Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/8453
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Fundamentos institucionais do Estado

Fundamentos institucionais do Estado

Publicado em . Elaborado em .

O texto é uma mescla entre resumo e introdução aos estudos do que habitualmente se chama de Teoria Geral do Estado (nós adotamos a terminologia Teorias do Estado).

RESUMO: O texto é uma mescla entre resumo e introdução aos estudos do que habitualmente se chama de Teoria Geral do Estado (nós adotamos a terminologia Teorias do Estado). Em seguida apresentamos uma discussão inicial dos elementos, características e funções do Estado de forma geral e de modo especial do Estado de Direito Moderno – o modelo de Estado predominante no Ocidente.

PALAVRAS-CHAVES: Teoria Geral do Estado; Teorias do Estado; Direito; política.

SUMÁRIO: 1. Por que estudar a disciplina "Teorias do Estado"? 2. Estruturas elementares e formas iniciais do Estado. 3. Do político ao Estado. 4. Aspectos gerais da formação do Estado. 5. Características permanentes do Estado. 6. Formação dos elementos do Estado. 7. Bibliografia.


Por que estudar a disciplina Teorias do Estado?

Em primeiro lugar, é preciso saber que não existe uma única teoria válida sobre o papel do Estado nas sociedades modernas, mas sim várias, e com isso também não há somente uma teoria geral que dê conta de todos os aspectos relevantes que conformam o Estado. Basta-nos pensar que o liberal não analisa o fenômeno estatal da mesma maneira que um democrata ou como faria o anarquista.

E se é verdade que se diz que o Estado é composto basicamente pelo território, povo, poder, soberania e finalidades, isso só será válido para os que assim admitirem a validade desses pressupostos. Pois, para muitos politicólogos de posição ideológica mais crítica, nem todos os Estados atuais reúnem essas características em torno de si [01]. Em outro exemplo, que serve a esta relativização, lembremo-nos de que existem sociedades sem o Estado e sem o Direito como os conhecemos atualmente.

Depois, por motivos óbvios, devemos estudar as várias Teorias do Estado porque o Direito provêm do Estado, se entendermos que o Estado detém o monopólio da produção legislativa [02]. Nesta linha de produção, o Estado age acionando a função precípua do Poder Legislativo e que desemboca justamente no processo regular de normatização. Isto é claro, se seguirmos a concepção monista, ou seja, de que há uma única fonte e origem do Direito: o Estado Legislador.

Assim, indiretamente, estuda-se o processo e o Poder Legislativo a fim de se compreender a origem, a matriz do chamado Direito Positivo: o conjunto de leis escritas, debatidas, sancionadas, promulgadas e publicadas pelo Poder Legislativo.

Os objetivos gerais da disciplina, portanto, são amplos e generalistas, ultrapassando os limites da discussão acadêmica. Afinal, não há como entender a técnica do Direito sem buscar a dinâmica social e o processo legislativo, que se encontra a cargo do Estado e decorre da tripartição das funções do poder.

De forma decorrente, esta abordagem permite uma leitura mais reflexiva e um estudo menos tecnicista do Estado e do Direito. Seu perfil, então, será de uma disciplina metajurídica, porque se destina a entender o Estado como uma forma determinada de organização do poder público. Daí a importância, a relevância, a posição de destaque que esta disciplina deve ter em qualquer curso de Direito – porque, diga-se mais uma vez, não há como entender o Direito moderno independente ou distante dos aparelhos jurídicos e políticos do Estado.

Para autores consagrados da área da Teoria do Estado ou da Teoria Política, como Norberto Bobbio, podemos falar em dois métodos de análise e de estudos, ao analisarmos as formas e tipologias do Estado: as teorias racionalistas e as teorias historicistas. Mas, vejamos uma breve síntese, com o próprio autor:

As primeiras [racionalistas] discutem essencialmente o problema da justificação racional ou do fundamento do Estado, e respondem à questão: "Por que existe o Estado?". As segundas [historicistas] discutem essencialmente o problema da origem histórica do Estado, e respondem à questão: "Como nasceu o Estado?". As primeiras colocam em evidencia a oposição entre o estado de natureza anti-social e o Estado civil, que é o Estado de sociedade; as segundas, ao contrário, colocam em evidencia a continuidade entre formas primitivas de sociedades humanas que não são ainda Estado, como a família, a tribo, ou o clã (os antropólogos também falam de "sociedade sem Estado"), e uma forma sucessiva de sociedade organizada que teria, ela apenas, o direito de ser denominada "Estado" (Bobbio, 2000, p. 117).

Aqui, o leitor deve encontrar um pouco das duas tendências, das duas escolas de interpretação mais usuais quanto à própria formação da chamada Teoria do Estado: racionalista e historicista. Enfim, por essas e por outras, é importante aprofundar alguns conceitos que dão suporte a esta leitura inicial do Estado.


2. Estruturas elementares e formas iniciais do Estado

O Estado faz parte do conjunto global das relações e contradições sócio-econômicas, afetando-as e por elas sendo afetado. De certa forma, acaba condicionando as relações sociais com o uso extensivo e recorrente da normatização; por outro lado, funciona como mediador, porta-voz, representante ou intermediário da sociedade que lhe deu origem. Pois, diante de tantos interesses sociais, econômicos, políticos (legítimos ou não), o Estado acaba dominado (manipulado) por uma de duas dinâmicas [03]: ou passa a ser controlado por grupos de poder (os donos do poder que em determinada fase da história política dominam o poder mesmo sendo minoria social e política) ou o Estado atua como se transpirasse os anseios e as demandas dos grupos sociais majoritários que legitimaram os representantes políticos do momento.

Isto nos leva a pensar o Estado para além da idéia de fonte monista do Direito ("O Estado produz todo o Direito válido"), pois, perfazendo um caminho bem simples devemos relembrar que há sociedades sem Estado, mas com Direito — a exemplo da grande maioria das sociedades indígenas [04]. O que, por sua vez, reforça novamente a perspectiva de que o Direito é social e político.


3. Do Político ao Estado

Iniciamos este tópico salientando os elementos mais tradicionais que formam a base jurídica, política e cultural do Estado, para, em seguida, analisar o básico de forma mais articulada. Em síntese, os elementos seriam: território, povo, soberania. Mas a realidade que nos cerca e a história política permite pensar em outros componentes gerais que se somam a estes, como: poder, finalidades [05], busca pelo reconhecimento [06], identidade cultural. Voltaremos a esses dados no final do texto.

Assim, o Estado é uma forma particular, específica de se organizar o poder político - sociedades indígenas, por exemplo, utilizam-se de colegiados ou conselhos que respondem pela organização de todo o grupo social. Ou, dito de outro modo, Estado é a sociedade que está política e juridicamente organizada. E, em um esforço de sistematizar esses dados iniciais, em uma definição pessoal, diríamos ainda que: Estado é uma forma de organização específica, própria, singular de se estruturar (organizar) o Poder Político de acordo com certos princípios que atendam à própria administração deste poder. Este poder político, por sua vez, pode ser concebido como a capacidade pessoal [07] ou grupal de se exercer o comando político organizadamente, em determinadas instituições políticas voltadas ao controle social [08].

Do século XVIII em diante, novas estruturas ou elementos passaram a fazer parte da essência do Estado, e como marco distintivo está a celebração da Paz de Westfália (1648), quando Alemanha e França estabeleceram as respectivas regiões limítrofes e assim passaram a indicar o território como um elemento ou componente formal dos dois Estados. Esta pode ser entendida como a data de nascimento do Estado Moderno, pois houve a fixação formal do território e da soberania.

Ocorre que com a delimitação territorial, também se estabelece uma determinada ordem de comando mais ou menos legítima – e a este comandar dentro de cada território se deu o nome de soberania interna (que se dirige ao povo, aos cidadãos do Estado em questão) e a soberania externa (endereçada aos outros países – daí a conotação de independência). Porém a soberania interna ou externa só tem sentido se for estabelecida de acordo com a cultura predominante de um povo ou de uma sociedade e, por isso, o povo será o calço desta suposição da soberania: nas democracias populares modernas, chama-se soberania popular. Isto é, só cabe sentido num Estado soberano quando em virtude de seu povo, ou com a adesão da maioria do povo às estruturas do Estado e do poder estabelecido por ele.

Esta trajetória do Estado que se bate pela constância e pela preservação do seu território, pela integridade cultural do seu povo (o que também lhe aufere mais legitimidade), pela manutenção de um comando político-institucional unificado (soberano), é evidente, destaca a relação meios-fins e a própria razão de Estado: para a defesa do Estado valem todos os meios? Sim, até a guerra interna ou externa. Neste Estado Uno e Soberano, também as finalidades estatais são alvo de destaque, pois é de se supor que nem todos os Estados tenham projetado para si os mesmos fins.

Agora, como é que se controlam todas essas variáveis a fim de que o próprio poder não escape ao controle? No mundo atual, em decorrência da vigência (mesmo que só formal) do Estado de Direito, a lei passou a ter destaque neste controle interno do poder: o Estado cria, elabora leis que controlam o próprio Estado. No plano externo, isto se dá pela diplomacia, pelas relações internacionais pautadas em tratados ou acordos internacionais. No estágio atual, o Estado é controlado interna e externamente:

Poder é a possibilidade de contar com a obediência a ordens específicas por parte de um determinado grupo de pessoas. Todo poder carece do aparelho administrativo para a execução das suas determinações. O que legitima o poder não é tanto, ou não é só, uma motivação afetiva ou racional relativa ao valor: a esta se junta a crença na sua legitimidade. O poder do Estado de direito é racional quando, escreve Weber, "se apóia na crença da legalidade dos ordenamentos estatuídos e do direito daqueles que foram chamados a exercer o poder" (Bobbio, 2000, p. 402).

Para Weber, o Estado é a instituição ou organização que detém o monopólio do uso legítimo da força física e, de forma decorrente, concentra em si o monopólio da produção legislativa. Para tanto, o sociólogo alemão Max Weber será bastante claro ao se referir a estes aspectos que compõem a dominação legal no interior do Estado de Direito:

Dominação legal em virtude de estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua idéia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma (...) Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à "lei" ou "regulamento" de uma norma formalmente abstrata (...) Seu ideal é: proceder sine ira et studio, ou seja, sem a menor influência de motivos pessoais e sem influências sentimentais de espécie alguma, livre de arbítrio e capricho e, particularmente, "sem consideração da pessoa", de modo estritamente formal segundo regras racionais ou, quando elas falham, segundo pontos de vista de conveniência "objetiva" (Weber, 1989, pp. 128-129).

De modo complementar, mas decisivo, temos a definição de Max Weber sobre o Estado Racional. Não que seja exatamente um sinônimo histórico para o Estado Moderno, mas em muito se aproximam, como, por exemplo, a própria necessidade econômica capitalista implicaria na centralização do poder central estatal. Em suma, o Estado Racional ocorreria em face de algumas condições imperiosas. Vejamos o que nos diz o próprio Max Weber:

A associação dominante é eleita ou nomeada, e ela própria e todas as suas partes são expressas (...) Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à "lei" ou "regulamento" de uma norma formalmente abstrata (...) a burocracia constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal. Nenhuma dominação, todavia, é exclusivamente burocrática, já que nenhuma é exercida unicamente por funcionários contratados (...) É decisivo todavia que o trabalho rotineiro esteja entregue, de maneira predominante e progressiva, ao elemento burocrático. Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno, particularmente, identifica-se com a da moderna burocracia e da empresa burocrática, da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas (...) Na época da fundação do Estado moderno, as corporações colegiadas contribuíram de maneira decisiva para o desenvolvimento da forma de dominação legal, e o conceito de "serviço", em particular, deve-lhes a sua existência. Por outro lado, a burocracia eletiva desempenha papel importante na história anterior a da administração burocrática moderna (e também hoje nas democracias) (Weber, 1989, p. 128-129, 130-131).

Trata-se, é evidente, do próprio ideal do Estado de Direito moderno e racional: um Estado que baseia sua dominação em alguns fatores: monopólio do uso da força e da produção legal; leis conhecidas e admitidas pela maioria; impessoalidade, imparcialidade e objetividade no tratamento dos negócios públicos. Este tipo de Estado se afirma entre o século XVIII e XIX, mas tem seus marcos iniciais estabelecidos por volta no século XIII – com o início do desenvolvimento do capitalismo - e hoje é considerado como o Estado que se regula pelo governo das leis e não pelo governo dos homens. Em uma breve definição, Bobbio dirá que:

O governo das leis celebra hoje o próprio triunfo na democracia. E o que é a democracia se não um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? e em que consiste o bom governo democrático se não, acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? (...) E exatamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos (1986, p. 171).

Mas, e naquela fase, anterior ao século XVIII, qual era a força motriz e controlativa desse poder que abastecia o Estado? Naquela fase, bem como ainda hoje, criou-se a consciência de que o poder deve controlar o poder (esta foi uma das grandes contribuições de J. Locke, ao propor a divisão dos poderes). Por isso, também se diz que o Estado não é um fenômeno universal, único e repetido largamente sem alterações ou adaptações históricas, sociais ou culturais:

...o conceito de "Estado" não é um conceito universal, mas serve apenas para indicar e descrever uma forma de ordenamento [09] político surgida na Europa a partir do século XIII até os fins do século XVIII ou inícios do XIX, na base de pressupostos e motivos específicos da história européia e que após esse período se estendeu — libertando-se, de certa maneira, das suas condições originais e concretas de nascimento — a todo o mundo civilizado [10] (Bobbio, 2000, p. 425).

Esse Estado que não é o nosso ou o que vivemos hoje, e que chamaríamos de contemporâneo, mas que também não remonta ao que chamamos de Estado Antigo, Grego ou Romano (além do Medieval), então, diríamos que é um Estado quase que pré-contemporâneo, e que acabou apelidado de Estado Moderno.

Como vimos, trata-se de uma referência, de um tipo de Estado Ocidental que se exportou para o restante do mundo. O modelo se tornou uma referência em virtude dos aspectos já mencionados mas, além disso, porque o curso da colonização e da exploração de outros continentes e culturas também intensificou as trocas culturais e a expansão da civilização européia. De qualquer modo, os contatos entre as inúmeras culturas que evoluíram para a forma estatal permitiram algumas generalizações acerca da organização da política, e é isso que devemos analisar a seguir.


4. Aspectos Gerais da Formação do Estado

Tomaremos somente alguns aspectos considerados iniciais e gerais, mas necessários para qualquer análise subseqüente mais aprofundada. Os itens são apontados por Jorge Miranda (2000), mas os comentários são pessoais. Em suma, em nossa crítica pessoal, os itens revelam:

a) Necessidade, em todas as sociedades humanas, de um mínimo de organização política – o que não acarreta obrigatoriamente a presença o Estado.

Inicialmente, os grupos humanos possuíam apenas um mínimo de organização social, a exemplo da família (quer fosse matrilinear, patriarcal, quer fossem famílias ampliadas), mas ao longo do tempo os grupos perceberam que era necessário sobrepor a essa base ou ordem social outras instituições mais firmes ou complexas, a exemplo das instituições políticas. Com isso, nasceu a necessidade, a idéia e a forma como se organizaram as primeiras lideranças sociais e políticas.

Ainda é preciso recordar que todo agrupamento humano desenvolve relações políticas naturalmente, pois a política implica na organização do grupo e na sobrevivência de seus membros. Também devemos lembrar que a organização política não equivale ao Estado, e que as chamadas sociedades primeiras (indígenas) também conhecem a dimensão do político – apenas não inventaram o Estado como nós o conhecemos.

Não há Estado fora da análise histórica, e mesmo a configuração teórica ou abstrata do Estado só é passível de compreensão se pautada em casos ou experiências concretas, reais e verificáveis seja empiricamente, seja em documentação histórica.

b) Necessidade de se situar, no tempo e no espaço, o próprio Estado assim como as organizações políticas historicamente conhecidas.

A história do Estado como forma de organização da política não é uniforme e nem linear e isso implica que, no limite, cada cultura e seu povo imprime uma marca, com características delimitadas para os contornos do Estado. Portanto, aqui cabe tanto a discussão acerca das tipologias estatais quanto o debate contemporâneo envolvendo o futuro do Estado – como condição analítica, projetiva, e não como exercício de futurologia (Dallari, 2001).

Com isso, também se quer dizer que o Direito só tem substância na realidade. No mundo jurídico, diz-se que: "o que não está no Direito Positivo, no processo, não está no mundo". Mas, na verdade, o que não está na História é que se encontra fora do mundo real, da História em desdobramento – então, é preciso encontrar a História do passado que atua no presente. Pois, a vida está na História e não nas regras abstratas do Direito – aliás, essas regras só fazem sentido se tornadas concretas –, e ainda que este Direito venha a ser pensado para regular a vida social (nossas vidas). Os homens dão voz ao Direito, mas é a História quem diz quem fala, quando fala, o que fala e para quem se fala; da mesma forma, é a História que autoriza quem ouve e o que ouve. Neste caso, mais precisamente, trata-se da História Política.

Por isso, o Direito e sua crítica não passam de uma metáfora, de um caminho, de uma possibilidade a fim de que a História possa ser revelada, para que a vida se mostre como foi de fato vivida e não apenas como foi sinalizada a sua regulação pelo Direito. Pensemos, neste caso, que o desenvolvimento histórico da afirmação dos direitos sociais possa, enquanto processo histórico, revelar algo de muito importante sobre a vida social de determinada época histórica, em determinado Estado – e essa é a missão da História do Direito.

Enfim, só desse modo torna-se admissível – e sempre dentro da História - entender porque o Estado e o Direito realmente regulam a vida e a morte das pessoas. Porém, cabe a ressalva, é preciso recordar que somente dentro da História Social é possível entender essa dinâmica, pois é óbvio que o Estado Democrático e o Estado Autocrático regulam a vida e a morte de forma oposta, contrária e antagônica – que ninguém duvide que a sociedade e o Estado, ou que o Direito e a vida possam ser não apenas diferentes, mas, sobretudo, divergentes.

c) Constante transformação das organizações sociais e políticas em geral e das formas ou dos tipos de Estado em particular.

A política é dinâmica e não possui regras nem mesmo para os chamados especialistas; há dúvidas constantes sobre seu significado (será dominação ou organização?) e com isso o próprio papel do Estado varia quase que de autor para autor: qual o real significado do Estado hoje em dia? Quem acredita hoje que a organização social não gera privilégios para poucos ou, então, que o poder do Estado é suficiente para enfrentar as correntes econômicas globalizadas?

Neste sentido histórico, partindo-se do próprio conteúdo programático do Direito Constitucional (ou Direito do Estado), é que se assenta o debate sobre as fases evolutivas do Estado: Liberal, Social, Democrático, de Direito Democrático ou Socialista.

Pode-se dizer, de modo direto, que a História é feita com base fixa na dinâmica social, e é claro que, se ocorrem transformações sociais, isto se dá desse modo porque devem ocorrer mudanças no Estado e no Direito.

d) Conexão entre heterogeneidade e complexidade das sociedades modernas e uma crescente diferenciação política.

Devemos frisar que todas as sociedades são complexas, como tem advertido a Antropologia no último século, além de ressaltar que as sociedades industriais atuais desenvolvem níveis extremamente elevados de entropia social e política, e que esses níveis de conflitos e contradições causam o mal-estar que sentimos habitualmente. Por isso, as sociedades ocidentais, com base na representação popular, acabam organizadas em torno de partidos políticos. Porque há crescente diferenciação política e ideológica na base social.

Ao passo que as chamadas sociedades primitivas podem obter níveis de interatividade e socialização muito mais elaborados. Nossas instâncias de poder tendem a se centralizar (a despeito das tentativas de democratização), enquanto aquelas mantêm o poder difuso – até mesmo porque muitos são nômades, percorrendo grandes extensões territoriais, e não são sedentários como nós. Há certa sofisticação do Estado, da sociedade que o criou e, portanto, do Direito que provenha desse mesmo Estado.

Em suma, indica que o Estado deve gerir as diferenças sociais a fim de que o próprio aparato estatal seja capaz de absorver tais mudanças sociais e culturais.

e) Possibilidade de, em qualquer sociedade humana, emergir o Estado, desde que sejam verificados certos pressupostos.

Não há unanimidade quanto a este aspecto, uma vez que as já referidas sociedades antigas ou nações indígenas (muito mais antigas do que a inspiração ocidental que originou o estágio atual do nosso Estado) não se coloca(ra)m esta perspectiva – aliás, está completamente fora de seu imaginário elaborar um repertório estatal baseado na burocracia e/ou institucionalização, como nós construímos. Portanto, pressupostos são entendidos aqui como além de meras condições, são na verdade pré-condições no sentido de que sejam condições elementares, fundamentais, essenciais.

f) Correspondência entre formas de organização política, formas de civilização e formas jurídicas.

Vemos aí a indicação clara de que política (economia), cultura e Direito formam um tripé, uma relação convergente e inseparável – a não ser nos momentos revolucionários em que muitas dessas forças estão em choque, em confronto. Esta base de correspondência nos permite debater, por exemplo, porque se denominava a Alemanha Nazista de Estado Social (e não apenas os Estados Democráticos da época). De modo simples, porque o Estado alemão era social para os alemães de origem não-judia.

Via de regra, há uma nítida correlação entre Sociedade, Estado e Direito, mas pode ocorrer que haja disparidades, como nos casos de conflitos ou beligerâncias difusas que se vêem nas guerras civis ou em revoluções sociais. Há uma adaptação ideológica do Direito às forças políticas determinantes. No entanto, raras serão as vezes em que o Direito será insurgente contra o próprio Estado, a exemplo do que se pode averiguar ao longo de todo o processo histórico do direito à revolução.

g) Tradição no âmbito das idéias de Direito e nas regras jurídicas do processo de formação de cada Estado em concreto (Miranda, 2000, p. 45).

Tradição é diferente de tradicionalismo e indica a observância de valores, de crenças, de práticas sociais reiteradamente, mas com a ressalva de que sejam aceitas, partilhadas e não impostas aos grupos sociais – são válidas, legítimas e dialogadas por meio da cultura. Já o tradicionalismo implica no uso de meios conservadores ou até violentos de imposição de certos valores e das práticas sociais decorrentes. Pode-se dizer que o tradicionalismo é a tradição imposta pela coerção, sob pena de sanção – o que já exclui a aceitação pacífica e o compartilhamento.

Isto é, apesar de sempre se destacarem muitos aspectos gerais ou comuns aos Estados, de forma teórica e até mesmo especulativa, temos de analisar essas categorias em conformidade (ou comparativamente) com as experiências concretas por que passa(ra)m as sociedades políticas: a teoria confrontada à prática. Novamente, trata-se de narrar a história do Estado e do seu Direito de modo concreto, real, não especulativo.

Há que se lembrar ainda dos elementos da tradição, da cultura que migram constantemente para o interior do Direito, e esta é só uma das possíveis conexões entre Direito e Moral. Veja-se o exemplo de que se busca no Direito certo equilíbrio entre ação e razão, do mesmo modo que o Direito pode/deve ser um caminho reto/correto – ou o mais curto -, entre o conflito de interesses e a prestação da Justiça. O Direito é reto porque não deve fazer curvas, não deve se desviar do foco, e porque se houver desvios isso indica que se deu mais atenção a privilégios de alguns em detrimento da satisfação das necessidades da maioria. É por isso que, por mais estranho que pareça, nos dias atuais, e sob a vigência dos Estados Constitucionais, ainda vemos a elaboração de leis injustas ou anti-sociais.

De todo modo, não é possível que o Estado seja soberano se algumas características não forem permanentes e determinantes, como veremos a seguir.


5. Características Permanentes do Estado

Da mesma forma, as características são tomadas de empréstimo de Jorge Miranda (2000, pp. 47-48), mas são analisadas e comentadas de modo muito pessoal. Em resumo, seriam:

a) complexidade: "complexo é o que se constrói em conjunto", em certa sintonia e por isso o Estado pode ser visto como um enorme emaranhado de multiplicidades de atos e de funções de significado público. Complexo implica algo que não se possa realizar, produzir isoladamente, ou seja, exige sempre um enorme esforço social para a sua realização e compreensão. No caso do Estado brasileiro, com base na história política, no passado e no presente, podemos indagar até que ponto a sociedade caminha em conformidade com o Estado e sua política oficial. (Seria complexo ou desorganizado?). Não é tarefa simples (é complexa!) esperar que milhares ou milhões de pessoas realizem suas tarefas como cidadãs.

b) institucionalização: o Estado é considerado como a principal instituição elaborada por um povo e sua cultura política. Mas, pela própria grandeza adquirida pelo Estado diante da mobilização da vida em geral das pessoas, muitas outras instituições foram (e são) criadas constantemente para facilitar a manutenção da ordem jurídica e do poder político organizado. Essas instituições, por sua vez, operam de acordo com certos padrões, com certa regularidade e previsibilidade [11] – o que chamaremos de racionalização ou de constitucionalização da política [12] e da administração, visando à consecução da gestão pública. (De outro modo, dir-se-ia burocratização e multiplicação exagerada da ação normativa do Estado, sobre o Estado e sobre a sociedade).

O Estado, em si, já é o típico resultado da institucionalização da política ou do Poder Político. Tendo-se esse movimento institucional nas bases do Estado, a institucionalização progressiva deveria gerar níveis políticos e administrativos mais profundos ou organizados. O Estado, como a instituição por excelência, é caracterizado a partir da formalidade [13], da impessoalidade [14], da imparcialidade [15], da regularidade [16], da objetividade [17] e da racionalidade [18] administrativa.

c) coercibilidade: o Estado procura organizar a segurança pública dos indivíduos e das instituições, monopolizando o uso da força. (Na prática, o Estado perdeu esse poder faz tempo – é irônico, mas no Brasil, convive-se com um verdadeiro Estado Paralelo). De modo legítimo, o particular só faz uso da violência em defesa própria ou legítima defesa.

d) autonomia: o Estado organiza a burocracia e a administração pública para o seu próprio gerenciamento e isso gera a necessidade de autonomia para essas instituições, além do interesse e da participação popular nos assuntos públicos [19]. (Mas, no Estado Empresa – o Estado que segue ao pé da letra a receita dos grupos econômicos hegemônicos, como o FMI -, por que não há liberdade ou participação popular?). É como se o Estado privilegiasse a autonomia administrativa em detrimento da soberania popular, que na base é democrática. Mas, de qualquer modo, exemplifica bem dizer que o Estado, a partir do poder central, da União, delega funções ou tarefas administrativas aos Estados-membros e que estes também repassam boa parte dessas prerrogativas aos municípios.

e) continuidade: a sedentariedade dos agrupamentos humanos estimulou a permanência ou durabilidade das instituições: permanência do poder político. Depois de gregários, os povos se tornam sedentários e isso permitiu uma crescente identidade cultural e territorial. (Porém, se é assim, por que no Brasil não temos raízes culturais sólidas?). O império romano, por exemplo, durou cerca de mil anos.

Em conformidade com o que viemos analisando, resta comentar os elementos de base do Estado – aqueles elementos que lhe permite agir socialmente.


Formação dos Elementos do Estado

Todo Estado se forma a partir de alguns elementos centrais, mas de modo direto e objetivo quais são eles?

Após a análise de algumas características (teóricas) ou alguns recursos que dão suporte ao Estado, agora iremos destacar os elementos que devem fazer parte desse Estado já formado, mas que, do mesmo modo, estão na origem do Estado. São as características que dão forma ao Estado e que, sem elas, poder-se-ia dizer que não há Estado. Para a maioria dos autores são três as chamadas características centrais: povo + território + soberania. Também pode-se indicar a finalidade.

Alguns desses elementos se repetem, mas se completam e, por isso, é importante frisar certos elementos e características.

Contudo, além desses elementos ou características, preferimos pensar que há uma ordem de fatores que acabam por se constituir como germe do Estado e que, de tão marcantes em sua origem, permanecem ativos e presentes já no Estado constituído. Assim, como elementos de formação do Estado, mas que perduram no Estado já formado, além dos três já indicados como clássicos ou comumente aceitos (povo + território + soberania), ainda destacamos outros elementos do Estado:

-Identidade: tudo ou todos aqueles que são muito diferentes tendem gradativamente a se tornar semelhantes – e esta é uma forte característica da identidade cultural, pois nos diz que a cultura está em ação, que está em ação o amálgama ou as ligações culturais. Esta identidade está escrita na língua que se fala, nos valores próximos ou comuns e nos hábitos que nos aproximam e nos identificam uns aos outros.

-Cultura: cria as bases, os elos, uma ampla comunicação entre todos os envolvidos no grupo social em relação aos bens, objetos, valores e crenças – tornando o mundo social e simbólico compartilháveis por todos ou, pelo menos, pela maioria.

-Intenção coletiva: mesmo sendo criação real de um ou de algumas poucas pessoas, o projeto de criação do Estado tem de se parecer com um projeto ampliado. A idéia de que o Estado pertence a todos, é de todos, faz-se por e para todos, neste momento, é fundamental. Também diz-se da ideologia (no seu aspecto negativo) porque o Estado não promove sempre o que se esperaria dele: fortalecer as bases republicanas ou buscar o chamado bem comum. Aliás, para muitos, o Estado nunca chegará perto desse objetivo.

-Necessidades: o grupo deve necessitar realmente, objetivamente da elaboração do Estado para que seus membros também possam sobreviver – vem daí a idéia de que o Estado deve prover as necessidades básicas do povo. Assim, não se resume à necessidade da conquista ou anexação política de outros territórios e povos. Há muitos casos de mera conquista ou dominação de territórios – até por motivos egoístas ou megalomaníacos – mas, certamente, alguma necessidade será invocada, revelada ao povo para que a ação de formação ou de ampliação do Estado se consubstancie, para que o Estado se materialize.

-Condições materiais: são necessários recursos materiais, econômicos, da mesma forma que os recursos naturais devem ser suficientes ou satisfatórios, pelo menos, ao início do projeto social de construção do Estado. A idéia do Estado é importante, mas essas condições objetivas são pré-requisitos – aliás, alguns Estados se formam porque as reservas estão se exaurindo e o povo precisa de nova organização a fim de alcançar outras fontes de recursos adicionais – e se não o faz, deve sucumbir, a exemplo do que, possivelmente, teria ocorrido com os Maias e os Incas.

-Elementos geográficos: a geografia humana e a física tanto contribuem quanto deterioram as possibilidades do Estado se organizar e se manter. A chuva regular ou a escassez sem fim, as colinas levemente inclinadas ou montanhas geladas são estímulos ao desenvolvimento ou, então, empecilhos à expansão de um povo mais ou menos numeroso e rico em diversidades culturais e econômicas.

-Motivações sociais, religiosas, políticas, ideológicas: em nome de Deus tanto se constroem sociedades políticas quanto se organizam guerras absurdas de conquista: a exemplo das Cruzadas ou das Guerras Santas atuais. Ideologias fascistas, em outro exemplo, querem Estados centrais e fortes, ao passo que o anarquismo e o comunismo não querem nenhum Estado, pois de acordo com essas ideologias políticas o Estado é sinônimo de opressão entre os grupos políticos e as classes sociais.

-Relações externas: acordos de guerra ou de paz entre povos, grupos ou Estados – mesmo que formulados antigamente – podem influenciar na criação ou na sobrevida desse mesmo Estado ou de um terceiro. Tome-se o exemplo do Estado de Israel, que contou com o apoio logístico dos EUA em sua criação, a partir de 1947.

-Interação social suficiente: o Estado deve ter sido pensado, ao menos inicialmente, com o fim de "contornar conflitos individuais e/ou de grupos em litígio". E mesmo que, desde o início, tenha sido utilizado em benefício de um ou de poucos – a exemplo dos Paxás ou dos mandarinatos -, não se alegava publicamente que o Estado servia à opressão dos mais fracos ou menos ricos. É óbvio que, sem esse mínimo de interação, o Estado sucumbe em guerra civil ou acaba abatido e anexado por outro mais agressivo e mais forte. Definitivamente, o povo precisa querer o Estado.

-Capacidade teleológica do grupo: o grupo dominante deve convencer aos demais de que o projeto estatal é bom, ou pelo menos, razoável e que o Estado deve contribuir para o benefício geral – e que não irá servir apenas àqueles que o criaram e que devem geri-lo e administrá-lo. O grupo em resposta, de forma criativa, deve adaptar as estruturas e instituições públicas à realidade social e cultural, pois cada povo e cada cultura adaptam o Estado em certos parâmetros. As cópias nunca são fiéis, nem juridicamente, nem politicamente.

-Circunstâncias variadas: certas circunstâncias ou situações podem ser mais favoráveis como, por exemplo, ter um Estado vizinho já organizado politicamente (para se espelhar) sem que seja hostil ou beligerante. Ou, ao contrário, ser utilizado como bode expiatório por uma potência superior que deseja, em verdade, alcançar postos mais distantes ou mais ricos em reservas naturais – é o caso da invasão do Afeganistão, pelos EUA, destronando o governo do Talebã - sob a desculpa de grave violação dos direitos humanos -, mas que na realidade só queriam controlar reservas de petróleo e de gás natural. Esse circunstanciamento reconduz à análise histórica global, regional e local.

-Centralização política: a busca pela centralização do Estado pode levar ao comando da política e do poder. Isto é, a centralização política do Estado tanto pode ser o resultado final quanto o objetivo inicial desejado, quando o grupo se impôs este objetivo hercúleo de organizar os aparelhos administrativos e repressivos do Estado. É o caso de Maquiavel [20] e de toda sua vida e obra terem sido dedicadas à centralização da Itália – este sim o grande objetivo do criador da Ciência Política.

-Antecedentes históricos: é a argamassa, a articulação, o liame mínimo necessário entre todos as aspectos aqui levantados e analisados, além de outros que serão tratados ao longo de todo o trabalho. Não há mundo, vida social e política, não há cultura alguma fora da história.


O que é Imanente ou Permanente ao Estado?

Como já foi dito, nem todos os autores destacam esses elementos como necessários ou importantes para serem estudados, mas não nos parece que seja possível pensar o Estado sem que esse mínimo de correlação de forças esteja presente na sua origem, bem como na sua possível duração mais longeva. De todo modo, é preciso ter claro que alguns pontos são fundamentais à edificação e solidificação do Estado, como: uma vontade da maioria de que assim o seja; uma força social suficiente; uma mínima organização política.

Em resumo, há Estado quando se forma um conceito ou perspectiva de que todo o grupo deva se envolver mais diretamente:

1.A idéia de que o Estado é um projeto global;

2.Finalidades bem claras para o Estado e que sejam traçadas por todo o grupo;

3.Condições Objetivas Favoráveis - que resultam do choque ou embate entre: a) contradições internas, interesses antagônicos, obstáculos de toda ordem (emocionais, ideológicos), adversidades gerais – algumas quase insolúveis, como escassez de recursos –; ou, ao contrário, se b) há agentes, situações, relações sociais, econômicas e políticas facilitadoras à própria formação do Estado. Neste caso, deve, é óbvio, prevalecer a segunda linha argumentativa, das forças positivas e favoráveis ao surgimento, ao desenvolvimento e à manutenção do Estado.

Com todos esses dados presentes e atuantes, pode-se dizer que o Estado se organizou de modo complexo e sólido – o Estado que vem de status: no latim, estar firme. Então, com o Estado se vai consolidando uma situação permanente de convivência social e de organização do Poder Político. Com isso, também destacamos duas ordens de elementos que dão forma ao nosso moderno Estado:

a)Material = povo/território.

b)Formal = poder (autoridade, governo, soberania).

Entendendo-se que por poder se entende um vínculo de natureza política, que poder será o vínculo jurídico entre os cidadãos que constituem o Estado. Essa força de total agremiação de muitos em torno de algo comum (o Estado) também podemos chamar de poder de império, pois será uma força social tão imperiosa quanto a própria existência do Estado. Daí que o Estado tem o monopólio da violência organizada.

Quanto ao aspecto formal, ainda se pode frisar a questão da finalidade ou objetivo comum que deve estar próximo da regulação global da vida social. Ainda que lembremos que tudo isso não afasta a permanência de conflitos, contradições e da própria dominação baseada em privilégios no interior dos modernos Estados capitalistas.


O que dá Forma ao Estado, em Poucas Palavras?

De modo direto e objetivo, como definir o Estado a partir de poucas características, mas tão citadas, e que são o povo, o território e a soberania?

Pode-se dizer que é até uma questão de lógica que se defina o Estado a partir das relações estabelecidas entre Povo, Território e Soberania. Pois é preciso que haja um mínimo de organização social e política para que as instituições tenham um sentido claro e vivido, e é óbvio, então, que é por obra desse mesmo povo ou de seus líderes que existem tais instituições. Também é de se esperar que esse povo ocupe ou habite um determinado território.

Na verdade, são estabelecidas relações sociais e políticas, no tempo e no espaço, a partir das quais o povo passa a construir suas vidas, casas, cidades e propriedades, onde possa trabalhar, construir sua cultura, desfrutar das amizades (da interação social), produzir seus valores e se reproduzir socialmente.

Porém, nada disso existiria (ou a vida social e política seria muito precária) se esse povo que constituiu as bases do Estado, no seu território, não lhe tivesse total controle ou poder de decisão. Por isso, o povo necessita de hegemonia e de soberania sobre esse mesmo Poder Político que é o Estado.

O Estado decorre da soberania, da vontade expressa e consubstanciada pelo povo no seu próprio território e nas demais instituições sociais e políticas que se construíram ao redor dos aparelhos jurídicos e formais do Estado. Portanto, o Estado existe quando o povo se percebe soberano ou se faz dono de seu território – e tanto faz que seja por Direito ou pela conquista.

O que ainda nos leva a frisar que só faz sentido falar do Estado se estiver relacionado à demarcação histórica e geográfica em que se encontra. Isto é, não há Estado fora da história, e por mais que especifiquemos alguns elementos teóricos e abstratos a fim de caracterizar seu perfil, a experiência política vivida no Estado pode ser resumida a uma relação espaço-tempo.

Pela lógica, se o Estado é um objetivo, uma finalidade histórica constituída pelo povo, então, deverá ser uma busca, uma intenção clara de alguém ou de alguns, dos líderes ou da maioria - mas sempre real -, em determinado momento e em algum lugar mais ou menos demarcado. Só há Estado concreto, palpável, quando em funcionamento e em ação, pois, não há Estado abstrato, fora do globo terrestre e desconhecendo-se sua geopolítica.

Em suma, Estado = finalidade política + condições históricas objetivas.

Porém, para melhor funcionar, o Estado desenvolveu funções especializadas, dividiu tarefas políticas e administrativas - como são indicadas no último tópico.


Funções Clássicas (elementares) do Estado

Função legislativa (Poder Legislativo): manifesta-se por meio da edição de leis (gerais e obrigatórias) dirigidas a todos indistintamente. Função executiva (Poder Executivo): mais diretamente ligada à responsabilidade dos governantes, refere-se ao gerenciamento da coisa pública, inclui as atribuições políticas e engloba a capacidade legislativa do Poder Executivo (função atípica). Função jurisdicional (Poder Judiciário): cujo "campo de ação" se fixa mais detidamente na solução de conflitos surgidos na sociedade e que devem ser regulados pelas normas gerais já editadas, isto é, trata-se da aplicação da lei (do Direito [21]) ao caso concreto. Das funções, vamos aos porquês do Estado.


Relevância e Utilidade do Estado

Para que serve o Estado, afinal? Veremos ao longo dos estudos propostos que a resposta não é simples – do tipo: o Estado é bom ou mal? Até porque o Estado é bom e mal -, mas composta e complexa. No entanto, inicialmente, basta-nos pensar que hoje precisamos discutir mais a utilização do que a utilidade do Estado.

Discutir os fundamentos do Estado e do Direito equivale a pensar/refletir – criticamente – não só a validade, a importância, a necessidade do Estado e do Direito atualmente, até porque isso seria óbvio demais. Dada a complexidade social de hoje e que só pode ser mediada pelo Estado como instituição chave, e tendo o Direito como instrumento, é preciso pensar além dos porquês do Estado, é preciso indagar acerca do uso da máquina, do como se faz o Direito e as demais instituições. Portanto, menos óbvio é discutir a utilização – não só a utilidade – do Estado, as formas e os meios empregados na sua regulação, regularização institucional.

Também é sabido que, camuflado nessa normatização social e institucional (do próprio Estado), há um crescente processo de dominação, às vezes legítima, às vezes mantendo-se com o mero uso de formas violentas ou opressoras por parte do próprio Estado. Seria preferível que tudo se desse de modo equilibrado, com a atuação e não apenas figuração do Estado como meio democrático, racional, popular de exercício do controle social. Mas, a objetividade política, o realismo político, e a realidade do Estado e do Direito são bastante diversas das intenções e das esperanças depositadas em suas instituições, por mais republicanas que estas sejam ou tenham sido em sua origem moderna.

Por isso, não é difícil perceber que embutido nesse processo de normalização social e ideológica há um outro movimento meramente político – de antagonismos e de contradições de interesses - e neste caso é preciso cautela, pois ainda que menos evidente, continua muito clara e atuante a luta de classes sociais e/ou de grupos políticos.

As relações conflituosas são típicas da sociedade capitalista e, portanto, deve ser menos conclusiva a idéia de que se busca equilíbrio social no Direito e no Estado. Pois, é legítimo indagar: até que ponto o Direito e o Estado não são dois subprodutos dessa mesma violência, inconstância e nebulosidade social e que é parte estrutural, fundante das sociedades capitalistas?

Com o pensamento voltado para o Brasil, do passado e do presente, então, essas questões e polêmicas ganham ainda mais notoriedade, quase obviedade e é certo que não podem passar despercebidas a quem quer que analise tanto o Direito quanto o Estado de forma mais crítica e atuante. No Brasil, ainda temos que travar uma luta incessante com o passado que negava veementemente o Direito e, no presente, com um Direito que parece não ser de fato. É estranho, mas nem sempre Estado e Direito são de fato – aliás, um Direito que não é de fato, soa mais como privilégio: o que é de poucos ou o que serve a poucos. No entanto, veremos que este também é o contexto institucional em que se encontravam os Estados Antigos, além de muitos dos chamados Estados modernos ou contemporâneos.

No passado remoto vigorava a Teocracia, hoje nos vemos cercados pela sombra forte e crescente do protofascismo.

Enfim, de posse desses dados básicos, agora é possível analisar as formas de Estado propriamente ditas. O próximo capítulo tratará do Estado Antigo.


5. Bibliografia

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1986.

____. Igualdade e liberdade. 4ª Ed. Rio de Janeiro : Ediouro, 2000.

BOBBIO et al. Dicionário de política. (5ª ed). Brasília-DF : Editora da Universidade de Brasília, 1993.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. (organizado por Michelangelo Bovero). Rio de Janeiro : Campus, 2000.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª Edição. Lisboa-Portugal : Almedina, s/d.

CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. 5ª ed. Editora Francisco Alves, 1990.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo : Saraiva, 2001.

DURKHEIM, Émile. Sociologia. 4ª ed. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo : Ática, 1988.

FILHO, Roberto Lyra. O que é direito. 17ª edição, 7ª reimpressão. São Paulo : Brasiliense, 2002.

LÉVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem. Campinas, SP : Papirus, 1989.

MARTINEZ, Vinício C. Estado de Direito Político. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 384, 26 jul. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=5496. Acesso em: 04 mar. 2005.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. 3ª ed. Coimbra-Portugal : Coimbra Editora, 2000.

NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

RIBEIRO, P. J. @ STROZENBERG, P. Balcão de direitos: resoluções de conflitos em favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Mauad, 2001.

WEBER, Max. Sociologia. São Paulo : Ática, 1989.

WEBER, Max. O Estado Racional. IN : Textos selecionados (Os Pensadores). 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1985, p. 157-176.


NOTAS

01 Sem contar a dificuldade de se crer que "o Estado busca o bem social".

02 "A soberania no plano interno (soberania interna) traduzir-se-ia no monopólio de edição do direito positivo pelo Estado e no monopólio da coação física legítima para impor a efetividade das suas regulações e dos seus comandos" (Canotilho, s/d, p. 90).

03 É óbvio que se trata aqui de uma afirmação simplista e somente inicial das forças que se aglutinam em torno dos aparelhos do Estado.

04 As relações de parentesco, por exemplo, fixam regras de convívio extremamente rígidas.

05 Este é o item mais complexo, pois vai da busca do bem comum à dominação de classe.

06 Porém deve-se ter claro que o reconhecimento internacional ou não de um Estado não implica em sua independência real. Um país pode ser declarado independente pela ONU e estar sob ocupação de outro (Tibet) e um outro país pode receber fortes restrições diplomáticas (também da ONU) e não sofrer quebra na sua soberania, como foi o caso da África do Sul – ainda na vigência do regime segregacionista do Apartheid.

07 Veja-se, neste sentido, por exemplo, todos os períodos em que se manifestaram os "déspotas esclarecidos" ou os líderes populistas.

08 O controle, neste caso, pode-se dar pelo convencimento político-ideológico, pelo simples uso da força física e da coerção ou pela imposição e aceitação (legítimas) de regras amplamente difundidas e aceitas.

09 Também diríamos de um ordenamento jurídico e que ainda resultasse de uma determinada cultura jurídica.

10 Creio que aqui devêssemos chamar de mundo ocidental e não exatamente civilizado, pois, toda cultura pode constituir uma civilização à parte. Bobbio se refere ao Estado europeu.

11 O Imposto de Renda Retido na Fonte, por exemplo, é um sinal explícito da ação regular e implacável desse Estado Arrecadador que temos no Brasil.

12 Cada vez mais a política e o Estado são regulados (busca-se uma limitação) por diplomas legais, além de serem submetidos a uma crescente inquirição jurídica: a este processo de crescente julgamento do Estado e dos seus agentes chama-se de judicialização da política.

13 Quer dizer que o encaminhamento dos pedidos e processos segue uma diretriz, um caminho regular.

14 Teoricamente, não deveria importar, ao serviço público, se fulano ou beltrano é magro, negro e pobre ou se, ao contrário, é rico, branco e obeso.

15 Quanto ao ensejo político, não deve trazer grandes diferenças no encaminhamento do serviço público, o fato deste sujeito ou daquele fazer parte da base aliada do governo ou, ao contrário, ser sua oposição.

16 Ao contrário do que se pensa, o Estado não fecha em finais de semana ou feriados, a exemplo da vigência das regras que desconhece suspensão de eficácia por esses motivos e da prestação regular dos chamados serviços essenciais.

17 Uma ação objetiva do Estado é aquela de efeito prático, rápido ou imediato, de baixo custo e de boa qualidade para a assistência dos cidadãos.

18 Aplicar a razão, o bom senso, a lógica, o equilíbrio aos negócios públicos da mesma forma como tentamos fazer com nossas contas e negócios particulares.

19 Fala-se, por exemplo, em autonomia ou não do Banco Central.

20 No século XVI, Maquiavel escreve o clássico livro O Príncipe, em que emprega pela primeira vez a expressão status com o sentido atual de Estado.

21 Lembremo-nos: Direito é diferente de lei – em certos momentos, as leis injustas afrontam o Direito.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Fundamentos institucionais do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1067, 3 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8453. Acesso em: 19 maio 2024.