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O que é inconstitucionalidade ideológica?

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Sumário: I – Introdução; II – Premissas : Princípio da Supremacia da Constituição e Controle de Constitucionalidade; III – Atos sujeitos a controle de constitucionalidade; IV – Inconstitucionalidade ideológica – conceito; V – Casuística – hipóteses de inconstitucionalidades ideológicas; VI - Conclusão; Referências bibliográficas; Anexo Único : Quadro sinótico.


I – Introdução

Constitucionalista é o sistema jurídico caracterizado pelo fato de que a norma ápice do ordenamento jurídico, a Constituição, é a fonte primeira do Poder Estatal, criando e legitimando a atuação do próprio Estado, e traçando a disciplina jurídica elementar do Estado e da Sociedade.

A Constituição, na atualidade, é a norma jurídica superior, possuindo força normativa [0001], distante do caráter de mera declaração de direitos não vinculante. A Constituição, ademais, é o documento jurídico que consubstancia as opções políticas fundamentais de um determinado Estado e de dada sociedade, estabelecendo os limites quanto ao exercício do Poder, seja de qual natureza for.

Imperativo lógico do sistema constitucionalista é, por conseguinte, a efetividade e máxima eficácia da Constituição. As diretrizes fundamentais por esta traçadas devem ser respeitadas, devendo ser fiscalizada a constitucionalidade e, na hipótese de violação da higidez constitucional, anulado o ato, pelos processos previstos na própria Carta Magna e regulados por lei.

É sobre um dos aspectos de que pode revestir-se a inconstitucionalidade que expender-se-ão os comentários que se seguem.


II – Premissas : Princípio da Supremacia da Constituição e Controle de Constitucionalidade

A Constitiuição é a norma-ápice do ordenamento jurídico, não podendo ser contrariada, sob pena de invalidade do ato violador, seja este de que natureza que for.

JOSÉ AFONSO DA SILVA assim refere-se ao Princípio da Supremacia da Constituição:

"O princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem (sic) com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui conduta inconstitucional." [01]

Assim, a legislação infraconstitucional deve conformar-se com a Constituição, vale dizer, para com esta guardar coerência e respeitar os limites por ela impostos. Mas não somente a legislação, assim como atos administrativos e o mais, conforme ver-se-á em tópico subseqüente. Por outro lado, os comandos constitucionais não podem ser burlados, através da não-aplicação (omissão).

A compatibilidade entre os atos normativos infraconstitucionais e a Lei Fundamental faz-se por intermédio do instituto jurídico do controle de constitucionalidade. O controle de constitucionalidade é feito, em regra, pelo Poder Judiciário [02], declarando a compatibilidade ou incompatibilidade [03] de determinada norma para com a Constituição.

Tal controle pode ser feito de maneira difusa [04], vale dizer, incidentalmente [05], por qualquer juízo [06], com efeito inter partes, ou de maneira concentrada, vale dizer, por uma Corte Constitucional, em via principal, com efeito erga omnes.

O Controle de constitucionalidade visa, como já afirmado, declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ato atacado [07]. Pois bem, fase preliminar a tal declaração é, por evidente, a perquirição que faz o julgador sobre tal compatibilidade ou incompatibilidade. Dizendo de outro modo, é pressuposto lógico da declaração de inconstitucionalidade a detecção da inconstitucionalidade, ou seja, a detecção da incompatibilidade para com a Carta Magna.

A inconstitucionalidade pode ser material ou formal. A primeira refere-se a ato cujo conteúdo, vale dizer, essência, seja incompatível com a Lei Fundamental [08], verificando-se ainda que atendidos os requisitos formais à edição do ato. A segunda, por sua vez, compreende aquelas situações em que há inobservância de regra formal, procedimental [09], estabelecida pela Constituição, verificando-se ainda que não haja incompatibilidade de fundo entre o ato e a Carta Política.

JOSÉ AFONSO DA SILVA distingue as referidas espécies de inconstitucionalidade, asseverando que esta

"se manifesta sob dois aspectos: (a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contratia preceito ou princípio da constituição." [10]

No Brasil, para o controle tanto da inconstitucionalidade formal quanto da inconstitucionalidade material, a Constituição da República de 1988 consagra um sistema judicial misto de controle de constitucionalidade, vale dizer, prevê hipóteses tanto de controle difuso quanto de controle concentrado [11].

Vale recordar, por derradeiro, que o Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio da jurisdição constitucional no Brasil, em face da adoção de sistema misto, que contempla, também, o sistema difuso, aberto ou por via de exceção de controle de constitucionalidade. [12]


III – Atos sujeitos a controle de constitucionalidade

Primeiramente, antes de adentrar o tema principal em análise, cumpre listar, rapidamente, os gêneros de atos que, por deverem guardar compatibilidade com a Carta Magna, podem inquinar-se de inconstitucionalidade.

Como visto, a Constituição ocupa o ápice do sistema normativo, emanando sua força normativa por todo o ordenamento jurídico, devendo aplicar-se com a máxima eficácia possível.

Estão, portanto,sujeitos à observância da Constituição, dentre outros:

- Leis e atos normativos em geral

Em primeiro lugar, os atos normativos em geral devem guardar compatibilidade para com a Carta Política para que sejam válidos e aptos a produzirem efeitos. Estão compreendidos nesta categoria as Emendas Constitucionais, as Leis Complementares, as Leis ordinárias, as Medidas Provisórias, as Leis Delegadas, os Decretos, as Constituições e leis estaduais, Leis orgânicas e leis ordinárias municipais, e assim por diante.

A teor do art. 102, I, da Constituição Federal, estão sujeitos ao controle concentrado de constitucionalidade as leis e os atos normativos federais ou estaduais, sendo a competência originária para processo e julgamento de tais causas do Supremo Tribunal Federal.

Assim, por não existir previsão, inexiste a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade de ato normativo municipal pelo STF, por exemplo, sendo que, no caso do Distrito Federal, dada a natureza híbrida de suas competências [13], somente será possível em referência a ato normativo relativo ao exercício da competência estadual cumulativa. [14]

Mas, o fato de as demais espécies de atos normativos, aforante leis e atos normativos federais e estaduais, não encontrarem-se sujeitos ao controle concentrado de constitucionalidade por parte do Pretório Excelso não implica em que possam permanecer à margem da constituição, violando-a, sem qualquer controle.

Todos os atos normativos, inclusive os municipais, estão sujeitos a controle de constitucionalidade pela via difusa.

- Atos administrativos em geral

A Administração Pública encontra-se vinculada ao Princípio da Legalidade (art. 37, caput, CR) e, em sistema constitucionalista, como o brasileiro, pressuposto de legalidade é a constitucionalidade [15].

Assim sendo, não pode a Administração Pública praticar atos à revelia das disposições constitucionais, até mesmo por um imperativo lógico da força normativa da constituição – ora, se o administrador público encontra-se jungido à lei infraconstitucional, com mais razão ainda encontra-se vinculada à norma constitucional, prevalente-.

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO ensina que

"A administração (entenda-se: as várias administrações públicas, central, regional ou local, directa ou indirecta) está vinculada às normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias. Isto significaria em todo o rigor: [...] (2) a administração, ao praticar actos de execução de leis constitucionais ( = leis conforme os direitos fundamentais) deve executá-las constitucionalmente, isto é, interpretar e aplicar estas leis de um modo conforme os direitos, liberdades e garantias." [16]

Assim sendo, também a atuação dos poderes públicos no exercício de suas competências administrativas deve guardar conformidade para com a disciplina jurídico-constitucional vigente.

Pois, conforme observa com percuciente propriedade WILSON STEINMETZ, "todos os atos, normativos ou fáticos, devem ser conformes ou então não-contrários à Constituição." [17]

Da mesma forma vista no item precedente, mesmo os atos administrativos que não estejam sujeitos a controle concentrado de constitucionalidade, por escaparem à dicção do art. 102, I, da CR, podem ser atacados pela via difusa, podendo o juízo ou Tribunal competente declará-los inconstitucionais e, por conseqüência, privá-los de efeitos jurídicos.

- Atos jurisdicionais

Assim como os demais Poderes, o Poder Judiciário não encontra-se acima ou à margem da Constituição. Assim, não somente os atos administrativos dos tribunais, na forma do item precedente, como, também, os provimentos jurisdicionais devem estrita observância aos ditames constitucionais, ainda mais tendo-se em mente que é o Poder ao qual cabe, precipuamente, o controle da legitimidade constitucional, seja em sede difusa, seja em sede concentrada [18].

Portanto, sentenças e acórdãos que firam preceito normativo da Constituição, direta ou indiretamente, encontram-se inquinados de inconstitucionalidade, razão pela qual não podem produzir efeitos.

Enunciados da Súmula da Jurisprudência [19] dominante, inclusive vinculantes, podem ser reputados inconstitucionais, tanto pelo critério material, quando guardem incompatibilidade de mérito – essencial – para com a Carta Magna, quanto pelo critério formal, quando forem aprovadas à revelia dos procedimentos constitucionalmente traçados.

Notem-se algumas particularidades: enunciados da súmula da jurisprudência dominante, em geral, sem caráter vinculante, podem padecer de inconstitucionalidade material, quando firam disposição constitucional. Quando não tenham observado as disposições constantes dos regimentos internos dos tribunais para sua adoção, a hipótese, em princípio, é de mera ilegalidade, não inconstitucionalidade formal, pois a Constituição não traça, na espécie, regulamentação para a adoção dos referidos enunciados (súmulas).

No entanto, tratando-se de enunciado da súmula dominante do Supremo Tribunal Federal, adotado com caráter vinculante, conforme o procedimento previsto no art. 103-A, acrescentado à Constituição da República pela Emenda Constitucional nº 45/04, aí sim caracterizar-se-á inconstitucionalidade formal do enunciado aprovado ao arrepio do procedimento constitucionalmente preconizado.

As decisões jurisdicionais inconstitucionais encontram-se sujeitas ao controle difuso de constitucionalidade, podendo ser atacadas por ocasião da interposição do recurso porventura cabível, ou ainda do manejo de ação rescisória, com fundamento no art. 485, III, do Código de Processo Civil brasileiro [20].

A despeito do teor do Enunciado nº 267 do STF [21], entendemos cabível mandado de segurança contra ato jurisdicional violador de norma constitucional. Isto sempre que este for o meio mais eficaz à reparação da lesão. Ainda que não se espose tal entendimento, o cabimento é evidente, ao menos, naqueles casos em que o recurso porventura cabível seja desprovido de efeito suspensivo [22].

Entendemos ainda cabível o mandado de segurança contra ato judicial transitado em julgado sempre que tal ação mandamental revele-se necessária para evitar a ocorrência de dano irreparável cabalmente demonstrado, a despeito do entendimento sufragado pelo STF em seu enunciado nº 268 [23], a saber, o não-cabimento de mandado de segurança contra ato ou decisão judicial transitada em julgado [24].

- Atos de particulares

O Direito é mutante e adapta-se conforme a sociedade sofre mudanças. Os conceitos de direito são reconhecidamente cambiantes no tempo [25]. Embora inicialmente o conceito de Constituição tenha sido concebido precipuamente para fazer frente aos abusos e excessos no exercício do Poder Público – Estado -, verifica-se, na atualidade, a existência de grandes centros de poder no âmbito privado. Ressalte-se que, na atualidade, alguns destes centros detém maior poder que determinados estados [26].

Por outro lado, os próprios postulados da Supremacia da Constituição e da Força Normativa da Constituição determinam, de maneira imperativa, que esta passe a ser encarada não apenas como a Lei Fundamental do Estado, mas como lei fundamental da Sociedade, como um todo. [27]

Assim sendo, a Constituição é aplicável às relações intersubjetivas particulares, ou seja, naquelas em que o Estado esteja ausente, sendo integradas exclusivamente por particulares.

Estamos, portanto, com aqueles que propugnam inclusive pela oponibilidade dos direitos fundamentais aos particulares, a denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

WILSON STEINMETZ observa que

"as constituições, na contemporaneidade, não se limitam à normalização das relações intra-estatais e das relações verticais entre Estado e indivíduo. Elas também normalizam âmbitos sociais, econômicos e culturais nos quais se estabelecem as relações interprivadas. Pretendem ser uma estrutura normativa básica não só do Estado, mas também da coletividade social (a comunidade como um todo), uma autêntica lex fundamentalis da totalidade político-social". [28]

Por todo o exposto, registre-se que, em nosso juízo, também atos privados, em determinadas circunstâncias, devem observar os ditames Constitucionais, sob pena de invalidade.

Não nos aprofundaremos, neste momento, sobre o tema, eis que exige um maior desenvolvimento, incompatível com o escopo do presente trabalho. Limitamo-nos a registrar nossa posição no sentido da exigibilidade da observância direta de normas constitucionais, especialmente aquelas consagradoras de direitos e garantias fundamentais, em face de particulares, de modo que o direito de ação em face de um particular poderá ser exercido judicialmente, pelos meios apropriados, com base direta na constituição, vale dizer, ainda que inexista dispositivo legal infraconstitucional a fundar o pedido.

Assim sendo, atos privados podem ferir a Constituição e, com isto, ser declarados inconstitucionais e privos de efeitos em face da ordem jurídica.

São exemplos de atos celebrados por particulares, por inconstitucionais, cláusulas de convenções e acordos coletivos de trabalho celebradas entre entidades sindicais representativas das respectivas categorias profissionais e econômicas, [29] regulamentos de empresas, dentre outros.

Estas as principais categorias de atos que devem sujeitar-se à observância das normas constitucionais em sua plenitude, não podendo transgredí-las, sob pena de invalidade do ato, cada hipótese mediante os mecanismos próprios de controle, conforme visto.

Vistas estas hipóteses, aprofundemos o tema para expor o que entendemos por inconstitucionalidade ideológica, qual seu conceito, características, natureza jurídica e conseqüências.


IV – Inconstitucionalidade ideológica – conceito

Vistas as premissas ao trato adequado do tema proposto, é chegada a hora de conceituramos e examinarmos o fenômeno que denominamos inconstitucionalidade ideológica, bem como, ao final, analisarmos os meios de combater esta anomalia jurídica e concluirmos com uma proposta de criação de instrumento de prevenção de lesão à Constituição por tal via.

Como já afirmado anteriormente, fase preliminar à declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de norma ou ato é, por evidente, a perquirição que faz o julgador a compatibilidade ou incompatibilidade deste com a Carta Política, vale dizer, a detecção da eventual inconstitucionalidade.

Contudo, por vezes, referida detecção não é facilmente obtida. Atos que, em princípio, podem parecer compatíveis e consentâneos para com a Lei Fundamental, podem guardar contradições para com esta. É sobre tal tema que debruçaremos nossa atenção.

Muitas vezes a detecção da inconstitucionalidade exige do intérprete uma acuidade maior, graças a artifícios lógicos e argumentativos empregados para desvirtuar a aplicação de determinada norma constitucional. Analisando tal problema, chegou-se ao conceito de inconstitucionalidade ideológica.

Reputamos por inconstitucionalidade ideológica qualquer ato, norma, decisão ou interpretação jurídica tendente a, por meio dissimulado, impedir, desvirtuar, afastar ou sustentar o afastamento da incidência de preceito ou Princípio constitucional, expresso ou implícito, em relação a certas situações, fatos, entes, grupos ou indivíduos, de maneira incongruente para com os valores e finalidades perseguidas pela Carta Maior.

Em suma, trata-se de uma fraude à Constituição, vale dizer, uma violação ao espírito da Carta Magna, à sua substância. A "pedra de toque" de sua identificação é a referida incongruência axiológica ou teleológica para com o sistema da Constituição.

A característica essencial da inconstitucionalidade ideológica é a dissimulação, o ardil, o uso de jogo de palavras ou esforço hermenêutico artificioso para furtar a situação em apreço da aplicação de norma constitucional, em fraude ao objetivo preconizado pela Carta Magna.

O instrumento mais comum utilizado, na atualidade, em casos semelhantes, é o raciocínio a contrariu sensu. Diz-se, por exemplo, "tal e qual princípio aplica-se a determinado tributo...", querendo significar, na verdade, "os demais princípios não aplicam-se a este tributo...".

Como se vê, não se trata de um ataque frontal a norma constitucional, o que seria facilmente resolvido pela declaração de inconstitucionalidade. Ao contrário, trata-se de um esforço lógico, argumentativo ou hermenêutico, para, de forma dissimulada e por qualquer meio apto a gerar tal efeito, afastar determinada situação, fato, entes, indivíduos ou grupos da aplicação de norma prevista na Lei Fundamental, em fraude ao espírito desta.

A dissimulação ou artifício visa, justamente, impedir a incompatibilidade flagrante com a Constituição, camuflá-la, por meio de ardil ou estratagema lógico, visando afastar ou diminuir a possibiliade da declaração de inconstitucionalidade.

A inconstitucionalidade ideológica é aquela inconstitucionalidade deliberadamente disfarçada, portanto.

Quanto à sua natureza jurídica, parece-nos evidente tratar-se pura e simplesmente de inconstitucionalidade material, com a especificidade de ter sido velada por meio de artifício.

Senão vejamos: de hipótese de inconstitucionalidade formal não se trata e nem pode se tratar. Com efeito, como é sabido, a inconstitucionalidade formal é aquela em que o que macula a constitucionalidade do ato é a inobservância de norma constitucional procedimental (vício de iniciativa no processo legislativo, ou espécie legislativa constitucionalmente inadequada, e.g.).

Assim sendo, lei ou ato normativo que padeça de inconstitucionalidade formal – vale dizer, com vício procedimental - não se presta a caracterizar inconstitucionalidade ideológica, por incompatibilidade entre a natureza da inconstitucionalidade formal e o conceito de inconstitucionalidade ideológica, retrocitado.

Logo, temos que somente pode estar contida na inconstitucionalidade ideológica uma inconstitucionalidade material subjacente. Neste passo, toda inconstitucionalidade ideológica é inconstitucionalidade material, mas nem toda inconstitucionalidade material é inconstitucionalidade ideológica.

Assim, a natureza jurídica da inconstitucionalidade ideológica é a de inconstitucionalidade material. O que distingue a primeira da segunda é a forma de que reveste-se.

Com efeito, uma norma pode ferir claramente e sem subterfúgios preceito constitucional, o que caracterizará inconstitucionalidade material, pura e simplesmente.

Por outro lado, é possível que o ferimento do preceito constitucional dê-se por vias transversas, de modo ocluso, velado, fechado, por artifício, engodo, ardil, jogo de palavras, simulação, fraude. Nesta hipótese, caracteriza-se claramente a inconstitucionalidade ideológica.

É exatamente o desvio teleológico ou axiológico em relação à Constituição, por uma norma, decisão ou ato que caracteriza a inconstitucionalidade ideológica. Nesta, a norma, decisão ou ato parecem, formal e externamente, constitucionais. Mas, fazendo-se uma incursão mais aprofundada, investigando-se os efeitos decorrentes do dispositivo, da conclusão ou da atuação, revelam-se efeitos inconstitucionais, por vezes manifestamente contrários às finalidades perseguidas pela Carta Magna e aos valores por ela protegidos.

A incongruência do resultado do ato para com os objetivos, princípios e valores constitucionais é que denunciam o ato como ideologicamente inconstitucional.

Assim, referido ato deve ser reputado ideologicamente inconstitucional, e, em razão da inconstitucionalidade material que oculta em seu âmago, declarado inconstitucional e banido do mundo jurídico, cessando de produzir efeitos.

No item subseqüente esclarecer-se-á o conceito de inconstitucionalidade ideológica, por intermédio de exemplos de normas, decisões e atos que reputamos ideologicamente inconstitucionais.


V – Casuística: hipóteses de inconstitucionalidades ideológicas

Vejamos, neste passo, algumas hipóteses da casuística onde vislumbra-se a ocorrência de normas, decisões e atos ideologicamente inconstitucionais.

- Mandado de injunção (art. 5º, LXXI).

O mandado de injunção é garantia fundamental [30], consistente em ação constitucional de caráter civil [31] e mandamental, prevista no inciso LXXI do art. 5º da Constituição da República, e visa combater a denominada síndrome de inefetividade das normas constitucionais.

Reza o texto constitucional que conceder-se-á o mandado de injunção toda vez em que a omissão quanto à regulamentação de dispositivo constitucional torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais, assim como das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (CR, art. 5º, LXXI).

Há evidente similitude com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, embora, frise-se desde logo, tratem-se de institutos jurídicos diferentes, aos quais deve, por conseguinte, ser conferido tratamento jurídico diverso.

Assim, sempre que a omissão na regulamentação de dispositivo constitucional impossibilite o exercício de direitos e liberdades fundamentais, ou de prerrogativas da nacionalidade, soberania e cidadania, vislumbra-se a possibilidade do manejo de injunção por parte do interessado, para fazer cessar a omissão e poder exercer o direito, liberdade ou prerrogativa cujo exercício resta prejudicado.

Dada não ter sido ainda editada norma infraconstitucional traçando a disciplina jurídico-processual do instituto, observa o mandado de injunção o procedimento do mandado de segurança (art. 24, § 1º, da Lei nº 8.038/90).

Quanto aos efeitos da decisão judicial proferida em sede de mandado de injunção, existem as correntes concretistas e as não-concretistas.

Pelas posições concretistas, grosso modo, presentes os requisitos constitucionais necessários à concessão da tutela, esta deverá ser deferida, consistindo em declaração da omissão administrativa ou legislativa e implementação imediata do direito, liberdade ou prerrogativa, pela própria decisão judicial, nos termos em que dispuser, até ulterior regulamentação [32].

Já pelas posições não-concretistas, em respeito ao Princípio da Separação dos Poderes, não cabe ao Poder Judiciário, em nenhuma hipótese, legislar, de modo que a concessão da tutela somente poderá consistir na declaração da omissão administrativa ou legislativa e na exortação ao legislador ou administrador para que supra a omissão, tão somente, sem qualquer outra conseqüência, restando impossível falar-se em estabelecimento, pela própria decisão judicial, de condições viabilizadoras do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa em questão, posição esta adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

Sobre o particular, ALEXANDRE DE MORAES assim manifesta-se:

"Critica-se essa posição por tornar os efeitos do mandado de injunção idênticos aos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), apesar de serem institutos diversos." [33]

A posição do Pretório Excelso na matéria é muito criticada e fundamentalmente equivocada. A uma, porque equipara os efeitos de institutos jurídicos diversos (mandado de injunção x ação direta de inconstitucionalidade por omissão), descurando que a Constituição não contém palavras inúteis. A duas, porque desconsidera o caráter mandamental do mandado de injunção, e não declaratório, como os efeitos de que o dotou com sua interpretação.

Mas a principal razão está em que o resultado da intepretação adotada vai contra os valores maiores da Carta Política, a saber, a dignidade da pessoa humana, cidadania, soberania, os direitos e garantias fundamentais, encontrando-se teleologicamente e axiologicamente apartada do sistema preconizado e engendrado pelo Poder Constituinte originário [34].

Como visto, a posição adotada de forma dominante pelo Supremo Tribunal Federal é ideologicamente inconstitucional, eis que fere o espírito da Constituição, que é de prevalência dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, reduzindo um instituto jurídico concebido para a tutela de direitos fundamentais a uma mera exortação ou notificação, sem qualquer efeito concreto ou útil para a pretensão do impetrante [35].

De se esperar que, em futura composição do Pretório Excelso, seja revisto o referido entendimento, adotando-se a corrente concretista individual direta ou intermediária [36], afastando-se o posicionamento ideologicamente inconstitucional atual.

- Acréscimo do § 3º ao art. 5º da Constituição pela Emenda Constitucional nº 45/04;

Já tivemos a oportunidade de manifestar-nos sobre o acréscimo do § 3º ao artigo 5º da Constituição da República pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004. [37] Naquela oportunidade, já apontávamos a inconstitucionalidade do acréscimo, pelos motivos que nesta oportunidade resumimos.

Pelo teor do novel § 3º, passariam a ter status de emenda constitucional, logo índole constitucional, os tratados aprovados por cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, por 3/5 dos membros – mesmo procedimento das Emendas à Constituição em geral, conforme art. 60, § 2º, CR -, alteração esta inicialmente festejada, por parecer, numa leitura superficial, privilegiadora dos direitos fundamentais.

Ocorre que, ao dispor que apenas os tratados internacionais assim aprovados teriam a hierarquia de emendas à Constituição, o Poder Constituinte Derivado dispôs, contrariu sensu, que os demais tratados não possuem índole constitucional, ainda que disponham sobre direitos fundamentais, através de um estratagema, um jogo de palavras, um artifício lógico. Ademais, conferiu ao juízo político de conveniência e oportunidade do Parlamento a conferência ou não da hierarquia constitucional ao instrumento internacional.

No entanto, dispositivo constitucional engendrado pelo Poder Constituinte Originário, a saber, o § 2º do art. 5º, já disciplinava a matéria, de forma mais favorável, determinando a abertura do rol de direitos fundamentais, bem como a inclusão automática de outros direitos e garantias fundamentais, quer fossem decorrentes do regime, dos princípios ou dos tratados internacionais em que a República seja parte.

Tal entendimento é adotado por doutrina respeitável, como ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, FLÁVIA PIOVESAN, FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA e outros [38], e defendemos que o dispositivo, ao qual FLÁVIA PIOVESAN denomina cláusula aberta de recepção automática dos direitos fundamentais constantes em tratados internacionais, constitui uma verdadeira garantia fundamental: a garantia da recepção automática.

Assim sendo, ao prever procedimento mais dificultoso de inclusão de direitos fundamentais na ordem interna do que o preconizado por texto constitucional originário e constituinte de garantia fundamental, caracterizou-se como emenda tendente a abolir direitos e garantias fundamentais, violando o preceito do art. 60, § 4º, ainda que não o tenha feito abertamente, mas de maneira velada e artificiosa.

Assim sendo, diante das limitações materiais ao Poder Constituinte Reformador, e diante do Princípio da Primazia da Norma mais Favorável em sede de direitos humanos, há que prevalecer a sistemática da inclusão automática originária.

Note-se que, tendo o legislador constituinte lançado mão de artifício, consistente em jogo de palavras, para acobertar a inconstitucionalidade, pode-se vislumbrar facilmente a inconstitucionalidade ideológica do novel dispositivo [39], eis que parecia favorecer mas, na prática, enfraquece valores consagrados pela Constituição de 1988.

- Extradição do nacional e entrega ao Tribunal Penal Internacional;

Não aprofundar-se-á a presente hipótese nesta oportunidade, vez que consistirá objeto de trabalho próprio futuro. Apenas faz-se o registro da mesma, como exemplo do tema em estudo, para ulterior desenvolvimento.

O Tribunal Penal Internacional – Estatuto de Roma, concluído em 17.07.1998, ratificado pelo Brasil em 20.06.2002 e promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25.09.2002 -, foi criado com jurisdição subsidiária [40], com vistas ao julgamento dos responsáveis pelo que denomina "crimes de maior gravidade com alcance internacional" – art. 1º -, com competência para crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão – art. 5º e seguintes -.

O Estatuto de Roma prevê, em seu art. 89 e seguintes, a detenção e entrega de pessoas a serem julgadas pelo Tribunal, às quais seja imputada a prática dos referidos crimes. A Constituição brasileira veda, de maneira incondicional, a extradição do nacional, exceto o naturalizado, em determinadas condições – art. 5º, LI, CR -.

A despeito da vedação, vêem-se esforços hermenêuticos no sentido de defender que extradição e entrega são institutos jurídicos distintos, de modo que a entrega de nacional não estaria vedada.

Ocorre que, à maneira do que ocorre com os tributos [41], por exemplo, a denominação é desinfluente na caracterização da natureza jurídica dos institutos de direito. Chamar determinado instituto jurídico por um nomen juris diverso não é fato jurídico hábil a alterar-lhe a natureza jurídica.

Argumenta-se, por outro lado, alegando que a distinção é de fundo, sendo a extradição realizada entre dois Estados soberanos, ao passo que a entrega seria realizada entre um Estado e um organismo internacional – o Tribunal Penal Internacional -.

Ocorre que é indispensável a identificação dos valores protegidos pela Carta Magna e dos objetivos por ela perseguidos. Numa interpretação teleológica, percebe-se que a entrega do nacional redundará no mesmo resultado prático da extradição do nacional, constitucionalmente vedada, razão pela qual, até o momento e s.m.j., parece-nos constitucionalmente impossível.

Assim, os esforços hermenêuticos referidos, intentando distinguir entrega de extradição por questões acessórias – entidades de direito público externo parte na relação e denominação do instituto -, em incongruência para com os valores e as finalidades da Constituição são ideologicamente inconstitucionais, assim como as decisões administrativas ou judiciais que porventura os esposem [42].

- Revogação da norma de garantia das limitações explícitas ao Poder Constituinte derivado reformador.

Por fim, como exemplo de norma ideologicamente inconstitucional, utilizamo-nos de especulação feita pela doutrina em torno do tema das limitações implícitas ao Poder Constituinte derivado reformador.

Como visto, o art. 60 consubstancia limitações ao Poder Constituinte reformador, determinando, em seu § 4º, a imodificabilidade de determinados pontos da Carta Magna – as denominadas cláusulas pétreas -. Ocorre que, em momento algum, referido dispositivo – ou outro qualquer – dispõe ser, ele mesmo, imodificável.

Face a tal situação, poder-se-ia especular da possibilidade de o Poder Constituinte derivado vir a, num primeiro momento, revogar o próprio dispositivo protetivo para, após, poder alterar, revogar ou abolir os dispositivos protegidos.

Sobre a hipótese, veja-se o magistério de ALEXANDRE DE MORAES:

"A existência de limitação explícita e implícita que controla o Poder Constituinte derivado reformador é, igualmente, reconhecida por Pontes de Miranda, Pinto Ferreira e Nelson de Souza Sampaio, que entre outros ilustres publicistas salientam ser implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê as limitações expressas (CF, art. 60), pois, se diferente forsse, a proibição expressa poderia desaparecer, para, só posteriormente, desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas." [43]

Portanto, vê-se que a revogação da cláusula de garantia inserta no § 4º do art. 60 da Constituição da República, embora não esteja expressamente vedada, decorre logicamente do próprio sistema, por coerência teleológica e axiológica para com a Constituição.

A tentativa da referida revogação, conforme a especulação doutrinária apontada, consistiria indubitavelmente inconstitucionalidade ideológica, por não guardar congruência para com os fins e valores constitucionalmente protegidos, consistindo em evidente fraude à Constituição.


VI – Conclusão

O império da Constituição é a essência de um Estado Democrático de Direito Constitucional. Para que tal império seja um fato, e não mero discurso político ou acadêmico, é essencial que a Carta Magna seja levada a sério, encarada como norma cogente e vinculante, e suas disposições intransponíveis, direta ou indiretamente.

Estas são exigências e imperativos do constitucionalismo, da força normativa da Constituição de do Princípio da Supremacia da Lei Fundamental.

Diante de tais premissas, reputa-se que somente se alcançará o referido império da Constituição, no mundo concreto, com um severo e criterioso sistema de controle de constitucionalidade por parte dos órgãso legitimados, especialmente o Poder Judiciário, que desempenha papel precípuo nesta seara.

Isto especialmente em país com déficit democrático e recentes experiências autoritárias, onde, infelizmente, o administrador e o legislador freqüentemente investem-se da autoridade máxima e arbitrária, desbordando da constitucionalidade, reclamando correção.

A correção das inconstitucionalidades é um imperativo do sistema constitucionalista e não se deve olvidar que a sua declaração recorrente, antes de implicar em invasão de esferas de competência e violação da independência dos Poderes, é ínsita ao sistema de freios e contrapesos democrático, exercendo um papel pedagógico fundamental no que corresponde ao respeito à Constituição.

No entanto, para se chegar a um nível satisfatório de controle de constitucionalidade, é essencial que as manifestações violadoras da Lex Fundamentalis sejam atacadas em todas as suas expressões, vale dizer, sejam expressas e evidentes ou veladas, reclamando do intérprete maior acuidade e perspicácia em sua detecção.

Como proposta de instrumento de detecção de inconstitucionalidades maquiadas propomos no presente trabalho o conceito de inconstitucionalidade ideológica [44], para o fim de identificar as tentativas de fraude ao espírito e à essência da Constituição, pelo exercício de um controle de constitucionalidade que abarque uma fiscalização teleológica e axiológica de compatibilidade de atos infraconstitucionais com a Carta Política.

Por fim, faz-se uma proposta aos legitimados a promover o processo de emendas à Constituição. A Consolidação das Leis do Trabalho traz norma clarividente e útil, em seu artigo 9º, cujo teor é o seguinte:

"Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

Assim, tomando-se como exemplo a norma protetiva juslaboral, sugere-se a inserção, por projeto de emenda constitucional, de uma norma análoga no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que consubstancie, expressamente, uma cláusula geral de nulidade dos atos que, direta ou indiretamente, desvirtuem, intentem impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos constitucionais. Neste passo, sugere-se, em princípio, a seguinte redação:

"São nulos de pleno direito quaisquer normas, atos ou decisões, tendentes a desvirtuar, impedir, fraudar ou afastar a aplicação dos preceitos ou Princípios desta Constituição, ainda que de forma velada ou indireta, praticados por parte de quaisquer órgãos ou agentes dos de qualquer dos Poderes Públicos.

Parágrafo único: reputam-se inconstitucionais e nulos de pleno direito, na forma deste artigo, os atos que não guardem congruência teleológica ou axiológica com os preceitos desta Constituição, assim entendidos aqueles cujos efeitos práticos impliquem na redução de direitos ou garantias fundamentais, ou na exclusão de situações, fatos, grupos ou indivíduos da aplicação dos preceitos ou Princípios nela contidos."

Com adoção de dispositivo de tal teor, ou assemelhado, prestigiar-se-á a Constitucionalidade e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas pátrias, bem como estar-se-á contribuindo para com a construção de uma consciência e de uma cultura de respeito à constitucionalidade, através do combate aos ataques implícitos à Constituição.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 2ª ed. Coimbra: Almedina, s.d.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra : Almedina, 1991.

MALISKA, Marcos Augusto. Apontamentos em aula de pós-graduação em Direito Constitucional nas Faculdades Integradas do Brasil – UNIBRASIL. Curitiba : 2006.

MARCATO, Antonio Carlos (coord). Código de Processo Civil interpretado. São Paulo : Atlas, 2004.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4ª ed. São Paulo : Atlas, 2004.

_____________. Direito Constitucional. 9ª ed. atual. São Paulo : Atlas, 2001.

ROSAS, Roberto. Direito Sumular. Comentário às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo : Malheiros, 2004.

SCHIER, Paulo Ricardo. Apontamentos em aula de pós-graduação em Direito Constitucional nas Faculdades Integradas do Brasil – UNIBRASIL. Curitiba : 2005.

SGARBOSSA, Luís Fernando. A Emenda Constitucional nº 45/04 e o novo regime jurídico dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 575, 2 fev. 2005. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/6272>. Acesso em: 02 fev. 2005.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo : Malheiros, 1998.

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo : Malheiros, s.d.


ANEXO ÚNICO.

QUADRO SINÓTICO:

 

INCONSTITUCIONALIDADE

FORMAL

 

MATERIAL

PROPRIAMENTE DITA

IDEOLÓGICA


Notas

0001. KONRAD HESSE, A força normativa da Constituição.

01 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional positivo, p. 48.

02 Diz-se em regra porque existe controle político de constitucionalidade, como aquele exercido no âmbito do Congresso Nacional, pelas Comissões de Constituição e Justiça, bem como pelo veto presidencial baseado em inconstitucionalidade – hipótese de veto jurídico.

03 O que a doutrina italiana chama questione di legitimità costituzionale, ou seja, questão de legitimidade constitucional, ou, ainda, incostituzionalità.

04 Sistema norte-americano.

05 Sistema austríaco.

06 Observada a cláusula de reserva de plenário, pela qual somente podem apreciar questões de constitucionalidade, nos tribunais, o Tribunal Pleno ou Órgão Especial, vedada a apreciação aos órgãos fracionários. V. art. 97 CR.

07 Atacado na hipótese de ação direta de inconstitucionalidade, v.g. Em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade, o ato evidentemente não é atacado, pelo contrário, deseja-se torná-lo insuscetível de ser declarado inconstitucional.

08 Norma infraconstitucional que viole frontalmente norma constitucional, v.g.

09 Refere-se a hipóteses com vício de iniciativa ou espécie normativa inadequada pelo texto constitucional. É exemplo da primeira hipótese o processo legislativo de iniciativa privativa do Presidente da República (CR, art. 61, § 1º), deflagrado por congressista, e da segunda, edição de normas gerais em matéria de tributária por meio de lei ordinária e não complementar (CR, art. 146, III).

10 JOSÉ AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 49.

11 O primeiro por via de exceção, o segundo através de instrumentos de típico controle concentrado, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade – Genérica e Interventiva -, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

12 PAULO RICARDO SCHIER, apontamentos de aulas em pós-graduação em Direito Constitucional.

13 Eis que cumula competências de Estado-membro e município. V. CR, art. 32, § 1º.

14 É, por outro lado, possível o controle de constitucionalidade concentrado, em sede estadual, de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Estadual, se assim esta última dispuser.

15 Aliás, de observar-se que, em face do Princípio da Supremacia da Constituição, a inconstitucionalidade é ainda mais grave que a ilegalidade, face a prevalência da Lei Fundamental sobre as leis infraconstitucionais.

16 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 595.

17 WILSON STEINMETZ, A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, p. 103.

18 Visto que o magistrado e os demais órgãos jurisdicionais têm o poder-dever de declarar inconstitucionalidades.

19 Embora seja corriqueira a referência à "Súmula nº X" ou "Súmula nº Y", a rigor, a súmula da jurisprudência dominante dos Tribunais é o conjunto das decisões reiteradas por eles proferidas em determinadas matérias e uniformizadas. O texto sucinto que habitualmente é nominado súmula é, na verdade o enunciado da súmula.

20 Embora o art. 485, III, refira-se exclusivamente a decisão que viole disposição literal de lei, face a adoção do sistema constitucionalista no Brasil, insiste-se, é inegável o cabimento na hipótese de violação de norma constitucional. Neste sentido, conferir CASSIO SCARPINELLA BUENO in Código de Processo Civil Interpretado, comentários ao art. 485, p. 1477 e seguintes.

21 Enunciado nº 267 do Supremo Tribunal Federal: "Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição."

22 CASTRO NUNES, citado por ROBERTO ROSAS in Direito Sumular, p. 118.

23 Enunciado nº 268 do Supremo Tribunal Federal: "Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado".

24 ALEXANDRE DE MORAES, Constituição do Brasil interpretada, p. 2.505.

25 Basta pensar em conceitos abertos, como o de mulher honesta, e suas diferentes acepções no tempo e mesmo no espaço.

26 São exemplos de verdadeiros poderes privados as empresas transnacionais, as instituições financeiras, bem como determinados órgãos associativos de categorias econômicas. Pense-se, exemplificativamente, na importância jurídica dos códigos de conduta internos de certas empresas transnacionais, cujos efeitos verificam-se em larga escala e em inúmeros países, afetando milhares de indivíduos, como se lei fosse. Neste sentido, MARCOS AUGUSTO MALISKA, apontamentos de aulas de Pós-graduação em Direito Constitucional.

27 Com efeito, as Constituições, especialmente as analíticas, como a brasileira, regulam amplos setores da economia e da vida privada. Algumas Cartas chegam mesmo a conter normas expressas no sentido da sujeição de particulares a seus preceitos, fortalecendo a tese da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. São exemplos, o art. 8º da Constituição Política da República da Bolívia, de 1967 e o art. 4º da Constituição da República da Colômbia, de 1991. A Constituição da Argentina de 1853 é denominada Constituição da Nação Argentina.

28 WILSON STEINMETZ, A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, p. 103.

29 Servem de exemplo da presente hipótese as cláusulas que estabelecem as denominadas contribuições confederativas ou taxas assistenciais, a serem descontadas de todos os integrantes da categoria profissional, filiados ou não à entidade sindical, as quais violam, dentre outros, a liberdade de associação.

30 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional positivo, p. 448.

31 ALEXANDRE DE MORAES, Constituição do Brasil interpretada, p. 413.

32 Existem sub-correntes do concretismo, a saber, concretismo geral e individual, pendendo a primeira para o efeito erga omnes da decisão, e a segunda, pelo efeito inter partes.

33 ALEXANDRE DE MORAES, Direito Constitucional, p. 181.

34 Até porque a tão temida invasão de competência do Poder Legislativo pelo Poder Judiciário, com pretensa violação ao dogma absoluto da Separação dos Poderes, no caso, é consentida pela Constituição, vale dizer, excepcionada. Por outro lado, é princípio geral de Direito que a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu benefício: ora, se o legislativo omite-sede seu dever de regulamentar norma constitucional, não há que ressentir-se de invasão de competência pelo Poder Judiciário, na correção da situação e ilegalidade e inconstitucionalidade, por provocação e por meio processual constitucionalmente previsto.

35 Confira-se, sobre o particular, a crítica de JOSÉ AFONSO DA SILVA em seu Curso de Direito Constitucional positivo, p. 448 e seguintes.

36 A posição concretista individual subdivide-se, por sua vez, em concretismo direto ou intermediário (diríamos intermediado). A primeira posição dispensa a notificação e aguardo de prazo para que a autoridade ou órgão competente edite a norma faltante em prazo razoável, antes do suprimento desta pela decisão judicial, a segunda considera esta possibilitação de correção da omissão indispensável. Reputa-se que qualquer das duas é melhor do que o entendimento atual.

37 Artigo intitulado "a Emenda Constitucional nº 45/04 e o novo regime jurídico dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos", publicado no boletim jurídicoJus Navigandi de n. 575, em 2 de fevereiro de 2005, disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6272>.

38 Conferir as citações no artigo referido na nota precedente.

39 Ressalte-se, neste passo, importante construção doutrinária da lavra de PAULO RICARDO SCHIER. O professor entende que, tendo em vista a recepção de lei ordinária como lei complementar pela Constituição de 1988, declarada pelo próprio Pretório Excelso – recepção do Código Tributário Nacional -, a rigor impor-se-á a mesma solução após a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/04, devendo o Supremo Tribunal Federal, de forma coerente com a posição anteriormente adotada, declarar a recepção, pelo § 3º do art. 5º da CR, dos tratados anteriormente ratificados, com a hierarquia de Emendas à Constituição. A lúcida interpretação do professor, conforme à Constituição, corrige parte da distorção inconstitucional da norma, embora, em nosso juízo, esta não possa permanecer em vigor por violar a já referida garantia constitucional à inclusão automática dos tratados de direitos humanos.

40 Vale dizer, a ser excercida no caso de inércia dos tribunais nacionais competentes.

41 CTN, Lei n. 5.172, de 25.10.1966, in verbis: "A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; [...]". Isto verifica-se em relação a qualquer instituto jurídico. O que importa à caracterização são os elementos essenciais, jamais a mera denominação. Assim, no âmbito do direito processual, por exemplo, ainda que reiteradamente o legislador equivoque-se, utilizando erroneamente vocábulos, como citação por intimação, arresto por seqüestro, e assim por diante, o instituto jurídico permanece incólume.

42 Confessamos tratar-se de posicionamento liminar sobre a matéria, e sem maior aprofundamento, que poderá eventualmente vir a ser revisto, em face de argumentos jurídicos satisfatoriamente plausíveis e idôneos.

43 ALEXANDRE DE MORAES, Direito Constitucional, p. 180.

44 Conceito este que se baseia numa radicalização do constitucionalismo.


Autores

  • Luis Fernando Sgarbossa

    Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor do Mestrado em Direito da UFMS. Professor da Graduação em Direito da UFMS/CPTL.

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  • Geziela Jensen

    Geziela Jensen

    Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro da Société de Législation Comparée (SLC), em Paris (França) e da Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), em Florença (Itália), seção italiana da Association Internationale des Sciences Juridiques (AISJ), em Paris (França). Especialista em Direito Constitucional. Professora de Graduação e Pós-graduação em Direito.

    é autora de obra publicada por Sergio Antonio Fabris Editor (Porto Alegre).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SGARBOSSA, Luis Fernando; JENSEN, Geziela. O que é inconstitucionalidade ideológica?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1039, 6 maio 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8227. Acesso em: 2 maio 2024.