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Da interpretação e abrangência da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015

uma análise sobre as teses fixadas pelo TJPE em sede de IAC e os primeiros posicionamentos do STJ acerca do referido dispositivo

Da interpretação e abrangência da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015: uma análise sobre as teses fixadas pelo TJPE em sede de IAC e os primeiros posicionamentos do STJ acerca do referido dispositivo

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A ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015 foi idealizada para qualificar debates e produzir julgados mais consistentes, contribuindo para a uniformização da jurisprudência. Porém foi regulamentada de forma bastante simplista pelo legislador, o que fez surgir inúmeras dúvidas sobre a sua correta aplicação.

Resumo: Este artigo analisa o art. 942 do CPC/2015 com a pretensão de definir a correta interpretação e abrangência do referido dispositivo, além de abordar as principais controvérsias e questões ligadas às hipóteses de sua aplicação. Examinar-se-á também como o aludido dispositivo legal foi interpretado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, quando do julgamento do Incidente de Assunção de Competência nº 495116-8, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos REsps nºs 1733820/SC, 1771815/SP e 1762236/SP.

Palavras-chave: Técnica de complementação de julgamento não unânime; correta interpretação; abrangência; precedentes.


1.Introdução

A técnica de ampliação do colegiado foi estabelecida como sucedâneo ao recurso dos embargos infringentes nas hipóteses de julgamento não unânime de apelação, ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, e no agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

A regra está prevista no art. 942 do CPC/2015 e possui, em sua essência, objetivo similar ao dos embargos infringentes do CPC/1973, qual seja, qualificar os debates e produzir julgados mais consistentes, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente.

O objetivo deste trabalho é o de estabelecer qual seria a correta interpretação e abrangência do referido dispositivo, além de enfrentar as principais polêmicas e questões ligadas às hipóteses de sua aplicação. Em seguida, será feita uma análise de como o aludido dispositivo legal foi interpretado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), quando do julgamento Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 495116-8, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento dos REsps nºs 1733820/SC, 1771815/SP e 1762236/SP.


2. Natureza jurídica da técnica de ampliação do colegiado em julgados não unânimes

Inicialmente, para uma melhor compreensão do tema, cumpre transcrever o inteiro teor do art. 942 do CPC/2015:

Art. 942.  Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

§ 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.

§ 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.

§ 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

§ 4º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:

I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;

II - da remessa necessária;

Ao analisar a natureza jurídica do instituto, verifica-se ter a doutrina majoritária consolidado o entendimento de que o art. 942 do CPC/2015 não se configura como espécie recursal nova[2], mas sim uma técnica de julgamento a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito da controvérsia fática ou jurídica.

Nessa linha, por não se tratar de recurso, a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado nem lavratura de acórdão parcial antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado.

A esse respeito, vale conferir a lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:

O expediente previsto no art. 942 do CPC não ostenta natureza recursal. Não se trata de recurso, pois a regra incide antes de haver o encerramento do julgamento.

(...)

Sendo assim, não há necessidade de ser lavrado o acórdão. Colhidos os votos e não havendo unanimidade, prossegue-se o julgamento, na mesma ou em outra sessão, com mais outros julgadores, para que se tenha, aí sim, o resultado final, com a lavratura do acórdão. Se não há decisão ainda, o prosseguimento do julgamento com ampliação do número de julgadores não é recurso. O recurso, voluntário ou de ofício, pressupõe decisão anteriormente proferida. No caso do art. 942 do CPC, não há encerramento, mas prosseguimento do julgamento. Por não haver natureza recursal nesse procedimento, não é possível que haja embargos de declaração entre a constatação do julgamento por maioria e seu prosseguimento em nova sessão com ampliação do número de julgadores[3].

Essa mesma análise também é feita por Hermes Zaneti Jr:

Qual a natureza jurídica do art. 942? Recurso, incidente processual ou técnica de julgamento colegiado?

A técnica adotada exige alguma ponderação sobre a sua natureza jurídica. Na versão do art. 942, poderíamos aventar pelo menos três hipóteses: a) recurso (COSTA, 2014, p.399); b) incidente (LAMY, 2014, COSTA, 2014, P. 377); técnica processual para ampliação do julgamento colegiado não unânime em apelação, agravo de instrumento e ação rescisória.

A melhor doutrina no processo civil brasileiro classifica os recursos como remédio voluntário, idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna (BARBOSA, MOREIRA, 2003, p. 233).

A técnica processual do atual artigo não atende ao requisito da voluntariedade. Conforme o art. 942, caput, quando o resultado do julgamento for não unânime, o julgamento terá prosseguimento, isto é, continua de ofício, nos termos do regulamentado no regimento interno do respectivo tribunal.

(...)

Não sendo recurso, não há como aplicar, por consequência, os enunciados das Súmulas 281 do STJ e 207 do STJ, que previam o esgotamento da instância.

Por outro lado, também não será a nova técnica um incidente processual. Incidente processual diz respeito ao surgimento de uma questão incidental no processo. O voto divergente é uma questão incidental? Não. Não se instaura novo procedimento, não se remete a outra Corte, não se está discutindo uma matéria jurídica ou fática nova surgida no curso do julgamento. É a mesma Corte que analisa a questão, em continuidade, julgando a matéria. Como ainda não há decisão e não há, rigorosamente, interrupção necessária da sessão de julgamento ou incidente para resolução de questão nova, mas continuidade (tanto é assim que o CPC/2015 fala que, sempre que possível, a decisão será prolatada na mesma sessão, art. 942, § 1º, colhendo-se os votos de outros julgadores que componham o órgão colegiado), não há se falar de incidente.

Portanto, o instituto previsto no art. 942 é uma técnica de ampliação do julgamento para qualificar o quórum da votação nas apelações, nos agravos e nas ações rescisórias não unânimes[4].

No mesmo sentido é o ensinamento de José Miguel Garcia Medina:

Embora não se trate de recurso, mas de mero prosseguimento de julgamento com ampliação do quórum de juízes que proferirão voto, tal mecanismo surgiu, na tramitação legislativa do projeto de lei que aprovou o CPC/2015, como algo que faria as vezes dos embargos infringentes, recurso antes previsto nos arts. 530 a 534 do CPC/1973[5].

Outrossim, da leitura do seguinte trecho do parecer definitivo do ainda projeto do novo CPC na Câmara dos Deputados, apresentado pelo deputado Paulo Teixeira, que encampou as razões e a proposta feita pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro, constata-se inexistir dúvida de que a técnica de ampliação do colegiado não possui natureza recursal:

Houve muitos pedidos de retorno dos embargos infringentes ao projeto. Tal recurso havia sido retirado na versão oriunda do Senado Federal.

Os argumentos favoráveis a esse recurso são fortes: prestigia-se a justiça da decisão, com a possibilidade de reversão do julgamento, em razão da divergência.

Sucede que sua previsão traz também alguns problemas.

Há intermináveis discussões sobre seu cabimento, o que repercute no cabimento do recurso especial e do recurso extraordinário, que pressupõem o exaurimento das instâncias ordinárias. Há inúmeras decisões do STJ que se restringem a decidir se os embargos são ou não cabíveis.

Assim, neste relatório se propõe o acolhimento de sugestão que, de um lado, garante à parte o direito de fazer prevalecer o voto vencido, com a ampliação do quórum de votação, e, de outro, acelera o processo, eliminando-se um recurso e discussões quanto ao seu cabimento.

Cria-se, pois, uma técnica de julgamento muito simples: sempre que, no julgamento de apelação ou ação rescisória, houver voto divergente, o julgamento não se conclui, prosseguindo-se na sessão seguinte, com a convocação de um número de desembargadores que permita novo julgamento e, se o julgamento assim concluir, a reversão da decisão.

Com isso, simplifica-se o procedimento: não há necessidade de se recorrer, não há prazo para contrarrazões nem discussões sobre o cabimento do recurso de embargos infringentes. Havendo divergência, simplesmente o processo prossegue, com a ampliação do quórum e a continuidade do julgamento.

Alcança-se o mesmo propósito que se busca com os embargos infringentes, de uma maneira mais barata e célere, além de ampliada, pois a técnica tem aplicação em qualquer julgamento de apelação (e não em apenas alguns) e também no caso de agravo, sobre o qual silenciava o CPC/73 em tema de embargos infringentes[6].

De mais a mais, merece destaque o fato de a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 não constar no rol de recursos previstos no art. 994 do mesmo diploma legal, o que reforça a tese defendida pela maioria da doutrina de que tal instituto não ostenta natureza recursal, haja vista que o sistema recursal brasileiro é regido pelo princípio da taxatividade, ou seja, apenas os recursos previstos em lei serão admitidos.

Esse foi o entendimento firmado pela Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1733820/SC, cuja ementa dispõe:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CPC/2015, ART. 942. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DE JULGAMENTO. DECISÕES COM MAIOR GRAU DE CORREÇÃO E JUSTIÇA. ECONOMIA E CELERIDADE. APELAÇÃO NÃO UNÂNIME QUE REFORMA OU MANTÉM A SENTENÇA IMPUGNADA. EMPREGO AUTOMÁTICO E OBRIGATÓRIO.

1. Nos termos do caput do art. 942 do CPC/2015, quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial.

2. A técnica de ampliação do julgamento prevista no CPC/2015 possui objetivo semelhante ao que possuíam os embargos infringentes do CPC/1973, que não mais subsistem, qual seja a viabilidade de maior grau de correção e justiça nas decisões judiciais, com julgamentos mais completamente instruídos e os mais proficientemente discutidos, de uma maneira mais econômica e célere.

3. Contudo, diferentemente dos embargos infringentes do CPC/1973 - que limitava, no caso da apelação, a incidência do recurso aos julgamentos que resultassem em reforma da sentença de mérito -, a técnica de julgamento prevista no CPC/2015 deverá ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada.

4. A forma de julgamento prevista no art. 942 do CPC de 2015 não se configura como espécie recursal nova, porquanto seu emprego será automático e obrigatório, conforme indicado pela expressão "o julgamento terá prosseguimento", no caput do dispositivo, faltando-lhe, assim, a voluntariedade e por não haver previsão legal para sua existência (taxatividade).

5. Recurso especial provido.”

(REsp 1733820/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 10/12/2018).

Destacam-se, do voto condutor do mencionado REsp nº 1733820/SC, da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão, os seguintes excertos, que bem esclarecem não ter a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC de 2015 natureza recursal:

Outrossim, vale ainda mencionar, na linha da doutrina que já se debruçou sobre a matéria, que a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC de 2015 não se configura como espécie recursal nova.

Isso se deduz, em primeiro lugar, por faltar à sua utilização, a voluntariedade, ou seja, a facultatividade do direito de recorrer, porquanto seu emprego será automático e obrigatório, conforme indicado pela expressão "o julgamento terá prosseguimento", no caput do dispositivo.

(...)

Em segundo lugar, saliente-se, para corroborar a natureza não recursal, falta à técnica de julgamento previsão no rol de recursos elaborado pelo legislador do novo diploma processual, apresentado no art. 994 daquele documento.

Como se sabe, a taxatividade é também requisito para configuração de determinado instituto como recurso. Como corolário lógico do "princípio da legalidade", ela consiste na exigência constitucional (art. 22, I, da CF/1988) de que a enumeração dos recursos seja taxativamente prevista em lei federal.

Ressalta-se que esse mesmo entendimento foi adotado pela Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1771815/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. APELAÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. ART. 942 DO CPC/2015. NATUREZA JURÍDICA. TÉCNICA DE JULGAMENTO. CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE VOTO. POSSIBILIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

(...)

4. No caso concreto, diante da ausência de unanimidade no julgamento da apelação, foi aplicado, de ofício, o art. 942 do CPC/2015 a fim de ampliar o colegiado com a convocação de outros desembargadores.

Na continuidade do julgamento, um dos desembargadores alterou o voto anteriormente proferido para negar provimento à apelação e manter a sentença, resultado que prevaleceu, por maioria.

5. A técnica de ampliação do colegiado consiste em significativa inovação trazida pelo CPC/2015, tendo cabimento nas hipóteses de julgamento não unânime de apelação; ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença; e agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgou parcialmente o mérito.

6. O art. 942 do CPC/2015 não configura uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência.

7. Constatada a ausência de unanimidade no resultado da apelação, é obrigatória a aplicação do art. 942 do CPC/2015, sendo que o julgamento não se encerra até o pronunciamento pelo colegiado estendido, ou seja, inexiste a lavratura de acórdão parcial de mérito.

8. Os novos julgadores convocados não ficam restritos aos capítulos ou pontos sobre os quais houve inicialmente divergência, cabendo-lhes a apreciação da integralidade do recurso.

9. O prosseguimento do julgamento com quórum ampliado em caso de divergência tem por objetivo a qualificação do debate, assegurando-se oportunidade para a análise aprofundada das teses jurídicas contrapostas e das questões fáticas controvertidas, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente.

10. Conforme expressamente autorizado pelo art. 942, § 2º, do CPC/2015, os julgadores que já tenham votado podem modificar o seu posicionamento.

11. Não cabe a esta Corte Superior reexaminar as premissas fáticas sobre as quais se fundamentou o Tribunal local, a fim de verificar se houve efetivamente divergência, haja vista o óbice da Súmula nº 7/STJ.

12. Recurso especial não provido.

(REsp 1771815/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018).

Na oportunidade, prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que assim abordou a questão da natureza jurídica da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015:

Ao analisar a natureza jurídica do instituto, a doutrina majoritária consolidou o entendimento de que o referido dispositivo não enuncia uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito da controvérsia fática ou jurídica sobre a qual houve dissidência.

Como não se trata de recurso - nem mesmo de recurso de ofício, como a remessa necessária -, a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado, nem lavratura de acórdão parcial,

antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado.

A Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1762236/SP, reafirmou esse entendimento.

Pode-se dizer, portanto, que a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015, malgrado tenha surgido a partir do desaparecimento dos embargos infringentes, não se configura como espécie recursal nova; seja porque essa técnica é aplicada independentemente de iniciativa da parte, de forma automática e obrigatória, conforme indicado pela expressão "o julgamento terá prosseguimento", no caput do dispositivo; seja porque falta à técnica de julgamento previsão no rol de recursos previstos no art. 994 do CPC/2015.

Como é de sabença geral, o recurso é cabível contra uma decisão proferida. Na hipótese do art. 942 do CPC/2015, não há encerramento do julgamento. Colhidos os votos e não sendo unânime o resultado, incide a regra: convocam-se novos julgadores e prossegue-se na mesma sessão ou designa-se uma nova para prosseguimento do julgamento, ou seja, não há encerramento do julgamento, mas suspensão para prosseguimento com a ampliação do colegiado.

Com efeito, o art. 942 do CPC/2015, ao determinar a ampliação do número de julgadores se constatada uma divergência, possui o propósito de assegurar uma análise mais aprofundada das teses contrapostas, mitigando os riscos de que entendimentos minoritários prevaleçam em virtude de uma composição conjuntural de determinado órgão fracionário e garantindo que sejam esmiuçadas questões fáticas eventualmente controvertidas.

Assim, a técnica de ampliação do colegiado resulta em julgamentos mais maturados ao possibilitar um melhor exame sobre questões controvertidas na origem, especialmente as de natureza fática, cuja reapreciação é vedada às instâncias superiores.


3. Da necessidade de observância do princípio do juiz natural

Da leitura do art. 942 do CPC/2015, constata-se não ter o legislador disciplinado a forma de convocação dos outros julgadores necessários para o prosseguimento do julgamento nas hipóteses de incidência do referido dispositivo.

Na realidade, o aludido dispositivo sequer estabeleceu o número de julgadores que devem compor o colegiado ampliado, limitando-se a utilizar a expressão “em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial”.

Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, comentando sobre a temática, fizeram as seguintes considerações:

A decisão na apelação ou no agravo de instrumento deve ser tomada, no órgão colegiado, pelo voto de três membros (art. 941, § 2º, CPC). Um julgamento não unânime, nesse caso, é uma decisão com dois votos vencedores e um vencido. Logo, hão de ser convocados mais dois julgadores para que se possa, eventualmente, ser invertida a conclusão, agregando-se os dois novos votos ao vencido, tendo-se um resultato 2 x 3. Mas também é possível que os novos votos se somente aos votos até então vencedores, tendo-se um resultado de 4 x 1, ou ainda é possível que um dos novos votos se some aos votos até então vencedres e o outro, ao vencido, mantendo-se o resultado até então obtido, só que com uma votação de 3 x 2.”

(...)

Os outros dois julgadores devem ser convocados de acordo com definição prévia constante de regra do regimento interno. Em outras palavras, o regimento interno deve estabelecer critérios prévios e objetivos para a convocaão dos julgadores que irão complementar o julgamento iniciado, mas ainda não concluído totalmente. Essa definição prévia é fundamental e atende às exigências do principio do juiz natural[7].      

Com efeito, tendo em vista que, no julgamento de apelação ou de agravo de instrumento, a decisão será tomada, no órgão colegiado, pelo voto de 3 (três) juízes (§ 2º do art. 941 do CPC/2015), deverão ser convocados mais 2 (dois) juízes para o prosseguimento do julgamento de tais recursos na hipótese de incidência da regra prevista no art. 942 do CPC/2015, uma vez que tal número seria suficiente para inverter o resultado.

Nessa esteira, o Fórum Permanente dos Processualistas Civis (FPPC) aprovou os seguintes enunciados:

Enunciado n.  683: A continuidade do julgamento de recurso de apelação ou de agravo de instrumento pela aplicação do art. 942 exige o quórum mínimo de cinco julgadores.

Enunciado n. 684: Ofende o juiz natural a convocação de julgadores no caso do art. 942, ou no de qualquer substituição, sem critério objetivo estabelecido previamente em ato normativo.

O prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, acaso já existam julgadores em número suficiente para reversão do resultado do julgamento presentes (art. 942, § 1º, do CPC/2015), ou em qualquer outra, hipótese em que é imprescindível a colocação em pauta (art. 935 do CPC/2015).

 Como bem advertem Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero,

[se] for o caso de novo julgamento, é necessária a colocação em pauta com um cuidado adicional: é preciso que se indique quem são os julgadores convocados para o prosseguimento. É que somente a partir dessa informação será possível que as partes tenham condições de exercer plenamente o contraditório, direcionando seus esforços também para convencer os membros ocasionais do julgamento[8].

Assim, para que seja atendido o princípio do juiz natural, previsto no inciso XXXVII do art. 5º da CRFB/1988, os regimentos internos dos tribunais devem estabelecer critérios prévios e objetivos para a convocação dos dois desembargadores que irão participar, no julgamento de recurso de apelação ou de agravo de instrumento, da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015.


4. Ampliação do julgamento na apelação

A doutrina majoritária defende que, na apelação, o art. 942 do CPC/2015 aplica-se a qualquer julgamento não unânime[9]. Ou seja, tratando-se de apelação interposta contra sentença de mérito ou terminativa, tem lugar a aplicação da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015.

Nesse sentido, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha afirmam:

Na apelação, o art. 942 do CPC aplica-se a qualquer julgamento não unânime. Não importa o conteúdo do julgamento; se ele não for unânime, aplica-se a regra do art. 942 do CPC, com a convocação de mais dois julgadores para que se tenha prosseguimento. Se apelação for inadmitida por maioria de votos, se for desprovida por maioria de votos ou se for provida por maioria de votos, haverá incidência da regra. Basta que o julgamento seja não unânime.

(...)

Em alguns Tribunais, já há manifestação de entendimento segundo o qual o art. 942 do CPC somente deve ser aplicado no julgamento da apelação, se tiver havido modificação da sentença de mérito. Se o julgamento não unânime tiver concluído pela manutenção da sentença, não haveria incidência do dispositivo, cuja aplicação haveria de ser sistêmica, coerente e harmônica. Como no julgamento do agravo de instrumento e no da ação rescisória a regra só incide quando houver modificação da situação anterior, o mesmo deveria ocorrer com a apelação.

Tal entendimento não se revela adequado, conflitando com o texto expresso do art. 942 do CPC. A escolha política, manifestada no referido dispositivo, indica que, na apelação, a regra há de ser aplicada sempre que o julgamento não for unânime. No caso do agravo de instrumento e no caso da ação rescisória, a dupla conformidade afasta a aplicação da regra, de modo que só haverá sua incidência quando o resultado apontar, respectivamente, para a mudança da decisão agravada ou para a desconstituição da coisa julgada.

Enfim, na apelação, o art. 942 aplica-se sempre que houve julgamento não unânime, independentemente do seu conteúdo[10].

De fato, da leitura do caput do art. 942 do CPC/2015, percebe-se que, diferentemente dos embargos infringentes do CPC de 1973, o qual limitava, no caso da apelação, a incidência do recurso aos julgamentos que resultassem em reforma da sentença de mérito, o CPC de 2015 prevê o cabimento da técnica de julgamento "quando o resultado da apelação for não unânime", não havendo, na redação do dispositivo, referência a julgamento que reforma ou mantém a sentença de primeiro grau.

Em outras palavras, o art. 942 do CPC/2015 não limitou a ampliação do julgamento apenas às questões de mérito. Qualquer julgamento não unânime, quer verse sobre questões de direito material, quer sobre questões de direito processual, deve ser subjetivamente ampliado.

A leitura do parecer definitivo do ainda projeto do novo CPC na Câmara dos Deputados, apresentado pelo deputado Paulo Teixeira, alhures transcrito, leva-nos à conclusão de que o legislador, por ter criado uma técnica de julgamento bem mais simples e informal do que os embargos infringentes, teria decidido de forma consciente alargar seu cabimento para qualquer julgamento por maioria de votos na apelação.

Sobre essa questão, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, o Órgão Especial do TJPE, por apertada maioria (10 x 9), fixou a seguinte tese jurídica, a qual restou numerada como a sexta tese:

No recurso de apelação, incidirá o artigo 942, do CPC, sempre que o julgamento for não unânime, independentemente do seu conteúdo. As questões daí advenientes ficaram assim delimitadas:

a.1 Se, por maioria de votos, o apelo for provido para reformar sentença terminativa, incidirá a regra do artigo 942, do CPC;

a.2 Se, por maioria de votos, o apelo não for admitido, incidirá o artigo 942 do CPC;

a.3 Se, por maioria de votos, o apelo for desprovido, incidirá o artigo 942 do CPC;

a.4 Se, por maioria de votos, o apelo for provido para anular a sentença, incidirá o artigo 942 do CPC.

A Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1733820/SC, cuja ementa já restou transcrita acima, também fixou o entendimento de que “a técnica de julgamento prevista no CPC/2015 deverá ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada”.

O mencionado julgamento também se deu por maioria de votos (4 x 1 - o Ministro Raul Araújo ficou vencido). Naquela oportunidade, prevaleceu o voto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, Relator, que assim se posicionou sobre a ampliação do julgamento na apelação:

Sendo assim, não obstante as críticas à opção do legislador de adotar um escopo amplo para a técnica do art. 942 do CPC de 2015, na apelação, entendo que a interpretação não pode afastar-se da letra da lei, que não deixa dúvidas quanto ao seu cabimento em todas as hipóteses de resultado não unânime de julgamento da apelação, e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença de mérito.

Corroborando este entendimento, nota-se que, no caso da ação rescisória e do agravo de instrumento (art. 942, § 3°), o legislador teve o cuidado de especificar as hipóteses de cabimento da técnica processual, limitando, nesses casos, o âmbito de incidência deste dispositivo.

Ressalte-se que a Terceira Turma do STJ, quando do julgamento do REsp nº 1762236/SP, reafirmou esse entendimento, registrando que “a incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 não se restringe aos casos de reforma da sentença de mérito, tendo em vista a literalidade da disposição legal, que não estabelece nenhuma restrição semelhante ao regime dos extintos embargos infringentes”.

De fato, transferir a restrição contida nos parágrafos do art.942 do CPC/2015 para o caput seria subverter a previsão normativa, transformando a exceção em regra geral.

Dito isso, não faz sentido interpretar o caput do art. 942 do CPC/2015 a partir dos seus incisos e parágrafos.

A leitura do art. 11, inciso III, da Lei Complementar nº 95/1998 (dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis), reforça ainda mais essa ideia, ao prescrever que se deve “expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida”.

Em suma: a doutrina majoritária, bem como o entendimento firmado pelo Órgão Especial do TJPE, quando do julgamento do IAC nº 495116-8 e pelas Terceira e Quarta Turmas do STJ, nos julgamentos dos REsps nºs 1733820/SC e 1762236/SP, fixaram o entendimento de que, na apelação, basta a não unanimidade para o prolongamento do julgamento (independentemente do seu conteúdo), e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença de mérito.


5. Ampliação do julgamento no agravo de instrumento

Diferentemente da apelação, na qual a regra do art. 942 do CPC/2015 aplica-se a qualquer resultado não unânime, no julgamento do agravo de instrumento, a regra só se aplica quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito (inciso II do § 3º do art. 942 do CPC/2015).

Dessarte, por uma opção o legislador, no julgamento do agravo de instrumento não se aplica a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 nas seguintes hipóteses: a) se o julgamento for unânime; b) se o agravo não for admitido, ainda que por maioria de votos; c) se o agravo for admitido e desprovido, ainda que por maioria de votos; d) se o agravo for admitido e provido para anular a decisão, ainda que por maioria de votos; e) se o agravo for admitido e provido para reformar uma decisão que não trate do mérito, ainda que por maioria de votos.

Entendemos ser pertinente esclarecer não se aplicar a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 quando o agravo de instrumento for interposto para tentar reformar a decisão que apreciou o pedido de tutela provisória.

Isso porque, o art. 942, §3º, II, do CPC/15 refere-se à “decisão parcial de mérito” (introduzida pelo art. 356 do CPC/2015), a qual, como leciona Daniel Amorim, "produzirá coisa julgada material ao transitar em julgado, não sendo possível o juiz posteriormente modificar a decisão ao resolver a parcela do mérito que demandou a continuidade, ainda que parcial, do processo[11]".

Já a decisão que analisa a tutela provisória, embora se incursione, a rigor, no exame do mérito, tem caráter precário, podendo, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada (art. 296 do CPC).

Por outro lado, é importante ressaltar que uma leitura apressada do art. 942, § 3º, II, do CPC/2015 pode levar também a uma interpretação restritiva inadequada.

A esse respeito, vale conferir a lição de Hermes Zaneti Jr:

Entendemos incorreta uma interpretação que limite a incidência da técnica de ampliação do julgamento colegiado apenas na hipótese do agravo previsto nos arts. 354, parágrafo único (quanto ao art. 487, II e III), e 356, § 5º, do CPC/2015 (julgamento antecipado parcial do mérito). Isto porque, substancialmente, há decisões em agravo que dizem respeito ao mérito da causa e nestas haverá incidência da nova técnica de julgamento colegiado, mesmo sem representarem o julgamento antecipado parcial do mérito. Portanto, a correta interpretação do dispositivo do art. 942, § 3º, II, exige sua aplicação em todos os casos de análise do mérito em recurso de agravo[12].

De fato, parece-nos que, analogicamente à hipótese do art. 942, § 3º, II, do CPC/2015, deve caber semelhante ampliação no julgamento do agravo de instrumento interposto contra a decisão que analise o mérito da causa.

Esse, inclusive, foi o entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ no julgamento do REsp n.º 1797866/SP. 

De acordo com Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, “a extenção da técnica de ampliação do debate nessas hipóteses decorre da necessidade de unidade da ordem jurídica, especialmente de promover-se a sua coerência sistemática (art. 926 do CPC/2015)”[13]. 


6. Ampliação do julgamento em embargos de declaração

Para que incida a técnica de ampliação do colegiado estabelecida no art. 942 do CPC/2015 no julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão unânime proferido em sede de recurso de apelação, faz-se necessário que a decisão proferida nos aclaratórios seja não unânime e implique a alteração do julgamento anterior.

No caso do agravo de instrumento, a convocação de outros julgadores somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário e, consequentemente, alterar a decisão parcial de mérito então proferida pelo juízo de primeiro grau.

Isso porque, nesses casos, o julgamento terá se alterado, deixando de haver unanimidade e atraindo a incidência da regra prevista no art. 942 do CPC/2015.

Nesse ponto, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, o Órgão Especial do TJPE, por maioria de votos, fixou as seguintes teses jurídicas, as quais restaram numeradas como a oitava e nona:

Amplia-se o colegiado quando, por maioria de votos, a decisão dos embargos de declaração alterar o resultado unânime da apelação.

Não incidirá o artigo 942 do CPC, quando o provimento majoritário dos embargos de declaração, em nada alterar o conteúdo do ato judicial embargado.

Na ocasião, prevaleceu o voto proferido pelo Des. Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima, que assim se posicionou sobre a ampliação do julgamento nos embargos de declaração:

Em regra, os embargos de declaração têm caráter integrativo ou aclaratório, porquanto buscam, objetivamente, apenas a clareza da decisão. A sua função processual é de esclarecimento, de interpretação do decisum. Excepcionalmente, podem modificar o pronunciamento judicial embargado. Não raramente, diante do esclarecimento da obscuridade, da resolução da contradição ou do suprimento da omissão haverá uma alteração da decisão anterior. Para além disso, a jurisprudência firmou entendimento no sentido de admitir a força modificativa e infringente dos embargos declaratórios em casos de erro material manifesto ou de erro de fato. Nestes casos, os embargos têm caráter substitutivo, de modo que se o recurso que deu origem aos embargos de declaração estava subordinado a técnica do artigo 942 do CPC/15, eventual acolhimento dos embargos de declaração por maioria de votos faz incidir a aplicação da nova técnica de julgamento.

Pontue-se que no caso de acolhimento dos embargados de declaração com alteração substancial do resultado do julgamento embargado, mesmo quando o acórdão embargado tenha decorrido de decisão unânime, deverá haver a instauração do incidente a que alude o artigo 942 do CPC/15. É que, nestas circunstâncias, o acórdão dos embargos de declaração tem efeito substitutivo.

O Relator do IAC nº 495116-8, Des. Frederico Ricardo de Almeida Neves, defendeu uma interpretação mais ampla para a incidência da técnica de complementação de julgamento não unânime no julgamento dos embargos de declaração, nos seguintes termos:

O julgamento unânime da apelação não autoriza a incidência do artigo 942 do CPC. Sabe-se que a não unanimidade no julgamento do apelo – na conformidade do que ficou decidido por este Órgão Especial - é o único pressuposto exigido para a adoção da nova técnica de julgamento estendido. Todavia, contra o acórdão unânime proferido no julgamento de apelação, pode a parte interessada aviar embargos de declaração. Estes, como é cediço, têm natureza constitutivo-integrativa. É dizer, a decisão proferida em sede de embargos de declaração, passa, como se fosse um amálgama, a fazer parte integrante do ato judicial embargado.

Assim, podem os aclaratórios mudar a decisão do apelo ou transformar o que era unânime em não unânime, chamando a intervir a regra do artigo 942 do CPC. Deste modo, sendo os embargos de declaração acolhidos, por maioria de votos, para modificar o julgamento unânime da apelação, deverá ser suspenso o julgamento com a convocação de dois julgadores para o prosseguimento dos trabalhos. Mas, ainda que os embargos sejam desprovidos, por maioria, o voto vencido pode retirar a unanimidade do Acórdão embargado, fazendo incidir a regra do artigo 942 do CPC.

Pense-se na hipótese seguinte: contra o Acórdão unânime que nega provimento ao recurso de apelação, foram interpostos embargos de declaração com efeitos modificativos. Enquanto dois votos rejeitam os aclaratórios, um voto dá-lhe provimento para prover o apelo e reformar a sentença. Ora, neste caso, o voto vencido proferido no julgamento dos embargos, pela sua natureza integrativa, ao tempo em que faz desaparecer a unanimidade do julgamento da apelação, autoriza a incidência da nova técnica de julgamento ampliado.

Pensamos estar correta a tese defendida pelo Relator do IAC nº 495116-8, Des. Frederico Ricardo de Almeida Neves, no sentido de que incidirá a regra prevista no art. 942 do CPC/2015 mesmo na hipótese de os embargos de declaração serem rejeitados por maioria de votos.

Como é de conhecimento geral, a decisão que julga os embargos de declaração possui a mesma natureza do ato judicial embargado, notadamente em razão do efeito integrativo, próprio dos aclaratórios, que objetivam complementar e aperfeiçoar a decisão impugnada, exaurindo a prestação jurisdicional que se encontra inacabada.

Por conseguinte, o voto vencido proferido no julgamento dos embargos de declaração integra o acórdão da apelação ou do agravo de instrumento, e, estando preenchidas as demais regras de incidência da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015, deve-se reconhecer a possibilidade de aplicação da regra do mencionado dispositivo legal, mesmo na hipótese de os aclaratórios serem rejeitados por maioria de votos.

Mutatis mutandis, esse foi o entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ no julgamento do EREsp nº 1290283/GO, senão vejamos:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES (ART. 530 DO CPC/1973). DIVERGÊNCIA MANIFESTADA NO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS AO ACÓRDÃO UNÂNIME DA APELAÇÃO. CABIMENTO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

1. A decisão dos embargos de declaração possui a mesma natureza do ato judicial embargado, em razão do efeito integrativo, próprio dos aclaratórios, que objetivam complementar e aperfeiçoar a decisão impugnada, exaurindo a prestação jurisdicional que se encontra inacabada, configurando-se, portanto, o julgamento indireto da apelação.

2. São cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada desponta nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença.

3. Embargos de divergência providos.

(EREsp 1290283/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/04/2018, DJe 22/05/2018)

Naquela oportunidade, prevaleceu o voto do Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, ao qual nos reportamos por tê-lo como irrepreensível e perfeitamente aplicável à matéria em debate:

Assim, no caso em apreço, a sentença de primeiro grau havia julgado procedente o pleito inicial para condenar a instituição financeira ao pagamento de danos morais, os quais foram arbitrados em R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Contudo, o Tribunal de origem, por unanimidade, deu provimento à apelação interposta pela casa bancária, a fim de julgar improcedente o pedido.

Opostos embargos de declaração, o órgão colegiado, por maioria, rejeitou os aclaratórios, devendo-se ter em mente que o voto vencido mantinha a sentença de primeiro grau quanto ao mérito, porém reduzia a verba indenizatória para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Desse modo, constata-se que houve o julgamento indireto da apelação por meio dos embargos de declaração, momento em que se exauriu o julgamento do apelo e tornou acabada a prestação jurisdicional, o que, consequentemente, torna viável a oposição dos embargos infringentes.

Portanto, entendemos ter o Órgão Especial do TJPE, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, equivocado-se ao restringir a incidência da regra prevista no art. 942 do CPC/2015 apenas à hipótese de os embargos de declaração serem acolhidos por maioria.

Defendemos, portanto, que a técnica de complementação de julgamento não unânime incidirá sempre que o julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar a alteração do resultado anterior.

Por outro lado, pensamos não ser aplicável a técnica de ampliação do colegiado na hipótese de o órgão julgador decidir, por maioria de votos, sobre a admissibilidade dos embargos de declaração ou se o órgão julgador rejeitar ou acolher apenas para esclarecer uma obscuridade, suprir uma omissão, eliminar uma contradição ou corrigir um erro material, sem alterar o resultado anterior, ainda que por maioria de votos.


7. Ampliação do julgamento no agravo interno em apelação ou em agravo de instrumento

Pelo fato de o art. 942 do CPC/2015 não fazer menção ao agravo interno, poder-se-ia imaginar que a técnica de ampliação do colegiado prevista no mencionado dispositivo legal não incidiria no julgamento de tal recurso.

Contudo, conforme bem observaram Marco Aurélio Peixoto e Rodrigo Becker,

no julgamento de agravo interno, quer em razão de decisão monocrática em apelação, quer em função de decisão monocrática em agravo de instrumento contra decisão parcial de mérito, acaso admitido ou provido, resulta no julgamento da apelação ou do agravo de instrumento, razão pela qual, se a ausência de unanimidade resultar do mérito destes, deve sim ser o caso de aplicação da técnica[14].  

Essa também é o entendimento de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:

O relator pode, nos termos do art. 932, IV e V, do CPC, negar seguimento ou já dar provimento a recurso, em decisão isolada. Nesses casos, o relator julga, sozinho, o mérito do recurso, já lhe negando ou lhe dando provimento.  Dessa decisão cabe agravo interno, a ser julgado pelo colegiado competente para o julgamento da apelação ou do agravo de instrumento.

Se, ao examinar o agravo interno em apelação, o órgão fracionário proferir julgamento não unânime, deverá ser aplicado o art. 942 do CPC e haver a convocação de mais dois julgadores, a fim de que se tenha prosseguimento. É que, nesse caso, a apelação está sendo julgado no agravo interno, atraindo a incidência do referido dispositivo.

(...)

Quando o agravo interno for interposto contra a decisão do relator que julga o agravo de instrumento, a aplicação do art. 942 do CPC somente se dará se o julgamento for por maioria de votos para alterar a decisão proferida pelo juízo de primeira instância. Julgado o agravo de instrumento no agravo interno, com a reforma, por maioria de votos, da decisão do juízo de primeiro grau, devem ser convocados mais dois julgadores para que haja prosseguimento do julgamento, com a composição ampliada[15].

Sobre essa questão, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, o Órgão Especial do TJPE fixou as seguintes teses jurídicas, as quais restaram numeradas como a décima primeira e décima segunda:

Incidirá o artigo 942, do CPC, em julgamento não unânime de agravo interno em apelação, desde que a divergência guarde pertinência com o conteúdo do apelo;

Incide o artigo 942, do CPC, no julgamento não unânime de agravo interno em agravo de instrumento, quando reformar a decisão interlocutória de primeiro grau que antecipou parcela de mérito.

Convém registrar que, na hipótese de o julgamento, por maioria de votos, referir-se à admissibilidade do agravo interno, não se chegando a examinar a apelação ou o agravo de instrumento, não há de ser aplicada a regra decorrente do art. 942 do CPC/2015.


8. Ampliação do julgamento na ação rescisória

Aplica-se, ainda, a técnica do art. 942 do CPC/2015 ao julgamento não unânime proferido em ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença (art. 942, § 3º, I, do CPC/2015).

É pertinente registrar que, mesmo na hipótese de rescisão parcial, deve-se aplicar a técnica do art. 942 do CPC/2015 ao julgamento de procedência da ação rescisória. Nesse sentido, o enunciado 63 da I Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal: “A técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC aplica-se à hipótese de rescisão parcial do julgado”.

Nota-se que, da mesma forma que ocorre com o julgamento não unânime do agravo de instrumento, o legislador também limitou a aplicação da técnica prevista art. 942 do CPC/2015 no âmbito da ação rescisória.

Isso porque a mencionada técnica de ampliação do colegiado somente incidirá na ação rescisória quando for acolhido o pedido de rescisão da sentença.

É importante esclarecer que é a divergência verificada no juízo rescindente (desfazimento da coisa julgada) que acarreta a aplicação da regra do art. 942 do CPC/2015, e não a do juízo rescisório (rejulgamento da causa).

De acordo com Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha,

Da mesma forma que ocorre com o julgamento não unânime do agravo de instrumento, o art. 942 do CPC tem aplicação mais restrita no âmbito da ação rescisória: somente incide quando acolhido o pedido de rescisão da decisão rescindenda.

É preciso, porém, observar que há um detalhe, no caso da ação rescisória, que diferencia a aplicação do art. 942 do CPC. No caso da apelação e do agravo de instrumento contra decisão de mérito, outros julgadores são convocados para participar do julgamento. Não é isso que ocorre na ação rescisória. Nesta, não há convocação de novos julgadores. Há, em vez disso, uma transferência de competência: a ação rescisória, acolhida por maioria de votos, deve ter seu julgamento interrompido para que tenha prosseguimento “em órgão de maior composição previsto no regimento interno” (CPC, art. 942, § 3º, I)[16]. 

Além disso, é pertinente deixar claro que, se a ausência de unanimidade for registrada no julgamento do juízo rescindente, o órgão de maior composição previsto no regimento interno irá decidir não apenas sobre o juízo rescindente, mas também sobre o juízo rescisório.

Sobre esse ponto, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, o Órgão Especial do TJPE fixou a seguinte tese jurídica, a qual restou numerada como a segunda tese:

O órgão colegiado de maior composição, para o qual foi deslocada a competência para julgar a ação rescisória, exercerá o juízo rescindente, e, se disso for o caso, o juízo rescisório, rejulgando a causa por completo.

Contudo, é importante frisar que a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015 somente incidirá quando se tratar de ação rescisória destinada a rescindir sentença, e não acórdão. Reforça esse entendimento o fato de o inciso I do § 3º do art. 942 do CPC/2015 mencionar expressamente que a técnica de julgamento prevista neste artigo se aplica em ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença. Não houve, portanto, no mencionado dispositivo legal, previsão de aplicação da regra na hipótese de rescisão de acórdão.

Nesse sentido, a quinta tese jurídica fixada pelo Órgão Especial do TJPE no julgamento do IAC nº 495116-8: “A ação rescisória ajuizada contra acórdão, por ser da competência originária de órgão de maior composição, não atrai a incidência do artigo 942 do CPC”.

Ainda sobre a técnica de complementação de julgamento não unânime no julgamento da ação rescisória, é importante elucidar que tal regra prevista no art. 942 do CPC/2015 não se aplicará nos tribunais em que a rescisória é julgada pelo plenário ou pelo órgão especial, tendo em vista que o julgamento já se realizou no órgão de maior composição.


9. Embargos de declaração contra acórdão proferido por órgão com composição ampliada

Levando-se em consideração que os embargos de declaração devem ser julgados pelo órgão que proferiu o acórdão embargado, na hipótese de o recurso do qual se originou a decisão embargada ter sido proferido com composição ampliada, é esta mesma composição ampliada que deve julgar os aclaratórios.  

Nesse sentido, os enunciados 137 da II Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal e 700, do FPPC, respectivamente:

Se o recurso do qual se originou a decisão embargada comportou a aplicação da técnica do art. 942 do CPC, os declaratórios eventualmente opostos serão julgados com a composição ampliada”.

O julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão proferido pelo colegiado ampliado será feito pelo mesmo órgão com colegiado ampliado.

Outro não foi o entendimento firmado pelo Órgão Especial do TJPE no julgamento do IAC nº 495116-8, conforme se poder aferir pelo conteúdo da décima tese jurídica fixada: “Compete ao órgão colegiado de composição ampliada que proferiu o acórdão, julgar os embargos de declaração respectivos, mantidos os julgadores que participaram do ato embargado, se não estiverem afastados por qualquer motivo”.


10. Ampliação do julgamento em sede de apelação em processo de mandado de segurança

O art. 25 da Lei n. 12.016/2009 estabelece não caber, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes.

Segundo Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, tal dispostivo legal “perdeu sua eficácia normativa[17], pois não há mais embargos infringentes no sistema processual brasileiro[18]”.

Assim, levando-se em consideração que o instituto previsto no art. 942 do CPC/2015 não possui natureza recursal, a regra prevista nele aplica-se ao julgamento da apelação em mandado de segurança. Nesse sentido, o enunciado 62 da I Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal: – “Aplica-se a técnica prevista no art. 942 do CPC no julgamento de recurso de apelação interposto em mandado de segurança”.

Contudo, é importante destacar que a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015 não se aplica ao julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança, tendo em vista que o recurso ordinário já é julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) ou STJ por um colegiado composto por 5 (cinco) ministros, não se encaixando na hipótese prevista no aludido art. 942 do CPC/2015.


11. Questões polêmicas sobre a aplicação da técnica prevista no art.942 do CPC/2015

Consoante bem constataram Marco Aurélio Peixoto e Rodrigo Becker, uma das questões mais polêmicas sobre a aplicação da técnica de complementação de julgamento não unânime prevista no art. 942 do CPC/2015

diz respeito a como se dará a continuidade do julgamento na hipótese de se ter uma parte unânime e uma parte não unânime no julgado, isto é, se os desembargadores que haviam sido objeto de unanimidade ou se deverão restringir seus votos àquelas questões que haviam sido objeto de divergência[19].

A doutrina majoritária, por entender não ter a regra do art. 942 do CPC/2015 natureza de recurso, defende que a técnica de ampliação do colegiado não possui efeito devolutivo, “razão pela qual os novos julgadores, convocados para que o julgamento tenha prosseguimento, não estão limitados a decidir sobre o ponto divergente[20]”.

Ao se deparar com tal questão, o Órgão Especial do TJPE, no julgamento do IAC nº 495116-8, fixou as seguintes teses jurídicas, as quais restaram numeradas como a primeira e sétima teses:

O órgão colegiado de maior composição, para o qual foi deslocada a competência para julgar a ação rescisória, examinará toda a causa, inclusive as questões prévias já decididas, por unanimidade, no órgão originário.

Os julgadores convocados para o julgamento ampliado de apelação e agravo de instrumento, não estarão limitados ao capítulo da divergência, podendo votar sobre todo o objeto do recurso.

 A Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1771815/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, cuja ementa já restou transcrita acima, também trilhou nesse mesmo sentido ao assentar que “os novos julgadores convocados não ficam restritos aos capítulos ou pontos sobre os quais houve inicialmente divergência, cabendo-lhes a apreciação da integralidade do recurso”.

Naquela oportunidade, o Relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva asseverou que:

De fato, ao determinar a ampliação do número de julgadores se constatada uma divergência e facultar a revisão, o aperfeiçoamento e até a superação dos fundamentos expostos pelos julgadores na primeira sessão, o art. 942 do CPC/2015 ostenta o relevante propósito de assegurar uma análise mais aprofundada das teses contrapostas, mitigando os riscos de que entendimentos minoritários prevaleçam em virtude de uma composição conjuntural de determinado órgão fracionário julgador e garantindo que sejam esmiuçadas questões fáticas eventualmente controvertidas.

Reforça esse entendimento a parte final do caput do art. 942 do CPC/2015, que dispõe que serão convocados outros julgadores ‘em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores’.

Como referido trecho permite inferir, o intuito da norma é manter em aberto o julgamento até ulterior deliberação pelo quórum qualificado, garantindo-se a expressa possibilidade de reversão do resultado inicial.

Ademais, não se deve perder de vista que o § 2º do art. 942 do CPC/2015, ao estabelecer que “[o]s julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento”, deixou claro a intenção do legislador de que o jugamento está em aberto, razão pela qual todos os os julgadores devem examinar os pontos controvertidos e apreciar toda a controvérsia, para que, então, o julgamento seja dado por encerrado.

Logo, caso se admita o entendimento de que os julgadores convocados ou integrantes do órgão de maior composição somente podem examinar a parte não unânime da votação até então havida, teríamos um acórdão com um número de votos distintos, pois a parte unânime possuiria 3 (três) votos, enquanto a parte não unânime teria um número maior de votos, o que não pode ser admitido, pois o acórdão é um só.

Em resumo, a doutrina majoritária, bem como o entendimento firmado pelo Órgão Especial do TJPE, quando do julgamento do IAC nº 495116-8 e pela Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1771815/SP, fixaram o entendimento de que os novos julgadores convocados não estão limitados a decidir sobre os capítulos ou pontos sobre os quais houve inicialmente divergência, cabendo-lhes a apreciação da integralidade do recurso.

Ou seja, “os capítulos unânimes, antecedentes àquele em que foi instalada a divergência, não permanecerão intocáveis, podendo o órgão colegiado reabrir a discussão sobre todo objeto da causa, até mesmo reapreciar eventuais questões preliminares ou prejudiciais de mérito[21]”. 

Outra questão polêmica que restou dirimida pelo Órgão Especial do TJPE, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, era saber se o órgão colegiado de maior composição, para o qual for deslocada a divergência, conclua por julgar procedente o pedido rescindendo, mantendo, desse modo, a posição firmada pelos dois votos majoritários na primeira fase do julgamento, e resolvendo, assim, a matéria sob divergência, prosseguiria no julgamento quanto ao juízo rescisório, ou, ao contrário, o feito retornaria para o órgão originário, considerando que, à altura, ainda não seria possível saber se haverá divergência quanto ao esse capítulo ainda não julgado.

Sobre essa questão, foram aprovadas a segunda e quarta teses jurídicas:

O órgão colegiado de maior composição, para o qual foi deslocada a competência para julgar a ação rescisória, exercerá o juízo rescindente, e, se disso for o caso, o juízo rescisório, rejulgando a causa por completo.

Incidindo a regra do inciso I do § 3º do artigo 942, do Código de Processo Civil, o órgão de maior composição, para o qual foi deslocada a competência, julgará a causa na sua inteireza, sem a participação dos julgadores do órgão[22].

Entendemos ter o Órgão Especial do TJPE acertado ao definir que o órgão de maior composição, ao assumir a competência para o julgamento da rescisória, deve exercê-la até o final do julgamento, de forma a evitar a ocorrência de inúmeras idas e vindas do caso, o que iria de encontro aos princípios da eficiência (art. 8º do CPC/2015) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/1988).

Acreditamos que o mesmo raciocínio se aplica ao julgamento ampliado da apelação e do agravo de instrumento. Ou seja, uma vez ampliado o colegiado para o julgamento de tais recursos, a continuidade do julgamento deverá se dar até o final com o quórum mínimo de cinco julgadores.


12. Situações em que não se aplicará a técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015

Nos termos do § 4º do art. 942 do CPC/2015, não se aplica a técnica de ampliação do colegiado ao julgamento:

I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;

II - da remessa necessária;

III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

Por sua vez, os seguintes enunciados do FPPC preveem outras hipóteses em que não se aplica a regra do art. 942 do CPC/2015:

Enunciado n. 466. A técnica do art. 942 não se aplica aos embargos infringentes pendentes ao tempo do início da vigência do CPC, cujo julgamento deverá ocorrer nos termos dos arts. 530 e seguintes do CPC de 1973.

Enunciado n. 552. Não se aplica a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime no âmbito dos Juizados Especiais.

Também entendemos ser pertinente esclarecer que, conforme bem observado por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, a regra prevista no art. 942 do CPC/2015 “somente se aplica quando o resultado não for unânime. Se o resultado for unânime, não se aplica a regra, mesmo que haja divergência na fundamentação. A aplicação da regra depende de divergência no resultado, e não na fundamentação[23]”.


13. Questão intertemporal

Pela leitura dos arts. 14 e 1.046 do CPC/2015, constata-se ter o novo  diploma  processual, assim como o CPC/1973 (art.  1.211), adotado, como regral geral, a teoria do isolamento dos atos processuais, segundo a qual, sobrevindo lei processual nova, os atos ainda  pendentes  dos  processos  em  curso  sujeitar-se-ão aos seus comandos,  respeitada,  porém,  a eficácia daqueles já praticados de acordo com a legislação revogada.

Desse modo, anunciado o resultado não unânime do julgamento na vigência do CPC/1973, o recurso cabível será previsto nesse diploma[24]. Contudo, se o resultado de julgamento não unânime for proclamado na vigência do CPC/2015, ainda que a interposição do recurso ou o início do julgamento tenha se dado sob a égide do CPC/1973, será o caso de incidência da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015.

A esse respeito, explica Leonardo Carneiro da Cunha:

Esta é a hipótese de incidência do dispositivo: colheita de votos. Sem unanimidade na conclusão. Se uma apelação tiver sido interposta ainda sob a vigência do Código revogado, mas seu julgamento chegou, já na vigência do novo Código, nesse momento de conclusão não unânime, não caberão embargos infringentes, mas será o caso de incidência do art. 942 do CPC. Como está explicado no Capítulp VIII, o direito ao recurso nasce com a conclusão do julgamento e o seu anúncio pelo colegiado. Se, nesse momento, não couberem mais embargos infringentes, estes não poderão mais ser interpostos. Mas, se os votos não forem unânimes, em vez de se anunciar o resultado, devem-se convocar, nos termos do referido art. 942, os outros julgadores para ampliar o colegiado e concluir o julgamento[25].

A Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1733820/SC, cuja ementa já restou transcrita acima, também assentou o entendimento de que a “técnica de julgamento prevista no CPC de 2015 deve ser observada logo que vigente o novo diploma processual”.

Ainda sobre o tema, é pertinente esclarecer que a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1720309/RJ, esclareceu que “o cabimento e o regime recursal devem ser regidos pela lei vigente ao tempo da proclamação do resultado do julgamento”. Ou seja, ainda que a publicação do acórdão tenha se dado na vigência do CPC/2015, caso a proclamação do resultado tenha se dado na vigência do CPC/1973, será este o diploma legal que irá reger o recurso.

Isso porque o marco definidor da lei que regerá o recurso é a data em que a decisão se tornou pública. Nos julgamentos colegiados, considera-se publicada a decisão na data da proclamação do resultado do julgamento e não a data da intimação do acórdão pela imprensa oficial[26].

Em significativo precedente a propósito desta questão, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1762236 / SP, fixou as seguintes premissas:

a) Considera-se a data da proclamação do resultado do julgamento não unânime como marco temporal definidor da incidência da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015;

b) Na hipótese em que a conclusão do julgamento tenha ocorrido antes de 18/03/2016, mas o respectivo acórdão foi publicado após essa data, haverá excepcional ultratividade do CPC/1973, devendo ser concedida à parte a possibilidade de oposição de embargos infringentes, observados todos os demais requisitos cabíveis (Precedente: REsp 1.720.309/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07/08/2018, DJe

09/08/2018);

c) Quando a proclamação do resultado do julgamento não unânime ocorrer a partir de 18/03/2016, deve ser observado o disposto no art. 942 do CPC/2015, a ser aplicado de ofício pelo órgão julgador.

Vê-se, portanto, que a Terceira e Quarta Turmas do STJ fixaram, como regra geral, a tese de de que é a data da proclamação do resultado do julgamento não unânime que define a incidência da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015.


14. Consequência da não observância da regra prevista no art. 942 do CPC/2015

Levando-se em consideração que a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC de 2015 não se configura como espécie recursal nova, tendo em vista que o seu emprego será automático e obrigatório, conforme indicado pela expressão "o julgamento terá prosseguimento", no caput do dispositivo, pensamos que a sua não observância enseja a nulidade do acórdão.

No ponto, é lapidar a lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:

Percebe-se, então, que a existência da divergência é fato que leva à mudança na composição do órgão julgador. Assim, caso não seja observada a técnica do art. 942, CPC, o acórdão será nulo, por vício de competência funcional[27]. 

Importante destacar que esse também foi o entendimento firmado pelo STJ no julgamento dos REsps nºs 1733820/SC e 1762236/SP.

Em ambos os precedentes acima mencionados, o STJ declarou a nulidade do acórdão e determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que fosse convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do recurso, nos moldes do art. 942 do CPC/2015.


15. Conclusão

Diante de todo o exposto, percebe-se que a técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015, a qual foi idealizada para qualificar os debates e produzir julgados mais consistentes, contribuindo para a uniformização da jurisprudência, foi regulamentada de forma bastante simplista pelo legislador, o que fez surgir inúmeras dúvidas sobre a sua correta aplicação nos primeiros anos de vigência do CPC/2015.  

As considerações acima são produzidas com base nas primeiras impressões da doutrina e jurisprudência acerca da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015, com o escopo de estabelecer qual seria a correta interpretação e abrangência do referido dispositivo.

Portanto, trata-se de considerações iniciais, abertas a novas reflexões.


Notas

[2] Eduardo José da Fonseca Costa (“Pequena história dos embargos infringentes no Brasil: uma viagem redonda”. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. “Novas Tendências do Processo Civil”. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p. 399) é um dos poucos que discorda desse posicionamento. Para ele, a ampliação do colegiado em caso de divergênia tem natureza recursal, consistindo, na verdade, num recurso de ofício.

[3] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal - 16 ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2019, pp. 95/96.

[4] ZANETI JR., Hermes. Comentários ao novo Código de Processo Civil / coordenação Antonio do Passo Cabral, Ronaldo Cramer. - 2ª ed. - Rio de Janeiro, Forense, 2016, p. 1.371.

[5] Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 1.372.

[6] Parecer do Deputado Paulo Teixeira, p. 60. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios/parecer-do-relator-geral-paulo-teixeira-08-05-2013. Acesso em 21/05/2019.

[7] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., pp. 97/99.

[8] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 925 ao 975. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, v. 15, p. 243.

[9] José Miguel Garcia Medina (Op. cit., pp. 1.372/1.373) e Daniel Amorim Assumpção Neves (in: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado – 3 ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 1.594) fazem parte da doutrina minoritária que defende não fazer sentido que as restrições previstas no art. 942 do CPC/2015 para a rescisória (rescisão da sentença) e o agravo de instrumento (reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito) não sejam observadas em se tratando de apelação. Para eles, a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 somente deverá ser observada nos casos em que se der provimento à apelação interposta contra sentença de mérito.

[10] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., pp. 99/101.

[11] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit. p. 661.

[12] ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p.1.372.

[13] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 243.

[14] PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. O artigo 942 do CPC (técnica de ampliação do colegiado) em xeque. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/o-artigo-942-do-cpc-tecnica-de-ampliacao-do-colegiado-em-xeque-01022018. Acesso em 21/05/2019.

[15] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., pp. 103/104.

[16] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p. 105.

[17] Nesse mesmo sentido: ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 1.373.

[18] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p.107.

[19] PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. O artigo 942 do CPC (técnica de ampliação do colegiado) em xeque. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/o-artigo-942-do-cpc-tecnica-de-ampliacao-do-colegiado-em-xeque-01022018. Acesso em 21/05/2019.

[20] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p.98.

[21] PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. O artigo 942 do CPC (técnica de ampliação do colegiado) em xeque. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/o-artigo-942-do-cpc-tecnica-de-ampliacao-do-colegiado-em-xeque-01022018. Acesso em 21/05/2019.

[22] Nesse mesmo sentido, o enunciado 683 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis: “A continuidade do julgamento de recurso de apelação ou de agravo de instrumento pela aplicação do art. 942 exige o quórum mínimo de cinco julgadores”.

[23] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p.109. 

[24] Nesse sentido, o enunciado nº 466 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A técnica do art. 942 não se aplica aos embargos infringentes pendentes ao tempo do início da vigência do CPC, cujo julgamento deverá ocorrer nos termos dos arts. 530 e seguintes do CPC de 1973”.

[25] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Direito intertemporal e o novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 78.

[26] Nesse sentido, o enunciado nº 616 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Independentemente da data de intimação ou disponibilização de seu inteiro teor, o direito ao recurso contra as decisões colegiadas nasce na data em que proclamado o resultado da sessão de julgamento”.

[27] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p. 99.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Eduardo Jar e. Da interpretação e abrangência da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015: uma análise sobre as teses fixadas pelo TJPE em sede de IAC e os primeiros posicionamentos do STJ acerca do referido dispositivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5918, 14 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74338. Acesso em: 30 abr. 2024.