Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/8060
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O atual art. 285-A do CPC

breves anotações da Lei nº 11.277/06

O atual art. 285-A do CPC: breves anotações da Lei nº 11.277/06

Publicado em . Elaborado em .

Introdução:

            Pretende-se, nestas breves linhas, alinhavar algumas considerações sobre a recente alteração realizada no Código de Processo Civil, a qual incluiu o artigo 285-A, determinando o seguinte:

            Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

            § 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

            § 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

            É bem verdade que, em um primeiro momento, tal situação poderia figurar como chocante, pois estaria sendo alterado todo o ordenamento jurídico vigente no digesto processual de 1973, permitindo julgar o mérito desfavoravelmente ao autor sem sequer ser realizada a citação.

            Tal medida, no entanto, mostra-se salutar e prudente, pois vem ao encontro do anseio social de buscar abreviar o tanto quanto possível a duração dos processos, respeitando, obviamente, os princípios cardeais do processo.

            Além do mais, como se verá mais adiante, não é nova a possibilidade de se resolver a demanda apresentada, com resolução de mérito, ainda na peça exordial, sem a citação do réu.

            O fato inconteste é que se amontoam nas varas processos com já estéreis discussões, cujas teses que outrora empolgavam os operadores do direito, mas hoje já são decaídas, servindo apenas em prol daqueles que buscam na justiça uma cartada de sorte ou um pouco mais de tempo para tentar superar dificuldades que se avançam – mas não é o objeto destas linhas discutir a legitimidade de tais posturas.

            O que se mostra agora possível é que, se determinada matéria é questão que já foi revolvida a fundo pela convicção do juiz sobre essa posição jurídica, melhor então é que se abrevie o processo ao máximo possível.

            Imaginemos a seguinte situação. Determinada parte busca sustentar que as empresas administradoras de cartões de crédito não são equiparadas as instituições financeiras, apresentando para tanto suas razões. O magistrado, que já estudou tal matéria, pode perfeitamente entender que neste caso se aplica a regra da súmula 283 do STJ.

            Nessa situação, o que aconteceria, então, antes da atual regra ora comentada? Responde-se: um despacho liminar de conteúdo positivo para realização da citação, o cumprimento do mandado e sua juntada aos autos, a juntada da contestação, a manifestação em réplica, uma talvez audiência preliminar, quiçá uma prova pericial e uma sentença desfavorável ao autor. Todo esse iter processual ira durar meses, quiçá alguns anos.

            O que se realiza, então, é uma abreviação de meses ou anos, pois se a matéria é exclusivamente de direito, essa questão já poderia ter sido resolvida desde logo, abreviando a ansiedade do autor.

            Esse é, na verdade, o grande protegido. O autor, não o réu!

            Com essa otimização, o autor ganha um precioso tempo na resolução de seu problema, evitando-se uma delonga processual que, desde o início, já estaria fadada ao insucesso na consciência do magistrado. Ao se aperfeiçoar o tempo, aperfeiçoam-se também os gastos do autor, evitando impor-lhe custos processuais que seriam desnecessários.

            Não se pode esquecer que "a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6º, parágrafo 1º, que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um ‘prazo razoável’ é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível" [01].


O respeito a norma constitucional do art. 5º, LV da CRFB.

            Teve a regra em comento o óbvio cuidado de não afrontar a norma constitucional que determina o respeito ao contraditório e a ampla defesa, pois não haverá ao réu qualquer prejuízo, já que em nada estará sendo esse prejudicado.

            É indubitável que esse princípio não se destina apenas uma das partes, mas a todas essas e também ao próprio magistrado. "A garantia deste resolve-se portanto em um direito das partes e uma série de deveres do juiz. É do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz" [02].

            A garantia do justo processo ao autor não se caracteriza pela delonga do processo, mas sim por uma rápida e eficiente prestação da tutela jurisdicional.

            Ao autor, garante-se o direito de recorrer, o que lhe permitirá reverter a decisão que lhe foi desfavorável e sustentar, agora já nos Tribunais, sua tese jurídica.

            Para essa sustentação, não se impôs qualquer limite, o que permite que sua discussão perpasse por todos os tribunais, já que não existe limitação de discussão sobre matéria de direito, mas apenas sobre apreciação de questões de natureza fática. Admitir-se-ão tanto recursos ordinários como excepcionais. A tal respeito, lembre-se de que "são ordinários os recursos cujo objeto imediato é a tutela do direito subjetivo do recorrente, pode-se discutir questões de fato e de direito.. . Já nos recursos excepcionais, cujo objeto imediato é a tutela do direito objetivo (Constituição da República e direito federal), e apenas mediatamente se tutela o direito subjetivo, apenas questões de direito poderão ser suscitadas." [03].

            Assim, mantendo-se ativo o princípio do duplo grau de jurisdição, na forma em que se encontra, permite-se um correto equilíbrio de forças, evitando-se abusos eventuais de teses desnecessárias, que podem ser logo corrigidas pelo juízo ad quem.

            Nem se diga que tal correção recursal poderia importar em demora, pois verificando o relator do recurso de apelação a existência de decisão que se manifeste em afronto a posição jurisprudencial dos tribunais superiores, poderá de ofício conceder provimento ao recurso, na forma do art. 557, §1º-A. Bastará para tanto que o autor a postule.

            Além do mais, mesmo após a sentença, pode-se conceder a antecipação de tutela, pois "tem-se admitido a possibilidade de concessão da medida mesmo após a prolação da sentença, se a situação de perigo for iminente, e tiver surgido nesse momento, havendo recurso com efeito suspensivo pendente de julgamento. Em casos assim, a decisão sobre a medida não caberá mais ao juiz da causa, mas ao relator do recurso" [04].


Precedentes legais de julgamento de mérito no direito brasileiro e a possibilidade do juízo de retratação no recurso de apelação:

            Não há que se estranhar a regra do §1º desse artigo comentado, ao afirmar que o magistrado passa a ter o prazo de 5 (cinco) dias para manter ou não a sentença, permitindo-lhe, portanto, retratar-se da sentença de mérito e permitir o prosseguimento comum do processo.

            O ordenamento jurídico já previa, há muito tempo, a possibilidade de o magistrado retratar-se de sentença proferida, mesmo que seja de mérito, seja de forma direta ou indireta.

            Diretamente pelo art. 296 do CPC, na hipótese do indeferimento de petição inicial, o magistrado pode rever seu decisum no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

            Não se olvide que o indeferimento da petição inicial não se dá apenas por sentença sem julgamento de mérito, mas também por sentença de mérito, se o juiz rechaçar a peça vestibular por decadência ou prescrição (art. 295, IV c/c art. 269, IV, do CPC).

            A outra hipótese de retratação direta é aquela do art. 198, VII do ECA (Lei nº 8.069/90), que também prevê a hipótese de retratação e não faz qualquer distinção entre sentenças com ou sem resolução do mérito e, como não diz o prazo para tal retratação, deverá esse ser de 05 (cinco) dias, por força do art. 185 do CPC.

            Indireta é a via do recurso de embargos infringentes previstos no art. 34 da Lei de Execução Fiscal (LEF – Lei nº 6.830/80), pois, nas hipóteses de sentença de primeira instância de valor igual ou inferior a 50 OTN, esse recurso será julgado pelo próprio juiz monocrático, que em 20 (vinte) dias poderá rejeitar o recurso ou reformar a sentença.

            Também o juiz realiza, indiretamente, esse juízo de retratação quando impõe aos embargos de declaração o efeito infringente, modificando-lhe o julgamento.

            Repita-se, pois, que a idéia não é nova e resguarda o direito de retratação.

            Porém, há que se realizar uma separação importante.

            O julgamento de mérito no curso do processo pode acontecer normalmente a qualquer momento após a citação do réu, conforme art. 330, I, do CPC. Mas, nesse caso, há uma distinção importante. Nessa hipótese, não se pode falar em juízo de retratação. Esse somente cabe nas hipóteses expressamente previstas em lei.


Os requisitos de aplicabilidade:

            Para aplicar a norma em questão, não há maiores formalidades. A lei apenas determinou quais são as hipóteses que permitem tal julgamento.

            Diz a lei que esse julgamento só pode ocorrer se "a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos".

            Mas o juiz não deve descurar de que esse julgamento de mérito somente será permitido se as ditas condições da ação e os pressupostos processuais estiverem presentes, pois, caso tal hipótese não ocorra, não se poderá ser aplicado o julgamento de mérito, por violação ao sistema processual vigente.

            Obviamente, eventuais discussões fáticas não serão óbices ao julgamento do feito, se essas forem dependentes da questão de direito. Não se esqueça que, na hipótese de cumulação sucessiva do pedido, o segundo pedido somente será alcançado se o primeiro for procedente. Caso contrário, não se cogita desse segundo pleito. "Trata-se, aliás, de demanda condicional (a segunda), já que sua apreciação fica submetida a um evento futuro e incerto (a procedência do primeiro pedido), que se manifestará dentro do próprio processo" [05].

            Mas nada impede que o magistrado formule alguma exigência para fins de esclarecimento ou regularização da relação processual, pois obviamente há que se preferir sempre o julgamento desse feito com a resolução do mérito do que sem mérito, pois, na primeira hipótese, define-se de uma vez por todas a relação jurídica, o que não aconteceria na última hipótese.

            Há ainda um ponto a se destacar favoravelmente. A novel regra não engessa o juízo singular através de súmulas ou entendimentos de tribunais superiores, como vem sendo comum no processo civil pátrio.

            Ao contrário: a exigência é que o próprio juízo já tenha proferido sentença em outros casos idênticos. Não se exige ou se subordina a aplicabilidade da norma a uma aceitação, pelo juízo singular, de súmulas ou entendimentos pacificados de tribunais superiores. A norma se endereça ao juízo, sem fazer com que esse se submeta ao crivo de tribunais.


Extensão da aplicabilidade aos Juizados Especiais Cíveis;

            Outra questão interessante é o alcance dessa norma para além dos limites do Código de Processo Civil, alcançando outras espécies de processo que não apenas o processo de conhecimento pelo rito ordinário.

            Parece-nos tranqüilo a possibilidade de se estender essa regra também aos juizados especiais cíveis, pois, "embora a Lei nº. 9.099/95 seja omissa a respeito, é intuitivo que, nas lacunas das normas específicas do Juizado Especial, terão cabimento as regras do Código de Processo Civil, mesmo porque o seu art. 272, parágrafo único, contém a previsão genérica de que suas normas gerais sobre o procedimento comum aplicam-se complementarmente ao procedimento sumário e aos especiais" [06].

            Não há qualquer confronto com os princípios norteadores dos juizados especiais cíveis. Muito ao contrário: há uma verdadeira sintonia entre o espírito desta lei em análise com as luzes do farol principiológico do art. 2º da Lei nº. 9.099/95, especialmente no que diz respeito a celeridade e simplicidade.


Citação do réu para responder ao recurso e o prazo de defesa:

            Se houver apelação e o magistrado não se retratar, determina a regra que o réu seja citado para responder ao recurso. Essa é uma expressão importante para se atentar, pois o réu não está sendo citado para se defender, mas apenas e tão somente para responder ao recurso, nada mais.

            Lembre-se sempre que "a citação inicial do réu é requisito de validade de qualquer processo (art. 214); não apenas de conhecimento, aliás, mas também de execução ou cautelar." [07].

            Desde logo, observe-se que o Código de Processo Civil altera o desenvolvimento que vinha adotando no art. 296, pois, atualmente, na hipótese do indeferimento da petição inicial, não se determina mais a citação do réu. Parece haver, nesse ponto, um retrocesso, já que anteriormente o Código de Processo Civil determinava que com a interposição do recurso de apelação contra sentença que indeferia a petição inicial fosse o réu citado para acompanhá-la e, se fosse provido o recurso, seria o réu intimado para oferecer sua contestação.

            Correta foi a colocação da expressão citação, já que até então o réu desconhecia a existência do processo e, portanto, há que ser citado e não simplesmente intimado.

            Mas o legislador, ao expressar que essa citação servirá apenas para responder ao recurso, deixou um vácuo ao não deixar claro se, ao apresentar suas contra-razões, também deveria apresentar sua defesa de mérito, já que a sentença enfrenta exatamente o mérito.

            Acredita-se, então, que a melhor solução, para fins de compatibilização com o direito de defesa, seja adotar-se o antigo regramento, limitando-se a atuação do réu ao ser citado apenas na questão recursal e, havendo provimento ao recurso, que seja o julgado simplesmente invalidado, baixando-se os autos para que o processo siga em seus ulteriores termos, intimando-se expressamente o réu para apresentar sua contestação no prazo legal.

            Lembre-se, porém, que essa intimação deve ser expressa, pois, não tendo a lei fixado prazo de início para a defesa, como o fez no caso do art. 214, §2º do CPC, esse não pode ser presumido, devendo ser previsto pelo julgador.

            O que não pode ocorrer é simplesmente dar provimento ao recurso para, em vez de invalidar, reformar a sentença e julgar favoravelmente ao autor, pelo fato de ter o réu exercitado um eventual direito de defesa ao responder ao recurso.

            Verdade é que "a lei processual brasileira define a citação como ‘...o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender’ (art. 213). O conceito de defesa estabelecido pelo Código é tomado em sentido amplo. Defender-se não é apenas contestar, excepcionar e reconvir (art. 297); é também assumir posição que, de um modo ou de outro, revela ânimo defensivo" [08].

            Porém, não se pode dar uma elasticidade a ponto de se entender que a contra-razão do recurso importa em contestação. Responder ao recurso não se confunde com apresentar defesa. Suas conseqüências, aliás, são distintas. A revelia só se aplica se não houver contestação e não se não houver contrariedade ao recurso de apelação.

            A intenção da lei foi taxativa no sentido de buscar apenas agilizar as hipóteses de julgamento de improcedência do pedido e não o contrário.

            Há que se lembrar sempre de que "a citação, como ato essencial ao devido processo legal, à garantia e segurança do processo como instrumento de jurisdição, deve observar os requisitos legais, pena de nulidade quando não suprido o vício, o qual deve ser apreciado em qualquer época ou via" [09].

            Há ainda um outro ponto interessante para análise. É o fato de ocorrer a possibilidade do ingresso do réu no processo de forma espontânea, o que é previsto no art. 214, §1º do Código de Processo Civil.

            Nesse caso, há que se ter cuidado para não descurar da intenção normativa de simplificar o processo que, como já se viu, alcança inclusive uma redução de custos. Esse é então o problema: a questão do custo processual da sucumbência se o réu vem espontaneamente ao processo.

            Entendemos que, neste caso, não deverá ser o autor condenado a pagar honorários advocatícios se não realizar o recurso contra a sentença. Isso porque, se não fosse a vinda espontânea do réu ao processo, não haveria a dita condenação.

            Permitir-se, então, essa condenação na hipótese da vinda espontânea do réu ao processo seria um contra-senso ao princípio da celeridade e simplicidade procedimental instituído nessa Lei 11.277/06.

            Há, então, que se mitigar o principio da causalidade da sucumbência, fincado no axioma victus victori expensas condemnatur, já que esse se justifica plenamente quando há uma pretensão resistida, o que não seria a hipótese concreta que se analisa, pois embora tenha o autor dado causa ao ingressar com a demanda, esse se conformou em não recorrer da sentença, o que seria um óbice a formação da complementação da angularização processual.

            Essa mitigação sugerida não é novidade no sistema processual. Observe-se, por exemplo, a dispensa de custas e honorários para o devedor que quita sua dívida em sede de ação monitória, sem discuti-la (art. 1.102-c, §1º do CPC) ou a dispensa de custas e honorários da ação civil pública proposta por associação que não tenha agido de má-fé (art. 18 da Lei nº 7.347/85). Nessas hipóteses, a intenção do legislador em mitigar a obrigatoriedade citada foi além do que ora se propõe, pois houve inclusive um processo com citação do réu.

            Cabe, pois, ao julgador que ter o máximo cuidado para não desnaturar a inovação legislativa, sob pena de deformar completamente o sistema processual por um apego a um formalismo já não mais aceitável em nosso ordenamento jurídico.

            Não é de hoje que se afirma que "a concepção moderna do processo repudia o excesso de formalismo, que culmina por inviabilizá-la" [10]. Nessa óptica, então, há que se buscar dar uma efetiva aplicação ao novo sistema processual apresentado, evitando-se excessos que possam dificultá-lo ou mesmo inviabilizá-lo na prática.


Uma crítica construtiva:

            Há, porém, um ponto que passou despercebido pelo legislador e pode importar em situação processual relevante.

            É esse o fato de que, ao se julgar improcedente o pedido do autor, o réu não saberá desse acontecimento se não houver recurso por parte do autor, o que se mostra inviável.

            Porém, o réu tem, sim, interesse em saber se houve tal julgamento, pois, caso o autor repita a demanda em outro Juízo – cujo magistrado não tenha a mesma posição que aquele que anteriormente apreciou o outro processo –, não terá esse réu como alegar a preliminar da coisa julgada (art. 301, VI do CPC).

            Esse fato é relevante, pois importa em evitar a indevida repetição de ações, cuidado esse que se deve ter sempre em mente.

            Nunca há que se descurar da orientação de que "o processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes... O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo, em sua expressão instrumental, deve ser visto como um importante meio destinado a viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, achando-se impregnado, por isso mesmo, de valores básicos que lhe ressaltam os fins eminentes a que se acha vinculado" [11].

            Há, então, que se perquirir como se pode resolver a situação, sem que se fira a intenção da lei, que foi o de evitar a citação do réu fora da hipótese de recurso, o que deve ser prestigiado. A proposta que ora se posta é simples e não iria ferir o fanal acima apontado.

            Bastaria que, com o trânsito em julgado, o réu fosse apenas intimado para ciência de que o processo existiu e que a relação jurídica já foi resolvida com mérito, situação essa que não é totalmente estranha no processo civil pátrio.

            Para tanto, é suficiente relembrar os termos do art. 59, §2º da Lei de Locações (Lei nº 8.245/91), o qual determina que, qualquer que seja a hipótese que finque pedido de despejo, há que se dar ciência desse pedido aos sublocatários, sem que tal importe em inclusão desses no pólo passivo da relação processual, pois a própria norma afirma que a finalidade dessa citação é a de possibilitar que esses possam vir intervir no processo como assistentes, lembrando sempre a orientação jurisprudencial e doutrinária que tal só se destina aos sublocatários legítimos. Firme é a orientação nesse sentido, asseverando que "o sublocatário legítimo, seja total ou parcial, terá de tomar ciência da ação, o que não se confunde com a citação. O sublocatário não é réu, pelo que não se justifica ser citado" [12].

            Atente-se que, na situação acima indicada, o processo citado ainda tem curso e que, na proposta apresentada, esse processo já não mais estará em curso, o que diminui qualquer possibilidade de potencial dano ao réu.

            Assim, estará se preservando a intenção do legislador, para que o réu não venha ao processo desnecessariamente, e, ao mesmo tempo, estará se preservando a eticidade processual, permitindo que o réu tenha ciência desse fato e possa opor essa defesa indireta se for futuramente demandado pelo mesmo fundamento.

            Essa proposta pode ser adotada desde logo, pois embora não esteja prevista expressamente, não há vedação para que o magistrado assim proceda, pois ao juiz cabe conduzir o processo com vistas no art. 125 do CPC.

            Note-se que o inciso II desse art. 125, que indica ser um poder-dever do juiz "velar pela rápida solução do litígio", deve ser concebido numa atitude macro-processual, com vistas endo-processual. Ou seja: não se deve pensar apenas naquele processo em que se esteja, mas na própria relação jurídica que se espraia para fora do limite físico, material, desse processo.

            Nessa perspectiva, a rápida solução do litígio não é só do que ora se julga, mas também de todos os processos em geral e que com este possam interferir.


Conclusão:

            Pode-se, por fim, afirmar que feliz foi o legislador em aprovar essa inovação legislativa, a qual vai ao encontro da orientação de "um processo simples, accessível e barato; um processo que se afaste do formalismo estéril e do dogmatismo acadêmico; um processo que assegure ao titular do direito subjetivo o que tal direito lhe confere e tudo aquilo que dele se deriva, segundo a técnica jurídica e de acordo com os ditames do bom senso e dos valores éticos predominantes; um processo de resultados, que supere com presteza todos os entraves a uma rápida solução do litígio; enfim um processo que transforme o programa do devido processo legal no sonho do processo justo." [13].

            É bem verdade que esse arquétipo do "processo justo" não é um sonho estanque. Ao contrário, é um sonho sempre em movimento, cujo dinamismo se faz necessário como meio de acompanhar e satisfazer a constante mudança da sociedade.

            É nesse espectro que se entende como válida a nova regra processual, seja pelo viés da sua conformação ao ordenamento jurídico, seja por sua real utilidade prática para as partes e para o sistema processual como um todo.

            Não podemos nos afastar da trilha de que, "mais uma vez, e agora no território da democracia política, o direito, seus procedimentos e instituições passam a ser mobilizados em favor da agregação e da solidarização social, como campo de exercício de uma pedagogia para o civismo." [14]


Notas

            01 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 20/21.

            02 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. I. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 213/214.

            03 CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de direito processual civil, vol. II, 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 60.

            04 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 301

            05 CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I, 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 322

            06 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processo civil, vol. III, 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 420

            07 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.27

            08 SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, vol. 1, 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 260

            09 Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Resp. 184599/ES. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.

            10 Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Resp. 73536/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.

            11 Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Rcl-AgR-QO 1723 / CE. Rel. Min. Celso de Mello

            12 SOUZA, Sylvio Capanema de. Da locação do imóvel urbano: direito e processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 422

            13 THEODORO JUNIOR, Humberto. O novo processo civil brasileiro: no liminar do novo século, 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 41

            14 VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 153.


Autor

  • Ricardo Alberto Pereira

    Ricardo Alberto Pereira

    juiz de Direito em Niterói (RJ), mestre em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense, professor de Direito Processual Civil nos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Estácio de Sá, professor de Direito Processual Civil da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), magistrado instrutor da Escola de Administração do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (ESARJ)

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Ricardo Alberto. O atual art. 285-A do CPC: breves anotações da Lei nº 11.277/06. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 978, 6 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8060. Acesso em: 20 abr. 2024.