel - julgamento em 14.8.2003; agravo de instrumento n.° 819.302-00/4, 2ª Câm. - Rel. Juiz Gilberto Dos Santos - julgamento em 20.10.2003; agravo de instrumento n.° 815.962-00/9, 9ª Câm. - Rel. Juiz Eros Piceli - julgamento em 26.11.2003; agravo de instrumento n.° 826.101-00/8, 11ª Câm. - Rel. Juiz Egidio Giacoia - julgamento em 15.12.2003; agravo de instrumento n.° 828.231-00/0, 10ª Câm. - Rel. Juiz Soares Levada - julgamento em 16.12.2003.

41 2° TACVSP, agravo de instrumento n.° 833.687-00/1, 12ª Câmara Cível, relator juiz Romeu Ricupero, julgamento em 04.03.2004.

42 TAPR, agravo de instrumento n.° 247.850-4, 1ª Câmara Cível, relator juiz Marcos de Luca Fanchin, julgamento em 09.03.2004.

43 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria geral do Direito Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1929, página 23.

44 RUGGIERO, Roberto de. op. cit. página 170.

45 TAPR, Apelação Cível n.° 243.815-9, 1ª Câmara Cível, relator juiz Paulo Roberto Hapner, julgamento em 19.11.2003, n.° do acórdão 18180, publicado no DJ n.° 6508.

46 Artigo republicado pela RT na edição n.° 810, de abril de 2003, páginas 755-760.

47 in Hermenêutica e aplicação do Direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, página 10.

48 Entrada em vigor do CCB/2002 – artigo 2.044.

49 Interpretação do próprio artigo 2.028, pois naquelas datas já haveria ultrapassado o lapso temporal de 10 anos quando da entrada em vigor do CCB/2002.

50 Exatos 10 anos antes da entrada em vigor do CCB/2002. Observação importante: o artigo 2.028 se refere a "mais da metade" donde se pode concluir que deveria haver a passagem de 10 anos e 1 dia, no mínimo, para que se aplicasse o CCB/1916.

51 Portanto menos de 3 anos antes da entrada em vigor do CCB/2002.

52 Observadas as regras de direito processual é claro, tal como a contida no artigo 219 do Código de Processo Civil de 1973, que trata da interrupção da prescrição, por exemplo.

53 Como explica Maria Helena Diniz: "o dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto." (Novo Código Civil Comentado, coordenação Ricardo Fiúza. página 1.825)

54 idem. página 203.

55 Trecho do voto condutor da apelação cível n.° 253.580-4, 7ª CC, do TAPR, relator Juiz Prestes Mattar, julgamento em 07.04.2004.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGOSTINI, Leonardo Cesar de. A prescrição da indenização por responsabilidade civil e a redução do prazo prescricional no Código Civil brasileiro de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 551, 9 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6162. Acesso em: 25 abr. 2024.