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Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais

Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais

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Todo o processo evolutivo da Previdência Social é fruto de muita luta das classes sociais menos favorecidas, que sempre estiveram à mercê dos riscos sociais, e também do desenvolvimento da solidariedade.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Os primórdios da proteção social 2.1 A preocupação inerente ao homem com o seu bem-estar. 2.2 O embrião dos mecanismos de proteção social. 2.3 A influência religiosa como um dos fatores determinantes para a intromissão estatal na criação dos mecanismos de proteção social. 2.4 A estabilidade do estado como propulsor da Previdência Social – outro fator determinante. 3. Os principais marcos evolutivos da proteção social. 3.1 Plano de proteção do Chanceler Otto Von Bismarck na Alemanha (1883) até o final da I Grande Guerra Mundial. 3.2 Do Tratado de Versalhes até o término da II Guerra Mundial. 3.3 Do fim da II Guerra Mundial até os dias atuais – A influência do Plano Beveridge. 4. A proteção social e a evolução dos direitos e garantias individuais e seus limites. 4.1 A evolução/classificação histórica dos direitos fundamentais (os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações) 4.2 A importância do constitucionalismo social e o seu núcleo essencial de proteção 4.3 Os limites da concreção das prestações positivas pelo Estado. 5. A proteção social no Brasil. 5.1 A Constituição Imperial de 1824 5.2 A Constituição Republicana de 1891 5.2.1 As caixas e os institutos de aposentadorias e pensões. 5.3 As Constituições de 1934 e 1937 5.4 A Constituição de 1946. 5.5 A Constituição de 1967, com a Emenda n° 1, de 1969. A Constituição Federal de 1988 e o fim delineado à Previdência Social. 7. Conclusão


1.INTRODUÇÃO

Na história da humanidade, é relativamente recente o estabelecimento em nível normativo da proteção aos direitos sociais. A preocupação estatal com a proteção social [01] de seus cidadãos faz parte integrante, em sua acepção mais intensa, da grande evolução ocorrida no século passado.

Buscar-se-á ressaltar, nas limitadas linhas deste trabalho, os mais relevantes marcos evolutivos do crescimento e ampliação das proteções sociais em face das necessidades advindas das vicissitudes da vida em sociedade, dando especial destaque para a evolução da proteção social no Brasil.

É de se ressaltar que a importância do tema não decorre apenas de seu aspecto histórico, embora seja de bom alvitre salientar que o método histórico é por vezes utilizado como caminho para a interpretação das normas jurídicas, pois ainda que não seja o método mais festejado [02], tende a ser proveitoso para o hermeneuta.

A principal virtude de se examinar o curso da evolução histórica da previdência social está na possibilidade de se conhecer melhor os institutos vigentes no presente, a partir de elementos históricos e, igualmente, melhor arquitetar as bases para o futuro, razão pela qual impõe-se perscrutar o passado, a fim de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, aproveitar os acertos dos projetos que culminaram em boas conquistas e, ao mesmo tempo, evitar os equívocos de experiências desastradas.

Nesse mesmo sentido caminha o entendimento de Sérgio Pinto Martins, ao citar a lição de Waldemar Ferreira, asseverando que "nenhum jurista pode dispensar o contingente do passado a fim de bem compreender as instituições jurídicas dos dias atuais". [03]

Não se tem dúvida que o exame do passado pode fornecer valiosos mecanismos para uma melhor interpretação, ainda que se tenha por exame uma nova ordem jurídica constituída, como, aliás, ensina Wagner Balera [04], in verbis:

O estudo da seguridade social, assentado num tempo determinado – o presente – não inibe o nosso interesse acerca da história constitucional que, embora seja disciplina não-jurídica (no entender de Santi Romano), nos fornece válidos critérios de interpretação da nova ordem constitucional.

Evidencia-se, assim, a grande importância e o imprescindível dever de se descrever e analisar a marcha evolutiva da proteção social. Mas é mister destacar também o papel que tem ocupado os mecanismos de proteção social nas sociedades ditas modernas, proteção essa que ganha status de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, consagrados como verdadeiros direitos subjetivos.

Ademais, não se pode olvidar que tais direitos e garantias fundamentais, por conta do constitucionalismo moderno, têm adquirido força normativa suprema de mais alto grau. É o caso de nosso ordenamento jurídico constitucional que qualifica os direitos e garantias fundamentais como cláusulas imutáveis, dentre os quais, sem dúvida, incluem-se os direitos sociais, consoante previsto no art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal.

Apesar desse cume normativo atingido pelos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, onde, repita-se, os direitos sociais têm assento assegurado, por necessitarem, em regra, de prestações positivas dos entes públicos, exigem cada vez mais recursos disponíveis para seu atendimento.

Desta feita, vale conferir até que ponto podem os entes públicos deixar de efetivar a concreção das normas constitucionais que disciplinam os direitos sociais, sem que exista ofensa aos direitos subjetivos dos indivíduos protegidos, sob o manto da inexistência de recursos públicos suficientes.

Assim, o enfoque principal do presente trabalho prende-se a descrever a evolução histórica da proteção social cotejando com o desenvolver do âmbito de proteção dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, tomando-se como parâmetro as diversas constituições brasileiras, a fim de que se possa aquilatar qual o grau quantitativo e qualitativo de proteção social a que se galgou.


2.OS PRIMÓRDIOS DA PROTEÇÃO SOCIAL

Com o desenvolvimento da Humanidade aflorou e cresceu dia após dia a preocupação em se proteger os indivíduos das contingências sociais [05] geradoras de necessidades sociais. A cada passo dado no percurso da história da Humanidade desenvolveram-se técnicas de proteção social, sempre tendo em conta a realidade sócio-econômica de cada povo, de molde a mitigar as situações de necessidade social.

Nesse desenvolver ocorrido ao longo de nossa história é possível anotar os traços evolutivos significantes de cada sistema protetivo, na medida em que se avalia o grau de abrangência oferecido aos indivíduos em face dos riscos sociais – contingências sociais – mais constantes em cada momento.

2.1 A PREOCUPAÇÃO INERENTE AO HOMEM COM O SEU BEM-ESTAR

A necessidade do homem, desde a pré-história, de se reunir em grupos para compartilhar a caça, a pesca e de se defender dos infortúnios, bem demonstra a importância de se instituir formas de proteção.

A menção à época pré-histórica, ainda que se reconheça a inexistência de verdadeiros mecanismos de proteção social, já que a proteção em si vinculava-se apenas e tão-somente na simples tolerância da convivência em grupo e, quando muito, na estocagem de alimentos para serem consumidos no futuro, faz notar que a preocupação do homem com seu destino e bem-estar é inerente a pessoa humana.

Pode-se afirmar que as organizações precárias da origem dos tempos baseavam-se simplesmente no instinto da sobrevivência, porém, não se pode negar que existia a conjugação de esforços para a melhoria ou facilitação das condições de vida de cada um dos indivíduos formadores do grupo.

De toda sorte, como salienta Mozart Victor Russomano, não se pode afirmar que o início da Previdência Social seja o do momento em que o homem guardou o alimento para o dia seguinte, na medida em que o pano de fundo da Previdência Social "é o sentimento universal de solidariedade entre os homens, ante as pungentes aflições de alguns e generosa sensibilidade de muitos". [06]

Sendo assim, não é necessário investir profundamente nos mecanismos de proteção das sociedades primitivas, mas apenas frisar que mesmo nos idos mais remotos das civilizações a preocupação com o bem-estar do presente e do futuro rondava os círculos sociais.

Assim, desde o nascimento da Humanidade já se pode notar a preocupação dos indivíduos em criar mecanismos de proteção contra os infortúnios. Contudo, de pouca ou nenhuma valia para a compreensão dos institutos previdenciários vigentes no presente o estudo das forças que levaram a organização do homem em sociedade, servindo só para desvelar a preocupação do homem com seu bem-estar.

2.2 O EMBRIÃO DOS MECANISMOS DE PROTEÇÃO SOCIAL

Nesse passo, à medida que se organizavam os grupamentos humanos, conseqüentemente evoluíam e ganhavam maior abrangência os mecanismos de salvaguarda contra os riscos porventura existentes em cada época.

Não obstante a maior amplitude e eficiência dos meios de proteção aos riscos sociais da sociedade moderna, os problemas sociais atuais são maiores que os inicialmente concebidos, porquanto decorrentes de fatores de difícil solução, como a explosão demográfica, a péssima distribuição de renda, o avanço tecnológico da indústria que extingue dia após dia o número de postos de trabalho, sem contar a globalização que torna vulnerável e suscetível a infortúnios inesperados qualquer sociedade mesmo dos rincões mais longínquos.

Verifica-se, pois, por mais paradoxal que possa parecer, que a proteção social atualmente é tão difícil e custosa como outrora.

De início convém fazer menção aos primeiros mecanismos de proteção articulados pelo homem que apresentavam algum nível de organização, de inspiração mutualista [07] já que voltados ao auxílio recíproco dos seus membros.

A doutrina refere-se ao Talmud, ao Código de Hamurabi e ao Código de Manu, como as primeiras ordenações normativas a instituir métodos de proteção contra os infortúnios, sendo que este último "continha disposições, acerca dos empréstimos realizados ao preço dos riscos. Os fenícios, por sua vez, adotaram idênticas normas dos hindus, difundidas mais tarde na Grécia". [08]

Da Grécia para Roma surgiram as associações denominadas de collegia ou sadalitia formadas por pequenos produtores e artesãos livres, igualmente, com caráter mutualista, constituídas de no mínimo três indivíduos que contribuíam periodicamente para um fundo comum, cuja destinação principal estava voltada para os custos dos funerais dos seus associados. [09]

Já na Idade Média desenvolveram-se e espalharam-se as associações de inspiração mutualista, mesmo em ambientes políticos, econômicos e sociais distintos, dentre as quais, vale destacar as guildas de origem germânica.

Tais instituições, embora tenham se proliferado não atingiram um nível de proteção universal, pelo contrário, mesmo quando subvencionados pelo Estado, em regra, limitava-se o seu espectro de cobertura a certos grupos que atuavam em atividades de grande interesse da respectiva sociedade interessada, como marinheiros, mineiros, militares, funcionários dos ministérios etc. Além disso, referidas instituições não tinham acesso e o domínio técnico e jurídico do contrato de seguro, não ofertando, por isso, nenhuma segurança quanto ao atendimento de seus filiados em um momento de intensa necessidade social.

Assim, muito embora os primeiros contratos de seguros privados precedam ao próprio nascimento da assistência social pública, segundo Augusto Venturi, somente muito tempo depois é que se passou a cobrir riscos sociais, quando na Inglaterra, no século XIX, surgiram as primeiras empresas que se dedicaram à instituição de seguros populares destinados à classe trabalhadora. [10]

Surge, neste ínterim, um dos principais marcos evolutivos em termos de proteção social por intervenção do Estado, já que ao caráter mutualista e privado dos sistemas até então vigentes soma-se o de cunho assistencial e público, decorrente da influência manifesta da doutrina Cristã e "como medida de ordem pública que poderia ser ameaçada pela fome e pela miséria de grandes grupos de excluídos". [11]

A Igreja Católica, nesse período, representava o elo entre Deus e os seres humanos e suas instituições, inclusive os Estados, daí a sua notável influência em todos os meandros da sociedade da época, sendo prudente e relevante perpassar o ponto da influência religiosa no que tange a evolução da proteção social, ainda que seja de forma meteórica.

2.3 A INFLUÊNCIA RELIGIOSA COMO UM DOS FATORES DETERMINANTES PARA A INTERFERÊNCIA ESTATAL NA CRIAÇÃO DOS MECANISMOS DE PROTEÇÃO SOCIAL

Dos tempos mais remotos da evolução da sociedade humana até o final do século XVI pouco se evoluiu em matéria de proteção social. Isso, ao nosso sentir, deve-se ao fato de que a Humanidade passava por grandes avanços, mudanças e acomodações. A própria doutrina Cristã ainda se expandia, firmando seus dogmas e solidificando seus mais altos valores na consciência dos povos do ocidente.

De toda sorte, após a consolidação da Igreja Católica, ganhou relevo a influência religiosa na conduta das pessoas naturais e do próprio Estado, vez que à época a Igreja não só acalentava as almas dos cidadãos como também influenciava de maneira decisiva as manifestações políticas.

No entanto, não se pode desprezar o fato de que ao componente religioso sobrepujava os interesses estatais, voltados a manutenção de bases estruturais de exploração e opressão, até porque a caridade religiosa tinha como base apenas o dever moral.

Aliava-se, assim, por comodidade e conveniência, o dever caridoso do católico para com os incapacitados e indigentes e o interesse dos Estados absolutistas em se manter intactos os fundamentos dos abusos e exploração praticados.

Nesse contexto, nasce a história da Proteção Social no mundo ocidental.

Isso, no entanto, não importa dizer que a doutrina Cristã tenha servido apenas para a manutenção do modelo de Estado Ocidental da época medieval, mas tão-somente que se conjugavam os interesses em prol de finalidades diversas.

Como, a toda evidência, não se estava sob a égide dos Estados laicos, a assistência social pública aos carentes e indigentes, ganhou status jurídico, com a edição de leis, por toda a Europa Ocidental, de cunho nitidamente assistencial no decorrer do século XVII, tendo como precursora a chamada Lei dos Pobres Londrina de 1601 [12], que teve impulso, inclusive, numa das mais graves carestias da história inglesa.

A lei londrina – Poor Relief Act –, instituiu contribuição obrigatória determinando a nomeação, em cada paróquia, de dois ou mais "overseers of the poor" encarregados de recolher fundos de todos os que estivessem em condições de contribuir, destinados: a) viabilizar a obtenção de emprego para as crianças pobres por meio da aprendizagem, que poderia ser obrigatória até os 24 anos para os varões e até 21 anos para as mulheres; b) ao ensinamento do trabalho para os pobres que não tinham nenhuma especialização; c) ao atendimento dos inválidos em geral. [13]

Surgia a primeira disciplina jurídica de proteção social, por força de dogmas religiosos, de molde a ser a precursora da previdência social como concebida na atualidade. Nota-se, no entanto, que a preocupação estatal com a assistência social pública precede a de previdência social, como concebida na atual Carta Magna, na medida em que não se assegurava a cobertura aos riscos inerentes às atividades profissionais ou econômicas.

A importância de tal marco legislativo na história da Previdência Social reside na atribuição do dever do Estado em gerir a condução da organização e efetivação dos serviços do programa de assistência social.

Não é por outra razão que Mozart Victor Russomano [14] afirma que:

Essa "oficialização da caridade" – como foi dito, certa vez – tem importância excepcional: colocou o Estado na posição de órgão prestador de assistência àqueles que – por idade, saúde e deficiência congênita ou adquirida – não tenham meios de garantir sua própria subsistência. A assistência oficial e pública, prestada através de órgãos especiais do Estado, é o marco da institucionalização do sistema de seguros privados e do mutualismo em entidades administrativas. [...] Hoje compreende-se que nesse passo estava implícita a investida de nossa época, no sentido de entender os benefícios e serviços da Previdência Social à totalidade dos integrantes da comunidade nacional, a expensas, exclusivamente, do Estado, e não apenas aos associados inscritos nas entidades de Previdência Social. Dessa forma, podemos concluir dizendo: naquele momento distante, no princípio do século XVII, começou, na verdade, a história da Previdência Social.

Com efeito, não obstante a eficácia prática das leis editadas no século XVII voltadas ao campo da assistência social pública, contestadas por alguns [15], representam um marco expressivo na evolução da previdência social, cuja concreção decorre também da influência religiosa. Influência religiosa, por seu turno, que não se limitou apenas a esse período, tendo lastreado sua doutrina sobre as evoluções mais recentes dos séculos XIX e XX.

2.4 A ESTABILIDADE DO ESTADO COMO PROPULSOR DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – OUTRO FATOR DETERMINANTE.

À medida que o movimento humanista passou a exercer influência nas sociedades ocidentais, vieram, concomitantemente, as pressões sobre os Estados absolutistas, calcados em forças divinas, para conduzir suas ordenações jurídicas de forma a proteger os indivíduos contra as intervenções e agressões do próprio Estado e da Igreja.

A sociedade ocidental passou a contar com novos atores, que não a nobreza, o clero e o povo. A burguesia surgia como nova classe social, dotada de grande poder econômico, em face de seu grande sucesso decorrente da atividade comercial empreendida e, posteriormente, da atividade industrial. Essa nova composição social exigiu a superação da ordem medieval, culminando, pois, no surgimento dos modernos Estados Nacionais laicos e soberanos. [16]

Dessa nova conjectura social, surgem os instrumentos normativos mais próximos do pensamento liberal, dentre os quais, podem ser citados o Petition of Right de 1628, Hábeas Corpus, de 1679, e o Bill of Rights, de 1689, concretizando liberdades negativas em favor dos indivíduos.

Após o período de consolidação do poder econômico da burguesia, adveio a revolução industrial, período em que a sociedade experimentou um desenvolvimento econômico sem precedentes, beneficiando e fortalecendo ainda mais a classe burguesa, que impunha todo seu poder econômico sob a classe trabalhadora.

Diante disso, a classe trabalhadora foi submetida a um regime de exploração sem igual, pois ficava inteiramente à mercê do poder econômico da nova classe dominante, porquanto as concepções liberais da época destinavam ao Estado uma posição inerte, de mero espectador das relações firmadas entre os particulares, sem estabelecer quaisquer limites à autonomia dos indivíduos. [17]

Mesmo com os ideais motivadores da Revolução Francesa identificando uma dívida social da sociedade para com os menos favorecidos, prescrevendo a manutenção dos mecanismos de proteção consubstanciados nos socorros públicos, estava-se ainda no estágio da assistência pública.

Os menos favorecidos não detinham instrumentos jurídicos capazes de promover a melhoria das condições de vida, já que os direitos fundamentais restringiam-se as prestações negativas, as chamadas liberdades públicas. Sem mecanismos eficientes para compelir o Estado ao cumprimento das prestações positivas, ainda que meramente assistenciais, ficavam reféns da idiossincrasia de cada governo.

Os trabalhadores tinham que se acobertar por conta própria, por meio de seguros privados, ou valer-se das associações de classe, sem qualquer ingerência estatal.

Dessa liberdade extrema resultou a ineficiência.

Mattia Persiani ressalta enfaticamente essa ineficiência dos mecanismos de proteção social da época frente as novas estruturas econômicas e sociais decorrentes da industrialização, justamente em razão do empobrecimento e dos baixos salários da classe trabalhadora, praticamente aniquilando a viabilidade e eficiência da tradicional solidariedade familiar e da beneficência pública e privada, atingido até a solidariedade profissional em virtude da extinção de ofícios tradicionais. [18]

Na realidade, o Estado compreendia que os problemas sociais decorrentes das novas relações econômicas trazidas pela revolução industrial deveriam ser resolvidos pela própria classe trabalhadora e seus empregadores, tendo o liberalismo do século XIX deixado vesgos os dirigentes no que toca aos problemas sociais ligados ao trabalho.

Os homens eram concebidos como livres e iguais, a ponto de poderem isoladamente proteger-se contra qualquer tipo de infortúnio, inclusive os decorrentes das relações de trabalho.

Aníbal Fernandes e Sérgio Pardal Freudenthal [19] bem reforçam tal concepção liberal ao afirmarem que:

A indústria, a liberdade econômica, o laissez-faire-laissez-passer, o tal liberalismo, enfim, significam a vinda para as cidades da massa camponesa, engajada no trabalho industrial, a utilização da mão-de-obra, sem os freios e contrapesos do que hoje constituem a organizam sindical e a legislação. Os homens são, no plano jurídico-formal, livres e iguais. Na prática, é o inverso.

De toda sorte, apesar de a classe trabalhadora ter tentado aprimorar as associações mutualistas, as condições deploráveis do mercado de trabalho não permitiram o desenvolvimento das referidas instituições sustentadas apenas às custas das contribuições dos trabalhadores.

Acontece que, só os trabalhadores com mais altos salários, em regra a minoria, conseguiam arcar com os pagamentos periódicos das contribuições, ficando, portanto, à mercê de sua própria sorte a grande massa de proletariados. Enquanto isso, os recursos dos fundos mutualistas que ainda se sustentavam mitigavam e os infortúnios sociais cresciam em quantidade geometricamente oposta, aumentando cada vez mais a fila dos miseráveis.

Os fundos privados mutualistas tornaram-se áridos, sem que pudessem atender as expectativas de proteção desejada e requerida naquele tempo.

A força de trabalho, considerada como qualquer bem, estava sujeita "a regra da oferta e da procura", mulheres, crianças, velhos, enfermos submetiam-se a grandes jornadas de trabalho, sem um mínimo sequer de proteção, agravando ainda mais as condições ofertadas e a penúria da classe trabalhadora. Sem contar o fato de que migravam para as cidades as grandes massas camponesas aliciadas pela perspectiva do trabalho industrial, já que as condições no campo também não eram de todo propicias, aumentando, ainda mais, o número de desempregados e os problemas sociais das cidades.

Com efeito, as sociedades de amparo mútuas, expressão utilizada por Mattia Persiani, não se mostraram de eficácia satisfatória para cobrir os riscos daqueles que sobreviviam de sua força de trabalho. Esses fatores desagregadores acabaram por levar à decadência progressiva dos institutos mutualistas na forma em que estavam cunhados.

A reivindicação constante da classe trabalhadora, em uma sociedade que se industrializava rapidamente, e o clamor popular exigiu uma nova postura do Estado.

A simples repressão, por si só, não arrefeceria os anseios do povo, mormente porque crescia a pregação em prol do movimento socialista.

A partir disso, o comportamento do Estado começou a mudar, justamente em razão das incomensuráveis conseqüências políticas causadas pelos problemas sociais originados das draconianas relações e das condições de trabalho vigentes, especialmente em decorrência dos constantes acidentes de trabalho.

O período do liberalismo absoluto cedia tímido espaço ao período intervencionista.

Desta forma, o nascimento do seguro social obrigatório deu-se por força de condições fáticas, especialmente da preocupação dos dirigentes das nações com a condução de suas administrações e não especificamente com os interesses diretos dos proletariados. Isso fica claro quando se verifica o seu surgimento na Alemanha, em 1883, de Bismarck, que lançou o seu plano no intuito de unificar o Estado alemão. [20]

Assim, não se pode negar que a manutenção da estabilidade do Estado foi motivo igualmente determinante para o início da instituição da Previdência Social. É por isso que o plano de Bismarck, embora tenha o mérito da instituição dos seguros sociais, de caráter geral e obrigatório, a ponto de se atribuiu ao Chanceler a responsabilidade pela formação da Previdência Social, não lhe pode atribuir "um profundo sentimento solidarista".

Destarte, a partir daqui é que realmente começa a desenvolver-se a Previdência Social e, por conseqüente, inicia-se o seu efetivo processo de evolução.


3. OS PRINCIPAIS MARCOS EVOLUTIVOS DA PROTEÇÃO SOCIAL.

Após esse breve escorço acerca dos motivos determinantes ao nascimento da Previdência Social, cabe ressaltar os principais marcos evolutivos a titulo global que contribuíram decisivamente para a sua prosperidade.

Sob o aspecto mundial situa-se a marcha evolutiva da Previdência Social em três grandes fases: a) do nascimento da previdência social – com o plano de previdência aos acidentes do trabalho inaugurado por Otto Von Bismarck, em 1883, até o término da I Grande Guerra Mundial; b) do tratado de Versalhes até o término da II Guerra Mundial, em 1945; e, finalmente, c) o terceiro período que se estende até o presente momento [21].

Não obstante esses principais marcos de evolução da Previdência Social, deve-se frisar a importância da ingerência do Estado, desde os idos do final do século XVI, no que toca ao processo de amadurecimento da concepção moderna de proteção aos riscos sociais. Assim, de nodal importância e, por isso, impossível de se desprezar, os atos normativos precursores da ingerência estatal na benemerência pública, como ocorrido com a lei dos pobres londrina e espanhola, de 1601 e 1603 respectivamente, embora já tenham sido abordados os motivos que ensejaram esse movimento.

Nota-se que a atuação estatal no atendimento aos hipossuficientes no limiar dos institutos de proteção social, em nada alterou a base da relação jurídica instituída, marcada pela existência unívoca de unilateralidade na prestação das obrigações devidas, impingidas somente ao Estado e, ainda, sujeita aos caprichos dos governantes, já que não tinha instrumentos adequados e eficazes para sua realização. Tratava-se de uma época, em que pese os ordenamentos jurídicos assegurarem algumas faculdades aos indivíduos, que os deveres prevaleciam. A própria noção de direito subjetivo poderia ser colocada em dúvida, pois não havia tutela do individuo contra o Estado [22].

Pode-se caracterizar a assistência social da época pela inexistência de um vínculo obrigacional entre o ente assistente e o assistido, podendo sempre o primeiro pautar-se licitamente por critérios de conveniência e oportunidade quanto ao cumprimento da prestação, podendo limitar ou ampliar o socorro definido, quanto a intensidade, qualidade e aos sujeitos abrangidos. "Contudo, tiveram seu valor numa época, em que, à falta de modalidade asseguradora de direitos, a caridade desempenhava o papel de fator determinante do amparo." [23]

É certo, porém, que somente após aproximadamente três séculos dessa primeira iniciativa assistencial é que os Governos começaram a voltar atenção à Previdência Social, cujo foco principal volve-se para os trabalhadores. Aliava-se a assistência social, inclusive, as questões sanitárias, protegendo carentes e indigentes à Previdência Social, voltada aos trabalhadores.

3.1 PLANO DE PROTEÇÃO DO CHANCELER OTTO BISMARCK NA ALEMANHA (1883) ATÉ O FINAL DA I GRANDE GUERRA MUNDIAL.

Atribui-se, como já dito, ao Chanceler Otto Von Bismarck a responsabilidade pelo nascimento da Previdência Social, com a edição da lei de seguros sociais em 1883, não que antes não tenha havido qualquer outra norma de natureza previdenciária. Outras normas precederam àquela instituída por Birmarck, como a chamada lei das minas de 1842 na Inglaterra, dentre outras leis austríacas ainda que nenhuma delas tenha tido o alcance e amplitude da lei de seguros sociais do estadista alemão.

Institui-se, de início, o seguro-doença, para, logo depois, em 1884, abarcar o seguro contra acidente do trabalho e, em 1889, o seguro-invalidez e a velhice. O custeio das prestações, por seu turno, tinha sustentação nas contribuições dos empregados, empregadores e do Estado.

A respeito do seguro social inaugurado em sua gestão, as palavras de Bismarck são as seguintes:

Consideramos ser de nosso dever imperial pedir de novo ao Reichstag que tome a peito a sorte dos operários. Nós poderíamos encarar com uma satisfação muito mais completa todas as obras que nosso governo pôde até agora realizar, com a ajuda visível de Deus, se pudéssemos ter a certeza de legar à Pátria uma garantia nova e durável, que assegure paz interna e desse aos que sofrem a assistência a que têm direito. É nesse sentido que está sendo preparado um projeto de lei sobre o seguro dos operários contra os acidentes do trabalho. Esse projeto será completo por outro, cujo fim será organizar, de modo uniforme, as caixas de socorro para o caso de moléstia. Porém, também aqueles que a idade, a invalidez tornaram incapazes de prover ao ganho quotidiano, têm direito a maior solicitude do que a que lhe tem, até aqui, dado a sociedade. Achar meios e modos de tornar efetiva esse solicitude é, certamente, tarefa difícil mas, ao mesmo tempo, uma das mais elevadas e um estado fundado sobre bases morais da vida cristã.

Percebe-se da passagem acima a intenção de Bismarck em ampliar o espectro de proteção previdenciária aos trabalhadores, tendo em mente que "por mais caro que pareça o seguro social, resulta menos gravoso que os riscos de uma revolução". [24]

O sucesso do plano de seguro social de Birmarck levou que essa tendência se espalhasse pelos demais países da Europa, protegendo principalmente os trabalhadores, sem que se descurasse da proteção fornecida pelos mecanismos de assistência social aos demais atores sociais.

Além disso, mais uma vez, os fundamentos cristãos pesaram a favor da ampliação da proteção social. A encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII analisou a situação dos pobres e trabalhadores nos países industrializados, estabelecendo um conjunto de princípios da doutrina social da Igreja Católica.

A formação do seguro social a que se imputa a inauguração ao Chanceler Bismarck, sem dúvida, avançou significativamente e sucedeu as congregações de cunho mutualista que, por seu turno, já haviam superado o estágio inicial da mera assistência social pública.

Nas associações de natureza mutualista, cuja vinculação dos associados dava-se de forma voluntária, e de finalidade voltada para a prestação de socorro recíproco, demonstrava uma certa compreensão da solidariedade social.

O seguro social, por sua vez, impunha a vinculação obrigatória, com a compulsória filiação de um grupo de trabalhadores ou certa camada da população, verificando-se maior abrangência na proteção aos trabalhadores expostos aos enormes riscos decorrentes da recente realidade ofertada pela revolução industrial.

Acontece, porém, que a noção de seguro social não estava inspirada no desejo de garantir aos indivíduos a proteção contra os riscos comuns da vida. Assim, justamente em virtude da inexistência de uma formulação teórica e dos motivos que lhe deram origem, o seguro social foi considerado apenas como um método destinado a atender a estrutura econômica vigente, em face da propensa incapacidade gerada pela vicissitude da vida a que está sujeita a grande massa trabalhadora, totalmente desprovida de recursos. Na realidade, o seguro social nasceu atrelado às concepções do seguro de direito privado.

Isso, sem dúvida, é o que se pode extrair das causas que provocaram o aparecimento do seguro social.

De toda sorte, ainda que persistisse a divergência doutrinária quanto aos aspectos teóricos e os conflitos que a prática do seguro social teria causado quanto em confronto com os ditames do seguro privado, afigura-se prevalecente como "objeto do seguro social a incumbência de garantir uma substituição ao salário do trabalhador, quando determinados motivos o impedissem de o ganhar no exercício de uma atividade profissional". [25]

Na realidade, atrelava-se o seguro social a um risco único representado pela eventual impossibilidade de o trabalhador perceber seu salário, por força da ocorrência do infortúnio. E em razão dessa vinculação estrita da noção de seguro social, apenas a proteção ao risco único do trabalhador, conduziu-se a um movimento global para a formulação de um conceito voltado a cobertura universal, a fim de assegurar o bem-estar presente e futuro dos membros de toda a sociedade.

Daí resulta que não se poderia atribuir uma definição estrita de seguro social e, por conseguinte, de risco social, cujos novos marcos de proteção social buscaram atingir, a fim de atribuir uma definição cada vez mais elástica de seguro social, dissociada da figura contratual do seguro, de natureza privada.

3.2 DO TRATADO DE VERSALHES ATÉ O TÉRMINO DA II GUERRA MUNDIAL

Esse período caracterizou-se pelo progressivo aperfeiçoamento dos sistemas previdenciários das nações européias, bem como pelo rompimento dos seguros sociais das fronteiras do velho mundo, cuja influência veio a atingir todos os demais continentes, sobretudo à América Latina. Os seguros sociais obrigatórios desenvolveram-se e espraiaram-se por todos os continentes, no que Celso Barroso Leite e Luiz Paranhos Veloso, denominaram como período de expansão geográfica.

O desenvolvimento e progressivo aperfeiçoamento dos sistemas de seguros sociais obrigatórios cresceram tão rapidamente, que logo exigiram uma nova roupagem, como se pode notar do desenrolar dos fatos a seguir articulados.

Celebrado o Tratado de Versalhes, em 1919, voltaram-se todas as atenções para os problemas sociais, com ênfase à proteção do trabalho. Imediatamente cria-se a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, como sabido, desenvolve suas atividades até os dias atuais, sendo um organismo especializado da Organização das Nações Unias (ONU), cuja finalidade é atuar em todos os países, fixando princípios programáticos ou regras imperativas de determinado ramo do conhecimento humano, sobretudo sobre Direito do Trabalho e Previdência Social.

A OIT teve um desempenho extraordinário na uniformização e aperfeiçoamento das legislações nacionais, tanto que se afirma que não exista nenhum país que não se tenha utilizado de seus serviços, quanto a incorporação de suas indicações ao seu direito posto.

Por outro lado, cabe frisar, por deveras oportuno, o início da constitucionalização dos direitos sociais, dentre as quais têm como precursoras as Constituições do México de 1917 e a Alemã de 1919 – Constituição de Weimar – passando a alçar os direitos sociais ao nível constitucional, consagrando-os, contudo, como normas programáticas. Assim, como os direitos sociais exigiam prestações positivas por parte dos Estados e, como dito, estavam consagradas, em sua maioria em normas constitucionais programáticas, ficavam mais uma vez à mercê da edição de normas regulamentares.

Às normas programáticas não se emprestava caráter imperativo, quando muito prestavam a direcionar as políticas públicas dos Governos. A evidência, no entanto, representou enorme avanço atribuir aos direitos sociais o status de normas constitucionais.

Não se pode olvidar, também, nesse período, a importância do Social Security Act, de 14 de agosto de 1935, editada nos Estados Unidos como uma das medidas do New Deal, do governo Roosevelt, onde se empregou pela primeira vez a expressão seguridade social. A promulgação da referida lei norte-americana teve como finalidade mitigar os sérios problemas sociais trazidos pela crise de 1929, sendo conseqüência direta desse estado de coisas.

A partir desse ponto, a seguridade social passou a ser entendida como um conjunto de medidas que deveriam agregar, no mínimo, os seguros sociais e a assistência social, que deveriam ser organizadas e coordenadas publicamente, visando atender o desenvolvimento de toda a população, e não só os trabalhadores, haveria o compromisso do Estado democrático com um nível de vida minimamente digno aos seus cidadãos.

Acontece que a formação da organização dos Estados Unidos tem como base uma grande confederação, em que os Estados membros têm autonomia, inclusive, no que tange à elaboração do direito local, o que dificultou sobremaneira a uniformidade legislativa sob todo o território e a própria aplicação das idéias consagradas na lei norte-americana de 1935. Tanto que Russomano lembra que até o ano de 1950 as normas decorrentes do Social Security Act "eram de aplicação estricta, excluindo de sua área de proteção, por exemplo, os camponeses, empregados domésticos e trabalhadores autônomos". [26]

Cabe mencionar a Divina Redemptoris, de Pio XI, publicada em 1937, que diz que se deve evitar a pobreza, prestigiando as medidas como seguros públicos e privados para os tempos de velhice, enfermidade ou de desemprego.

Logo após, em 1941, o economista inglês William Beveridge foi convocado pelo governo inglês para presidir uma comissão encarregada de elaborar um relatório sobre a seguridade social da Inglaterra. Dessa empreitada foram elaborados dois relatórios, um no ano de 1942 e outro em 1944 denominados, respectivamente, Seguro Social e Serviços Conexos e Pleno Emprego em Uma Sociedade Livre, os quais tiveram incomensurável influência na evolução dos sistemas de proteção social vigentes no mundo.

Os planos Beveridge, como se tem chamado os relatórios apresentados pela comissão formada pelo governo britânico e presidida pelo Sir William Beveridge, teriam sido influenciados pelas idéias de Roosevelt de buscar a erradicação das necessidades de toda a população e, também, pelo economista Keynes [27] na defesa da distribuição de renda.

Os dois planos partiram do pressuposto de que se devia assegurar a eficaz proteção ao povo, não se limitando sua abrangência apenas aos trabalhadores cujas prestações estavam atreladas a excessivos critérios de concessão.

Esse era o ideário buscado pelos planos Beveridge, o qual se busca até a presente data, vez que não se podia mais contentar com os seguros sociais, arraigados com as determinantes conceituais do seguro privado.

3.3 DO FIM DA II GUERRA MUNDIAL ATÉ OS DIAS ATUAIS – A INFLUÊNCIA DO PLANO BEVERIDGE.

A partir dessa época marcha-se para o estágio final de evolução, em que todos os cidadãos deverão ser amparados em suas necessidades por serviços estatais, seja qual for sua profissão ou condição social, bastando apenas que sejam vítimas de uma necessidade social.

É o que se denomina Seguridade Social, que se chegará aos poucos, na medida em que cada povo possa custear conjuntamente todas as necessidades sociais de cada indivíduo, em prol da coletividade.

Vários foram os instrumentos surgidos no Direito Internacional voltados para a consagração e concreção dos direitos sociais, dentre os quais pode-se citar: a Declaração Americana Dos Direitos e Deveres do Homem (1948), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Carta Social Européia (1961), o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969).

No que tange à Previdência Social especificamente, cabe trazer à colação o art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem:

Toda pessoa tem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe a saúde, e o bem-estar próprio e da família, especialmente no tocante à alimentação, ao vestuário, à habitação, à assistência médica e aos serviços sociais necessários; tem direito à segurança no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em qualquer outro caso de perda dos meios de subsistência, por força de circunstâncias independentes de sua vontade.

Ademais, com o término da II grande guerra mundial, mesmo tendo saído vitoriosas as potências de democracias liberais, foram comprimidas a reformular as políticas sociais, já que era necessário demonstrar a preocupação com os temas sociais, justamente em contraposição ao facismo e ao socialismo.

Além disso, a devastação provocada pelo conflito armado, bem como a penúria econômica em que mergulhou toda a Europa, facilitaram a aceitação dos princípios de uma ampla proteção social.

Surge, assim, após o término da II grande conflagração mundial a formação dos Estados do Bem-Estar Social, ao menos até o início da década de 1970, mobilizando grande parte das estruturas dos Estados para uma frente intervencionista, adaptando-se às novas exigências políticas e sociais, nas quais os direitos sociais ganharam muito mais relevo.

Com efeito, houve uma enorme aplicação de gastos públicos nas áreas sociais com a ampliação das prestações. Assim, efetivamente no século XX é que os direitos sociais experimentaram significativo avanço, passando de meras aspirações e reivindicações da classe trabalhadora e dos menos favorecidos para tornarem-se verdadeiramente direitos subjetivos, palpáveis e concretizáveis, pois garantidos por instrumentos normativos de eficácia comprovada e pela própria feição do Welfare State, concretizando-se, inclusive, em nível normativo nas Constituições dos Estados não apenas como normas programáticas, sem nenhuma eficácia, pelo contrário, mostrando-se certo grau de eficácia com limites muitos menos estreitos.

Atualmente, aliás, mesmos as normas constitucionais meramente programáticas não são consideradas apenas como simples valores, diretrizes ou comandos sem eficácia. A doutrina mais moderna, pelo contrário, atribui sim eficácia normativa aos comandos programáticos, garantindo-lhes nem que seja um comando mínimo de eficácia. [28]

Os direitos sociais concretizáveis só mediante prestações positivas assumem nova feição. A atuação dos poderes públicos provendo as necessidades dos indivíduos destoa completamente da perspectiva inicial dos direitos fundamentais em que bastava uma posição negativa do Estado, numa relação entre lei e liberdade. Erigidos os direitos sociais ao grau máximo de direitos fundamentais, chamados de segunda geração numa concepção histórica, já que não há grau de hierarquia entre os preceitos fundamentais, tornam-se passíveis de serem efetivamente exigidos do Estado.

Com isso, não se pode excluir os direitos econômicos, sociais e culturais do rol dos direitos fundamentais de segunda geração, muito menos relegar ao segundo plano as liberdades públicas, tidas como direitos fundamentais de primeira geração. Brotava, então, o embate entre o completo atendimento das prestações positivas pelo Estado e as limitações de recursos para o seu atendimento, na medida em que se deveria igualmente proteger a propriedade, também, como valor fundamental.

O pêndulo desse embate está justamente na conformação dos direitos fundamentais, por intermédio de mecanismos que possam atender o núcleo essencial de cada direito, voltados para a dignidade da pessoa humana [29], sendo por isso que se afirma que os direitos fundamentais não têm caráter absoluto, já que constantemente em confronto, um não deve superar completamente os outros, devem acomodar-se, buscar conciliação entre seus postulados.

Com efeito, a qualidade e a quantidade das prestações de seguridade social serão cada vez melhores na mesma medida da capacidade de cada povo em poder se organizar, a ponto de imprimir um regime de solidariedade e igualdade aos seus cidadãos, capaz de superar as limitações, especialmente orçamentárias e financeiras, existentes em cada Estado, sobretudo naqueles que não contam com um desenvolvimento econômico suficiente para atender todos os sujeitos às necessidades sociais. Aí, aliás, o maior problema a ser vencido, para que seja alcançado um sistema de seguridade social, pois nos Estados de menor desenvolvimento econômico maior é o reclamo por prestações sociais.

Nesse contexto, conclui-se que a construção de um sistema de seguridade social somente será alcançado com o devido planejamento, constituindo-se de um projeto de longo prazo, com a extensão de todos os benefícios a toda a população, com o aprimoramento gradual do regime de financiamento e a unificação e reorganização dos vários regimes vigentes é que se poderá atingir o objetivo traçado. [30]

A Previdência Social, historicamente, portanto, iniciou sua evolução num regime privado e facultativo característico das associações mutualistas, passando, depois, aos regimes de seguros sociais obrigatórios, em que já transparece a intervenção do Estado e, atualmente, tenta firmar-se num sistema de seguridade social, com novas luzes e conceitos, a fim de aumentar os riscos cobertos, melhorar suas prestações, universalizar sua cobertura e, num grau máximo de solidariedade e igualdade material, transferir ao Estado a responsabilidade global pelos custeio das prestações por intermédio de impostos.

Fixados os principais marcos evolutivos da Previdência Social em nível global, passa-se ao exame da proteção ofertada no Brasil, sem se desvencilhar dos direitos e garantias fundamentais.


4. A PROTEÇÃO SOCIAL, A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E OS SEUS LIMITES

Os principais marcos de evolução da proteção social no mundo demonstram sua íntima ligação com condições fáticas perturbadoras do bem-estar social. É fácil notar que todos os grandes marcos evolutivos da cadeia histórica da proteção social vieram precedidos de enormes conturbações sociais, que culminaram, em maior ou menor intensidade, na alteração da postura do Estado em relação a condução das políticas públicas.

Cabe verificar, assim, a importância das condições fáticas na aplicação e concreção dos mecanismos de proteção social e, também, se de alguma forma existem limites aplicáveis aos direitos sociais.

4.1 A EVOLUÇÃO/CLASSIFICAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA, SEGUNDA E TERCEIRA GERAÇÕES)

Os direitos humanos fundamentais também permearam uma difícil marcha histórica, tanto que a doutrina moderna, classifica-os em direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.

Esse enquadrar histórico dos direitos fundamentais há de servir como bom referencial para que se possa aquilatar o desenvolvimento dos mecanismos de proteção social, sobretudo os regimes de previdência social, já que se fixou, superficialmente é claro, qual o ideal a que reclama sua evolução, qual seja, um sistema de seguridade social.

Segundo a classificação da ordem histórica cronológica dos direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente, os de primeira geração foram aqueles inicialmente contemplados na Magna Charta de João Sem-terra, de 1215. São os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), que realçam o princípio da liberdade, cujo desenvolvimento já foi realçado.

Os direitos fundamentais de segunda geração são justamente os direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século, a partir do constitucionalismo social. Incluem-se aqui os direitos relacionados ao trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, velhice etc.

Por derradeiro, os direitos fundamentais de terceira geração abrangendo os direitos de solidariedade ou fraternidade, que abarcam o direito a um meio ambiente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso etc.

É de se ressaltar, mais uma vez, que essa classificação não implica em qualquer tipo de hierarquia entre os direitos fundamentais. Trata-se na verdade de direitos que se encontram no mesmo nível, servindo apenas para descortinar os avanços galgados em cada passo da história do nosso constitucionalismo. Paulo Bonavides já faz referência até a existência de direitos fundamentais de quarta geração [31].

4.2 A IMPORTÂNCIA DO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E O SEU NÚCLEO ESSENCIAL DE PROTEÇÃO.

Volvendo para os direitos fundamentais de segunda geração, onde se inserem os direitos sociais, considerando essa cisão apenas sob o aspecto cronológico, pois não há como separar em formas estanques os direitos fundamentais senão quanto a sua cronologia histórica, avulta em mérito o constitucionalismo social.

É certo que tiveram como precursoras a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, tendo, decerto se alastrado e firmado suas raízes somente após a II Grande Guerra Mundial, quando efetivamente ganharam juridicidade.

Aqui, cabe socorrer-se da lição de Paulo Bonavides [32] por ser bastante explicativa:

Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo) dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.

Mas passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos.

De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantidas habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos de liberdade. Atrevessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

A passagem acima transcrita, desse brilhante mestre constitucionalista nordestino, reforça as linhas lançadas atrás acerca da falta de exigibilidade das normas constitucionais do início do século quanto aos direitos sociais, incluídos, evidentemente, as normas relativas à previdência social.

De todo modo, como parte integrante de um processo de amadurecimento, o constitucionalismo social teve deveras importância na evolução da previdência social, pois embora tenha nascido sem grande efetividade normativa, logo após a segunda grande guerra assumiu notável papel, tendo nada menos que cinqüenta Estados elaborados novas constituições, nas quais os direitos sociais ganharam status de direitos fundamentais. [33]

A toda evidência, a aceitação desse novo conceito de direitos fundamentais, que não se contentam mais com a atuação negativa do Estado, pelo contrário, estando vinculados materialmente e de forma indissociáveis a criação de pressupostos fáticos para a sua concretização, torna o Estado agente central para sua concretização.

A universalidade desses direitos fundamentais de segunda geração depende exclusivamente desses pressupostos fáticos, que, como dito alhures, no que tange à Previdência Social é imprescindível o planejamento e o engajamento de todos os atores sociais para a construção de um sistema de seguridade social.

Com efeito, enquanto não se atingem por completo todos os pressupostos fáticos para a consagração e eficiência desejadas da Previdência Social, num modelo de Seguridade Social, deve-se buscar a conformação dos direitos fundamentais de molde a preservar o núcleo essencial que circunda o fim a que se destina a proteção social, inclusive a de natureza previdenciária.

Sob esse prisma, inexistentes todos os pressupostos fáticos garantidores de um sistema de seguridade social ideal, o fim dos instrumentos de proteção social não pode perder-se em devaneios utópicos, reclamando a mais alta proteção e a mais luxuosa qualidade de vida, deve sim garantir a seus membros um nível mínimo de condições de vida. Quando se diz mínimo, faz-se referência ao que assegura o essencial à dignidade da pessoa humana.

Esse é o núcleo essencial dos direitos fundamentais de segunda geração, garantir um nível de vida mínimo que traga uma vida digna a pessoa.

4.3 OS LIMITES DA CONCREÇÃO DAS PRESTAÇÕES POSITIVAS PELO ESTADO

A moderna concepção dos direitos fundamentais discute a possibilidade e o dever de o Estado vir a ser obrigado a criar os pressupostos fáticos necessários ao exercício dos direitos constitucionalmente garantidos e a possibilidade do titular desse direito subjetivo debelar sua pretensão frente ao Estado, independentemente da existência desses pressupostos.

Ora, como os direitos inerentes à Previdência Social concretizam-se por intermédio de prestações, seu objeto precípuo exige condutas positivas do Estado, surgindo uma dimensão econômica extremamente relevante. E aqui cabe lembrar, justamente, a antinomia da concreção dos instrumentos de proteção social, pois quanto mais subdesenvolvido economicamente o Estado mais abundante de necessidades sociais.

Não se tem dúvida em afirmar que as prestações positivas inerentes aos direitos sociais devem ser submetidas ao que a doutrina constitucional denomina de princípio da "reserva do possível". Hodiernamente, é certo que os indivíduos têm pleno acesso aos mecanismos de proteção judicial de seus direitos subjetivos, bem como já se tem como consagrados os direitos sociais como direitos humanos fundamentais.

As ações com o propósito de satisfazer tais prestações podem deixar de ser juridicizadas, pois submetidas a uma série de pressupostos de ordem econômica, política e jurídica. A submissão incondicional dessas posições "a regras jurídicas opera o fenômeno de transmudação, convertendo situações tradicionalmente consideradas de natureza política em situações jurídicas. Tem-se, pois, a juridicização do processo decisório, acentuando-se a tensão entre direito e política". [34]

É por conta disso, que se afirma que a efetivação de certas prestações decorrentes de direitos sociais, incluídos as de natureza previdenciária, estão submetidas, dentre outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível.

Frise-se, por oportuno, que não se está a defender que os poderes públicos possam furtar-se do cumprimento de suas obrigações, sempre que houver deficiência ou falta de recursos disponíveis, definitivamente não, simplesmente sustenta-se que há limites para a implementação das prestações oriundas dos direitos sociais, ou seja, o ideal disciplinado pelas normas constitucionais, sobretudo das programáticas, embora dotadas de um conteúdo mínimo de eficácia, não podem conduzir ao cumprimento de uma pretensão do que seja o ideal, sem a presença dos pressupostos fáticos.

Lembre-se que, em qualquer caso, o núcleo essencial direito fundamental, seja exigente de prestação negativa ou positiva, deve ser preservado, direcionando-se para a dignidade da pessoa humana.

No que se refere especificamente à Previdência Social, acredita-se que a regra da contrapartida, estatuída ao posto de norma constitucional desde a Emenda Constitucional n° 11, de 31 de março de 1965, constitui-se do seguro limitador para o atendimento das prestações de natureza previdenciária, já que o "sistema de seguridade social somente poderá cumprir suas finalidades se estiver calcado em rígido equilíbrio econômico e financeiro", sem que se necessite socorrer ao argumento da reserva do financeiramente possível.


5. A PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL

No Brasil a evolução da proteção social não seguiu um caminho diferente, tendo primeiramente passado pela simples caridade, após pelo mutualismo de caráter privado e facultativo, depois pelo seguro social e, atualmente, tenta-se implementar o sistema de seguridade social, como consagrado na Constituição de 1988.

Da beneficência, inspirada pela caridade e pelo sentimento cristão, é exemplo a fundação das Santas Casas de Misericórdia no século XVI, pelo Padre José de Anchieta. Ruy Carlos Machado Alvim nos dá conta da fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos, por Brás Cubas, em 1543, e da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro de 1584, cuja finalidade era a de prestar atendimento hospitalar aos pobres. [35]

A transição da simples beneficência, por força de deveres meramente morais e religiosos, para a assistência pública no Brasil demorou aproximadamente quase três séculos, pois a primeira manifestação normativa sobre assistência social, veio imprimida na Constituição de 1824.

5.1 A Constituição Imperial de 1824

A Constituição Imperial de 1824, como primeira manifestação legislativa brasileira sobre assistência social, rendeu homenagem à proteção social em apenas um dos seus artigos, especificamente no art. 179, inciso nº XXXI, com a seguinte redação:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.

...

XXXI. A Constituição também garante os soccorros públicos.

Denota-se do corpo do dispositivo da Constituição Imperial de 1824, notadamente do caput do art. 179, a preocupação excessiva com as liberdades públicas, com a proteção aos indivíduos contra as eventuais investidas do Estado. A concepção estritamente liberal mostra-se evidente, inaugurando-se, em nível normativo constitucional, a assistência social pública, totalmente insipiente, já que nada de concreto assegurava-se aos cidadãos. No velho mundo, por sua vez, já se assegurava tal medida, ao menos em nível normativo, desde a lei dos pobres londrina do século XVII.

A proteção social inserta no bojo da Constituição de 1824, como dito, e reforçada pela lição de Ruy Carlos Machado Alvim "não teve maiores conseqüências práticas, sendo apenas um reflexo do preceito semelhante contido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, a qual, o art. 23, qualificava estes "socorros públicos" como "dívida sagrada" [...]. [36]

De toda sorte, há que se reconhecer seu valor histórico, vez que se coloca a proteção social como um dos direitos humanos cuja garantia é a Lei Maior, sem olvidar, porém, que "não vinha acompanhado do requisito fundamental: a exigibilidade". [37] Não existiam os instrumentais jurídicos para a concreção do direito.

Lembre-se, por deveras oportuno, que os direitos fundamentais restringiam-se as liberdades públicas que não exigiam prestações positivas por parte do Estado. Não havia, então, exigibilidade nesse estágio primitivo que, como já ressalvado, não destoava no restante do mundo.

A Constituição Imperial seguia-se fiel aos traços liberais de sua época, sem nada avançar em relação aos demais países.

5.2 A Constituição Republicana de 1891

Pouco antes da promulgação da Constituição Republicana de 1891 surge a primeira lei de conteúdo previdenciário, qual seja, a Lei nº 3.397, de 24 de novembro de 1888, que prevê a criação de uma Caixa de Socorros para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado, acompanhadas no ano seguinte de normas que criam seguros sociais obrigatórios para os empregados dos correios, das oficinas da Imprensa Régia e o montepio dos empregados do Ministério da Fazenda.

Sobrevém a Constituição Republicana de 1891 que, timidamente, apenas inseriu dois artigos nas suas disposições constitucionais acerca da proteção social, descritos nos artigos 5º e 75, a saber:

Art 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar.

...

Art 75 - A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação.

...

Constata-se que a Carta Magna Republicana inaugura em seu art. 75, a proteção social vinculada a uma categoria de trabalhadores, assegurando uma das principais prestações concedidas pela previdência social até hoje, que é a aposentadoria. Deve-se ressaltar que a maioria da doutrina não verifica qualquer regra de Previdência Social no texto Republicano, enaltecendo apenas o seu valor histórico quanto a previsão da possibilidade de aposentadoria aos funcionários. Anote-se, ainda, que tal benefício era concedido aos funcionários públicos independentemente de contribuição, ou seja, a prestação era custeada integralmente pelo Estado.

De toda sorte, a Constituição de 1981 relegou ao plano legislativo infraconstitucional a matéria relacionada com a proteção social. Tal fato veio a ser confirmado pela edição da Emenda Constitucional de 1926 que conferia ao Congresso Nacional competência para legislar sobre aposentadoria e reformas.

Foi, no entanto, no período de vigência da Constituição Republicana que se propalou toda a legislação previdenciária que veio a preparar a evolução dos regimes de previdência social existentes no Brasil.

De início, legislava-se de forma esparsa, atendendo, quando possível, a determinados setores predeterminados, prevalecendo, como afirma Ruy Carlos Machado Alvim, o favorecimento aos servidores públicos, já que se constituíam da grande massa de trabalhadores da época, apresentando-se o Brasil como um país essencialmente agrícola. A única exceção diz respeito aos ferroviários, justamente em razão de seu poder de organização, capazes de deflagrar greves e, também, pelo fato de exercerem atividade extremamente importante para a economia. [38]

Assim, após inúmeros instrumentos legislativos instituindo seguros sociais a diversas categorias de funcionários públicos, iniciou-se a industrialização das grandes cidades, especialmente São Paulo e o Rio de Janeiro e, por conseguinte, passaram a vigorar as escorchantes condições de trabalho, como ocorrido no velho mundo, que resultaram em inúmeros acidentes do trabalho. Sobrevém, em razão disso, o Decreto Legislativo n° 3.724, de 15 de janeiro de 1919, tratando da proteção aos acidentes do trabalho, logo acompanhado da edição da Lei n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923, chamada "Lei Eloy Chaves", tendo esse último ato legislativo criado as Caixas de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários, que funcionaram, em todo o território nacional, por muitos anos.

A grande parte da doutrina nacional situa a Lei Eloy Chaves como o extremo inicial da história da Previdência Social em nosso país. Esse fato não passa imune a crítica do saudoso prof. Aníbal Fernandes [39], asseverando que tal marco tem um forte conteúdo ideológico, a saber:

Tivemos o mutualismo como forma organizatória e como precedente precioso da Previdência Oficial. Sob tal prisma, os festejos oficiais que situam na Lei Elói Chaves (1923) o nascimento da Previdência brasileira têm caráter ideológico que deve ser desvendado: buscam transformar as conquistas sociais, logradas com lutas e a partir das bases, em benesses estatais. Sobre ser ainda, a afirmativa relativa ao surgimento da Previdência em 1923, uma inverdade histórica, seja pelos apontamentos, seja porque outras leis previdenciárias são anteriores a esta data (como nossa primeira lei acidentária que data de 1919).

Apesar disso, a Lei Eloy Chaves inaugurou o período de grande evolução da previdência social de nosso país, já que foi responsável pela instituição das Caixas de Aposentadorias e Pensões.

5.2.1 AS CAIXAS E OS INSTITUTOS DE APOSENTADORIAS E PENSÕES

Em seguida ao surgimento da Lei Eloy Chaves, criaram-se outras Caixas em empresas de diversos ramos da atividade econômica. A vinculação ao regime previdenciário das Caixas era determinado por empresa, ou seja, apenas diversas empresas tinham acesso ao regime previdenciário reinante à época.

A proliferação do regime de Caixa por empresas criou pequenos regimes de Previdência que tinham por inconveniente o número mínimo de segurados indispensáveis ao funcionamento em bases securitárias. Sem contar o grande número de trabalhadores que permaneciam à margem da proteção previdenciária, por não ocuparem postos de trabalhos em empresas protegidas.

Pouco a pouco, abandonou-se a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões, passando pelo momento da criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, tendo como principal diferencial a criação de institutos especializados, em função da atividade profissional de seus segurados e não mais por determinadas empresas.

Ademais, o fortalecimento dos mecanismos de proteção social era comprimido pela emergente e estável industrialização, exigindo uma nova leitura da legislação social, em razão da atuação de novos atores sociais, especialmente da classe trabalhadora.

Contudo, na década de 1930, passou a vigorar o regime dos Institutos, de contribuição tripartide – Estado, empregador e empregado – pelo qual o custeio vinculava-se, obrigatoriamente, as três fontes. Princípio, que, posteriormente foi erigido em norma constitucional, em 1934. Os recursos do Estado advinham das taxas de importação.

O primeiro instituto de previdência de âmbito nacional, com base na atividade econômica, foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, criado em 1933, pelo Decreto n° 22.872, de 29 de junho de 1933.

Assim, o diferencial existente entre as Caixas e os Institutos consistia principalmente no espectro de abrangência dos segurados protegidos, pois enquanto as Caixas restringiam-se aos trabalhadores de determinadas empresas os Institutos abarcavam categorias profissionais conexas, embora distintas, pela formação de grandes grupos de beneficiários. Outro ponto, dizia respeito ao aspecto espacial, já que os Institutos tinham abrangência nacional, o que não acontecia com as Caixas.

Acrescenta-se, ainda, como outro ponto relevante na criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões é a vinculação dessas entidades a órgãos do governo federal, submetidos ao controle financeiro, administrativo e diretivo do Estado. [40]

Careciam, tanto as Caixas como os Institutos, de normas uniformes, sendo corriqueiro encontrar disposições divergentes ou conflitantes, coexistindo, assim, um emaranhado de leis em total desequilíbrio. Caminhou-se, então, para a uniformização das leis previdenciárias, vindo, antes disso a Constituição de 1934.

5.3 As Constituições de 1934 e 1937

A Constituição de 1934 teve como ponto marcante a consagração do modelo tripartide de financiamento do sistema de previdência social. Os recursos deveriam advir da União, dos empregadores e dos empregadores. Sistema contributivo que se encontra inserto na vigente Constituição Federal (art. 195, caput).

Assinala Wagner Balera que "com a Constituição de 1934, a proteção social é um seguro para o qual contribuem tanto o trabalhador como o empregador e, em igualdade de condições com essas categorias, o próprio Poder Público". [41]

No plano constitucional, deixava-se o estágio da assistência pública para adentrar na era do seguro social. Não poderia ser diferente, vez que em todo o mundo, mesmo em sociedades industriais mais avançadas, não se tinha afastado a concepção do seguro social. Nem mesmo o Social Security Act norte-americano, impulsionador da mudança da concepção do seguro social, havia sido concebido, já que data de 1935.

Além disso, a Carta de 1934 foi a primeira a utilizar o termo "Previdência", sem o adjetivo social, referindo-se ao tema proteção social em outros dispositivos, dentre os quais, o art. 5° , XIX, c, que dá competência legislativa a União em matéria de proteção social, o art.10, que atribui responsabilidade aos Estados na execução dos serviços de saúde e assistências públicas, art. 121, § 1° , h, que enumera os riscos protegidos e, também, institui a contribuição tripartide, e, por derradeiro, o art. 170, § 3° .

As prestações de assistência médico-sanitária e de previdência foram concebidas como direitos subjetivos públicos dos trabalhadores brasileiros. Wagner Balera [42] bem exalta os benefícios conferidos pela Carta Magna de 1934, assim se referindo:

Os limites amplos da proteção social conferidos por aquela Lei Magna, aliados ao perfeito comando a respeito do custeio, fizeram da Constituição de 16 de julho o melhor de nossos modelos constitucionais. As conquistas sociais posteriores só vieram a reforçar as diretrizes traçadas por este Estatuto Fundamental.

A Constituição outorgada de 1937, marcadamente autoritária, não se harmonizou com a avançada ordem instituída pela Constituição de 1934.

Apesar disso, a Ordem Suprema de 1937 não deixou de enumerar os riscos sociais cobertos pelo seguro social. Porém, não disciplinou a forma de custeio do sistema, muito menos se cogitou sobre a possibilidade de aporte de recursos advindos dos cofres da União.

Sob a égide da Constituição de 1937, foi editado o Decreto-lei n° 7.526, de 07 maio de 1945, que determinou a criação de um só Instituto de Previdência, denominado de Instituto dos Seguros Sociais do Brasil – ISSB, que não chegou a se instalado em virtude de desinteresse político.

5.4 A Constituição de 1946

Seguindo movimento mundial influenciado pelo pós-guerra, foi promulgada a Constituição de 1946, que foi a primeira constituição brasileira a trazer a expressão "Previdência Social" em substituição do termo "Seguro Social".

Trouxe as normas sobre Previdência Social no capítulo que versava sobre os Direitos Sociais, cujos riscos protegidos foram elencados nos incisos do art. 157.

Nada de substancialmente novo foi incorporado ao novo texto constitucional, valendo lembrar apenas a imposição aos empregadores de manterem seguro de acidente de trabalho em prol de seus empregados.

Por outro lado, no que toca a legislação infraconstitucional não se pode dizer o mesmo, já que houve significativos avanços sob a égide da Carta de 1946.

Já em 1947 o Dep. Aluízio Alves apresentou projeto de lei que previa a proteção social a toda a população, que após longo período de tramitação, em virtude dos debates e estudos realizados, resultou na edição da Lei n° 3.807, de 26 de agosto de 1960, denominada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). [43]

Em 1953 foi editado o Decreto n° 34.586, de 12 de novembro, determinando a fusão de todas as Caixas em única entidade, justamente, no intuito de unificar o sistema, tanto do ponto de vista legislativo como administrativa.

A edição da LOPS veio a uniformizar todo o emaranhado de normas existentes sobre Previdência Social, uniformização legislativa essa que já se buscava de longa data. No entanto, a unificação administrativa, que também consistia num reclamo, só veio mais tarde, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), pelo Decreto-lei n° 72, de 21 de novembro de 1966.

Decerto que a LOPS foi o maior passo dado ao rumo da universalidade da Previdência Social, embora não se desconheça que alguns trabalhadores (domésticos e rurais) não foram contemplados pela nova norma, pois teve o condão de padronizar o sistema, aumentar as prestações ofertadas (auxílio-natalidade, funeral, reclusão e a aposentadoria especial) e servir de norte no percurso ao sistema de seguridade social. [44]

Ressalte-se, também, a incorporação da regra de contrapartida pela Emenda Constitucional n° 11, de 1965, pela qual se exige uma indissociável contrapartida entre as contribuições e as prestações, não se podendo, portanto, criar qualquer prestação sem a respectiva fonte de custeio e vice-versa.

Esses foram os principais marcos a que deve fazer menção, reconhecendo-se a existência de outras ocorrências legislativas, como a criação do Serviço Social Rural, em 1955, destinado à proteção de serviços sociais no meio rural, que pouco realizou, mas teve o mérito de servir de marco inicial da preocupação com os problemas dos homens ligados à atividade agrícola. Posteriormente, surgia o FUNRURAL aperfeiçoado e implementado pelas Leis Complementares n° 11, de 25 de maio de 1971, e 16, de 30 de outubro de 1973.

O vigor legislativo em matéria de Previdência Social nessa época crescia, pois tinha a LOPS como ponto de referência, sendo impulsionado cada vez mais pelos anseios e expectativas de toda a população.

5.5 A Constituição de 1967, com a Emenda n° 1, de 1969

A Carta de 1967, com a Emenda n° 1, de 1969, pouco inovou, tendo como virtude trazer o sistema de seguro de acidente do trabalho para os auspícios do sistema previdenciário público, nos mesmos moldes de financiamento.

Em essência, a matéria previdenciária na Carta de 1967, com a Emenda n° 1, de 1969, não destoa das demais que lhe antecederam, tendo sido previstos os mesmos riscos sociais arrolados desde a Constituição de 1934. É de se ressaltar a inclusão do salário-família, que fora instituído em norma infraconstitucional, no texto fundamental.

Em 1° de setembro de 1977, criou-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS – com a finalidade de integrar todas as atribuições ligadas à previdência social rural e urbana, tanto a dos servidores públicos federais quanto os das empresas privas, composto de sete entidades: INPS, IAPAS, INAMPS, LBA, FUNABEM, DATAPREV e CEME.

As Emendas n° s 7 e 8, de 1977, respectivamente, alteraram o quadro normativo constitucional, para o fim de autorizar a criação de contencioso administrativo destinado a resolver questões previdenciárias e disciplinar a questão do custeio do sistema previdenciário, respectivamente.

A Emenda n° 18, de 1981, por sua vez, acrescentou preceito que constitucionalizava a aposentadoria especial do professor aos 30 anos, e da professora aos 25 de tempo de serviço.

De outro lado, o vigor legislativo infraconstitucional continuava efervescente em matéria de previdência social, dispensando-se a enumeração cansativa das disposições legais pertinentes, bastando ressaltar a constante ampliação do rol de beneficiários e de qualidade das prestações, traçando o caminho para a construção de um sistema de seguridade social, como pretendido pela Constituição de 1988.


6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O FIM DELINEADO À PREVIDENCIA SOCIAL.

A nova Carta Magna de 1988 surge como ponto culminante da restauração do Estado democrático de direito, rompendo com o autoritarismo do regime militar.

O reflexo direito da participação de toda a sociedade civil brasileira, caracterizada pelo passado de exclusão das decisões políticas e econômicas da Nação, levou a um produto final extremamente heterogêneo e delineado por certas proteções corporativas.

Aliás, nesse ponto, vale transcrever a lapidar manifestação de Luís Roberto Barroso [45], a saber:

Na euforia – saudável euforia – de recuperação das liberdades públicas, a constituinte foi um amplo exercício de participação popular. Neste sentido, é inegável o seu caráter democrático. Mas, paradoxalmente, foi este mesmo caráter democrático que fez com que o texto final expressasse uma vasta mistura de interesses legítimos de trabalhadores e categorias econômicas, cumulados com interesses cartoriais, corporativos, ambições pessoais, etc.

Assim, ante ao marcante caráter heterogêneo da Constituição Federal de 1988, o seu texto não apresenta um predomínio político dominante.

Além disso, ao tentar afastar-se da experiência passada, e até por influência do constitucionalismo moderno, descreve com um grau de sutileza, miudezas casuísticas, prolixas, vindo gravada com várias inserções programáticas, com a intenção de balizar a atuação legiferante e da administração, culminando na construção de um corpo altamente analítico, compromissório e dirigente.

Em razão disso, é indispensável que sejam concretizadas as pretensões do constituinte por intermédio do instrumento da lei, em ação concreta do Estado Democrático de Direito. "Se inegavelmente a Constituição jurídica é condicionada pela realidade histórica, graças à sua força normativa, ela pode ordenar e conformar a realidade social e política, desde que não se proponha a implementar o irrealizável". [46]

Na realidade, como ensina Wagner Balera, a nova Carta Magna de 1988 instituiu um autêntico Sistema Nacional de Seguridade Social, o qual configura um conjunto normativo integrado de um sem-número de preceitos de diferentes hierarquia e configuração. [47]

O Sistema de Seguridade Social a que se propõe construir a Carta Magna de 1988 está assentado no trabalho como força motriz da Ordem, cuja finalidade deve ser o bem-estar e a justiça sociais, a fim de garantir a todos um mínimo quando submetidos a situações geradoras de necessidades sociais.

A universalidade de cobertura e do atendimento foi consagrada como princípio constitucional vetor do sistema de seguridade social. Inúmeros, aliás, são os princípios consagrados no texto constitucional que estão a indicar o ideário do sistema de seguridade social.

A Seguridade Social é uma técnica moderna de proteção social, que se busca implementar em prol da dignidade da pessoa humana. As suas diversas facetas, quais sejam, a assistência, a saúde e a Previdência Social, no sistema de Seguridade Social, deveriam atuar de articulada e integradas, mas percebe-se a existência de uma nítida separação no respectivo campo de atuação extraída do próprio texto constitucional.

Sobreleva referir que as prestações de saúde acabaram estendidas a toda a população, deixando de estar condicionadas ao cumprimento de obrigações precedentes. A assistência social, igualmente, não exige dos seus beneficiários a exigência do custeio, sendo devidas suas prestações a todos aqueles que se encontrem em situação de indigência.

Já as prestações de Previdência Social, em que pese o ideário constitucional de se vincular a um regime de seguridade social, continuam atreladas ao custeio prévio (art. 195, caput), limitando algumas espécies de prestações a certas categorias de trabalhadores, com prevalência dos trabalhadores empregados.

A separação das áreas que compõem o sistema de seguridade social, entre previdência, saúde e assistência é evidente, tendo como marco diferenciador principal justamente o espectro de abrangência das camadas de proteção, pois enquanto a saúde e a assistência social estão focadas para o atendimento do que se convencionou chamar de mínimos sociais, a previdência social busca "assegurar níveis economicamente mais elevados de subsistência, limitados, porém, a certo valor". [48]

Em razão disso, assevera-se que a existência de regras jurídicas destacadas sobre previdência – sobretudo de origem constitucional – é reveladora de uma estrutura modeladora da previdência social brasileira dotada de "especificidades capazes de conformar um sistema próprio (um subsistema), um regime jurídico-previdenciário, dentro da totalidade do sistema de seguridade social". [49]

Dentre as especificidades mais aparentes e manifestas do regime jurídico-constitucional-previdenciário está a sua organização em "caráter contributivo".

Assim, no que toca a Previdência Social, ainda que tenha experimentado uma enorme evolução nos últimos tempos, não conseguiu afastar-se por completo do regime de seguro social, porquanto tem como pressuposto para a concessão de suas prestações a necessidade de prévia contribuição por parte dos trabalhadores expostos aos riscos sociais, mesmo vigorando a contribuição tripartide. Isso não quer dizer que o princípio a solidariedade não seja um dos esteios do regime protetivo da previdência social (arts. 3° , I, e 195, caput).

A universalidade de cobertura e atendimento não se concretizou por completo, sendo um ideário a ser buscado pela Previdência Social brasileira.

Com efeito, a proteção social conferida pela previdenciária, na Carta Magna de 1988, recai diretamente e, preponderantemente, sobre a figura do trabalhador e seus dependentes, sejam do setor privado sejam do público.

Quanto ao fim da Previdência Social, Daniel Pulino afirma que:

[...] garantir condições básicas de vida, de subsistência, para seus participantes, de acordo, justamente, com o padrão econômico de cada um dos sujeitos. São, portanto, duas idéias centrais que conformam esta característica essencial da previdência social brasileira: primeiro, a de que a proteção, em geral, guarda relação com o padrão-econômico do sujeito protegido; a segunda consiste em que, apesar daquela proporção, somente as necessidades tidas como básicas, isto é, essenciais – e portanto compreendidas dentro de certo patamar de cobertura, previamente estabelecido pela ordem jurídica – é que merecerão proteção do sistema. Pode-se dizer, assim, que as situações de necessidade social que interessam à proteção previdenciária dizem respeito sempre à manutenção, dentro de limites econômicos previamente estabelecidos, do nível de vida dos sujeitos filiados. [50]

Da preciosa lição acima se pode extrair qual a efetiva finalidade da previdência social, cujo deslinde deve obediência aos limites econômicos, é a manutenção do nível de vida dos sujeitos filiados.

Não se separa a realidade econômica da realidade jurídica, pois não se pode pretender concretizar o irrealizável, daqui porque se deve obediência aos limites econômicos, na forma da lei. Aliás, as reformas constitucionais do texto original de 1988 caminham nesse sentido, especialmente a EC nº 20, de 1998, que veio para reforçar o regime previdenciário contributivo e de cobertura limitada a certo valor, dando ênfase, por outro lado, aos regimes de previdência social complementares, em que vigora a vinculação facultativa e sem limite de cobertura.

De outro lado, não há como negar que o texto constitucional original nasceu impregnado com uma proteção excessiva aos servidores públicos, que ensejou, inclusive, a configuração jurídica de um regime próprio de Previdência Social, muito mais benevolente que o regime dos demais trabalhadores da iniciativa. Decerto que tal contorno jurídico constitucional decorre da força corporativa dos servidores públicos que, como visto, desde o limiar da história da Previdência Social têm colhido vantagens de tal posição.

É tão evidente o poder de manobra dos servidores públicos que a recente reforma constitucional promovida pela Emenda nº 41, de 2003, sofreu diversos ataques, mesmo sendo de plena consciência de todos que não existe motivo, seja técnico, jurídico ou político, para se manter o disparate entre o Regime Geral de Previdência Social e o Regime Próprio dos Servidores Públicos. Contudo, aos poucos as barreiras corporativas vão sendo batidas.

De toda sorte, não obstante às críticas à Constituição Brasileira de 1988, perdida em minúcias desarrazoadas e marcada por opções políticas de contornos corporativistas, é evidente que maiores são seus méritos que os deméritos.

A Carta Magna de 1988, em nenhum momento, nega eficácia aos valores fundamentais conquistados a custa de duras penas ao longo da história da humanidade, protegendo todos os cidadãos contra eventuais abusos e garantindo-lhes, nem que seja o mínimo necessário para preservação de uma vida digna, elevando, inclusive, tais preceitos ao status de cláusulas pétreas (art. 60, §4º, II, da CRFB/88).


7. CONCLUSÃO

O ordenamento normativo constitucional não é perfeito, mas certamente representa um grande avanço em termos de Constituição de um Brasil moderno, já que se adota como ideário um modelo de proteção social assentado na proposta da Seguridade Social.

O constituinte de 1988, ao fazer esta opção, ao definir este conceito e torná-lo parte integrante da Constituição, fez uma opção radical pela modernidade, exatamente naquilo que temos de mais atrasado neste país, que são as relações entre o capital e o trabalho. [51]

Assim, grandes foram as conquistas do povo brasileiro em termos de proteção social no decorrer de sua evolução histórica, pois há menos de um século não se tinha sequer a garantia efetiva do Estado quanto às prestações de assistência social, enquanto que hoje caminha-se, a passos largos, para o ideário da Seguridade Social, assentada no bem-estar e na justiça sociais, esbarrando apenas em pressupostos fáticos, que decerto com muito luta e afinco serão batidos.

A Previdência Social, como uma das facetas desse sistema de seguridade social, por seu turno, ainda que não arraigada com técnicas do seguro social, também delineou substancial evolução, abarcando o maior número possível de protegidos, independentemente da sua força de trabalho, bem como selecionando e distribuindo suas prestações de forma a atingir o ideário do sistema de seguridade social.

Contudo, todo esse processo evolutivo pelo que passou e passa a Previdência Social é fruto de muita luta das classes sociais menos favorecidas, que sempre estiveram à mercê dos riscos sociais, como, também, do desenvolvimento da solidariedade que amadurece e ganha destaque na consciência dos homens.


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Notas

1 LEITE, Celso Barroso. Apud BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 16. Proteção social consiste no "conjunto de medidas através das quais a Sociedade assegura a seus membros um nível mínimo de condições de vida."

2 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 3° ed. São Paulo: Ed. dos Tribunais., 2003, p. 133-160.

3 Apud por MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 28

4 BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 15

5 PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr. 2001. p. 40. "Contigências sociais definem-se, pois, como classe de acontecimentos legalmente tipificados aptos a darem lugar às situações de necessidade social que serão supridas pelas prestações previdenciárias."

6 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Previdência Social. Rio de Janeiro: Forense. 1978, p. 2

7 "A mutualidade pode ser concebida como instituição que agrupa um determinado número de pessoas com o objetivo de se prestar a ajuda mútua, em vista de eventualidade futura". (RUPRECHT, Alfredo J. Direito da Seguridade Social. Trad. Edílson A. Cunha. São Paulo: LTr, 1996. p. 29)

8 DAIBERT, Jéferson. Direito Previdenciário e Acidentário do Trabalho Urbano. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 65/66.

9 ALMANSA PASTOR, Jose Manuel. Derecho de la Seguridad Social. 2. ed. Madrid: Ed. Tecnos, 1977. p. 111-112.

10 Idem. p. 80

11 ROCHA, Daniel Machado. O Direito Fundamental à Previdência Social na Perspectiva dos Princípios Constitucionais Diretivos do Sistema Previdenciário Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 26.

12 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Novas contribuições na seguridade social: entidades de fins filantrópicos. São Paulo: Ltr, 1997. p. 115-116

13 VENTURI, Augusto. Los fundamentos científicos de la seguridad social. Colección Seguridad Social, n° 12. Madrid: Ministerio do Trabajo y Seguridad Social, 1994. p. 47

14 Idem. p. 5-6

15 GODOY, Arnaldo Moraes. Revista da Procuradoria Federal Especializada – INSS. Brasília: MPS: INSS, 2003, Vol. 9, n° 3 (out/dez. 2002). p. 77

16 ROCHA, Daniel Machado. O Direito Fundamental à Previdência Social na Perspectiva dos Princípios Constitucionais Diretivos do Sistema Previdenciário Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 24.

17 CASTRO, C. A. P.; LAZZARI, J. B.; Manual de Direito Previdenciário. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 32

18 PERSIANI, Mattia. Diritto della Previdenza Sociale. Padova: CEDAM. 1998, p.6

19 FERNANDES, Aníbal; FREUDENTHAL, Sérgio Pardal. (Coord.) BALERA, Wagner. Curso de Direito Previdenciário, Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 121

20 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de "risco social". p. 25

21 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Previdência Social. Rio de Janeiro: Forense. 1978, p. 12-13.

22 VILLEY, Michel. Estúdios em Torno a la Noción de Derecho Subjetivo. Valparaíso: Ediciones Universitarias de Valparaíso, 1976. p. 149 e seguintes.

23 FEIJÓ COIMBRA, J. R. Direito Previdenciário Brasileiro. 2° ed. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1990. p. 37

24 MORENO, Ruiz. Nuevo derecho de la seguridad social. Apud CASTRO, C. A. P.; LAZZARI, J. B.; Manual de Direito Previdenciário. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 30

25 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de "risco social". p. 25

26 Idem. Ibidem. p. 23

27 De acordo com a teoria de Keynes, as depressões econômicas cessam, quando ocorre um aumento da demanda agregada, isto é, um aumento real dos gastos públicos, investimentos e consumo privado. Como a previdência social não acumula recursos, mas os redistribui, esse repasse dos que têm maior poder aquisitivo, pode expandir o consumo privado, fomentado a economia (BARROS JÚNIOR, Cássio Mesquita. Previdência Social Urbana e Rural. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 12)

28 CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1997. p. 182

29 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5° ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 22. "A previsão dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo".

30 MAZZONI, G.. Existe um Conceito Jurídico de Seguridade Social? Traduzido da Revista i Probemi della Sicurezza Sociale, nº 02, março-abril 1967. p. 34

31 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 524/526

32 Idem. Ibidem. P. 518

33 PEREZ LUÑO, Antônio-Enrique. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 6° ed. Madrid: Tecnos, 1999. p. 123

34 MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p. 204-205

35 ALVIM, Ruy Carlos Machado. Uma história crítica da legislação previdenciária Brasileira. RDT 18/12.

36 Idem. Ibidem. p. 12

37 BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 18

38 Idem. Ibidem. p. 14

39 ALVIM, Ruy Carlos Machado. Apud FERNANDES, Aníbal. Uma história crítica da legislação previdenciária Brasileira. RDT 18/13

40 ALVIM, Ruy Carlos Machado. Apud FERNANDES, Aníbal. Uma história crítica da legislação previdenciária Brasileira. RDT 18/21

41 BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 22

42 Idem. Ibidem. P. 24.

43 FEIJÓ COIMBRA, J. R. Direito Previdenciário Brasileiro. 2° ed. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1990. p. 50

44 ALVIM, Ruy Carlos Machado. Apud FERNANDES, Aníbal. Uma história crítica da legislação previdenciária Brasileira. RDT 18/25.

45 BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. In: ______. Doze anos da Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 9

46 ROCHA, Daniel Machado. O Direito Fundamental à Previdência Social na Perspectiva dos Princípios Constitucionais Diretivos do Sistema Previdenciário Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 72.

47 Idem. Ibidem. p. 11

48 PULINO. Daniel. A Aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTR. 2001. P. 33.

49 Idem. Ibidem. p. 34

50 Idem. Ibidem. p. 45/46

51 _____________. O Conceito de Seguridade Social na Constituição de 1988 – Aloisio Teixeira, in: A Previdência Social e a Revisão Constitucional, coordenador Marcelo Viana Estevão de Moraes. Ministério da Previdência Social, Comissão Econômica para América Latina. p. 36


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6881. Acesso em: 20 abr. 2024.