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Competência criminal da Justiça do Trabalho e legitimidade do Ministério Público do Trabalho em matéria penal

elementos para reflexão

Competência criminal da Justiça do Trabalho e legitimidade do Ministério Público do Trabalho em matéria penal: elementos para reflexão

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Deve a Justiça do Trabalho enfrentar a questão da competência criminal trabalhista, seqüestrada ao longo dos anos pelo preconceito à extinta representação classista e ligado ao seu nascimento como braço do Poder Executivo.

Sumário: 1.Introdução. 2.A questão da competência e a corrupção no Brasil, e seus efeitos no ordenamento jurídico-laboral. 3.A construção científica da competência criminal da Justiça do Trabalho e o permissivo constitucional-legal pós Emenda 45/04. 4.Legitimidade do Ministério Público do Trabalho em matéria penal. 5.Os crimes contra a organização do trabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho: Ministério Público do Trabalho e transação penal – casuística. 6.Conclusões.


1.Introdução

            Como sustentamos em recente exposição no Painel O Ministério Público do Trabalho frente à Nova Competência da Justiça do Trabalho [01], no X Encontro Sul-Brasileiro de Procuradores do Trabalho, em 10.06.2005, na cidade de Foz do Iguaçu – Paraná, de uma década para cá, a Justiça do Trabalho sofreu profundas modificações, a começar pela extinção da representação classista nas antigas Juntas de Conciliação e Julgamento, que passaram para a correta denominação de Varas do Trabalho, presididas por um Juiz togado que, de forma singular, como sói acontecer nos demais ramos do Judiciário, passou a decidir as causas submetidas à sua apreciação.

            Desta forma, é possível, hodiernamente, libertar a Justiça do Trabalho de qualquer receio porventura existente em relação à sua atuação jurisdicional, e enfrentar clara e abertamente a questão da competência criminal trabalhista, verdadeiramente seqüestrada ao longo dos anos do Judiciário especializado em face do preconceito historicamente criado pela sistemática da extinta representação classista e ontologicamente ligado ao seu nascimento como braço do Poder Executivo.

            Mas, voltando aos primórdios da saga da Justiça laboral e do Ministério Público do Trabalho, importantíssimo se faz trazer à colação o resgate histórico brilhantemente apresentado pelo Ministro IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO [02]:

            "3 – A JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL – FASE EMBRIONÁRIA

            Da mesma forma que o Direito do Trabalho surgiu do desmembramento de uma parte do Direito Civil relativa aos contratos de locação de serviços, a Justiça do Trabalho surgiu como corolário da independência da nova disciplina jurídica. No entanto, antes de seu surgimento, cabia à Justiça Comum a apreciação das controvérsias relativas a esses contratos, regidos pelas leis civis e comerciais.

            No tempo do Império, as leis de 13 de setembro de 1830, 11 de outubro de 1837 e 15 de março de 1842 foram as primeiras a dar tratamento especial às demandas relativas à prestação de serviços, que deveriam ser apreciadas segundo o rito sumaríssimo pelos juízes comuns. O Decreto n. 2.827, de 15 de março de 1879, no entanto, veio a restringir tal procedimento às demandas de prestação de serviços no âmbito rural, atribuindo sua solução aos juízes de paz. As demais demandas relativas a contratos de trabalho, de acordo com o Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, seriam apreciadas pelos juízes comuns, mas segundo o rito sumário. Via-se, assim, o reconhecimento de que as questões trabalhistas demandavam um processo mais célere e simplificado. No entanto, os primeiros ensaios de se criar organismos independentes para a solução dessas demandas apenas se verificaram nos começos da República.

            Sendo o Brasil, nos seus primórdios, um país agrícola, o protecionismo estatal dirigiu-se basicamente ao trabalhador manual do campo, especialmente o imigrante. O Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903 facultou aos trabalhadores do campo a organização de sindicatos para defesa de seus interesses, mas com objetivos mais amplos: intermediação de crédito agrícola, aquisição de equipamento e venda da produção do pequeno agricultor. Sua feição era mais econômica do que política ou jurídica.

            Seguindo nessa direção, a mais antiga tentativa de constituição de órgãos jurisdicionais trabalhistas no Brasil data de 1907, quando foram instituídos, no início do governo de Afonso Pena, os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, pelo Decreto n. 1.637. Deveriam ser constituídos no âmbito dos sindicatos, mormente rurais, para ‘dirimir as divergências e contestações entre o capital e o trabalho’ (art. 8º). A experiência acabou não saindo do papel, na medida em que nenhum sindicato foi organizado de acordo com essa previsão legal." (pp. 177-8)

            A história contada pelo Ministro IVES GANDRA nos remete, pois, à fase administrativa da Justiça do Trabalho, da primeira metade do Século XX, em que ela figurava de forma agregada ao Poder Executivo, vindo a ter reconhecido seu caráter jurisdicional pelo STF somente em 1943.

            E continua o insigne autor, lembrando a primeira feição de Ministério Público da antiga "Procuradoria do Trabalho":

            "Na nova estrutura figurava a Procuradoria do Trabalho como oriunda do Departamento Nacional do Trabalho. Com a divisão do CNT em duas Câmaras, o Dr. Deodato Maia passava a ser o Procurador-Geral do Trabalho, oficiando perante a Câmara de Justiça do Trabalho, enquanto o Dr. Joaquim Leonel passava a Procurador-Geral da Previdência Social, funcionando perante a Câmara de Previdência. O Decreto-lei n. 1.237/39 estabelecia as funções básicas da Procuradoria do Trabalho, que eram: encaminhar reclamação trabalhista às JCJs (art. 40, §1º), ajuizar dissídio coletivo em caso de greve (art. 56), emitir parecer (art. 60, §1º), deflagrar o processo de execução das decisões da Justiça do Trabalho (art. 68), recorrer das decisões proferidas em dissídios coletivos que afetassem empresas de serviço público (art. 77), promover a revisão das sentenças proferidas em dissídios coletivos após um ano de vigência (art. 78, §1º) e pedir a aplicação das penalidades previstas no referido decreto-lei (art. 86). O Decreto-lei n. 1.346/39, definia a Procuradoria do Trabalho como órgão de coordenação entre a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, além de prever a existência de uma Procuradoria-Geral e de Procuradorias Regionais atuando junto aos CRTs (art. 14).

            Verifica-se do rol de funções que lhe eram atribuídas que a Procuradoria do Trabalho tinha, desde as suas origens, feição de Ministério Público, na medida em que seu objetivo era a defesa do interesse público, podendo, para tanto, ‘quebrar a inércia’ do Poder Judiciário, mormente nos casos de greve, além de emitir parecer nos conflitos coletivos de trabalho.

            Nos seus alvores, o Ministério Público junto à Justiça do Trabalho contou com figuras ímpares para o elevado mister que lhe era conferido, ao ponto de terem sido Procuradores do Trabalho os feitores da CLT. A atividade ministerial, na visão de Vasco de Andrade, seria ainda mais valiosa para a sociedade do que a dos julgadores, uma vez que a atividade do juiz seria passiva, aguardando provocação para julgar, enquanto a do procurador é sumamente ativa, ao tomar a iniciativa do processo, deflagrando, em nome do interesse público, ações ou recorrendo de decisões que considere atentatórias da legalidade. Chamava, no entanto, a atenção, o ilustre fundador da Revista LTr, para o perigo que poderia ocorrer em relação ao Ministério Público, no sentido de, com o passar do tempo, perder seu vigor originário: transformar-se em mero órgão burocrático, restrito à elaboração de ligeiros pareceres, sem iniciativa e zelo fiscalizador pelo respeito à ordem jurídico-laboral, o que, em alguns momentos da História do Parquet Laboral veio, efetivamente a ocorrer." (pp. 193-4)

            As peripécias de firmação institucional pelas quais passaram a Justiça do Trabalho e o MPT até o ápice da EC 45/04 lembram, repise-se, da extinta representação classista no Judiciário laboral, que persistiu até menos de cinco anos, e da falta de concurso público para ingresso na carreira.

            Na verdade, somente com o advento da Constituição de 1988, é que se delineia o efetivo paralelismo entre o Judiciário e o Parquet laborais e os demais ramos:

            "Com a previsão expressa, na Constituição de 1988, da atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses difusos e coletivos de caráter trabalhista, através da ação civil pública e do inquérito civil público, iniciou-se nova fase de atuação do Parquet Laboral. Em 1993, com a edição da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/93), essa atuação ganhou maior impulso, criando-se as Coordenadorias da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos (CODIN), responsáveis pelos inquéritos e ações civis públicas. Passou o MPT a não ter de dar parecer em todos os processos que eram julgados pelos Tribunais trabalhistas, mas apenas naqueles em que ficasse refletido o interesse público. Mas passava a atuar com maior ênfase como órgão agente e promotor da Justiça Social, nas demandas de caráter coletivo.

            De início, o Judiciário Laboral, como era de se esperar, mostrou-se um pouco refratário à nova atuação. O TST, como também os Tribunais da 1ª, 2ª, 10ª e 12ª Regiões, foram os que menos entusiasmo mostraram pelo novo instrumento processual." (p. 214)

            Sobretudo, impressiona a semelhança entre a proposta de revisão constitucional ocorrida em 1993, contemporânea da LOMPU, com a agasalhada na EC 45/04, cujo relator era o então Deputado, hoje Presidente do STF, Ministro NELSON JOBIM:

            "A Constituição de 1988 previa, no art. 3º do ADCT, a sua revisão após transcorridos 5 anos de sua vigência, com a realização prévia de um plebiscito para a definição da forma (república ou monarquia) e do sistema (presidencialismo ou parlamentarismo) de governo. Em 1993, instalou-se o Congresso Revisor, onde não se avançou quase nada na reformulação do modelo que, reconhecidamente, não estava mostrando sua eficácia. A ausência de acordo entre as tendências conflitantes no Congresso levou à aprovação de pouquíssimas emendas à Constituição.

            No que tange à Justiça do Trabalho, o parecer do Relator da Revisão Constitucional, o então Deputado Nelson Jobim, apresentava as seguintes inovações:

            a)competência originária dos Tribunais, para apreciação das ações civis públicas (arts. 105, I, i, II, d; 108, I, f; 114, §2º);

            b)supressão da representação classista na Justiça do Trabalho, passando os Tribunais do Trabaho a serem compostos de 2/3 de juízes provenientes da magistratura trabalhista e 1/3 de membros do Ministério Público e advogados (art. 111, parágrafo único, I e II; 115);

            c)primeira instância composta apenas pelos juízes do trabalho, sem a atuação em colegiados (art. 111, III);

            d)abrangência da competência da Justiça do Trabalho para apreciar os litígios sobre representação sindical, bem como os habeas corpus contra autoridades judiciárias trabalhistas (art. 114, II e VII); e

            e)supressão do poder normativo da Justiça do Trabalho, que atuaria apenas nos dissídios coletivos de natureza jurídica e na conciliação dos de natureza econômica." (sublinhou-se e grifou-se - p. 215)

            Vê-se, pois, que o processo de mudança da jurisdição laboral, na forma como se delineia pós EC 45/04, deveria ter ocorrido ainda há doze anos atrás.

            Portanto, das históricas lições supra colhidas, fica a lembrança de que a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm travado, ao longo do tempo, uma séria luta em busca de sua institucionalização e espaço no cenário judiciário nacional.

            Na histórica recente de ambos (1988 e 1993 em diante), revive-se a fase da resistência às ações civis públicas, da restrição à defesa de interesses coletivos e interesses individuais homogêneos, da questão competencial quanto à imposição de concurso público na Administração, e tantas outras matérias hoje consolidadas a duras penas e a passos lentos.

            As primeiras ações civis de improbidade administrativa propostas pelo MPT na Justiça do Trabalho vêm de 2000 para cá, sendo certo que a primeira sentença condenatória por improbidade administrativa data de 2004, existindo ainda resistência quanto à matéria, mesmo no caso clássico de desrespeito a concurso público.

            Neste diapasão, não se tenha dúvidas de que a atual oposição que alguns fazem de forma veemente à competência criminal da Justiça do Trabalho outra coisa não é do que mero conservadorismo reacionário.

            Se, após os sérios questionamentos sobre a necessidade de existência de Justiça especializada no labor humano, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n. 45, em dezembro de 2004, resgatando as propostas de revisão e alcance da jurisdição trabalhista, e confirmando a necessidade de especialização do Judiciário para o trato de tal relevante matéria, é lícito concluir que a multicitada Emenda 45/04 rompeu, definitivamente, com o anterior paradigma da Justiça do Trabalho e impôs o nascimento de uma Justiça verdadeiramente social.

            A surpresa causada pelo impacto da mudança constitucional do legislador de 2004 (que, na verdade, não deveria ser tão surpresa assim, se nos detivéssemos mais no estudo da história das instituições brasileiras) traz duas certezas: 1) a contundente reação conservadora que se haverá de enfrentar; 2) a conseqüente e inevitável ampliação da competência da Justiça do Trabalho, para a matéria criminal.


2.A questão da competência e a corrupção no Brasil, e seus efeitos no ordenamento jurídico-laboral

            Para reflexão sobre o tema, nesse breve intróito, convém discorrer algumas linhas sobre a problemática da competência dos órgãos estatais erigidos para a dicção do direito e a corrupção.

            Com efeito, a experiência demonstra que nos casos mais graves de violação do ordenamento jurídico a serem enfrentados pelo Estado, a primeira defesa dos acusados é própria daqueles que não tem defesa: questionar a atribuição/competência do órgão acusador e do órgão julgador.

            E, ao se considerar o tempo que pode ser dispensado para apreciação desse tipo de matéria, conclui-se rapidamente que ela não favorece a aplicação efetiva de justiça.

            Cito como exemplos os processos de n. 2003.41.00.005924-8/RO, 2003.41.005294-4/RO, 2003.41.00.003994-5/RO, 2003.41.00.003992-8/RO, 2003.41.00.004263-1/RO, 2003.41.00.004261-4/RO e 2003.41.00.005929-6/RO, que correm no eg. TRF da 1ª Região. Tratam-se de denúncias-crimes e prisões preventivas propostas conjuntamente pelo MPT/MPF em casos envolvendo, em tese, exploração de trabalho em condições análogas à escravidão. As peças foram ajuizadas no ano de 2003, e, por força de decisão do juízo, que reconheceu a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda, os processos estão sendo levados ao STF, aguardando, pois, até hoje, uma decisão preliminar que fixará apenas qual é o juízo competente. Eventualmente definida a competência em favor da Justiça declinante, será aproveitado o processamento desenvolvido na Justiça Estadual ou isto apenas estimulará exceções dilatórias de nulidades processuais, a suscitar novos atrasos na efetiva apreciação meritória?

            Outra situação demonstrativa vem da própria Justiça do Trabalho. Uma das primeiras ações civis públicas ajuizadas na Justiça Especializada, no início da década de 1990, somente neste segundo semestre de 2005 obteve decisão do TST que reconheceu a legitimidade do MPT e a competência laboral para o pleito. O Parquet trabalhista obrigou-se a pedir a perda do objeto, pois, passados doze anos decorridos da propositura, o provimento jurisdicional postulado deixou de ser útil à sociedade.

            Mas, no próprio Ministério Público, não raro se vê declinatórias de atribuições, as quais, no mais das vezes, levam ao arquivamento do feito pelo órgão declinado. Explica-se: firmada a convicção pela existência de violação ao ordenamento jurídico em um ramo do Parquet, ao ser deslocada a questão a outro, a hipótese fica ao alvedrio de uma dupla avaliação, podendo o Membro que aprecia a questão pela segunda vez, simplesmente entender pela inocorrência da violação. E, na maioria dos casos, tal não se dá porque, efetivamente, não havia ilícito, dentro da independência funcional do órgão que recebe a matéria, mas sim por um ou mais dos seguintes motivos: a) o órgão declinado não processou a matéria e com ela não tem intimidade/familiaridade; b) está tomando conhecimento do fato pela primeira vez, e não vislumbra, prima facie, a ilicitude; c) a declinatória foi informada somente por ofício, deficientemente instruído (para os casos em que remanesce no MP declinante outras matérias no mesmo feito); d) o excesso de serviço advindo das próprias e costumeiras atividades cria uma espécie de rejeição in limine da nova questão, diminuída ante as prioridades anteriormente estabelecidas (inegável, por exemplo, priorizar tráfico de entorpecentes diante do art. 203, ou do art. 297, §§ 3º e 4º, do CP); etc.

            Logo, fica a pergunta: existindo uma zona cinzenta de dúvida sobre atribuição/competência no Ministério Público, é correto decliná-la para outro Membro quando já firmada a convicção pela existência do ilícito? E no Judiciário, existindo correlação da matéria com as hipóteses constitucionais-legais de competência firmadas para o órgão cuja atuação está sendo vindicada, é correto declinar em favor de outro ramo, mormente se não especializado/familiarizado com o assunto?

            O Juiz do Trabalho JÔNATAS DOS SANTOS ANDRADE, em exposição apresentada no II Encontro de Juízes e Procuradores do Trabalho de Santa Catarina [03], trouxe à baila a tese desenvolvida no STF, por ocasião de decisões acerca da competência da Justiça do Trabalho em ações acidentárias, sobre a unidade de convicção.

            Buscando-se elementos sobre a teoria, colhe-se do julgado no RE 438639, da Excelsa Corte, o seguinte: "salientou-se que deveria intervir no fator de discriminação e de interpretação dessas competências o que se chamou de ‘unidade de convicção’, segundo a qual o mesmo fato, quando tiver de ser analisado mais de uma vez, deve sê-lo pela mesma justiça."

            Ou seja, o Supremo Tribunal Federal reconhece hoje que a cisão de competência não favorece a aplicação de justiça, e que a divergência de decisões para ações decorrentes da mesma relação de direito material invocada entre órgãos jurisdicionais distintos causa um impacto deletério no jurisdicionado.

            O elo de conexão entre a divisão de competência/atribuições e a corrupção fica claro quando se visualiza, na população, o incômodo efeito da mora estatal na apreciação de questões que demandam sua atuação: há uma desconfortável sensação de impunidade gerada pelo sistema. Ora, se houver uma rápida resposta do Judiciário que diga da violação ou não do ordenamento jurídico no caso concreto, a dúvida se desvanece e os infratores saberão quais as conseqüências da repetição da conduta, se lícita ou ilícita. No entanto, se, do contrário, protela-se a decisão meritória da quaestio, é inevitável interpretar-se por uma complacência com o ilícito noticiado, pois o Estado, sabedor de uma possível violação aos preceitos legais, permanece por um bom tempo inerte diante da situação.

            Sabe-se que impunidade e corrupção têm entre si laços indissolúveis de proximidade em relação causa-conseqüência. Mora e complacência na resolução de problemas não estimulam outra coisa senão o descrédito do Poder constituído, e, na medida em que isto ocorre, a própria corrupção do sistema, favorecendo as violações da lei.

            No âmbito trabalhista, a situação é trágica: o título do Código Penal dedicado aos crimes contra a organização do trabalho é quase letra morta ante o desuso dos operadores do direito quanto aos tipos penais que decorrem da relação de trabalho. A pouca jurisprudência existente sobre os delitos em questão costuma ser negativa, e raras as condenações. Isto deve ser atribuído à inocorrência dos tipos ou à falta de familiaridade/especialização/sensibilidade dos juízos e tribunais a quem levada a apreciação dos mesmos, em função do substrato fático residir na relação de trabalho?

            As conseqüências desastrosas dessa dura realidade são sentidas no quotidiano forense da Justiça do Trabalho – o trabalho informal, a sonegação de direitos mediante diversas fraudes (recibos em branco, truck-system, falsificação de assinaturas dos empregados, controle paralelo de jornada, salário "extra-folha", falso cooperativismo, constituição irregular de pessoas jurídicas, discriminações, e, pior, isto ocorrendo no âmbito da própria Administração Pública), ou, ainda, a simulação de ações trabalhistas para constituição de crédito privilegiado e burla a credores, etc., são todas condutas gravíssimas, mas de repúdio social diminuído ante a tolerância criminal estabelecida ao longo do tempo pela falta de competência penal da Justiça especializada. A ponto de se chegar ao cúmulo da existência de seminários propagando formas de evitar a atuação do Ministério Público do Trabalho, pasme-se! Fosse isto ocorrer em relação à atividade de outros ramos do Parquet, não se entenderia por apologia ao crime?

            A que ponto se chegou no Estado brasileiro para que o crime organizado trabalhista se institucionalize dessa forma? Mas não é necessário ir além: alguma vez, no Brasil, se tratou da questão referente ao combate de crime organizado trabalhista?

            Outro exemplo: a odiosa exploração de trabalhadores em condição análoga à escravidão, embora atualmente enfrentada de forma incisiva pelo Estado brasileiro, notoriamente através das forças-tarefas entre MPT, Polícia Federal e DRT, permanece no silêncio jurisdicional quanto ao tipo do art. 149 do Código Penal. Prisão preventiva nesses casos é algo raro.

            A atuação cível do MPT, na área trabalhista, tem sido suficiente para debelar o problema? Como resposta, se vê o constante agigantamento do número de ações trabalhistas, a multiplicação e o desdobramento das fraudes, cada vez mais engenhosas no que concerne à precarização das relações de trabalho e frustração de direitos da massa trabalhadora. Administradores públicos criando formas tergiversas e esdrúxulas de contratação, mesmo mediante terceirização e quarteirização, visando a evitar o vínculo com o órgão e, por conseguinte, o concurso público. Ainda, o encerramento de atividades de pessoas jurídicas constituídas com o fito de burla de direitos sociais e o desaparecimento dos sócios geram a impunidade na área trabalhista e a insuficiência das condenações pecuniárias: sentenças fadadas à inexeqüibilidade.

            Inobstante, permanece um incômodo silêncio quanto à repressão penal dos delitos cometidos nesses casos, certamente não por falta de um Parquet atuante e de uma Justiça célere, mas por uma discussão estéril, embora contraditoriamente erigida de primeira importância para a questão, referente à competência.

            Em outras palavras, o direito de defesa dos criminosos especializados nos delitos decorrentes da relação de trabalho está alçado à condição hiper privilegiada de supra jurisdição – ou seja, a falta de jurisdição criminal especializada acarreta a impunidade, criando uma espécie de prática ilegal de extinção de punibilidade pre iurisditio.

            Para onde leva este estado de coisas?

            Esta é uma reflexão preliminar necessária para a tratativa da temática aqui abordada.


3.A construção científica da competência criminal da Justiça do Trabalho e o permissivo constitucional-legal pós Emenda 45/04

            Como dito, preocupado com a possibilidade dicotômica de decisões de órgãos jurisdicionais distintos em ações decorrentes do mesmo substrato fático, o STF passa a teorizar sobre o princípio da unidade da convicção.

            Assim, o mesmo fato, que tiver de ser analisado mais de uma vez, deve sê-lo pelo mesmo juízo.

            Então, quando de uma relação de trabalho nascer uma ação trabalhista e uma ação penal, quid iuris?

            A solução deve ser buscada no elenco de competências arrolado no novel art. 114 da Constituição da República, com a redação dada pela EC 45/04:

            "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            II - as ações que envolvam exercício do direito de greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

            IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)"

            Destarte, procurando o legislador de 2004 abarcar todas as hipóteses decorrentes da relação de trabalho na órbita da Justiça especializada, não se vê, na nova redação do art. 114 da Constituição da República, justificativa que autorize o fracionamento da jurisdição para a hipótese.

            Como corolário lógico e natural da expressão da jurisdição atribuída à Justiça do Trabalho no citado art. 114, esta será competente tanto para a ação de natureza cível quanto para a de natureza criminal que nascem da relação de trabalho. De outra forma, corre-se o risco de permanência do atual status quo: o juízo trabalhista reconhece, v.g., fraude, e o juízo penal a descaracteriza. Isso, obviamente, quando a matéria criminal chega a ser judicializada.

            A prevalência da jurisdição especializada há de vir, por analogia, pela própria dicção do art. 78, IV, do Código de Processo Penal: "no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta". Há, pois, um reconhecimento no sistema judicial pátrio, da importância de que questões complexas sejam analisadas também criminalmente por órgão especializado.

            Se as relações de trabalho não fossem complexas, não haveria necessidade de jurisdição especializada, muito menos de subdivisão do Ministério Público para atender essa jurisdição.

            Há, todavia, uma grande resistência endógena e exógena à competência criminal, baseada, sinteticamente, nas seguintes alegações:

            - a Justiça do Trabalho não está preparada para recepcionar esta atribuição;

            - corre-se o risco de descaracterizar a jurisdição trabalhista ampliando demasiadamente o rol de suas competências;

            - os Juízes do Trabalho não detêm conhecimento penal;

            - o legislador de 2004 retirou da PEC convertida na EC 45, o inciso que previa a competência para os crimes contra a organização do trabalho;

            - não há atribuição expressa de competência criminal no art. 114;

            - o STF está julgando em favor da competência da Justiça Federal nos casos de crime de redução à condição análoga à escravidão – art. 149 do CP [04];

            - a nova disposição do artigo 109, que possibilita a federalização de crimes contra direitos humanos, advinda da EC 45/04, constituiria forte argumento contrário à tese de que a competência para julgar o crime do artigo 149 do CP agora pertence à Justiça do Trabalho;

            - o processo penal é incapaz de solver, de forma satisfatória os conflitos penais, logo, despiciendo trazê-lo à jurisdição trabalhista;

            - etc.

            Porém, ao analisar particularmente cada dessas alegações, forçoso é concluir pela sua insubsistência: a um, porque como dito alhures, a Justiça do Trabalho não estava preparada para nenhuma das novas atribuições previstas no art. 114 – adaptações terão de ser feitas inevitavelmente, inexistindo motivo para que se não sejam procedidas quanto ao âmbito penal. Depois, não há risco de descaracterização da Justiça do Trabalho porque o legislador a ela agregou as questões decorrentes direta e indiretamente das relações de trabalho, às quais ela sempre esteve afeta. Basta dizer que a Justiça do Trabalho está mais "capilarizada" no território nacional do que a Justiça Federal, e ainda é o ramo mais "descongestionado" do Judiciário, o que lhe autoriza de forma mais dinâmica e eficaz a lidar com as questões penais. É tudo uma questão de adaptação.

            Outro argumento que rebate a questão da "possível" descaracterização e "congestionamento" da Justiça do Trabalho é que, a partir do exercício da jurisdição criminal trabalhista, será viável, a curto prazo, senão debelar, pelo menos diminuir sensivelmente as práticas de trabalho e salário sem registro, truck-system, cooperativismo irregular, dentre outras, o que acarretará diminuição de ações trabalhistas.

            Por outro lado, a alegada falta de conhecimento penal dos Juízes do Trabalho, por sua vez, não pode servir de desculpa para retirar a competência criminal trabalhista, já que, habilitados por rígido concurso de provas e títulos, em que demonstram o seu conhecimento, tal qual os juízes federais e os juízes de direito, incluindo Direito Penal, que integra o programa do certame, será suficiente uma reciclagem dos Magistrados trabalhistas (e, porque não, também dos Procuradores do Trabalho), para que isto se resolva fácil e rapidamente. Há um sofisma nesta alegação porque traz, em seu bojo, uma injustificada capitis deminutio e discriminação do operador de direito trabalhista: se um bacharel em direito pode prestar concurso e demonstrar sua capacidade para se tornar detentor de atribuição penal, seja como juiz de direito, juiz federal, militar, etc., no entanto, um juiz do trabalho, que já demonstrou sua capacidade em concurso público, não teria condições de se preparar para a jurisdição criminal? Convenhamos...

            O argumento concernente à retirada do inciso que transferia à Justiça do Trabalho a competência para os crimes contra a organização do trabalho, não procede – das lições básicas de hermenêutica jurídica se colhe que a lei se desvincula da mens legislatoris para adquirir vida própria. Bem demonstra esse contexto a apreciação da ADI n. 3395, proposta pela AJUFE, em que o Min. NELSON JOBIM concedeu liminar limitando toda e qualquer interpretação tendente a incluir no rol de atribuições da Justiça do Trabalho a competência para o julgamento das causas envolvendo servidores estatutários, ainda que o texto limitador da PEC convertida na EC 45/04 não tenha sido incluído pelo Congresso Nacional no texto final desta. A questão é, pois, de política judiciária e, quer parecer, no contexto do novo art. 114 da Constituição da República, em especial dos incisos I, IV e IX, e a classificação dada pelo STF à natureza criminal do habeas corpus, bem expressa no julgamento do HC 85096, conjugada à teoria da unidade de convicção, que diversamente do ocorrido no julgamento da ação declaratória de inconstitucionalidade em questão, não há nenhuma restrição do STF, atualmente, quanto à jurisdição penal da Justiça do Trabalho.

            E, embora se reconheça, anacronicamente, a permanência do inciso VI no art. 109 da CF, atribuindo à Justiça Federal os crimes contra a organização do trabalho, tal fato também não pode ser levantado como óbice para o exercício da jurisdição criminal trabalhista, porquanto, na forma da mansa e pacífica interpretação jurisprudencial dos TRF’s, consolidada na ripristinada Súmula 115 do extinto TFR, ressuscitada por STF e STJ, enigmaticamente somente os crimes que atinjam a organização do trabalho como um todo – a totalidade dos órgãos federais de proteção ao trabalho, é que estará sujeita à jurisdição comum federal.

            Assim já decidiu o eg. TRF da 1ª Região:

            "Observamos que os crimes previstos nos arts. 149, (redução à condição análoga de escravo); 203, caput, c/c § 1º, incisos I e II (frustração de direito assegurado por lei trabalhista), 207, caput, c/c o § 1º (aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional) são da competência da Justiça Federal, quando ofendem o sistema de órgãos e instituições que preservem coletivamente os direitos do trabalho. No caso em estudo, não há indício de crime contra a organização do trabalho em si, e, sim, contra, segundo afirmado, trabalhadores individualmente considerados.

            Esse entendimento é antigo. O extinto Tribunal Federal de Recursos dispunha na Súmula 115 que:

            Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente.

            O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, em agosto de 1979, tendo como relator o Ministro Moreira Alves, ao julgar o RE 90.042-0/SP, já decidia que:

            A expressão crimes contra a organização do trabalho, utilizada no referido texto constitucional, não abarca o delito praticado pelo empregador que, fraudulentamente, viola direito trabalhista de determinado empregado. Competência da Justiça Estadual. Em face do art. 135, VI, da Constituição Federal, são da competência da Justiça Federal apenas os crimes que ofendem o sistema de órgãos e instituições que preservem, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores.

            No voto condutor do acórdão, esclareceu o eminente relator:

            O que, em realidade, justifica a atribuição de competência, nessa matéria, à Justiça Federal Comum é um interesse de ordem geral – e, por isso mesmo, se atribui à União sua tutela –, na manutenção dos princípios básicos sobre os quais se estrutura o trabalho em todo o país, ou na defesa da ordem pública ou do trabalho coletivo.

            Com a Constituição de 1988 nada mudou. Em 3 de dezembro de 1993, apreciando o RE 156.527-6/PA, relator Ministro Ilmar Galvão, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, igualmente decidiu que: "Em face do mencionado texto [art. 109, VI, 1ª parte, da CF/88], são da competência da Justiça Federal tão-somente os crimes que ofendem o sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores".

            No voto condutor do acórdão, salientou o ilustre relator:

            A narrativa dos autos, tal como oferecida, não contém notas caracterizadoras do crime contra a organização do trabalho, na abrangência que lhe dá a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Cuida-se, pois, de condutas individuais de empregador que não ofendem órgãos e instituições que preservam os direitos e deveres dos trabalhadores em coletividade, como força de trabalho." [05]

            Ainda:

            "O EXMO. SR. JUIZ CÂNDIDO RIBEIRO (Relator):- Não merece provimento o recurso.

            A decisão do MM. Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária de Rondônia, que declinou da competência da Justiça Federal e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual, possui os seguintes fundamentos, verbis:

            "A par dos fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva se me afigurarem deveras frágeis, anoto a existência de questão prejudicial ao conhecimento do pedido, atinente à competência para o processo e julgamento dos crimes atribuídos aos representados.

            Os crimes de redução à condição análoga a de escravo, de omissão de registro de contrato na CTPS, de frustração de direitos assegurados por lei trabalhista e de aliciamento de trabalhadores não configuram, prima facie, crimes de competência federal. De acordo com tranqüilo posicionamento dos tribunais pátrios, não se tratam de crimes contra a organização do trabalho, a teor do art. 109, VI, da Constituição Federal, a não ser que atinjam os trabalhadores como um todo.

            Não é o que ocorre no caso vertente, em que supostos delitos foram praticados contra determinado número de trabalhadores, estando suas conseqüências limitadas especialmente a determinada fazenda do interior de Rondônia.

            Assim, a competência para o processo e julgamento do presente pedido é da Justiça Estadual, conforme já decidiu o E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região em situação análoga.

            (...)

            Ausente nos autos, ainda, demonstração de que as condutas imputadas aos representantes feriram interesses, serviços ou bens da União e de suas autarquias, confirmando-se assim a competência estadual para conhecer do pleito."

            Tem razão o ilustre juiz, uma vez que, no caso concreto, não se trata de crime contra a organização do trabalho, mas sim, contra determinados trabalhadores, o que não atrai a competência da Justiça Federal.

            Confiram-se as seguintes decisões deste Tribunal:

            "CONSTITUCIONAL. PENAL. ARTIGOS 149, 203 E 207 DO CÓDIGO PENAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPROVIMENTO DO RECURSO CRIMINAL.

            1. A Constituição Federal, em seu art. 109, VI, dispõe ser da competência dos juízes federais processar e julgar ‘os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômica-financeira’.

            2. Inexistindo ofensa a direito dos trabalhadores considerados coletivamente, à organização geral do trabalho, ou, ainda, a órgãos ou instituições responsáveis por assegurar os direitos e deveres dos trabalhadores, falta à Justiça Federal competência para processar e julgar os delitos previstos nos artigos 149, 203 e 207, do Código Penal.

            3. Ressalva do ponto de vista do Relator.

            4. Recurso criminal improvido."

            (RCCR 2001.31.00.001424-3/AP, Rel. Des. Federal I´´talo Fioravanti Sabo Mendes, 4ª Turma, DJ de 01/08/03, p. 69.)

            "PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. ART. 207, §§ 1º E 2º DO CP. INDÍGENAS. COMPETÊNCIA. DEPOIMENTOS. CONTRADIÇÃO. JUSTIÇA DO TRABALHO. FALSO TESTEMUNHO.

            I – Não se tratando de crime contra a organização do trabalho, mas sim, contra determinados trabalhadores, não é competente a Justiça Federal. Precedentes.

            II – A Justiça Federal somente será competente para processar e julgar crimes em que se evidencie a existência de efetiva disputa sobre direitos indígenas, nos moldes em que previstos no art. 231, da Carta Magna, não bastando, para tanto, o simples envolvimento de silvícolas, seja como sujeito ativo, seja como sujeito passivo do ilícito penal (Súmula 140 do STJ).

            III – Recurso desprovido." (RcCr Nº 2002.35.00.004165-0/GO, do qual fui Relator).

            Esse entendimento, aliás, não destoa da posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal, que, para admitir a jurisdição federal, exige afronta direta e específica em detrimento dos bens, serviços ou interesses do ente federal, não se prestando a configurar a hipótese ofensa genérica a interesses da coletividade ou da administração, quando relacionado ao exercício do poder de polícia administrativo, a cargo do Ibama, Ministério do Trabalho ou outro órgão da União, senão vejamos:

            "Competência. Crime previsto no artigo 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98. Depósito de madeira nativa proveniente da Mata Atlântica. Artigo 255, § 4º, da Constituição Federal.

            - Não é a Mata Atlântica, que integra o patrimônio nacional a que alude o art. 255, § 4º da Constituição Federal, bem da União.

            - Por outro lado, o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no artigo 109, IV, da Carta Magna tem de ser direto e específico, e não, como ocorre no caso, interesse genérico da coletividade, embora aí também incluído genericamente o interesse da União.

            - Conseqüentemente, a competência, no caso, é da Justiça Comum estadual.

            - Recurso Extraordinário não conhecido."

            (RE 300.244-9/SC, julgado em 20/11/2001.)

            E, com base nesse precedente do Excelso Pretório, esta Terceira Turma, superando divergência então existente, pacificou interpretação na linha de que a simples atuação decorrente do exercício de atividade atribuída a ente federal não seria suficiente, por si só, para determinar o deslocamento da competência para a Justiça Federal, salvo em hipótese que houvesse demonstração de interesse específico da União, conforme disposto na decisão adiante transcrita:

            "PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL E ESTADUAL. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA A FLORA. MADEIRA. TRANSPORTE. ARMAZENAMENTO. COMÉRCIO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO IBAMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DESPROVIDO.

            1 – A competência para processar e julgar os crimes ambientais não foi especificamente atribuída à Justiça Federal, exceto aqueles praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, que fazem parte de sua competência genérica prevista na Constituição Federal.

            2 – Na presença da Constituição Federal de 1988 e com o advento da Lei nº 9.605, de 1998, não mais subsistem os fundamentos que sustentavam a Súmula nº 91 do Superior Tribunal de Justiça, já cancelada.

            3 – Fixado o entendimento de que ‘...inexistindo, quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legal expresso sobre qual a Justiça competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo e o julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual’.

            (CC Nº 27.848-SP, 3ª Seç./STJ); assentado que a fauna silvestre e as florestas e matas consideradas de preservação permanente (flora) não são propriedades da União Federal ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, mas bem de uso comum do povo (CF, art. 255); estabelecido que a União Federal e suas entidades autárquicas não mais detêm o controle absoluto do meio ambiente, eis que compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios proteger e conservar as florestas, a fauna e a flora (CF, art. 23, VI e VII), competindo, ainda, à União Federal, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (C.F., art. 24, VI): firmado que a Lei nº 9.605/1998 revogou tácita e totalmente a Lei nº 5.197/1967, já que passou a regular por inteiro os crimes cometidos com o meio ambiente, compreendendo, claro, a fauna e a flora (L.I.C.C., art. 2º, § 1); cancelada a Súmula nº 91 do Superior Tribunal de Justiça (CC nº 27.848-SP, 3ª Sec./STJ); a competência da Justiça Federal, para processar e julgar os crimes ambientais, é genérica e excepcional, prevista no artigo 109, inciso IV, 2ª parte, da Constituição Federal.

            4 – A simples presença de um órgão federal, seja como agente executor-fiscalizador de normas fixadas para o meio ambiente, seja como agente responsável pelo licenciamento de atividades que, efetiva ou potencialmente, possam causar dano ao meio ambiente, no caso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, não interfere ou não pode interferir na competência da Justiça Federal.

            5 – A partir da Constituição Federal de 1988, a competência da Justiça Federal, para processar e julgar crimes cometidos contra o meio ambiente, só ocorre quando praticados em terras ou águas pertencentes à União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas ou quando há ofensa a um serviço e/ou interesse específicos e direitos desses órgãos, como, por exemplo, no primeiro caso, quando praticados nos bens da União descritos no artigo 20, da Constituição Federal, ou, no segundo caso, quando cometidos no interior de uma unidade de conservação da União, como estabelecido no artigo 225, III, da Constituição Federal, ou, ainda, claro, quando tratar-se de delito ecológico previsto em tratado ou convenção internacional, ou a bordo de navio ou aeronave (C.F., art. 109, V e IX).

            6 – Recurso em sentido estrito desprovido."

            (RCCR 2002.43.00.000259-4/TO, Rel. Juiz Plauto Ribeiro, DJ de 05/04/02.)

            Diante do exposto, nos termos do entendimento que vem sendo prestigiado por este TRF, nego provimento ao recurso, confirmando o decisum de primeiro grau que determinou a remessa dos autos à Comarca de Colorado do Oeste/RO.

            É como voto." [06]

            Logo, da inteligência do art. 109 da Constituição, percebe-se a vontade da norma em trazer para a jurisdição federal as questões federais. Neste sentido, não há conflito entre a permanência do inciso VI no referido dispositivo constitucional, e o processamento de crimes contra a organização do trabalho, fora das hipóteses da citada Súmula 115, pela Justiça do Trabalho, à similitude do que ocorria anteriormente entre a Justiça Federal e a Justiça Comum Estadual.

            A alegação de falta de previsão específica de matéria criminal para a Justiça do Trabalho, a seu turno, deve ser descartada por dois argumentos: primeiro, o legislador incluiu, no art. 114, IV, previsão para o habeas corpus, ação conceituada pelo STF como de natureza criminal [07]. Não por acaso, colhe-se da manifestação do Min. MARCO AURÉLIO, no HC 85096-1/MG, a seguinte menção: "... por faltar à Justiça do Trabalho, àquela altura, a jurisdição penal" -, deixando aberto o entendimento, na Excelsa Corte, de que o art. 114, IV, trouxe a jurisdição penal à Justiça laboral. Segundo, existe a Justiça Eleitoral, tão especializada quanto a trabalhista, cuja regulação de competência prevista nos arts. 118 a 121 em momento algum faz referência à matéria criminal, todavia, esse ramo do Judiciário julga os crimes eleitorais, de acordo com o Código Eleitoral.

            Para os mais preciosistas, que ainda assim poderiam alegar a falta de norma legal disciplinadora da jurisdição penal constitucional trabalhista, a resposta encontra-se na LOMPU, quando, em seu art. 83, I, incumbiu ao MPT o exercício das ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas, sendo certo que o art. 129, I, da Constituição da República, erige como função institucional do MP em sua totalidade, promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. E, na forma da lei, o art. 6º, V, da Lei Complementar n. 75/93 dispõe competir ao Ministério Público da União, o qual é integrado pelo MPT, a promoção da ação penal. Pode-se ainda citar, ao sabor do argumento, na legislação esparsa, v.g. o art. 15 da lei 7783/89, conjugado ao disposto no art. 114, II, da CF, etc., sem falar no exercício do controle externo da atividade policial pelo MPT, a que remete o específico caput do art. 84 da LOMPU.

            Portanto, a jurisdição criminal é sempre residual, não necessitando vir expressa, mesmo assim saliente-se que, na seara trabalhista, a abertura da jurisdição laboral para todas as causas oriundas e decorrentes da relação de trabalho, pela EC 45/04, que sepultou a limitação anterior relativa aos conflitos entre empregado e empregador, tem o efetivo condão de atrair o disposto no art. 129, I, c/c arts. 83, I, 84, caput, e art. 6º, V, da LOMPU quanto à promoção da ação penal na Justiça laboral pelo MPT. Por outras palavras, legem habemus.

            Este entendimento, tocante à competência residual, já foi agasalhado pela Vara Federal Criminal de Blumenau/SC, em decisão que reconheceu a competência criminal da Justiça do Trabalho com fundamento no art. 114, III, da CF, para as questões sindicais:

            "Processo nº 2004.72.05.004394-8

            Vistos, etc.

            Trata-se de notícia crime onde o Ministério Público Federal requereu a remessa dos presentes autos à Justiça do Trabalho, entendendo ser esse o juízo competente para processar e julgar as irregularidades, em tese, na fundação do Sindicato dos Empregados do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios, Tecidos e Vestuário de Brusque.

            Como aduziu o Parquet Federal, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 8º, inciso I, garantiu a liberdade para a formação de associações sindicais, sendo vedada a intervenção estatal em sua organização, litteram:

            ‘Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

            I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; (...)’

            Entretanto, o inciso II deste dispositivo legal veda a criação de mais de uma organização sindical representativa de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial, conforme teria ocorrido, em tese, no caso dos autos.

            Todavia, tal irregularidade apontada pelo Parquet Federal não se constitui crime cujo processamento caiba à Justiça Federal, mas sim à Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, III, da CF/88 (Inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004).

            Assim, acolho as razões do Ministério Público Federal, e determino a remessa dos autos à Justiça do Trabalho de Brusque/SC, competente para processar e julgar o feito.

            Intimem-se.

            Blumenau(SC), 1 de fevereiro de 20005.

            RAFAEL SELAU CARMONA

            Juiz Federal Substituto"

            Não há conflito, também, entre o que está decidindo o STF, nos autos do RE n. 398041/PA [08] e a jurisdição trabalhista, pois este processo, à similitude dos demais mencionados nesta breve dissertação, há quase quatro anos está na divagação da competência, sendo que ali não se aventou a hipótese de jurisdição penal da Justiça do Trabalho, pois é anterior ao advento da EC 45/04. No particular, não se pode exigir do STF, neste e em outros processos, sem provocação, a análise da quaestio, até agora ventilada exclusivamente sob o prisma de jurisdição da Justiça Federal, na forma do art. 109 – violação de direitos humanos. E enquanto permanecer vigente o entendimento consubstanciado na Súmula 115 do extinto TFR, não haverá confronto de competências. Não fosse só isso, pode ocorrer de que, mais dia, menos dia, a Excelsa Corte venha a reconhecer erro histórico na questão da competência criminal da Justiça do Trabalho, como ocorrido na reversão da decisão tomada neste ano quanto à competência trabalhista para as ações acidentárias. Por tais motivos, frise-se, o julgamento em tela não se presta para limitar a temática, porquanto nele não abordada.

            Quanto à inserção, no art. 109, do inciso V-A, pela EC 45/04, dispondo competir aos juízes federais processar e julgar as causas relativas a direitos humanos, é o próprio §5º do mesmo dispositivo que resolve a questão: somente nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, em que o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, haja suscitado, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal, é que esta ocorrerá. Nestes termos, também não haverá conflito com a competência originária criminal da Justiça do Trabalho.

            Por derradeiro, a alegação de que o processo penal é incapaz de solver, de forma satisfatória, os conflitos penais, da qual discordamos em gênero, número e grau, nada acrescenta ao debate, já que as ações civis públicas trabalhistas também não tem tido esta capacidade, logo, a existência de mais um instrumento de atuação do Ministério Público [09] junto à Justiça do Trabalho deve ser vista com bons olhos, e não de forma restritiva antes mesmo de iniciada a sua prática. Até aqui, como asseverado, os tipos penais decorrentes da relação de trabalho estão em franco desuso, portanto, não se pode prejulgar o resultado do exercício da ação penal em relação a eles com base em experiência de outras Justiças para outros crimes.

            Não fossem estes argumentos por demais suficientes para espancar as dúvidas quanto ao tema, convém citar o que escreveu JOSÉ EDUARDO RESENDE CHAVES JÚNIOR [10], Juiz do Trabalho em Minas Gerais:

            "A anterior ordem constitucional firmava a competência trabalhista, em relação aos litígios decorrentes do contrato de trabalho, em função da pessoa - trabalhador e empregador - não em razão da natureza da matéria. Não é demais ressaltar, que a esse critério, deve-se aditar, naturalmente, o requisito de que a controvérsia decorresse da relação de emprego.

            Em outras palavras, a competência da Justiça do Trabalho não decorria apenas de um litígio que tivesse origem na relação de trabalho subordinado, mas que, além disso, fosse qualificado pela condição jurídica das pessoas envolvidas: empregador e trabalhador. Nesse sentido, a competência material da Justiça do Trabalho – ou seja, aquela que decorresse da relação de emprego sem envolver necessariamente o trabalhador e o empregador - somente se aperfeiçoava mediante lei específica.

            O Excelso Supremo Tribunal Federal, em sua composição plenária, já havia assentado entendimento dessa ordem [11], fixando que a "determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de Direito Civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação trabalhista, inserindo-se no contrato de trabalho" [12].

            Nessa acepção o termo relação de emprego preferia ao de contrato de trabalho, pois o último denotava uma equivocada e conservadora visão contratualista, no sentido de que a competência da Justiça do Trabalho estaria jungida estritamente a cláusulas contratuais, perdendo, assim, toda a abrangência do fenômeno jurídico atinente à relação de emprego.

            A visão contratualista mais avançada da relação de emprego capta tal fenômeno, não por um enfoque de conteúdo, porquanto não tem o contrato de trabalho conteúdo específico, mas sim pelo aspecto de sua realização operacional [13].

            É importante ressaltar que não impressiona a objeção no sentido de que o critério da pessoa, para se firmar a competência trabalhista, iria importar, se levado às últimas conseqüências, na assunção de competência penal pela Justiça do Trabalho, por exemplo, nos casos de crimes de ação penal privada envolvendo o trabalhador e o empregador.

            A Justiça do Trabalho não tinha competência penal porquanto o Ministério Público é o dominus litis. A demanda penal não ocorre entre o réu e a vítima. Mesmo na ação penal privada, consoante o magistério de ADA PELLEGRINI GRINOVER [14], o ofendido, na queixa-crime (ação privada) não é o titular do ius puniendi, mas apenas é extraordinariamente legitimado à ação. Trata-se, pois, de típica substituição processual penal, que, como tal, não altera a competência da lide [15].

            Após a Emenda Constitucional n. 45/04 a situação ganhou contornos bem distintos. Com a elisão dos vocábulos ´´empregador´´ e ´´trabalhador´´ do art. 114 da Constituição, a competência da Justiça do Trabalho deixou de se guiar pelo aspecto subjetivo (sujeitos ou pessoas envolvidas na relação de emprego), para se orientar pelo aspecto meramente objetivo, qual seja, ações oriundas da relação de trabalho, sem qualquer referência à condição jurídica das pessoas envolvidas no litígio.

            Assim, a ação penal oriunda da relação de trabalho, que processualmente se efetiva entre o Ministério Público e o réu, passou a ser da competência da Justiça do Trabalho, em decorrência da referida mutação do critério de atribuição.

            Isso porque o critério objetivo, dessa forma, se comunica com a natureza da infração, que é uma das formas de fixação da competência, nos termos do artigo 69,III do Código de Processo Penal."

            JOÃO HUMBERTO CESÁRIO [16], Juiz do Trabalho no Mato Grosso, acrescenta ainda outros fundamentos:

            "Pois bem. Estabelece o artigo 114, II, da CRFB, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvem o exercício do direito de greve. Sublinhe-se, pois, que a previsão de competência remete o operador justrabalhista para as ações, sem distinção de natureza (!), que envolvam exercício do direito de greve.

            Portanto, não sem antes ressaltar o preceito comezinho de hermenêutica constitucional, a ditar que a Constituição deva ser interpretada sob o enfoque da máxima efetividade, com os olhos tão-somente voltados aos limites da concordância prática, será paradoxalmente necessária a remessa do leitor, num primeiro momento, à legislação infraconstitucional, a fim de se estabelecer a incomensurável abrangência do preceito à balha.

            Cumprindo tal desiderato, é necessário se destacar que o artigo 15 da Lei 7.783-89 (Lei de Greve), apregoa que a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

            Ora, se a Constituição dirige a competência da Justiça do Trabalho, sem distinções, para a cognição e julgamento das ações oriundas do direito de greve, e se o direito de greve nos termos de sua lei própria será analisado pelos primas trabalhista, civil e penal, não se pode concluir de modo diverso, senão para se entender que a competência especializada será a mais ampla possível.

            Somente um tolo e injustificável preconceito é que será capaz de restringir esta possibilidade, já que como visto pouco atrás, a Constituição deve ser interpretada pelos contornos da máxima efetividade.

            Com efeito, não tenho dúvidas em afirmar que doravante estão reservadas à competência da Justiça do Trabalho todas as ações que envolvem o exercício do direito de greve, independentemente do objeto trabalhista stricto, civil ou penal de que possam estar imantadas."

            Resta concluir, desta forma, pela competência criminal da Justiça do Trabalho pós Emenda Constitucional n. 45/04.


4.A legitimidade do Ministério Público do Trabalho em matéria penal

            A promoção da ação penal pública é imanente ao Ministério Público, desde os primórdios da Instituição, quando surgiu no antigo Egito, e, inexistindo regra excepcionadora desta atribuição ao MPT na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que incorporou definitivamente o Parquet laboral à Instituição una e indivisível do art. 127, resta, portanto, pacífica a legitimidade do MP especializado.

            Não é intenção alongar a dissertação deste tópico, porque, a nosso sentir, e como se passará a demonstrar, não é dotada de seriedade qualquer alegação que se faça acerca de falta de legitimidade/atribuição em matéria penal do MPT.

            Como visto, no histórico institucional da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, a regulação das atividades do Parquet especializado vinha prevista no Título IX da CLT.

            A LOMPU, disciplinando largamente a atividade de todos os ramos do MPU, especialmente o MPT, revogou, no particular, se não todos, a grande maioria dos dispositivos celetários concernentes ao Ministério Público do Trabalho – aliás, grande parte deles já não havia sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

            Assim, principio a discorrer sobre a legitimidade do Ministério Público do Trabalho em matéria criminal com as palavras do ex-Procurador Geral da República, ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA, proferidas na Apresentação da Lei Complementar n. 75/93 [17]:

            "Eis a nossa tão sonhada Lei Orgânica do Ministério Público da União !

            Passados os longos anos de discussão a respeito de seu conteúdo, o sonho se tornou realidade, em 20 de maio de 1993, com a sanção da Lei Complementar nº 75, substância desta publicação.

            Espera-se que sua efetiva aplicação pelos quatro ramos do Ministério Público da união seja fator de aprimoramento institucional, não só no âmbito de sua organização administrativa, mas também, e principalmente, no campo da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, finalidade da própria instituição.

            Que esta Lei Complementar nº 75, em suma, seja eficaz instrumento de nosso trabalho, que há de ser voltado, sempre, para a defesa da sociedade brasileira.

            Brasília, julho de 1993." (Grifou-se e sublinhou-se)

            Diferentemente do que ocorreu com a Justiça do Trabalho, desde o advento da Lei Orgânica do Ministério Público da União, em 20.05.1993, possui o Ministério Público do Trabalho legitimidade em matéria criminal, sem divagações.

            Conquanto antes mesmo dessa data, após o advento da Constituição Federal de 1988, fosse também duvidosa interpretação contrária, em face do disposto no art. 129, I, fato é que a regulação das atividades institucionais do MPT como vinha prevista na CLT, bem ou mal não induzia pensar no Parquet trabalhista atuando perante outro ramo do Poder Judiciário para exercer atribuição penal.

            Bem verdade, também, que até aqui poucos foram os Membros do Ministério Público do Trabalho que ousaram se aventurar perante outros ramos do Poder Judiciário, mas sempre que o fizeram, seja perante a Justiça Estadual, seja na Justiça Federal, não tiveram a legitimidade questionada.

            Bem verdade, ainda, que a promoção da ação penal pública pelo MPT é uma atribuição cronologicamente subdesenvolvida e que demandará, ipso facto, a devida recuperação por seus Membros, o que não obsta também, ao seu efetivo exercício desde logo.

            Mas vamos ao tema: rezam os arts. 127 e 128 da Carta Republicana que o Ministério Público, instituição una e indivisível, é composto pelo Ministério Público da União e pelo Ministério Público dos Estados, sendo o MPU subdividido em quatro ramos, a saber, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

            O art. 129 da Constituição da República, ao especificar as atribuições do Ministério Público, prevê, em seu inciso I, o exercício da ação penal pública. Não há nenhuma restrição quanto ao comando a um ou outro ramo do Ministério Público.

            A primeira questão que vem à baila é: se o ramo do Poder Judiciário não possuir competência para a apreciação de determinada demanda ou para ela se declarar incompetente, o ramo correspondente do Ministério Público perde o direito à demanda, por força de consectária falta de legitimidade? Ou, por outras palavras, a incompetência do ramo do Poder Judiciário induz falta de legitimidade ou atribuição do Ministério Público que junto à ele atua?

            A resposta vem expressa no art. 37, II, da LOMPU [18]: "O Ministério Público Federal exercerá as suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, integrantes do patrimônio nacional". Pois bem, admitida legalmente a hipótese de ramo do Ministério Público atuar perante qualquer juízo ou tribunal, resta cabalmente esclarecido que as atribuições/legitimidade do Parquet, são distintas da competência dos juízos e tribunais, e a falta desta não induz à ausência daquelas.

            Aliás, nem poderia ser diferente, em face dos princípios da unidade e indivisibilidade do Ministério Público.

            Nesse sentido, as lições do professor NELSON NERY:

            "O MP é instituição uma e indivisível (CF 127 § 1º), de sorte que quando a CF e a lei falam na legitimação do parquet, estão se referindo à instituição una do MP. Portanto, qualquer que seja o órgão do MP (da União ou dos Estados), a legitimidade é da Instituição, de sorte que qualquer um desses órgãos pode promover ação coletiva, em qualquer juízo, para a defesa dos direitos metaindividuais.

            Não se pode questionar se o MP estadual teria ou não atribuição para promover ação na Justiça Federal ou na Justiça do Trabalho. Essa questão é administrativa e não compete ao Poder Judiciário discutir questões interna corporis do Ministério Público. Quando houver lei federal restringindo a atuação do MP em determinado órgão jurisdicional, aí sim o juiz poderá examinar a regularidade da representação da Instituição do MP, legitimada à propositura da ação (legitimidade ativa de parte), porque o MP é sempre parte legítima quando a lei assim o determina. A questão é pressuposto processual (representação da parte). Caso o MP esteja representado irregularmente, o juiz deverá indeferir a petição inicial (ou extinguir o processo sem julgamento do mérito), com base no CPC 267 IV." [19] (Grifou-se e sublinhou-se)

            E acerca dos princípios da unidade e indivisibilidade do Ministério Público, já julgaram STF e STJ:

            "EMENTA: AÇÃO PENAL. Denúncia. Ratificação. Desnecessidade. Oferecimento pelo representante do Ministério Público Federal no juízo do foro em que morreu uma das vítimas. Declinação da competência para o juízo em cujo foro se deu o fato. Foros da Justiça Federal. Atuação, sem reparo, do outro representante do MP. Atos praticados em nome da instituição, que é una e indivisível. Nulidade inexistente. HC indeferido. Aplicação do art. 127, § 1º, da CF. Inteligência do art. 108, § 1º, do CPP. O ato processual de oferecimento da denúncia, praticado, em foro incompetente, por um representante, prescinde, para ser válido e eficaz, de ratificação por outro do mesmo grau funcional e do mesmo Ministério Público, apenas lotado em foro diverso e competente, porque o foi em nome da instituição, que é una e indivisível." (STF, HC n. 85.137-MG, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Fonte: Informativo n. 407, de 09.11.2005)

            "CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. SUSCITAÇÃO PELO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL QUE ATUA NA PRIMEIRA INSTÂNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. DANO AMBIENTAL. RIOS FEDERAIS. CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

            1. O Ministério Público Federal tem atribuição para suscitar conflito de competência entre Juízos que atuam em ações civis públicas decorrentes do mesmo fato ilícito gerador. Com efeito, consoante os Princípios da Unidade e Indivisibilidade do Ministério Público, as manifestações de seus representantes constituem pronunciamento do próprio órgão e não de seus agentes, muito embora haja divisão de atribuições entre os Procuradores e os Subprocuradores Gerais da República (art. 66 da Lei Complementar n.º 75/93).

            2. Deveras, informado que é o sistema processual pelo princípio da instrumentalidade das formas, somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada (pas des nullité sans grief).

            3. Consectariamente, à luz dos Princípios da Unidade e Indivisibilidade do Ministério Público, e do Princípio do Prejuízo (pas des nullité sans grief), e, uma vez suscitado o conflito de competência pelo Procurador da República, afasta-se a alegada ilegitimidade ativa do mesmo para atuar perante este Tribunal, uma vez que é o autor de uma das ações civis públicas objeto do conflito.

            4. Tutelas antecipatórias deferidas, proferidas por Juízos Estadual e Federal, em ações civis públicas. Notória conexão informada pela necessidade de se evitar a sobrevivência de decisões inconciliáveis.

            5. A regra mater em termos de dano ambiental é a do local do ilícito em prol da efetividade jurisdicional. Deveras, proposta a ação civil pública pelo Ministério Público Federal e caracterizando-se o dano como interestadual, impõe-se a competência da Justiça Federal (Súmula 183 do STJ), que coincidentemente tem sede no local do dano. Destarte, a competência da Justiça Federal impor-se-ia até pela regra do art. 219 do CPC.

            6. Não obstante, é assente nesta Corte que dano ambiental causado em rios da União indica o interesse desta nas demandas em curso, a arrastar a competência para o julgamento das ações para a Justiça Federal. Precedentes da Primeira Seção: CC 33.061/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 08/04/2002; CC 16.863/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 19/08/1996.

            7. Ainda que assim não fosse, a ratio essendi da competência para a ação civil pública ambiental, calca-se no princípio da efetividade, por isso que, o juízo federal do local do dano habilita-se, funcionalmente, na percepção da degradação ao meio ambiente posto em condições ideais para a obtenção dos elementos de convicção conducentes ao desate da lide.

            8. O teor da Súmula 183 do E. STJ, ainda que revogado, a contrario sensu determinava que em sendo sede da Justiça Federal o local do dano, neste deveria ser aforada a ação civil pública, máxime quando o ilícito transcendesse a área atingida, para alcançar o mar territorial e rios que banham mais de um Estado, o que está consoante o art. 93 do CDC.

            9. Nesse sentido, é a jurisprudência do E. STF ao assentar que:

            "Ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal. Competência da Justiça Federal. Art. 109, I e § 3º, da Constituição. Art. 2º da Lei 7.347/85. O dispositivo contido na parte final do § 3º do art. 109 da Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência (rectius, jurisdição) ao Juízo Estadual do foto do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde que não seja sede de Vara da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no inciso I do referido artigo 109. No caso em tela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, ao revés, se limitou, no art. 2º da Lei 7.347/85, a estabelecer que as ações nele previstas ´´serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa´´. Considerando que o juiz federal também tem competência territorial e funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de que o afastamento da jurisdição federal, no caso, somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado § 3º em relação às causas de natureza previdenciária, o que no caso não ocorreu. (...)

            ...no caso dos autos, a permissão constitucional (do § 3º do art. 109 da CF) não foi utilizada pelo legislador, que se limitou, no art. 2º da Lei 7.347/85, a estabelecer que as ações nele estabelecidas ´´serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa´´. Na verdade, o juiz federal também tem competência territorial e funcional, razão pela qual não pode ela, no caso de ações civis públicas intentadas pela União ou contra ela, ser considerada excluída pela norma questionada por efeito exclusivo da expressão ´´foro do local onde ocorrer o dano´´ contida no texto do dispositivo, pelo singelo motivo de que o Município de São Leopoldo, onde, no caso, ocorreu o dano, não integra apenas o foro estadual da comarca local, mas também o das Varas Federais de Porto Alegre. Consequentemente, para autorizar o entendimento manifestado pelo acórdão, seria de mister que o legislador houvesse fixado, de modo expresso - como fez o constituinte, no próprio § 3º do art. 109, sob apreciação, relativamente às causas alusivas à previdência social - a competência (rectius, jurisdição) da Justiça Estadual para as ações da espécie, nas circunstâncias apontadas, o que não ocorreu." (RE 228.955-9/RS, Plenário, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 24/03/2000)

            10. Deveras, a Súmula 150 do E. STJ dispõe que "compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas."

            11. Mister, ainda, destacar que a Seção, em causa semelhante assentou que:

            "Compete à Justiça Federal processar e julgar a ação civil pública movida com a finalidade de reparar os danos causados ao meio ambiente ocasionados pelo vazamento de óleo no mar territorial, bem de propriedade da União." (CC 16.863/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 19/08/1996)

            12. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes - SJ/RJ." (STJ, Ac. 1ª Seção, CC 39111/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, julg. Em 13.12.2004, public. no DJ de 28.02.2005, p. 178)

            Logo, não é correto falar em simetria entre as atividades do ramo do Ministério Público com o correspondente ramo do Judiciário, mas sim em mera preponderância de atividades, não competindo ao Judiciário decidir quanto a atribuições do Parquet, pois uno e indivisível.

            A segunda questão pertinente ao tema é: e como ficam as interpretações restritivas endógenas e exógenas de legitimidade/atribuições do Ministério Público do Trabalho?

            Não há dúvida em responder que elas esbarram no princípio da reserva legal, estabelecido no §2º do art. 5º, da LOMPU: "somente a lei poderá especificar as funções atribuídas pela Constituição federal e por esta Lei Complementar ao Ministério Público da União, observados os princípios e normas nelas estabelecidos".

            Valendo lembrar, ainda, o comando expresso no §1º do referido dispositivo legal, de que "os órgãos do Ministério Público da União devem zelar pela observância dos princípios e competências da Instituição, bem como pelo livre exercício de suas funções".

            Inexistindo qualquer vedação ou restrição, como visto anteriormente, na Constituição e na LOMPU, ou em qualquer outro diploma legal, acerca do exercício da ação penal pública pelo Ministério Público do Trabalho, é ilegal e incompatível com o ordenamento jurídico pátrio, seja do ponto de vista histórico das instituições, seja sob a sua perspectiva evolutiva, a interpretação quanto à ilegitimidade/falta de atribuição penal ao MPT [20].

            As hipóteses de atuação penal do MPT ficam na conformidade do art. 84, caput, da LOMPU: "no âmbito das suas atribuições", ou seja, dentro das atividades promovidas na seara trabalhista (órgão agente e órgão interveniente), quando tiver ciência de fato criminoso.


5.Os crimes contra a organização do trabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho: Ministério Público do Trabalho e transação penal - casuística

            Ultrapassado o questionamento da competência criminal da Justiça do Trabalho, qual o critério a ser utilizado na definição da jurisdição penal trabalhista? Quais os limites dessa jurisdição?

            Começam já a surgir teses pregando que o marco de competência seja fixado em prol da Justiça especializada sempre que a "elementar do tipo" invocar a relação de trabalho. Assim, naturalmente os crimes contra a organização do trabalho, o art. 149 do CP, o art. 297, §3º e 4º, do CP, a contravenção penal do art. 19, §2º, da Lei 8213/91, estariam na órbita da Justiça laboral.

            Porém, o critério não é válido, porquanto o estelionato resultante de fraude ao seguro-desemprego e ao FGTS (art. 171, caput, do CP), o crime de periclitação à vida ou à saúde nos casos de exposição do trabalhador a risco (art. 132, caput, do CP), a contravenção penal de retenção indevida de CTPS (art. 3º da Lei 5553/68), as discriminações raciais, religiosas, de orientação sexual praticadas na relação de trabalho (Lei 7716/89), e ainda os crimes contra as pessoas portadoras de deficiência (Lei 7853/89), pelo tipo não conter qualquer menção à relação de trabalho ou à direito trabalhista, fugiriam do alcance da Justiça laboral. De idêntica forma, ficariam fora da jurisdição penal trabalhista os crimes de admissão irregular de servidor (art. 1º, XIII, do Dec.-Lei 201/67), de inversão de pagamento da Administração Pública sem vantagem ao erário nos precatórios trabalhistas (art. 1º, XII, do Dec.-Lei 201/67), de lesão corporal culposa (art. 129, §6º, do CP) e homicídio culposo em acidente do trabalho (art. 121, §3º, do CP), falsidade ideológica (em recibos em branco, controles paralelos de jornada – art. 299 do CP), outros crimes de discriminação no emprego das Leis 9099/95, Lei 10741/03, (trabalho da mulher, idosos), etc.

            O critério científico, pois, de fixação da competência criminal trabalhista, há de ser ex rationae materiae, na consonância do art. 114 e seus incisos: se da relação de trabalho (aí compreendidas as relações sindicais e as resultantes do exercício do direito de greve) decorrer uma conduta típica, antijurídica e culpável, não importando o tipo penal envolvido, a ação penal que nasce para o Ministério Público (do Trabalho) é da alçada da Justiça do Trabalho.

            À guisa de exemplo, é possível citar os seguintes precedentes na Justiça do Trabalho:

            -Termos Circunstanciados ns. 001-A-2005/SR/DPF/Itajaí, 001-B-2005/SR/DPF/SC e 0016/2005-SR/DPF/SC, lavrados pela Polícia Federal e encaminhados, respectivamente, às Varas do Trabalho de Indaial (ADV n. 01028-2005), Joaçaba (ADV n. 00645-2005) e Curitibanos (ADV n. 00681-2005), todos com transações penais propostas pelo MPT, aceitas pelos indiciados e homologadas pelo Juízo trabalhista, em cumprimento;

            -Notícias-Crime n. 01592-2005 e 01631-2005, da Vara do Trabalho de Indaial, e 01437-2005, da 2ª Vara do Trabalho de Rio do Sul, todas com transação penal em cumprimento.

            -Denúncia-Crime n. 06578-2005-026-12-00-0, em processamento na 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis, com sursis processual concedido aos denunciados;

            -Denúncias-Crimes n. 04582-2005 (4ª Vara do Trabalho de Florianópolis), 05476-2005 (4ª Vara do Trabalho de Florianópolis), 00905-2005 (Vara do Trabalho de Caçador), 04104-2005 (1ª Vara do Trabalho de Blumenau), 00893-2005-042-12-00-2 (Vara do Trabalho de Curitibanos), 00890-2005 e 00891-2005 (estas últimas da competência originária do TRT da 12ª Região, considerando a prerrogativa de foro dos prefeitos), em andamento.

            Em dois casos (autos 04582-2005 e 05476-2005), a competência criminal está sendo discutida no TRT, em grau de recurso (ante a declinatória do Juízo trabalhista de 1ª Instância), sendo que o segundo entrou em pauta em 29.11.2005, aguardando a decisão da Corte trabalhista catarinense.

            E existe pelo menos uma transação penal integralmente cumprida, que é a dos autos n. 01028-2005, da Vara do Trabalho de Indaial, com extinção da punibilidade do agente decretada pelo Juiz do Trabalho.

            Nos casos citados, de transação penal (compreendendo o sursis processual), o MPT tem oferecido a possibilidade nas hipóteses previstas na legislação (art. 61 da Lei 9099/95, c/c art. 2º, §2º, da Lei 10259/01, e art. 76 da Lei 9099/95), que constituem, em verdade, a grande maioria dos tipos penais sujeitos, nesse primórdio de prática processual penal trabalhista, à jurisdição laboral.

            Acrescente-se que a transação penal trabalhista tem agregado um elemento pedagógico importantíssimo na jurisdição laboral, na medida em que se tem fixado ao indiciado a obrigação de comparecimento mensal no juízo trabalhista com a inclusão de aspectos próprios laborais, como a exibição do livro de registro de empregados, das guias de recolhimentos previdenciários e do FGTS, PPRA, PCMSO, comprovantes de entregas de EPI’s – quando se tratar de empregador, e da CTPS, quando se tratar de empregado (v.g. no estelionato por fraude ao seguro-desemprego), bem assim, de freqüência a cursos obrigatórios de direitos trabalhistas, prevenção e acidentes do trabalho, segurança, medicina e higiene do trabalho. No vazio legislativo da Lei 9099/95, os Juízes do Trabalho, diferentemente da Justiça Comum, e consoante a praxis judiciária trabalhista, têm realizado audiências nos comparecimentos mensais, valorizando o ato e realçando o caráter pedagógico da pena restritiva de direitos aplicada.

            Nem se argumente que, em face das transações penais ocorridas, o MPT e a Justiça do Trabalho estariam "banalizando" as condutas criminosas trabalhistas, por ser impossível, por todo o exposto, diminuir ou banalizar aquilo que não é exercido, sendo certo que, como fiscal da lei, o Parquet laboral deve velar pelo efetivo cumprimento da lei processual penal, garantindo ao acusado criminal trabalhista, o permissivo transacional nos delitos de menor potencial ofensivo na forma como definidos pela legislação.

            Apenas para ilustrar, os seguintes tipos penais foram abordados nesse prelúdio de prática processual penal trabalhista:

            - Código Penal: art. 132, caput; art. 171, caput; art. 203, caput (na forma da Súmula 115 do TFR); art. 288, caput; art. 297, §§3º e 4º; art. 299, caput; art. 355, parágrafo único;

            - Legislação Penal esparsa: art. 19, §º2, da Lei 8213/91; art. 3º da Lei 5553/68; art. 1º, XIII, do Dec. Lei 201/67; art. 89 da Lei 8666/93; art. 20 da Lei 7716/89.

            Obviamente que, conforme a competência criminal trabalhista se consolida, novos tipos deverão ser acrescentados a esse rol.


6.Conclusões

            - A luta por seu espaço no contexto judiciário nacional, tem, ao longo do tempo, trazido inúmeras mudanças positivas e avanços para a Justiça do Trabalho e para o Ministério Público do Trabalho, aos quais a EC 45/04 garantiu idêntica simetria em relação aos demais ramos, com ganhos para a sociedade.

            - O princípio ou teoria da unidade da convicção, resguardado pelo STF, implica na necessidade de se reconhecer que o crime nascido da relação de trabalho seja processado e julgado na Justiça do Trabalho, competente para a ação trabalhista.

            - A atração da jurisdição penal trabalhista se dá pelo critério de competência material exposto no art. 114 da Constituição da República, ou seja, se a ação penal nascer da relação de trabalho, da relação sindical ou do exercício do direito de greve, não importando o tipo envolvido.

            - Não há conflito entre a competência criminal da Justiça do Trabalho e o art. 109, V-A, e VI, da Constituição, na forma da Súmula 115 do extinto TFR e do §5º do art. 109.

            - Nas atividades do Parquet Trabalhista cabe promover a ação penal pública, privativamente, na própria Justiça do Trabalho, quando a conduta típica, antijurídica e culpável decorrer da relação de trabalho, abrangidas as questões sindicais e que envolvam o exercício do direito de greve.

            - A legitimidade/atribuição penal do Ministério Público do Trabalho está plenamente assegurada na Constituição (art. 129, I) e na LOMPU (arts. 6º, V, 83, I, e 84, caput, da LOMPU), sendo que interpretações restritivas ou contrárias esbarram no princípio da reserva legal, contido no §2º do art. 5º da LOMPU.

            - A competência da Justiça do Trabalho em matéria criminal resgata a dignidade da jurisdição trabalhista e consolida o respeito aos direitos sociais conquistados e à atuação do órgão defensor da sociedade por excelência, o Ministério Público do Trabalho.

            - O exercício da ação penal trabalhista na Justiça do Trabalho possibilitará, em curto prazo, diminuir sensivelmente as ocorrências de investidas criminosas comuns nas relações de trabalho concernentes a trabalho e salário sem registro, truck-system, cooperativismo irregular, discriminações e fraudes diversas, acarretando diminuição de ações trabalhistas e acrescendo elemento de valor e qualidade à jurisdição especializada.


Notas

            01 In Revista LTr.-69-07/811, Julho de 2005, pp. 811-7.

            02 Passa-se a citar trechos do livro História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, de autoria conjunta de IRANY FERRARI, AMAURI MASCARO NASCIMENTO e IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, nos estudos em homenagem a CASIMIRO COSTA (São Paulo: LTr, 1998), por especiais, no que concerne à história da Justiça do Trabalho e sua relação com o tema desta dissertação.

            03 Em 21.10.2005, na cidade de Florianópolis – Painel Moralidade Pública nas Relações de Trabalho.

            04 O relator, Ministro JOAQUIM BARBOSA, nos autos do RE 398041, que trata da matéria, votou no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso para anular o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, devolvendo para o julgamento final da apelação.

            05 TRF 1ª Região, Ac. unânime 3ª Turma, julg. em 14-09-04, Recurso Criminal n. 2003.41.00.004263-1/RO, Relator Desembargador Federal TOURINHO NETO.

            06 TRF 1ª Região, Ac. unânime 3ª Turma, julg. em 12-05-04, Recurso Criminal n. 2003.41.00.003994-5/RO, Relator Desembargador Federal CÂNDIDO RIBEIRO.

            07 Em recente decisão do STF, de 28.06.2005, no julgamento do HC 85096, o Ministro Relator SEPÚLVEDA PERTENCE deixou assentado que: "sendo o habeas corpus de natureza penal, a competência para o seu julgamento será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade de depositário em execução de sentença".

            08 Em 06.08.2002, a 3ª Turma do TRF da 1ª Região, anulou, de ofício, o processo, a partir do recebimento da denúncia, e julgou prejudicada a apelação do réu, por entender incompetente a JF. Desta decisão, pende o recurso extraordinário citado.

            09 Necessário enfatizar a insuficiência dos meios comuns de atuação do MPT junto à Justiça do Trabalho: ação civil pública e ação civil coletiva são insuficientes para debelar ilícitos trabalhistas graves como o falso cooperativismo.

            10 "A Emenda Constitucional n. 45/2004 e a Competência Penal da Justiça do Trabalho", in Nova Competência da Justiça do Trabalho, São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2005, p. 222 - as notas a seguir, são extraídas do próprio texto do referido autor.

            11 "STF CJ 6.959-6 (DF) - Ac. Sessão Plenária, 23.05.90 - Rel. Ministro Sepúlveda Pertence - Revista LTr. 59-10/1370."

            12 "Idem, relator Min. Sepúveda Pertence."

            13 "Cf. CORRADO, Renato, apud MARANHÃO, Délio Direito do Trabalho - Rio de Janeiro: FGV, 1966, p.29"

            14 ‘Cf. As Nulidades no Processo Penal - 5 ed. revista e ampliada - São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 60."

            15 "a exemplo das demandas em que o sindicato, como substituto processual, litigava contra o empregador sem alteração da competência trabalhista."

            16 In Competência da Justiça do Trabalho: Aspectos Materiais e Processuais, São Paulo: LTr, 2005, pp. 87-8.

            17 Lei orgânica do Ministério Público da União: lei complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Brasília: Ministério Público Federal, 1993, p. 09.

            18 Neste diapasão, já sustentamos: "Logo, por interpretação extensiva-analógica, e pelo sistema jurídico pátrio não comportar distinção de qualquer espécie entre os ramos do Ministério Público, todos de igual relevo e importância, independentes e harmônicos entre si, desde a edição da LOMPU em 1993, é possível o entendimento de que o Ministério Público do Trabalho exercerá as suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de direitos e interesses coletivos quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, de direitos e interesses de menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho, do meio ambiente do trabalho, de bens e direitos de valor social." In Revista LTr. 69-07/814, vol. 69, n. 07, julho de 2005.

            19 In REVISTA LTr. 64-02/157 (O Processo do Trabalho e os Direitos Individuais Homogêneos – Um Estudo sobre a Ação Civil Pública Trabalhista), fev./2000.

            20 No particular, o então Presidente da AJUFE, Juiz PAULO SÉRGIO DOMINGUES, em palestra proferida no Curso de Extensão em Trabalho Escravo da Faculdade de Tecnologia e Ciências da Bahia, no Museu Eugênio Teixeira Leal, em Salvador (de 17 a 22 de março de 2003), sustentou que dificilmente um juiz federal rejeitaria denúncia-crime pelo simples fato de ser ajuizada pelo MPT.


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Exposição apresentada no Painel "Competência Criminal da Justiça do Trabalho", no 3º Encontro de Procuradores do Trabalho da Região Sudeste, em 02/12/2005, em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D'AMBROSO, Marcelo José Ferlin. Competência criminal da Justiça do Trabalho e legitimidade do Ministério Público do Trabalho em matéria penal: elementos para reflexão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 995, 23 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8141. Acesso em: 28 abr. 2024.