A compatibilidade constitucional da delimitação do alcance do princípio constitucional brasileiro da presunção de inocência em face da decisão hc 126.292

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28/08/2018 às 15:50
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Verifica-se a possível incompatibilidade constitucional da decisão do habeas corpus 126.292, referente ao novo entendimento do STF, que delimita o princípio da presunção de inocência após o segundo grau de jurisdição.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 2. O HABEAS CORPUS 126.292 DE SÃO PAULO. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RESUMO:O presente artigo tem como objetivo verificar a possível incompatibilidade constitucional da decisão do Habeas Corpus 126.292, referente ao novo entendimento do STF sobre o princípio constitucional da Presunção de inocência. A presente pesquisa demonstra detalhadamente a evolução história, significado, alcance e sentido processual do Princípio da Presunção de inocência, como também o novo entendimento do Princípio da Presunção de Inocência através do HC 126.292. Por fim, após a coleta do material bibliográfico referente ao Princípio da Presunção de Inocência e confrontamento com o entendimento do HC 126.292, será possível a identificação de possíveis incompatibilidades constitucionais referente à decisão do HC. Utilizando o método dedutivo e bibliográfico, usando a Constituição Federal como norte em relação ao material pesquisado, será possível traçar uma linha de pensamento lógica e concisa para que seja possível saber se a decisão do Supremo Tribunal Federal é compatível com o Princípio da Presunção de Inocência. Através dos métodos de procedimento histórico e comparativo, será possível analisar mais profundamente a decisão da suprema corte e criar uma tese favorável à conclusão da pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio Presunção de Inocência, Supremo Tribunal Federal, Delimitação Constitucional.

ABSTRACT: The purpose of this article is to verify the possible constitutional incompatibility of Habeas Corpus decision 126,292, referring to the new understanding of the Supreme Court on the constitutional principle of the Presumption of innocence. The present research demonstrates in detail the evolution history, meaning, scope and procedural sense of the Principle of the Presumption of Innocence, as well as the new understanding of the Principle of the Presumption of Innocence through HC 126.292. Finally, after the collection of bibliographical material regarding the Principle of Presumption of Innocence and confrontation with the understanding of HC 126.292, it will be possible to identify possible constitutional incompatibilities regarding the decision of the HC. Using the deductive and bibliographic method, using the Federal Constitution as the North in relation to the material researched, it will be possible to draw a logical and concise line of thought so that it is possible to know if the decision of the Federal Supreme Court is compatible with the Principle of Presumption of Innocence . Through the methods of historical and comparative procedure it will be possible to analyze more deeply the decision of the supreme court and to create a thesis favorable to the conclusion of the research.

KEYWORDS: Principle Presumption of Innocence, Supreme Federal Court, Constitutional Delimitation.


INTRODUÇÃO

Entre as garantias processuais penais estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, não se pode deixar de citar o Princípio da Presunção de inocência, princípio esse fundamental para o Estado Democrático de Direito, capaz de limitar o assédio do poder Estatal na sua busca pela punição, após a suspeita de autoria e materialidade de um crime cometido. No entanto, há grande divergência quanto à sua extensão e significado, o que cria grandes expectativas processuais, especialmente referentes à aplicação da pena, logo após o final do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição.

O Supremo Tribunal Federal (STF) em 5 de fevereiro de 2009, no julgamento do Habeas Corpus 84078 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sinalizou que somente seria possível a execução da pena após o trânsito em julgado da condenação penal. Tal entendimento se fundamentou no fato que a prisão antecipada do réu no processo penal feria o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência.

Porém, com a impetração do Habeas Corpus 126.292 do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal teve que se manifestar novamente sobre o significado e alcance do Princípio da Presunção de Inocência. Na data do julgamento, em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo entendeu que a execução antecipada da pena, após a possibilidade de recurso a órgão superior, é possível e não gera limitação à garantia constitucional da Presunção de Inocência prevista nossa lei maior, o artigo 5º LVII da Constituição Federal, mesmo que reste a possibilidade da interposição de Recursos Extraordinário e Especial.

Perante o novo entendimento colegiado do Supremo Tribunal Federal, referente à execução antecipada da pena, houve uma grande discussão na sociedade, e principalmente no meio jurídico, quanto aos efeitos deste julgamento. Como reflexo do atual contexto envolvendo o Habeas Corpus 126.292, houve a necessidade da busca pelo real sentido, significado e alcance do Princípio Constitucional da Presunção de Inocência, necessidade esta que justifica a criação desse respectivo trabalho.

O presente artigo tem o propósito de buscar esclarecer e desmistificar o Princípio da Presunção de inocência, através da compreensão de sua evolução histórica, sentido processual, significado e alcance, para então compreender a extensão de seus efeitos como garantia constitucional, posteriormente, analisar os elementos subjetivos do entendimento do Supremo Tribunal Federal, referentes ao Habeas Corpus 126.292/SP, sob a ótica do Princípio da Presunção de Inocência, Constituição Federal de 1988 e demais legislações penais.

A tese a se confirmar consiste em descobrir se o entendimento do Supremo relativo à antecipação da pena após segundo grau de jurisdição encontra compatibilidade com o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência.

Não menos importante, esse trabalho se encaixa na linha de pesquisa do Centro Universitário Franciscano e se justifica, justamente pela contribuição acadêmica e principalmente pela necessidade de se reconhecer e estabelecer o sentido pleno do Princípio da Presunção de Inocência, para que se evite entendimentos incompatíveis com seu significado e alcance, uma vez que este princípio representa o principal alicerce de um Estado Democrático de Direito e a última barreira contra a arbitrariedade de um Estado perante o indivíduo.

A metodologia de procedimento escolhida foi a histórica e monográfica, referente a pesquisa histórica do Princípio da Presunção de Inocência e a comparação com a aplicabilidade atual, pois por meio desta linha de raciocínio, foi possível coletar informações sobre a origem e desenvolvimento histórico da Presunção de Inocência, chegando até os dias atuais. Através da metodologia de abordagem dedutiva, será possível confrontar a definição do Princípio da Presunção de Inocência amplamente pesquisado, com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal do HC 126.292, de modo a deduzir uma tese favorável ao trabalho.

O presente trabalho inicialmente busca discorrer sobre a Presunção de Inocência, verificando toda a sua extensão enquanto princípio constitucional, portanto, partindo de seu relato histórico e passando pelo seu significado, alcance, sentido processual, como garantia do hipossuficiente, e finalizando com a introdução do contexto onde ocorre o HC 126.292, para então, paralelamente, explanar sobre as possíveis consequências de sua delimitação. Concluindo essa etapa, através da dedução, será possível analisar o conteúdo da decisão do HC 126.292 e achar uma saída favorável.


1 DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Através da história, o Direito Penal e o Processo Penal sofreram diversos momentos de progressos, como também momentos de retrocessos, dos quais geraram diferenciados reflexos na vida em sociedade, no entanto através destas experiências o homem conseguiu destilar um Princípio capaz de mudar o modo pelo qual era visto o cidadão, enquanto acusado de um delito considerado reprovável pela sociedade onde se encontrava.

Este Princípio em específico, trata-se do Princípio da Presunção de Inocência, e para melhor entender e compreender a sua relevância no contexto do HC 126.192, torna-se necessária a busca por um estudo mais aprofundado e amplo, buscando tanto a sua origem histórica, como também o seu significado, alcance, sentido processual e como garantia do hipossuficiente no processo penal, para só então entender as consequências de uma possível delimitação.

A origem do Princípio da Presunção de Inocência, também conhecido por muitos doutrinadores por Presunção de Não-culpabilidade, teve como primeiros indícios de surgimento no Direito Romano, posteriormente marcado por diversos momentos de evolução e retrocesso, repercutindo em vários capítulos da história da humanidade. Conforme Aury Lopes Jr (2012), é possível afirmar que o Princípio da Presunção de Inocência teve seus indícios de surgimentos a partir da aparição do In Dubio Pro Reo no Direito Romano, que perdurou até o momento histórico da Idade Média, mais especificamente no período da Santa Inquisição, promovido pela Igreja Católica, no qual novamente o Direito Penal da época se pautava pela presunção de culpabilidade do réu.

Referente ao retrocesso do até então embrião da presunção de inocência, ocorrido na Idade Média, Ferrajoli (2002, p.441) diz:

[...] apesar de remontar ao direito romano, o princípio da presunção de inocência até prova em contrário foi ofuscado, se não completamente invertido, pelas práticas inquisitoriais desenvolvidas na Baixa Idade Média. Basta recordar que no processo penal medieval a insuficiência da prova, conquanto deixasse de subsistir uma suspeita ou uma duvida de culpabilidade, equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semi culpabilidade e uma semi condenação a uma pena mais leve. Só no início da idade moderna aquele princípio é reafirmado com firmeza: “eu não entendo”, escreveu Hobbes, “como se pode falar de delito sem que tenha sido pronunciada uma sentença, nem como seja possível infligir uma pena sempre sem uma sentença prévia”.

E nesta esteira, complementa Aury Lopes Jr (2012), que com apenas uma testemunha contrária, o suspeito já estava sujeito a tortura. Já nos casos onde haviam boatos e depoimentos do cometimento de um crime, já era possível a condenação do suspeito, pois entendia-se que eram tidos como semi-provas.

A presunção de inocência apenas voltou a se erguer e ser reconhecida como direito a partir de 1789, com a Revolução Francesa, motivada pelo desejo da população em não sofrer mais abusos provocados pela arbitrariedade da coroa francesa e pela necessidade da positivação da Presunção de Inocência como direito fundamental a todo cidadão. Portanto, neste período histórico foi criada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que em seu artigo 9º estipulou que “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.

Contudo, mesmo com este avanço histórico da presunção de inocência, no início do século XX, com o advento da Alemanha Nazista e demais movimentos autoritários e fascistas, houve o fortalecimento do Estado em relação aos indivíduos, a supressão de direitos individuais e a perseguição de suspeitos e inimigos políticos. Ou seja, mais uma vez a presunção de inocência foi suprimida, resultando em genocídio do povo judeu e no maior conflito armado que a humanidade já presenciou.

Como resultado, é criada a Organização das Nações Unidas (ONU), com o intuito de que nunca mais se repita um incidente destas proporções. Uma das primeiras ações da ONU foi a criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, declaração que estabelecia os direitos mínimos de todo ser humano sendo, em seu artigo 11, expressamente consagrado o Princípio da Presunção de Inocência.

Art. 11. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

No Brasil, a presunção de inocência já vinha sendo aplicada antes de 1988, no entanto, somente com a Constituição de 1988 que a Presunção de Inocência foi expressamente consagrada, estabelecendo em seu artigo 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

A partir deste breve relato histórico é possível evidenciar a fragilidade da Presunção de Inocência nos ordenamentos jurídicos durante o seu processo de amadurecimento, observando a peculiaridade que historicamente a presunção de inocência teve maiores supressões e retrocessos em períodos de autoritarismo e vigilância estatal, e maior prosperidade nos períodos ditos mais democráticos e garantistas. Portanto, não há dúvidas da importância do princípio, no que diz respeito a liberdade e segurança do indivíduo no curso do processo penal, assim evitando possíveis arbitrariedades.

Antes de se chegar ao mérito da discussão quanto ao significado e alcance do Princípio da Presunção de Inocência, é necessária a tradução do termo princípio para o meio jurídico.

Por natureza, princípios são como normas, só que compatíveis com diversos graus de concretização, se moldando a todos os tipos de situações fáticas e jurídicas, no entanto, diferentemente dos princípios, as normas propriamente ditas são mais limitadas, pois possuem caráter imperativo e impõem, permitem ou proíbem condutas, que podem ou não serem cumpridas. Em situações conflitivas, os princípios podem ser harmonizados, de maneira a possibilitar ponderações usando seu valor e significado como critério, já as regras não, pois devem ser utilizadas conforme foram prescritas, não sendo compatíveis com ponderações devido ao seu caráter imperativo. Em síntese, é possível observar que a coexistência dos princípios é conflitual e harmônica, já a coexistência das regras é antinômica, pois excluem-se (CANOTILHO, 1988).

Corrobora com essa concepção Alexy (2008) quando refere que a principal diferença entre princípios e regras, é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ou seja, princípios servem como um norte ou um ideal, para que as normas e todo o ordenamento jurídico possam perseguir, sendo que a violação de um princípio seja tão mais grave que a violação de uma norma, no sentido de que a ofensa a um princípio represente uma ofensa a todo o ideal que um ordenamento jurídico busca alcançar.

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Nesta perspectiva, Martins (2004), expõe a dimensão da não observância de um princípio:

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa rebeldia contra todo o sistema, perversão de seus valores fundamentais. Isto porque, ao ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustentam e destrói toda a estrutura nela esforçadas.

No que se refere ao Princípio da Presunção de Inocência, desde sua aparição na forma positivada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, constata-se que surgiu por meio da necessidade em se assegurar os direitos individuais, referentes a liberdade dos cidadãos, em contraponto as arbitrariedades e desejo punitivo, a qualquer custo, do Estado Absolutista Francês. Com a leitura do artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, é possível compreender e afirmar que o primeiro dos significados do princípio, é de que o ser humano adquire a liberdade a partir de seu nascimento, portanto, alcançando a condição de liberdade como regra, ou seja, um direito inerente ao ser humano.

Porém, antes da implementação do princípio, no processo penal, com o Sistema Processual Inquisitório, o acusado era mero objeto do processo, sendo utilizado como fonte de toda a verdade, extraída mediante tortura e coação. O julgador atribuía todos os poderes instrutórios, tanto de buscar as provas, como decidir baseado nas provas que ele mesmo produzia. Não existia imparcialidade e muito menos contraditório (LOPES JR, 2016). Corrobora com essa concepção Jacinto Coutinho (2015) quando refere que “Ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar, transformando-se o imputado em mero objeto de verificação, razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido”.

No entanto, com as mudanças produzidas pela presunção de inocência, o acusado acabou por se tornar sujeito de direitos e garantias. Diante disso, a forma como começou a se enxergar o princípio, acabou tomando um aspecto novo, sendo visto não somente como um princípio do direito penal, mas também como uma garantia política do cidadão, considerado acima de tudo um princípio político (BADARÓ, LOPES JR, 2016).

Portanto, o Princípio da Presunção de Inocência, acabou sendo considerado um verdadeiro alicerce basilar de um sistema democrático e garantista, pois trouxe ao acusado verdadeiras garantias políticas e fundamentais, traduzidas como dever de tratamento no curso do processo penal. Segundo Vélez Mariconde (1956) “não consagra uma presunção, mas um estado jurídico do imputado, o qual é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença firma”.

Como segundo significado, entende-se que o Princípio da Presunção de Inocência traz o dever de tratamento como principal característica, portanto qualquer imputado de cometer crime deverá ser considerado inocente até que a parte que o acusou prove do contrário.

E não menos importante, o terceiro significado se justifica pelo fundo probatório, que na prática torna a acusação exclusivamente responsável pelo o ônus probatório da autoria e da materialidade do crime praticado, restando ao réu apenas demonstrações de excludentes de ilicitude e de culpabilidade, nas situações que se mostrarem necessárias (OLIVEIRA 2008).

Por fim, Maurício Zanoide de Moraes (2010, p.83), explana sobre o significado e a contribuição da construção da Presunção de Inocência para os ordenamentos jurídicos contemporâneos:

(...) “presunção de inocência” é repetida até nossos dias – e sempre o será – não porquanto seja um exemplo de precisão técnico-jurídica nos moldes atuais ou em conformidade com suas raízes romanas, mas porque seu conteúdo políticoideológico induz à ideia motriz que a expressão propicia o que é essencial para um agir persecutório não preconceituoso, logicamente não deformado e minimamente justo (...).

Diante do exposto, pode-se concluir que o Princípio da Presunção de Inocência está na vanguarda do que há de mais justo e garantidor, tanto no campo do Direito Penal, como no do Direito Constitucional, pois acaba por criar uma série de direitos e deveres do cidadão através de seus significados, os quais se traduzem a partir da concepção de que todo ser humano nasce livre, e da observância do dever de tratamento e do fundo probatório do princípio no Processo Penal, assim sendo capaz de proteger o indivíduo dos possíveis excessos punitivos do Estado, e se mostrando, acima de tudo, compatível com o Estado Democrático de Direito.

Quanto ao elemento temporal da Presunção, segundo Batisti (2010), primeiramente é importante frisar o momento de início, o qual se configura com o estado natural do homem, que é o estado de liberdade, e posteriormente se verificar qual o termo que encerra o princípio.

Entende-se por estado de liberdade, um estado existente anterior a ciência de uma acusação penal, e como dever de tratamento durante o processo, pois o estado natural do homem, conforme o Princípio da Presunção de Inocência, alicerce basilar de um Estado Democrático de Direito, é a inocência. O ser humano nasce inocente, e assim permanece por toda a vida, até que haja a realização de um infração penal, cumulada com a comprovação e condenação penal definitiva pelo Estado, mediante todas as garantias previstas pelo Devido Processo Legal (NUCCI, 2012).

No entanto, Gustavo Badaró e Aury Lopes Jr, fazem ressalvas quanto a extensão deste estado de liberdade:

Todo indivíduo nasce livre e tem a liberdade entre seus direitos fundamentais. Tal direito, contudo, não é absoluto. A liberdade pode ser juridicamente restringida. Para tanto, é necessário expressa previsão legal e a observância de um devido processo legal. O direito à liberdade é assegurado por várias garantias, dentre as quais se inclui a “presunção de inocência”.

Quanto ao alcance da Presunção de Inocência, em nosso ordenamento jurídico, a Constituição federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, estabelece que a culpabilidade só se confirma após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Em contraponto a este disposto constitucional, o artigo 637 do Código de Processo Penal, diz que os recursos extraordinários não tem efeito suspensivo, aduzindo implicitamente que após o julgamento do segundo grau de jurisdição, haveria a possibilidade de uma execução provisória da pena, pois recursos desta natureza não teriam o efeito necessário para suspender a aplicação da pena enquanto aguardam julgamento.

Porém, após o julgamento do HC 84.078 em 05 de fevereiro de 2009, com o relator Ministro Eros Grau, foi firmado o entendimento fundamentado na menção da expressão “trânsito em julgado” que consta na Constituição Federal de 1988, e a própria lei de Execução Penal, a Lei 7.210/84, que ambos dispositivos sobrepõe temporalmente e materialmente o artigo 637 do CPP, sendo que o alcance da Presunção de Inocência se estende até o trânsito em julgado de condenação de sentença penal, pois caso fosse acolhido o artigo 637 do CPP, no caso concreto ensejaria no cerceamento do direito de defesa do acusado, criando uma anomalia na estabilidade do processo. Portanto, somente após completa persecução penal e a decisão pela condenação do réu, que ensejaria de fato no afastamento da Presunção de Inocência, via de regra.

Tal previsão se demonstra totalmente compatível com os anseios que um Estado Democrático de Direito busca alcançar, pois se usa do Devido Processo Legal como norte, uma vez que seja revestido pelo contraditório, ampla defesa e demais garantias capazes de assegurar uma decisão justa, a ponto de não ferir nenhum direito fundamental. No entanto, mesmo que a regra seja a liberdade, existem exceções que relativizam a Presunção de Inocência de certa maneira, e permitem a prisão processual do acusado.

É importante frisar que a prisão cautelar, desde que devidamente qualificada pela via da excepcionalidade, apenas se mostrará necessária em situações estritas, ou seja, a regra é responder o Processo Penal em liberdade, a exceção é estar submetido a uma médica cautelar de natureza pessoal (LIMA 2011).

Nesta esteira, só se justifica e se torna aceitável a prisão de natureza cautelar que esteja necessariamente fundamentada e interligada a elementos que comprovem minimamente o “fumos boni iuris”, ou seja, a autoria e materialidade do delito e o “periculum libertatis”, que se enquadra como o perigo, ou o risco concreto a instrução criminal ou a futura execução da pena, sendo previstos os casos de aplicação de prisão cautelar no artigo 312 do Código Processual Penal.

Nesse sentido, Paulo Rangel (2007) explana “se o indiciado ou acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais”.

Porém, Badaró (2008) ressalta que somente serão compatíveis com o estado de presunção de inocência, as prisões que tenham caráter processual e de natureza conservativa. Deste modo, qualquer tipo de prisão que seja consumada antes do trânsito em julgado, e que tenha como um dos objetivos a antecipação dos efeitos da condenação penal, não se mostra compatível com o Princípio da Presunção de Inocência, portanto, ilegítima e ilegal.

Portanto, pode-se concluir que, via de regra, o alcance da Presunção de Inocência se estende até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, que se consolida com o esgotamento da via recursal da defesa, havendo a possibilidade de prisões processuais somente em casos excepcionais e nunca sobre o pretexto de antecipação da pena. Por fim, mostra-se necessária a verificação do sentido processual do referido princípio, para que seja possível compreendê-lo enquanto princípio ordenador e balizador do direito processual penal brasileiro.

Como já vimos anteriormente, através do seu significado e alcance, o Princípio da Presunção de Inocência possui uma missão de grande importância e, sem sombra de dúvidas, fundamental para uma sociedade que busca reconhecer e positivar um Estado Democrático de Direito. No entanto, durante a fase de cognição do Processo Penal, para que a Presunção de Inocência se revista de eficácia, ela deve ser verificada e analisada através de outras premissas que decorrem do Princípio, e que dão o sentido processual necessário.

Para que possa tornar o princípio palpável no Processo Penal, deve-se nos utilizar de dois elementos indispensáveis para a efetivação Presunção de Inocência, que decorrem da ideia que todos os homens são livres e nascem livres, entre eles pode-se citar os Princípios do Processo Penal, o In Dubio Pro Reo e o Nemo Tenetur se Degere (Direito ao Silêncio).

A Presunção de Inocência cria uma verdadeira dimensão na área da apreciação e valoração de provas no processo penal. Além de apresentar uma expressão política, a Presunção de Inocência também vislumbra uma expressão lógica em relação as provas. O Processo Penal sob o filtro da Presunção de Inocência nada mais é que um meio para que se possa acabar com as dúvidas que estão em sua origem, e alcançar a certeza lógica (BATISTI 2010).

Através dessa premissa, qualquer condenação baseada na dúvida, além de ser uma grande arbitrariedade do Estado, também se configuraria como grave atentado a Presunção de Inocência. Diante disso, revela-se a importância do Princípio do In Dubio Pro Reo, também conhecido como Princípio Favor Rei, como sentido processual necessário para a efetivação da Presunção de Inocência no Processo Penal.

O Código de Processo Penal brasileiro vigente, que adveio do Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941, estabelece expressamente o Princípio do In Dubio Pro Reo em seu artigo 386, inciso VI, elencando a possibilidade do juiz absolver o réu, caso haja dúvida relevante referente a questões que excluam o crime ou o isentem o réu, como pode-se ver a seguir:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(...) VI existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência (BRASIL, 2013).

Quando ao momento de incidência, o In Dubio Pro Reo surge no momento mais delicado do Processo Penal, que diz respeito ao momento decisório, diferentemente do Princípio da Presunção de Inocência que atua do início ao fim do processo como dever de tratamento. O momento decisório merece a atenção do In Dubio Pro Reo, pois é o momento processual onde a dúvida não pode gerar condenação, sendo necessário que o juízo forme a sua convicção através de provas consistentes, ou que alegue a absolvição, baseado na dúvida.

O Princípio do In Dubio Pro Reo, é melhor exemplificado pela seguinte expressão “é melhor a absolvição de um culpado, do que a condenação de um inocente”, pois nada pode justificar o fato de uma pessoa inocente ser tolhida de seu direito natural de liberdade.

De modo geral, quando o Ius Puniendi entrar em conflito com o direito natural do homem de liberdade, deve-se sempre prevalecer o estado de inocência do acusado, salvo se não houver dúvida alguma em relação a culpabilidade de autoria do ato delituoso (MELO, BACHMANN,2013).

Como segundo sentido processual da Presunção de Inocência, pode-se seguramente citar o Princípio Nemo Tenetur se Detegere, ou Direito ao Silêncio. O Princípio do Processo Penal Nemo Tenetur se Detegere, também conhecido como direito de ficar calado, de não ser coagido a se confessar culpado, entre outros, é um princípio que assim como o In Dubio Pro Reo, se origina dá sustentação a Presunção de Inocência, como também se consolida com a adoção do Sistema Acusatório no Processo Penal e o Devido Processo Legal.

Como principal objetivo, o Nemo Tenetur se Detegere busca proteger o indivíduo acusado no Processo Penal, contra todos os excessos cometidos pelo Estado durante a fase processual, evitando que o acusado seja agredido física ou moralmente, de modo que seja obrigado a cooperar na apuração dos delitos cometidos, como também contra qualquer tipo de interrogatório forçado (QUEIJO, 2003).

Em essência, tal princípio demonstra uma oposição a tudo o que o Sistema Inquisitório produz, como também a tudo que uma sociedade autoritária representa, pois busca afastar os assédios do Ius Puniendi, outrora aceitos como forma da busca pela verdade real, e estabelece que o Estado deve investigar e apurar os crimes cometidos por meios próprios e lícitos, proibindo a coação ilegal e preservando a dignidade humana e os direitos individuais do acusado.

Diante disso, Gomes Filho (1997) evidencia a importância do Direito ao Silêncio e as penalidades de sua inobservância

[...] o direito à não-auto-incriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional [...]

Nessa esteira, conforme o RTJ 176/805-806 e RTJ 141-512, o Estado não tem o direito de tratar os suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem e também não pode constrange-los a produzirem provas contra si mesmos.

Assim como o In Dubio Pro Reo, o Nemo Tenetur se Detegere compartilha da fonte da Presunção de Inocência, pois compartilha a ideia que todos os homens nascem livres, e que cabe ao Estado apurar e julgar, sendo que não cabe ao acusado se auto incriminar. Além disso, a lei maior, a Constituição Federal de 1988, estabelece em seu artigo 5º, inciso LXIII, que o preso será ciente de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado. Tal disposição evidencia expressamente o Princípio e o consagra como cláusula pétrea.

Também em outra ocasião, o Supremo Tribunal Federal julgou o HC 96.219 MC-SP, e estipulou a abrangência quanto o Direito ao Silêncio.

STF - HC 96.219 MC-SP , rel. Min. Celso de Mello: (...) A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, especialmente aquela exposta a atos de persecução penal.

Diante dos sentidos processuais expostos, pode-se concluir que para haver total eficácia e compatibilidade do Princípio constitucional da Presunção de Inocência com o Processo Penal é necessário que a legislação penal trabalhe com a ideia do In Dubio Pro Reo, e do Direito ao Silêncio, para que só assim se acabe com a violação de direitos fundamentais e comtemple um Estado Democrático de Direito.

Definido e concluído o significado, alcance, e o sentido processual do Princípio da Presunção de Inocência, deve-se ir mais além e encará-lo também como uma forma de garantia do hipossuficiente, para assim ter uma completa noção de sua abrangência, como vêse a seguir.

Inicialmente é importante discorrer quanto a qualidade de hipossuficiente do acusado no campo do Direito Penal. O acusado enquanto parte no Processo Penal é um indivíduo que se encontra em uma posição desfavorável e desigual na lógica processual, pois como viu-se anteriormente no relato histórico da Presunção de Inocência, o acusado, antes de ter garantida a sua presunção de inocência, sofria constantemente abusos de poder por parte do Estado inquisidor, que buscava uma verdade a qualquer custo, mesmo que fosse necessária a violação dos direitos humanos mais básicos.

Superada essa fase histórica, a Presunção de Inocência foi considerada uma verdadeira garantia do hipossuficiente, capaz de mudar a lógica processual, e garantir verdadeiros direitos políticos ao acusado, como também reconhecer Direitos Humanos, antes negados.

Portanto, assegurar a Presunção de Inocência como garantia do hipossuficiente, é reconhecer que o acusado é o elo mais fraco da relação processual e acima de tudo, garantir que o mesmo não sofra abusos, durante a persecução penal.

No entanto, quando aborda-se o Princípio da Presunção de Inocência no plano processual, para que possa ter a devida aplicabilidade e efetividade como garantia do hipossuficiente, torna-se necessário que o veja conjuntamente com outros princípios capazes de dar a necessária sustentação. Partindo deste ponto, não pode-se trabalhar com a Presunção de Inocência no Processo Penal, sem observar o Princípio do Devido Processo Legal como garantia e extensão de um Processo Penal democrático e justo, pois através do Devido Processo Legal decorrem os Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório, como também as regras do jogo, que como decorrência de sua observância torna-se possível a aplicabilidade e efetividade da Presunção de Inocência, de modo a assegurar as garantias do hipossuficiente, logo, o desenvolvimento referente ao significado do Devido Processo Legal se mostra necessário.

O Princípio do Devido Processo Legal é um princípio que decorre do direito anglosaxão, originado a partir da criação da Carta Magna, do Rei João Sem Terra no ano de 1215, do qual trouxe segurança jurídica e revolucionou o meio de organização da sociedade, pois passou a condicionar a validade do ato da autoridade, sob plena observância de todas as etapas previstas em lei, para só assim contemplar o ato, como eficaz e completo (ALBUQUERQUE, 2006).

Surgiu pela necessidade de limitar o poder estatal e resguardar garantias básicas aos hipossuficientes, pois quando não delimitado, o poder estatal tende a se exacerbar. Algumas das consequências de sua não delimitação eram as recorrentes arbitrariedades e abusos, pois as regras do que era permitido e não permitido, residiam unilateralmente na boa vontade do Estado.

O Devido Processo Legal em síntese aufere ao sujeito dupla proteção, tanto no âmbito material, que possibilita a proteção do direito de liberdade do réu, como no formal, no sentido em que possibilita que o indivíduo se utilize de instrumentos de modo que consiga uma equivalência de armas com o Estado-persecutor e estabeleça as regras do jogo (BARROSO, 2008).

Nesta esteira, pode-se concluir que o Devido Processo Legal é o alicerce basilar de um Estado Democrático de Direito, não apenas pelo seu conteúdo garantista, mas também pelo respeito à legalidade e à Constituição. Em nosso ordenamento jurídico, o Devido Processo Legal é expressamente previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Carta Magna, a Constituição Federal de 1988, sendo previsto também por diversos tratados internacionais relacionados a direitos naturais do homem, entre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 8º 10, e o Pacto de São José da Costa Rica no artigo 8º, ambos devidamente ratificados pelo Brasil.

Diante da missão na qual se busca construir um Processo Penal justo, idôneo, e de modo a resguardar todas as garantias constitucionais do acusado, o Devido Processo Legal acaba por elencar a Presunção de Inocência como uma das principais garantias do hipossuficiente, tendo em vista o passado inquisitório e totalitário do Estado, que se encontrava longe dos moldes atuais de Estado Democrático de Direito. No entanto, para que seja possível a devida efetivação da Presunção de Inocência, o Devido Processo Legal elenca outros princípios capazes de traduzir o real significado da Presunção de Inocência no Processo Penal, sendo os mais relevantes o Princípio da Ampla Defesa e o Princípio do Contraditório.

Por Ampla Defesa e Contraditório, entende-se como Princípios fundamentais e inerentes à Presunção de Inocência, por serem totalmente compatíveis com o sistema acusatório, e por possibilitarem que o acusado rebata as acusações proferidas, e defenda-se em sua plenitude durante o Processo Penal.

O Princípio da Ampla Defesa, é compreendido como instrumento e direito fundamental do acusado, no que tange a defesa formal perante a acusação, assegurando ao réu todas as medidas possíveis ao seu alcance que possibilitem esclarecer os fatos e a verdade no processo, tanto pelo meio probatório como, recursal, sendo permitida a possibilidade de se calar ou omitir (MORAES, 2004).

Nesse sentido, caso não seja permitida a apresentação de provas pela defesa, via de regra, geraria uma grave afronta ao Princípio da Ampla Defesa, sendo considerado uma forma de cerceamento de defesa, logo, se demonstrando completamente incompatível com a Presunção de Inocência.

O Princípio do Contraditório, por sua vez, se demonstra indispensável ao próprio direito de defesa e Presunção de Inocência, pois não se concebe um processo legal, buscando a verdade processual dos fatos, sem que se dê oportunidade ao acusado de se manifestar e contradizer tudo que a acusação alega (RANGEL, 2013).

Como consequência do Princípio do Contraditório, o acusado ganha o direito a participação ativa no Processo Penal com a possibilidade de reagir as pretensões da acusação, sendo também assegurado o Direito ao Silêncio, sem prejuízo da defesa. Também entende-se como vertente, o direito à informação, pois caso não houvesse esse entendimento, se mostraria impossível o contraditório nas situações onde as acusações e argumentos da acusação são omitidos a defesa.

Como pode-se ver, a Presunção de Inocência, como forma de garantia do hipossuficiente, por força do Devido Processo Legal, se traduz pelo Contraditório e Ampla Defesa, que na prática são capazes de efetivar e dar verdadeira aplicabilidade a Presunção de Inocência no Processo Penal, como também propiciar ao acusado um processo justo e democrático, na medida que asseguram direitos e garantias e equilibram a paridade de armas entre o acusado e a acusação. Por fim, mostra-se necessário uma explanação sobre as possíveis consequências de uma delimitação da Presunção de Inocência no ordenamento jurídico brasileiro, para então poder entender seus reais impactos negativos.

Terminada a busca e o estudo dos elementos intrínsecos do Princípio da Presunção de Inocência, e de todos os outros elementos paralelos e conexos que o constituem, mostra-se necessário o estudo das consequências e efeitos colaterais de uma possível delimitação do Princípio da Presunção de Inocência, para que somente assim possa entender a força que emana do referido princípio constitucional e os possíveis retrocessos na hipótese de mudança de seu significado e alcance.

Como viu-se, o Princípio da Presunção da Inocência, aliado ao Devido Processo Legal, e todos os demais princípios correlatos, criam um verdadeiro dever de tratamento ao acusado no curso do processo penal, que deve ser considerado inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e que cujo ônus probatório recai única e exclusivamente a acusação, o qual tenta convencer o juízo, mediante provas, que o acusado concretamente praticou o crime, no tocante da autoria e materialidade.

Nesse sentido, é possível observar que a Presunção de Inocência é amplamente vigente no Processo Penal até o final de seu desenrolar, que se dá com o esgotamento de todas as vias recursas previstas no Código de Processo Penal, se manifestando pela sentença penal condenatória, que efetivamente cria coisa julgada. No entanto, quando fala-se em delimitação da Presunção de Inocência, necessariamente fala-se em uma flexibilização em sua eficácia, que pode ocorrer em determinado momento processual, e pode mudar bruscamente a lógica cognitiva quanto ao status quo de inocência do réu.

Portanto, quando fala-se de flexibilização da Presunção de Inocência, necessariamente fala-se da mitigação de seu significado, que em síntese decorre da ideia consolidada na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em que o ser humano se torna livre e assim permanece, durante toda a sua vida, podendo ter essa condição modificada apenas por sentença penal condenatória após o trânsito em julgado. Tal delimitação se demonstra perigosa e preocupante, pois mitiga direitos antes considerados absolutos e abre a possibilidade para o questionamento quanto a uma condição antes considerada como extensão inerente ao ser humano.

A delimitação da Presunção de Inocência vai totalmente contra a lógica de um Processo Penal justo, idôneo e democrático, pautado por um Devido Processo Legal que busca assegurar as garantias do hipossuficiente, pois através da flexibilização da Presunção de Inocência e da possibilidade da antecipação da pena, o acusado tem o Contraditório e Ampla Defesa prejudicados devido a presunção de culpabilidade formada, logo, pela sua condição de hipossuficiente, o acusado estaria em uma situação de disparidade de armas com o Estadopersecutor, portanto, configurando o processo como injusto e nada democrático.

Um dos primeiros efeitos de uma possível delimitação da Presunção de Inocência, referente a lógica de um processo justo, é a reversão do ônus da prova, o qual criaria uma presunção de culpabilidade do réu, que na prática daria aval a uma antecipação da pena, durante o decurso do Processo Penal. Este efeito em particular se demonstra um tanto quanto perigoso, pois em essência, inverter o ônus seria o mesmo que destruir a Presunção de Inocência (SILVA, 2016).

Logo, a inversão do ônus da prova iria diretamente contra todo o significado que o Devido Processo Legal representa, prejudicando também o Contraditório e a Ampla Defesa de maneira colateral, pois a paridade de armas estaria prejudicada mediante esta condição.

Em caso concreto, segundo o entendimento do HC 126.292, haveria a possibilidade do réu ser condenado em primeiro grau, e ter a decisão confirmada em segundo grau de jurisdição, com a sentença fundamentada em uma prova ilícita, o qual a Constituição Federal de 1988 veda em seu artigo 5º, inciso LVI, resultando em uma prisão antecipada, ainda que a que restassem recursos cabíveis a defesa e não estivesse formada a coisa julgada.

Portanto, através desta situação factível haveriam diversos reflexos relativos ao restante do Processo Penal, sendo alguns deles a questão da chance de cumprimento integral, ou parcial da pena devido a morosidade judicial referente aos recursos extraordinários e especiais interpostos pelo réu preso, também a hipótese do réu ser declarado inocente após já ter cumprido a pena e a questão da aceleração do encarceramento no Brasil.

Na hipótese do acusado ser preso, e posteriormente ser absolvido por invalidação de provas ilegais, o sentimento de justiça não se faria presente pela mera absolvição e pela não procedência dos fatos imputados, pois quando preso injustamente, o acusado sofre irreparáveis lesões e injusto cerceamento em seu direito de ir e vir (ROCHA, 2015).

Ademais, vale ressaltar a realidade da morosidade do Poder Judiciário brasileiro, pois mesmo que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXXVIII, estabeleça o Princípio da Razoável Duração do Processo, que visa a celeridade do ato jurisdicional para benefício do acusado, acaba que, na maioria das vezes, o Estado não consegue efetivar o Princípio de modo satisfatório devido à alta demanda judicial em contraponto a incapacidade física e administrativa do Poder Judiciário. Como resultando, tem-se em um sistema judicial moroso, que na prática pode ampliar injustiças, que é o caso dos réus que aguardam o desenrolar do processo presos, e que, eventualmente, tem sua inocência comprovada mediante Recurso Especial ou Extraordinário.

Tais explanações quanto aos efeitos colaterais da delimitação da Presunção de Inocência são de grande impacto, não somente para a Constituição Federal de 1988, mas também para todo o processo de desenvolvimento do princípio ao longo da história no plano internacional e aos Direitos Humanos.

Em síntese, é possível ver que uma possível supressão da Presunção de Inocência é capaz de efetivamente limitar direitos, pois relativiza a característica fundamental do homem, que é o estado natural de inocência e inverte o ônus da prova, como também é capaz de criar injustiças, pois pode antecipar a pena, antes da criação da coisa julgada.

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Sobre o autor
Eduardo Bolzan

Nascido em Santa Maria-RS, Advogado, Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Franciscana (UFN) de Santa Maria, Rio Grande do Sul e Criminalista por vocação.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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