Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/7831
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O novo Código Civil e processo penal

O novo Código Civil e processo penal

Publicado em . Elaborado em .

Como se sabe, sob a égide do Código Civil anterior, eram absolutamente incapazes os menores de 16 anos e relativamente incapazes os maiores de 16 e menores de 21 anos (arts. 5º., I e 6º., I da Lei nº. 3.071/16).

Hoje, com o novo Código Civil (Lei nº. 10.406/02), também é cediço que são considerados absolutamente incapazes os menores de 16 anos e relativamente incapazes os maiores de 16 e menores de 18 anos.

Assim estão redigidas as novas disposições:

"Art. 4º - São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

"I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; (...)"

"Art. 5º - A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil."

Por outro lado, o Código de Processo Penal, em vários dispositivos, trata de matéria que tangencia a questão da maioridade, razão pela qual se mostra pertinente a indagação se tais dispositivos foram atingidos pela nova legislação civil.

Antes de enfrentarmos a pergunta acima ventilada, é preciso que tenhamos em mente que o próprio texto da lei civil estabelece expressamente o seguinte:

"Art. 2.043 - Até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código."

Não esqueçamos, outrossim, a Lei Complementar nº. 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, in verbis:

"Art. 9o. - A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas." (Redação dada pela Lei Complementar nº. 107/01).

Assim, em princípio, seria necessária uma modificação legislativa expressa no Código de Processo Penal, a fim de que se considerassem revogados pelo novo Código Civil alguns dos seus artigos.

Nada obstante esta última afirmativa, entendemos que restaram sem eficácia (apesar de ainda formalmente válidos) vários artigos do Código de Processo Penal. Alguns destes dispositivos legais não têm mais condições de produzir seus efeitos (e, por conseguinte, de ser aplicados), apesar de não ter havido uma revogação expressa (logo estão em vigência [01]).

Vejamos, então, cada artigo individualmente:

"Art. 15 - Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial."

Como é sabido, indiciado é aquele que está sendo investigado nos autos do inquérito policial. Não é necessário que se indique expressamente quem é o indiciado, pois este poderá ser identificado a partir do encaminhamento das diligências policiais, não sendo necessário um indicativo formal daquela condição. [02] O ideal é que o seja, mas não é pelo fato de inexistir uma referência explícita acerca desta condição que se possa negar, pura e simplesmente, a qualidade de investigado de alguém; se assim o fosse, o cidadão seria notificado para comparecer como testemunha de um crime (com o dever de falar, dizer a verdade, prestar juramento, ser conduzido coercitivamente, etc), quando, na verdade, já estava figurando no procedimento apuratório como investigado.

Sobre o indiciamento, confira-se duas decisões do Superior Tribunal de Justiça:

"RHC 1368/SP; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 1991/0014085-6. Relator: Ministro ASSIS TOLEDO. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 18/09/1991. Data da Publicação/Fonte: DJ 07.10.1991 p. 13978. Ementa: INQUERITO POLICIAL. DESPACHO GENERICO DE INDICIAMENTO REFERENTE A DIRETOR DE ENTIDADE, POR FATO QUE TERIA OCORRIDO DURANTE GESTÕES ANTERIORES. INDICIAMENTO PRECIPITADO, NÃO JUSTIFICADO, QUE CONSTITUI EVIDENTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO DE HABEAS CORPUS A QUE SE DA PROVIMENTO PARA DEFERIR A ORDEM E CASSAR O DESPACHO DE INDICIAMENTO."

"HC 8466/PR; HABEAS CORPUS 1999/0003165-2. Relator: Ministro FELIX FISCHER. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 20/04/1999. Data da Publicação/Fonte: DJ 24.05.1999 p. 183. LEXSTJ vol. 123 p. 341. Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSUM. INDICIAMENTO PRECIPITADO. INQUÉRITO. I - Se há indícios da prática de crimes, incabível o trancamento do inquérito. II - Todavia, o indiciamento só pode ser realizado se há, para tanto, fundada e objetiva suspeita de participação ou autoria nos eventuais delitos. Habeas corpus parcialmente concedido."

Na inquirição do indiciado devem ser observadas as regras próprias para o interrogatório feito em Juízo, inclusive atentando-se para todas as garantias previstas na Constituição e nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil [03], como, por exemplo, o direito ao silêncio e o de não auto incriminação; não há, porém, como já se disse, o contraditório, dado o já referido caráter inquisitorial do inquérito.

Pois bem.

Diz o art. 15 que ao "indiciado menor" dar-se-á curador. Ora, é possível falar-se hoje em indiciado menor? Obviamente que se trata de uma expressão que traz ínsita uma antinomia, pois ou o sujeito (de direitos) é indiciado (e não pode ser menor), ou é menor (e não pode ser indiciado).

Evidentemente que sob a ótica do Direito Civil anterior, o indiciado menor ao qual se referia o Código de Processo Penal era aquele entre 18 e 21 anos, pois, apesar de ser imputável do ponto de vista penal, ainda era considerado pela lei civil uma pessoa relativamente incapaz.

Hoje, diferentemente, como o maior de 18 anos não é mais relativamente incapaz, é claro que todo indiciado tem idade igual ou superior a 18 anos [04]; contrariamente, quem tem idade inferior a esta, jamais, pode ser indiciado em inquérito policial, não estando sujeito, sequer, às normas processuais penais.

Assim, todo indiciado é, atualmente, maior, pois todo menor está sujeito ao procedimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive na fase policial. Logo, "indiciado menor" não existe mais. O art. 15 perdeu o seu sentido como norma jurídica.

"Art. 34 - Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal."

Sabemos que o ofendido ou a vítima é o sujeito passivo da infração, aquele que sofreu diretamente a violação da norma penal ou, como diz Bettiol, a "pessoa que é efetivamente titular daquele interesse específico e concreto que o crime nega". [05]

Ora, à luz da nova lei civil, seria possível um representante legal para alguém com mais de 18 anos de idade? É evidente que não, salvo o caso de um incapaz mentalmente. Se o sujeito já completou 18 anos, é maior civilmente e, portanto, não tem representante legal (até porque não precisa), visto que é capaz absolutamente para todos os atos da vida civil.

Portanto, representante legal quem tem (e precisa) é a pessoa com menos de 18 anos, salvo, repita-se, o incapaz por doença mental.

A propósito, veja-se o art. 1.630 do Código Civil:

"Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores."

"Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade."

(...)

"Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

"I - dirigir-lhes a criação e educação;

"II - tê-los em sua companhia e guarda;

"III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

"IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

"V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

"VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

"VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

"Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

(...)

"III - pela maioridade."

Logo, como a representação legal é matéria regulada pela lei civil, quando o Código de Processo Penal refere-se a representante legal do ofendido, só pode ser da vítima menor de 18 anos, pois, se o ofendido tiver entre 18 e 21 anos, simplesmente não há (como achar) representante legal para ele.

Este artigo, destarte, tornou-se inaplicável, assim como a Súmula 594 do Supremo Tribunal Federal: "Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal."

Não há mais esta dupla (e independente) legitimidade.

Diga-se o mesmo dos seguintes artigos (e o nosso fundamento é igual):

"Art. 50 - A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais. Parágrafo único: A renúncia do representante legal do menor que houver completado 18 (dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro." (grifo nosso).

"Art. 52 - Se o querelante for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal, mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito." (grifo nosso).

"Art. 54 - Se o querelado for menor de 21 (vinte e um) anos, observar-se-á, quanto à aceitação do perdão, o disposto no Art. 52."

Havia também o art. 194, estabelecendo que se o acusado fosse menor, o interrogatório seria realizado na presença de curador. Este artigo, no entanto, já foi revogado pela Lei nº. 10.792/03.

Vejamos agora o art. 262, in verbis:

"Ao acusado menor dar-se-á curador."

O acusado é o sujeito passivo da relação processual figurando como parte no processo penal. Já na relação jurídico-material, ou seja, de Direito Penal, está no pólo ativo, pois, em tese, foi o autor de uma infração penal e irá responder ao processo criminal para que seja julgado.

Para Víctor Moreno Catena, o acusado "es la parte passiva necesaria del proceso penal, que se ve sometido al proceso y se encuentra amenazado en su derecho a la libertad, o en el ejercicio o disfrute de otros derechos cuando la pena sea de naturaleza diferente, al atribuírsele la comisión de hechos delictivos por la posible imposición de una sanción penal en el momento de la sentencia." [06]

Quando se trata de crime cuja iniciativa da respectiva ação penal seja privada, o acusado denomina-se querelado. Na ação penal pública o acusado, de regra, é chamado de réu. Outras denominações também são usadas como imputado, denunciado, etc.

Aliás, há na doutrina uma grande variedade terminológica quando se trata de designar o agente do crime, "enquanto considerado na óptica processual", como observa José António Barreiros.

Esclarece, por exemplo, este mesmo autor que em Portugal ao acusado dá-se o nome de réu, argüido, suspeito e indiciado; na Itália utilizam-se os termos "imputato, indiziato, sospettato, bem como arrestato e fermato quando o sujeito estiver privado da liberdade, sendo também usuais os termos inquisito, acusato e giudicabile". Complementa, ainda, o Professor da Universidade de Lisboa: "Também no direito espanhol existe enorme profusão terminológica, sendo usados os termos imputado, encausado, inculpado, procesado, denunciado, querellado, reo; no Direito francês a terminologia é menos variada, embora existam os termos prévenu e inculpé". [07]

Apenas as pessoas físicas, vivas e maiores de 18 anos, podem ser acusadas, restando excluídos, portanto, os mortos, os entes inanimados, os animais [08] e o menor de 18 anos.

Por exceção, nos crimes ambientais, disciplinados na Lei nº. 9.605/98, a pessoa jurídica também pode figurar no pólo passivo da relação processual, eis que passível de ser agente ativo de crime ambiental. [09]

Os insanos também o podem, até porque para serem submetidos à aplicação de uma medida de segurança é necessário que tenha sido observado o devido processo legal, com as garantias da ampla defesa e do contraditório, a fim de que restem provadas a autoria e a materialidade delituosas e se lhe absolva [10] com aplicação de uma medida de segurança (art. 386, parágrafo único, III, CPP). Observar no final deste trabalho a respeito da necessidade, ainda, de curador ao réu inimputável.

Algumas outras pessoas, no entanto, por gozarem de imunidades políticas e diplomáticas não estão legitimadas a figurar no pólo passivo de uma relação processual penal nas hipóteses em que se lhes concedem tais imunidades [11].

O acusado deve ser devidamente qualificado na peça acusatória (denúncia ou queixa), salvo justificável impossibilidade, quando, então, a lei exige esclarecimentos pelos quais se possam identificá-lo ao menos fisicamente (arts. 41 e 259 do Código de Processo Penal). Desta forma, a impossibilidade de uma perfeita qualificação do acusado não impede a propositura da ação penal, se possível for ao Ministério Público ou ao querelante apontar esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo. Portanto, como diz Mirabete, a "ausência da identificação nominal não impede a propositura e o curso do processo penal quando houver identidade física certa, pois que com esta se permite distinguir o acusado de outros indivíduos. É imperioso, entretanto, que a identidade física que respalda o oferecimento da denúncia ou queixa possa estremar o denunciado ou querelado das demais pessoas, tornando certa sua individualidade." [12]

O acusado é chamado ao processo através da citação, oportunidade em que também se lhe dá ciência da imputação feita pelo acusador, além de ser chamado para o interrogatório e para se defender. Se, citado pessoal e regularmente, não atender ao chamamento judicial deverá responder ao processo à revelia; se a citação foi editalícia, porém, a ausência injustificada acarretará a suspensão do processo e a do prazo prescricional (arts. 366 e 367, CPP).

Após a citação válida e o comparecimento do acusado, ele ainda deverá atender às notificações e intimações do Juízo, a fim de acompanhar a marcha processual e de poder praticar os atos que lhe forem próprios, sob pena do processo seguir sem a sua presença (art. 367).

O acusado não está obrigado a falar, nem mesmo a verdade, visto que tem direito ao silêncio (art. 5º., LXIII, CF) e de não se auto-incriminar, segundo o art. 8º., 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinada em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados em nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente, do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.

Todo acusado deve obrigatoriamente ser defendido por um profissional do Direito, a fim de que se estabeleça íntegra a ampla defesa [13], observando-se que esta defesa técnica não é meramente formal, mas substancialmente consistente e potencialmente eficaz, pois, como já ensinava o Mestre Frederico Marques, "dá-se defensor ao réu, para que haja atuação efetiva daquele órgão em prol dos interesses do acusado. Certo é que se não pode traçar a priori a orientação a ser seguida por aquele a quem a Justiça confiou o patrocínio da defesa do réu. Mas se estiver evidente a inércia e desídia do defensor nomeado, o réu deve ser tido por indefeso e anulado o processo desde o momento em que deveria ter sido iniciado o patrocínio técnico no juízo penal. Abraçar entendimento diverso a respeito do assunto, além de constituir inaceitável posição diante da evidência ictu oculi de real ausência de defesa, é ainda orientação de todo censurável e errônea, mesmo porque pode legitimar situações verdadeiramente iníquas." [14]

Entre os termos "defensor" e "procurador" há diferença doutrinária, reservando-se para este o advogado constituído pelo réu e aquele o nomeado pelo Juiz (ou dativo). O Código de Processo Penal, art. 577, discrimina nitidamente os dois termos ao dizer que "o recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor" (grifo nosso).

Pois bem; feitas tais considerações sobre o acusado, afirmamos que, obviamente, a exigência de curador para o réu com idade entre 18 e 21 anos mostra-se de aplicação inviável, pois, como dissemos em relação ao art. 15, ou o sujeito processual é acusado (e não é menor), ou é menor (e não pode ser acusado).

Vejamos a posição de Antonio Carlos da Ponte:

"Hoje, a discussão sobre a vigência ou não dos artigos 15 e 194 do Código de Processo Penal, frente ao novo Código Civil, encontra-se superada, face à edição da Lei nº 10.792/03, que, ao introduzir alterações no Código de Processo Penal, em seu artigo 2º, revogou expressamente o artigo 194 do Código de Processo Penal e, implicitamente, o artigo 15 do mesmo código. Na mesma linha, não tem mais vigência o artigo 262 do Código de Processo Penal, que obrigava a nomeação de curador ao "acusado menor", considerado como tal o agente que possuía mais de 18 anos e menos de 21. Outros dispositivos contidos no Código de Processo Penal também sofreram alteração. A partir do momento que o novo Código Civil considera como plenamente capaz quem possui 18 anos de idade, caberão a tais pessoas, sem a assistência de terceiros, requererem a instauração de inquérito policial (artigo 5º, Inciso I, do CPP); diligências à Autoridade Policial (artigo 14 do CPP); oferecerem diretamente queixa (artigos 19, 30 e 34 do CPP e artigo 100 do CP); elaborarem representação criminal (artigo 24 do CPP); requererem habilitação como assistente de acusação (artigo 268 do CPP). Nos processos que tratam de crimes da competência do Tribunal do Júri, o Juiz Presidente não terá mais que nomear curador ao réu menor de 21 anos. O artigo 449 do Código de Processo Penal foi derrogado pelo artigo 5º do novo Código Civil, na parte que trata do curador. A polêmica resultante da interpretação da Súmula nº 594 do Supremo Tribunal Federal igualmente deixou de existir. Caberá à vítima maior de 18 anos, com plena capacidade de entendimento e discernimento, exercer diretamente o direito de queixa ou de representação. A partir do momento em que o ofendido tomar conhecimento da autoria da infração, terá curso seu prazo decadencial. A figura do representante legal somente continuará a existir se o ofendido for semi-imputável ou inimputável. Na primeira hipótese, o prazo deverá ser contado de forma independente para a vítima e para seu representante legal, enquanto, na segunda, a decadência terá como termo inicial a data em que o representante legal do ofendido tomou conhecimento da autoria da infração penal. O artigo 34 do Código de Processo Penal foi revogado implicitamente pelo novo Código Civil, enquanto o artigo 38, pelos motivos apontados, sofreu sensível alteração. Na mesma linha, estão parcialmente revogados os artigos 52 e 54 do Código de Processo Penal. Como o agente maior de 18 anos, com higidez mental completa, é considerado plenamente capaz, caberá exclusivamente a ele a aceitação ou concessão do perdão judicial." [15]

Aliás, sobre a figura do curador, agora desnecessária, Frederico Marques entendia que ela agia como substituto processual, pois "encarna o interesse do Estado pela efetividade do direito de defesa, pelo que atua em nome próprio, órgão que é no momento daquele interesse estatal". [16]

Em relação aos artigos abaixo transcritos, entendemos ainda aplicáveis normalmente, até que norma futura, expressamente, venha a revogá-los [17]:

"Art. 279 - Não poderão ser peritos: (...) III - os analfabetos e os menores de 21 (vinte e um) anos."

"Art. 281 - Os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos."

"Art. 434 - O serviço do júri será obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 21 (vinte e um) anos, isentos os maiores de 60 (sessenta)."

Outro artigo que perdeu a sua eficácia, e os motivos já foram acima explicitados, foi o art. 449:

"Art. 449 - Apregoado o réu, e comparecendo, perguntar-lhe-á o juiz o nome, a idade e se tem advogado, nomeando-lhe curador, se for menor e não o tiver, e defensor, se maior. Em tal hipótese, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido." (grifo nosso).

Neste sentido veja-se a lição de Damásio de Jesus, Gianpaollo Poggio Smanio, Fernando Capez, Ricardo Cunha Chimenti, Victor Eduardo Rios Gonçalves, Vitor Frederico Kümpel e André Estefam Araújo Lima:

"Hoje, como o menor de 21 anos e maior de 18 não é mais relativamente incapaz, podendo exercer todos os atos da vida civil, desapareceram a necessidade de curador e a figura de seu representante legal. De modo que devem ser considerados ab-rogados ou derrogados, conforme o caso, todos os dispositivos do Código de Processo Penal que se referem ao menor de 21 anos de idade (e maior de 18) e à nomeação de curador (arts. 15, 194, 262, 449 e 564, III, c). Nas hipóteses em que as disposições fazem referência a representante legal, sem mencionar a figura do menor de 21 anos e maior de 18, não houve ab-rogação ou derrogação, devendo ser empregada simples interpretação do texto legal (arts. 14, 34, 38, 50, parágrafo único, 52 e 54). O que mudou foi o conceito (significado) da expressão "representante legal". Convém observar ser possível que a pessoa possua mais de 18 anos de idade, caso em que não existe mais a figura do representante legal. Mas é admissível que a vítima seja, por exemplo, um doente mental, caso em que subsiste o representante legal." [18]

Também Tourinho Filho tem o mesmo entendimento:

"Tampouco se pode falar em ´representante legal do maior de 18 anos`, salvo a hipótese de ser ele mentalmente incapaz. Observe-se que o Código de Processo Penal não diz quem é o representante legal do maior de 18 e menor de 21 anos. Se esse representante é legal, está previsto em lei, e como o CPP não disciplinou a matéria, segue-se haver o legislador processual penal, nesse particular, se abeberado em normas do Código Civil, sede própria, embora não exclusiva, para regular a capacidade das pessoas. A Constituição já havia reconhecido essa capacidade ao estabelecer a obrigatoriedade do voto aos maiores de 18 anos. Como o atual Código Civil não mais admite representação legal para os maiores de 18 e menores de 21 anos, não se pode dizer, sem cometer colossal enormidade, que essa disposição não atingiu o Código de Processo Penal. Se houver quem discorde desse entendimento, deverá indicar a lei que disciplina a representação dos maiores de 18 anos e dizer quem são esses representantes. E ganhará o reino dos céus quem o disser. Note-se que o instituto da representação legal, no sentido de alguém poder atuar legalmente em nome de outrem é matéria da alçada do Código Civil. Se este aboliu a representação legal dos maiores de 18 anos, a parte final do disposto no art. 34 do CPP tornou-se inaplicável. Não se pode esperar que um dia o legislador tome as necessárias providências para ajustar o Código de Processo Penal às disposições do novo diploma civil naqueles casos em que o anterior Código Civil forneceu elementos para a elaboração do estatuto processual penal. Exemplo: o problema da maioridade. O Código anterior estabelecia que a menoridade cessava aos 21 anos. Inspirado naquela disposição, o legislador processual penal a adotou em inúmeras passagens (arts. 15, 34, 52, 54, 194, 262, 564, III, c, 449 etc.). Dizendo o art. 34 que o direito de queixa do menor de 21 e maior de 18 pode ser exercido por ele ou pelo seu representante legal, e considerando que o CPP não disse quem é esse representante legal, doutrina e jurisprudência, sem discrepância valiam-se do instituto da representação do Direito Civil. Logo como cessou a representação legal do maior de 18, e sendo o CPP omisso a respeito, não mais havendo representante legal para os maiores de 18, indubitavelmente o art. 34 e outros artigos espraiados pelo CPP perderam sua importância. Em face do art. 5.º do diploma civil de 2002, é preciso adequar essas normas processuais penais ao novo diploma, o mesmo que as inspirou ao legislador processual penal. Não faz sentido, é um não-senso, permitir ao pai, hoje, exercer o direito de queixa ou de representação em nome do filho que já completou 18 anos. Da mesma forma que no ano passado, seria inconcebível um pai ofertar queixa em relação a alguém que houvesse ofendido a honra do seu filho que já havia completado os 21 anos. Hoje seria renovada a absurdez se ele oferecesse queixa como representante legal do filho que já atingiu a maioridade. Torna-se inevitável adequar a ratio da regra contida no art. 34, ao falar em ofendido menor de 21 e maior de 18 anos, à mudança que sofreu o diploma responsável pela fixação da maioridade aos 21 anos." [19]

Também, e por conseguinte, o art. 564, III, "c" não deve ser mais observado:

"Art. 564 - A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: (...) c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 (vinte e um) anos."

Por outro lado, é importante frisarmos a subsistência da figura do representante legal para os menores de dezoito anos e os insanos, para os fins, por exemplo, dos arts. 14 (requerimento de diligências policiais pelo ofendido), 24, caput (direito de representação), 33 (curador especial) e 38 (prazo para representação e queixa). Note-se, outrossim, que o menor de 16 anos continua sem ter os direitos de queixa e de representação, pois a idade mínima de 18 anos foi uma opção do legislador processual penal (influenciado certamente pela maioridade penal) para legitimar tais possibilidades de atuação processual.

Neste sentido, Tourinho Filho:

"Partindo dessa idéia, não seria justo que esse mesmo cidadão, considerado imputável, podendo ser sujeito ativo de crime não pudesse exercer o direito de ´queixa` ou de ´representação`. Por isso, o legislador processual penal procurando entrar em harmonia com o legislador penal encontrou na idade dos 18 anos um razoável sintonizador, permitindo àquele que completou 18 anos o exercício do direito de queixa ou de representação." [20]

Finalmente, também entendemos que a emancipação civil (art. 5º., parágrafo único, I a V do novo Código Civil) não afeta em absolutamente nada o processo penal, de maneira que o emancipado civilmente necessita, quando menor, de representante legal para os efeitos do processo penal (por exemplo: para oferecer queixa ou representação).


Notas

01 Validade formal ou técnico-jurídica, nas palavras de Miguel Reale. Para o filósofo, "a validade formal ou vigência é, em suma, uma propriedade que diz respeito à competência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento do Direito no plano normativo", enquanto a eficácia refere-se "aos efeitos ou conseqüências de uma regra jurídica. Não faltam exemplos de leis que, embora em vigor, não se convertem em comportamentos concretos, permanecendo, por assim dizer, no limbo da normatividade abstrata." (Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19ª. ed., 1991, p. 114). Na mesma linha, Bobbio ensina que "validade jurídica de uma norma equivale à existência desta norma como regra jurídica." Já a eficácia de uma norma diz respeito ao "problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida (os chamados destinatários da norma jurídica) e, no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou. Que uma norma exista como norma jurídica não implica que seja também constantemente seguida." (Teoria da Norma Jurídica, São Paulo: Edipro, 2001, pp. 46/47).

02 Para Hélio Tornaghi, "em relação ao indiciado, não há necessidade de qualquer ato declaratório ou constitutivo dessa qualidade; ela decorre das circunstâncias. Não é indiciado quem foi qualificado e identificado pelo processo datiloscópico, mas, ao reverso, pode ser feita a identificação de quem é indiciado". (apud Afrânio Silva Jardim, Direito Processual Penal, 7ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 178). Exatamente por isso, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, vem concedendo habeas corpus para garantir que o paciente seja ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito como indiciado/investigado, e não mera testemunha.

03 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro através do Decreto nº. 592/92 e Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, promulgado entre nós pelo Decreto nº. 678/92.

04 Diz a Constituição, no art. 228, que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.

05 Giuseppe Bettiol, Direito Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. III, 1976, p. 46.

06 Derecho Procesal Penal, Madrid: Editorial Colex, 1999, p. 657.

07 Processo Penal – 1, Coimbra: Almedina, 1981, p. 390.

08 Walter Coelho lembra-nos "que no esplendor da civilização helênica, Platão aceitava que se infligisse punição aos então denominados ´animais assassinos`. E, se avançarmos mais na História, encontraremos no livro ´Bestie Delinquenti`, de Abdosis, referência a mais de uma centena de processos instaurados contra animais. Assim, mesmo sem recuar às primitivas sociedades da antiguidade oriental, veremos que a Idade Média foi pródiga em imputar crimes aos irracionais, com especial predileção a bodes e assemelhados, que, juntamente com ´feiticeiras`, ardiam nas fogueiras da ´santa` inquisição pelo crime de pactuarem com o diabo. Onde hoje se situa a Bélgica, no século XVI, executava-se o touro pela morte de um homem, enquanto que no Brasil, já no século XVIII, tem-se notícia que os bons frades franciscanos de Santo Antônio, em São Luiz do Maranhão, fortes no Direito Canônico, processaram todos os componentes de um formigueiro que vinham ´furtando` a dispensa daquela comunidade eclesiástica." (Teoria Geral do Crime, Vol. I, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 41). Cesare Lombroso, em sua obra clássica, "O Homem Deliqüente" (Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001, p. 53, nota 1), historia: "A Lei Mosaica (Êxodo, XXI) condenava à morte por apedrejamento o boi que causasse a morte de um homem, e, se o fato se repetisse, também o proprietário. Na Idade Média, condenavam-se os animais homicidas ou perniciosos à agricultura (Lacassagne). Já no reinado de Francisco I, davam-lhes um advogado. Em 1356, em Falaise, uma porca que havia devorado uma criança foi condenada a morrer pela mão do carrasco. O Bispo de Autum excomungou ratos que haviam roído objetos sagrados. Benoist Saint-Prix registra 80 condenações desse gênero, atingindo todo tipo de animais, desde o asno até a cigarra. A municipalidade de Torino comprara da Santa Sé, por intermédio do embaixador, uma maldição contra lagartas, e o bispo, em grande pompa, acompanhado do prefeito e assessores, proclamava-a do alto de um palanque armado na praça do castelo. Os processos desse tipo também eram freqüentes. Em Verceil, houve um grande debate sobre a questão de saber se certas lagartas deveriam ser julgadas pelo tribunal civil, ou pelos tribunais eclesiásticos, porque haviam danificado as vinhas da paróquia (Lessona, 1880, Turim)."

09 Sobre a possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica (com a qual absolutamente não concordamos), leia-se "La Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas", de David Baigún, Buenos Aires: Depalma, 2000; "Responsabilidad de las Personas Jurídicas en el Derecho Penal", de Gustavo Eduardo Aboso e Sandro Fabio Abraldes, Montevideo: Julio César Faira Editor, 2000; "Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias e Direito Penal", coordenado por Luiz Flávio Gomes, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999; "Crimes Contra o Ambiente", de Luiz Regis Prado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998 e "Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica", de Sérgio Salomão Shecaira, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

10 Absolvição imprópria, segundo terminologia consagrada pela doutrina.

11 Sobre o assunto, indicamos a obra de Miguel Ângelo Ciavareli Nogueira dos Santos, "Imunidades Jurídicas", São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003.

12 Processo Penal, São Paulo: Atlas, 1996, 7ª. ed., p. 331.

13 Conferir a respeito o que escrevemos no artigo sobre o interrogatório.

14 Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 388.

15 http://www.cpc.adv.br/Doutrina/Penal/breves_consideracoes_ponte.htm

16 Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 41.

17 Art. 2.043 do Código Civil e art. 9º. da Lei Complementar nº. 95/98 (com redação dada pela Lei Complementar nº. 107/01).

18 JESUS, Damásio de. Mesa de Ciências Criminais – A nova maioridade civil: reflexos penais e processuais penais. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev. 2003. Disponível em: <www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>.

19 http://www.intelligentiajuridica.com.br/artigos/artigo3-oldmar2003.html

20 http://www.intelligentiajuridica.com.br/artigos/artigo3-oldmar2003.html


Autor

  • Rômulo de Andrade Moreira

    Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo de Andrade. O novo Código Civil e processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 923, 12 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7831. Acesso em: 19 mar. 2024.