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Fundamentos institucionais do Estado

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03/06/2006 às 00:00
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O texto é uma mescla entre resumo e introdução aos estudos do que habitualmente se chama de Teoria Geral do Estado (nós adotamos a terminologia Teorias do Estado).

Resumo: O texto é uma mescla entre resumo e introdução aos estudos do que habitualmente se chama de Teoria Geral do Estado (nós adotamos a terminologia Teorias do Estado). Em seguida apresentamos uma discussão inicial dos elementos, características e funções do Estado de forma geral e de modo especial do Estado de Direito Moderno – o modelo de Estado predominante no Ocidente.

Palavras-chave: Teoria Geral do Estado; Teorias do Estado; Direito; política.

Sumário: 1. Por que estudar a disciplina "Teorias do Estado"? 2. Estruturas elementares e formas iniciais do Estado. 3. Do político ao Estado. 4. Aspectos gerais da formação do Estado. 5. Características permanentes do Estado. 6. Formação dos elementos do Estado. 7. Bibliografia.


Por que estudar a disciplina Teorias do Estado?

Em primeiro lugar, é preciso saber que não existe uma única teoria válida sobre o papel do Estado nas sociedades modernas, mas sim várias, e com isso também não há somente uma teoria geral que dê conta de todos os aspectos relevantes que conformam o Estado. Basta-nos pensar que o liberal não analisa o fenômeno estatal da mesma maneira que um democrata ou como faria o anarquista.

E se é verdade que se diz que o Estado é composto basicamente pelo território, povo, poder, soberania e finalidades, isso só será válido para os que assim admitirem a validade desses pressupostos. Pois, para muitos politicólogos de posição ideológica mais crítica, nem todos os Estados atuais reúnem essas características em torno de si1. Em outro exemplo, que serve a esta relativização, lembremo-nos de que existem sociedades sem o Estado e sem o Direito como os conhecemos atualmente.

Depois, por motivos óbvios, devemos estudar as várias Teorias do Estado porque o Direito provêm do Estado, se entendermos que o Estado detém o monopólio da produção legislativa2. Nesta linha de produção, o Estado age acionando a função precípua do Poder Legislativo e que desemboca justamente no processo regular de normatização. Isto é claro, se seguirmos a concepção monista, ou seja, de que há uma única fonte e origem do Direito: o Estado Legislador.

Assim, indiretamente, estuda-se o processo e o Poder Legislativo a fim de se compreender a origem, a matriz do chamado Direito Positivo: o conjunto de leis escritas, debatidas, sancionadas, promulgadas e publicadas pelo Poder Legislativo.

Os objetivos gerais da disciplina, portanto, são amplos e generalistas, ultrapassando os limites da discussão acadêmica. Afinal, não há como entender a técnica do Direito sem buscar a dinâmica social e o processo legislativo, que se encontra a cargo do Estado e decorre da tripartição das funções do poder.

De forma decorrente, esta abordagem permite uma leitura mais reflexiva e um estudo menos tecnicista do Estado e do Direito. Seu perfil, então, será de uma disciplina metajurídica, porque se destina a entender o Estado como uma forma determinada de organização do poder público. Daí a importância, a relevância, a posição de destaque que esta disciplina deve ter em qualquer curso de Direito – porque, diga-se mais uma vez, não há como entender o Direito moderno independente ou distante dos aparelhos jurídicos e políticos do Estado.

Para autores consagrados da área da Teoria do Estado ou da Teoria Política, como Norberto Bobbio, podemos falar em dois métodos de análise e de estudos, ao analisarmos as formas e tipologias do Estado: as teorias racionalistas e as teorias historicistas. Mas, vejamos uma breve síntese, com o próprio autor:

As primeiras [racionalistas] discutem essencialmente o problema da justificação racional ou do fundamento do Estado, e respondem à questão: "Por que existe o Estado?". As segundas [historicistas] discutem essencialmente o problema da origem histórica do Estado, e respondem à questão: "Como nasceu o Estado?". As primeiras colocam em evidencia a oposição entre o estado de natureza anti-social e o Estado civil, que é o Estado de sociedade; as segundas, ao contrário, colocam em evidencia a continuidade entre formas primitivas de sociedades humanas que não são ainda Estado, como a família, a tribo, ou o clã (os antropólogos também falam de "sociedade sem Estado"), e uma forma sucessiva de sociedade organizada que teria, ela apenas, o direito de ser denominada "Estado" (Bobbio, 2000, p. 117).

Aqui, o leitor deve encontrar um pouco das duas tendências, das duas escolas de interpretação mais usuais quanto à própria formação da chamada Teoria do Estado: racionalista e historicista. Enfim, por essas e por outras, é importante aprofundar alguns conceitos que dão suporte a esta leitura inicial do Estado.


2. Estruturas elementares e formas iniciais do Estado

O Estado faz parte do conjunto global das relações e contradições sócio-econômicas, afetando-as e por elas sendo afetado. De certa forma, acaba condicionando as relações sociais com o uso extensivo e recorrente da normatização; por outro lado, funciona como mediador, porta-voz, representante ou intermediário da sociedade que lhe deu origem. Pois, diante de tantos interesses sociais, econômicos, políticos (legítimos ou não), o Estado acaba dominado (manipulado) por uma de duas dinâmicas3: ou passa a ser controlado por grupos de poder (os donos do poder que em determinada fase da história política dominam o poder mesmo sendo minoria social e política) ou o Estado atua como se transpirasse os anseios e as demandas dos grupos sociais majoritários que legitimaram os representantes políticos do momento.

Isto nos leva a pensar o Estado para além da idéia de fonte monista do Direito ("O Estado produz todo o Direito válido"), pois, perfazendo um caminho bem simples devemos relembrar que há sociedades sem Estado, mas com Direito — a exemplo da grande maioria das sociedades indígenas4. O que, por sua vez, reforça novamente a perspectiva de que o Direito é social e político.


3. Do Político ao Estado

Iniciamos este tópico salientando os elementos mais tradicionais que formam a base jurídica, política e cultural do Estado, para, em seguida, analisar o básico de forma mais articulada. Em síntese, os elementos seriam: território, povo, soberania. Mas a realidade que nos cerca e a história política permite pensar em outros componentes gerais que se somam a estes, como: poder, finalidades5, busca pelo reconhecimento6, identidade cultural. Voltaremos a esses dados no final do texto.

Assim, o Estado é uma forma particular, específica de se organizar o poder político - sociedades indígenas, por exemplo, utilizam-se de colegiados ou conselhos que respondem pela organização de todo o grupo social. Ou, dito de outro modo, Estado é a sociedade que está política e juridicamente organizada. E, em um esforço de sistematizar esses dados iniciais, em uma definição pessoal, diríamos ainda que: Estado é uma forma de organização específica, própria, singular de se estruturar (organizar) o Poder Político de acordo com certos princípios que atendam à própria administração deste poder. Este poder político, por sua vez, pode ser concebido como a capacidade pessoal7 ou grupal de se exercer o comando político organizadamente, em determinadas instituições políticas voltadas ao controle social8.

Do século XVIII em diante, novas estruturas ou elementos passaram a fazer parte da essência do Estado, e como marco distintivo está a celebração da Paz de Westfália (1648), quando Alemanha e França estabeleceram as respectivas regiões limítrofes e assim passaram a indicar o território como um elemento ou componente formal dos dois Estados. Esta pode ser entendida como a data de nascimento do Estado Moderno, pois houve a fixação formal do território e da soberania.

Ocorre que com a delimitação territorial, também se estabelece uma determinada ordem de comando mais ou menos legítima – e a este comandar dentro de cada território se deu o nome de soberania interna (que se dirige ao povo, aos cidadãos do Estado em questão) e a soberania externa (endereçada aos outros países – daí a conotação de independência). Porém a soberania interna ou externa só tem sentido se for estabelecida de acordo com a cultura predominante de um povo ou de uma sociedade e, por isso, o povo será o calço desta suposição da soberania: nas democracias populares modernas, chama-se soberania popular. Isto é, só cabe sentido num Estado soberano quando em virtude de seu povo, ou com a adesão da maioria do povo às estruturas do Estado e do poder estabelecido por ele.

Esta trajetória do Estado que se bate pela constância e pela preservação do seu território, pela integridade cultural do seu povo (o que também lhe aufere mais legitimidade), pela manutenção de um comando político-institucional unificado (soberano), é evidente, destaca a relação meios-fins e a própria razão de Estado: para a defesa do Estado valem todos os meios? Sim, até a guerra interna ou externa. Neste Estado Uno e Soberano, também as finalidades estatais são alvo de destaque, pois é de se supor que nem todos os Estados tenham projetado para si os mesmos fins.

Agora, como é que se controlam todas essas variáveis a fim de que o próprio poder não escape ao controle? No mundo atual, em decorrência da vigência (mesmo que só formal) do Estado de Direito, a lei passou a ter destaque neste controle interno do poder: o Estado cria, elabora leis que controlam o próprio Estado. No plano externo, isto se dá pela diplomacia, pelas relações internacionais pautadas em tratados ou acordos internacionais. No estágio atual, o Estado é controlado interna e externamente:

Poder é a possibilidade de contar com a obediência a ordens específicas por parte de um determinado grupo de pessoas. Todo poder carece do aparelho administrativo para a execução das suas determinações. O que legitima o poder não é tanto, ou não é só, uma motivação afetiva ou racional relativa ao valor: a esta se junta a crença na sua legitimidade. O poder do Estado de direito é racional quando, escreve Weber, "se apóia na crença da legalidade dos ordenamentos estatuídos e do direito daqueles que foram chamados a exercer o poder" (Bobbio, 2000, p. 402).

Para Weber, o Estado é a instituição ou organização que detém o monopólio do uso legítimo da força física e, de forma decorrente, concentra em si o monopólio da produção legislativa. Para tanto, o sociólogo alemão Max Weber será bastante claro ao se referir a estes aspectos que compõem a dominação legal no interior do Estado de Direito:

Dominação legal em virtude de estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua idéia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma (...) Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à "lei" ou "regulamento" de uma norma formalmente abstrata (...) Seu ideal é: proceder sine ira et studio, ou seja, sem a menor influência de motivos pessoais e sem influências sentimentais de espécie alguma, livre de arbítrio e capricho e, particularmente, "sem consideração da pessoa", de modo estritamente formal segundo regras racionais ou, quando elas falham, segundo pontos de vista de conveniência "objetiva" (Weber, 1989, pp. 128-129).

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De modo complementar, mas decisivo, temos a definição de Max Weber sobre o Estado Racional. Não que seja exatamente um sinônimo histórico para o Estado Moderno, mas em muito se aproximam, como, por exemplo, a própria necessidade econômica capitalista implicaria na centralização do poder central estatal. Em suma, o Estado Racional ocorreria em face de algumas condições imperiosas. Vejamos o que nos diz o próprio Max Weber:

A associação dominante é eleita ou nomeada, e ela própria e todas as suas partes são expressas (...) Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à "lei" ou "regulamento" de uma norma formalmente abstrata (...) a burocracia constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal. Nenhuma dominação, todavia, é exclusivamente burocrática, já que nenhuma é exercida unicamente por funcionários contratados (...) É decisivo todavia que o trabalho rotineiro esteja entregue, de maneira predominante e progressiva, ao elemento burocrático. Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno, particularmente, identifica-se com a da moderna burocracia e da empresa burocrática, da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas (...) Na época da fundação do Estado moderno, as corporações colegiadas contribuíram de maneira decisiva para o desenvolvimento da forma de dominação legal, e o conceito de "serviço", em particular, deve-lhes a sua existência. Por outro lado, a burocracia eletiva desempenha papel importante na história anterior a da administração burocrática moderna (e também hoje nas democracias) (Weber, 1989, p. 128-129, 130-131).

Trata-se, é evidente, do próprio ideal do Estado de Direito moderno e racional: um Estado que baseia sua dominação em alguns fatores: monopólio do uso da força e da produção legal; leis conhecidas e admitidas pela maioria; impessoalidade, imparcialidade e objetividade no tratamento dos negócios públicos. Este tipo de Estado se afirma entre o século XVIII e XIX, mas tem seus marcos iniciais estabelecidos por volta no século XIII – com o início do desenvolvimento do capitalismo - e hoje é considerado como o Estado que se regula pelo governo das leis e não pelo governo dos homens. Em uma breve definição, Bobbio dirá que:

O governo das leis celebra hoje o próprio triunfo na democracia. E o que é a democracia se não um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? e em que consiste o bom governo democrático se não, acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? (...) E exatamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos (1986, p. 171).

Mas, e naquela fase, anterior ao século XVIII, qual era a força motriz e controlativa desse poder que abastecia o Estado? Naquela fase, bem como ainda hoje, criou-se a consciência de que o poder deve controlar o poder (esta foi uma das grandes contribuições de J. Locke, ao propor a divisão dos poderes). Por isso, também se diz que o Estado não é um fenômeno universal, único e repetido largamente sem alterações ou adaptações históricas, sociais ou culturais:

...o conceito de "Estado" não é um conceito universal, mas serve apenas para indicar e descrever uma forma de ordenamento9 político surgida na Europa a partir do século XIII até os fins do século XVIII ou inícios do XIX, na base de pressupostos e motivos específicos da história européia e que após esse período se estendeu — libertando-se, de certa maneira, das suas condições originais e concretas de nascimento — a todo o mundo civilizado 10 (Bobbio, 2000, p. 425).

Esse Estado que não é o nosso ou o que vivemos hoje, e que chamaríamos de contemporâneo, mas que também não remonta ao que chamamos de Estado Antigo, Grego ou Romano (além do Medieval), então, diríamos que é um Estado quase que pré-contemporâneo, e que acabou apelidado de Estado Moderno.

Como vimos, trata-se de uma referência, de um tipo de Estado Ocidental que se exportou para o restante do mundo. O modelo se tornou uma referência em virtude dos aspectos já mencionados mas, além disso, porque o curso da colonização e da exploração de outros continentes e culturas também intensificou as trocas culturais e a expansão da civilização européia. De qualquer modo, os contatos entre as inúmeras culturas que evoluíram para a forma estatal permitiram algumas generalizações acerca da organização da política, e é isso que devemos analisar a seguir.


4. Aspectos Gerais da Formação do Estado

Tomaremos somente alguns aspectos considerados iniciais e gerais, mas necessários para qualquer análise subseqüente mais aprofundada. Os itens são apontados por Jorge Miranda (2000), mas os comentários são pessoais. Em suma, em nossa crítica pessoal, os itens revelam:

a) Necessidade, em todas as sociedades humanas, de um mínimo de organização política – o que não acarreta obrigatoriamente a presença o Estado.

Inicialmente, os grupos humanos possuíam apenas um mínimo de organização social, a exemplo da família (quer fosse matrilinear, patriarcal, quer fossem famílias ampliadas), mas ao longo do tempo os grupos perceberam que era necessário sobrepor a essa base ou ordem social outras instituições mais firmes ou complexas, a exemplo das instituições políticas. Com isso, nasceu a necessidade, a idéia e a forma como se organizaram as primeiras lideranças sociais e políticas.

Ainda é preciso recordar que todo agrupamento humano desenvolve relações políticas naturalmente, pois a política implica na organização do grupo e na sobrevivência de seus membros. Também devemos lembrar que a organização política não equivale ao Estado, e que as chamadas sociedades primeiras (indígenas) também conhecem a dimensão do político – apenas não inventaram o Estado como nós o conhecemos.

Não há Estado fora da análise histórica, e mesmo a configuração teórica ou abstrata do Estado só é passível de compreensão se pautada em casos ou experiências concretas, reais e verificáveis seja empiricamente, seja em documentação histórica.

b) Necessidade de se situar, no tempo e no espaço, o próprio Estado assim como as organizações políticas historicamente conhecidas.

A história do Estado como forma de organização da política não é uniforme e nem linear e isso implica que, no limite, cada cultura e seu povo imprime uma marca, com características delimitadas para os contornos do Estado. Portanto, aqui cabe tanto a discussão acerca das tipologias estatais quanto o debate contemporâneo envolvendo o futuro do Estado – como condição analítica, projetiva, e não como exercício de futurologia (Dallari, 2001).

Com isso, também se quer dizer que o Direito só tem substância na realidade. No mundo jurídico, diz-se que: "o que não está no Direito Positivo, no processo, não está no mundo". Mas, na verdade, o que não está na História é que se encontra fora do mundo real, da História em desdobramento – então, é preciso encontrar a História do passado que atua no presente. Pois, a vida está na História e não nas regras abstratas do Direito – aliás, essas regras só fazem sentido se tornadas concretas –, e ainda que este Direito venha a ser pensado para regular a vida social (nossas vidas). Os homens dão voz ao Direito, mas é a História quem diz quem fala, quando fala, o que fala e para quem se fala; da mesma forma, é a História que autoriza quem ouve e o que ouve. Neste caso, mais precisamente, trata-se da História Política.

Por isso, o Direito e sua crítica não passam de uma metáfora, de um caminho, de uma possibilidade a fim de que a História possa ser revelada, para que a vida se mostre como foi de fato vivida e não apenas como foi sinalizada a sua regulação pelo Direito. Pensemos, neste caso, que o desenvolvimento histórico da afirmação dos direitos sociais possa, enquanto processo histórico, revelar algo de muito importante sobre a vida social de determinada época histórica, em determinado Estado – e essa é a missão da História do Direito.

Enfim, só desse modo torna-se admissível – e sempre dentro da História - entender porque o Estado e o Direito realmente regulam a vida e a morte das pessoas. Porém, cabe a ressalva, é preciso recordar que somente dentro da História Social é possível entender essa dinâmica, pois é óbvio que o Estado Democrático e o Estado Autocrático regulam a vida e a morte de forma oposta, contrária e antagônica – que ninguém duvide que a sociedade e o Estado, ou que o Direito e a vida possam ser não apenas diferentes, mas, sobretudo, divergentes.

c) Constante transformação das organizações sociais e políticas em geral e das formas ou dos tipos de Estado em particular.

A política é dinâmica e não possui regras nem mesmo para os chamados especialistas; há dúvidas constantes sobre seu significado (será dominação ou organização?) e com isso o próprio papel do Estado varia quase que de autor para autor: qual o real significado do Estado hoje em dia? Quem acredita hoje que a organização social não gera privilégios para poucos ou, então, que o poder do Estado é suficiente para enfrentar as correntes econômicas globalizadas?

Neste sentido histórico, partindo-se do próprio conteúdo programático do Direito Constitucional (ou Direito do Estado), é que se assenta o debate sobre as fases evolutivas do Estado: Liberal, Social, Democrático, de Direito Democrático ou Socialista.

Pode-se dizer, de modo direto, que a História é feita com base fixa na dinâmica social, e é claro que, se ocorrem transformações sociais, isto se dá desse modo porque devem ocorrer mudanças no Estado e no Direito.

d) Conexão entre heterogeneidade e complexidade das sociedades modernas e uma crescente diferenciação política.

Devemos frisar que todas as sociedades são complexas, como tem advertido a Antropologia no último século, além de ressaltar que as sociedades industriais atuais desenvolvem níveis extremamente elevados de entropia social e política, e que esses níveis de conflitos e contradições causam o mal-estar que sentimos habitualmente. Por isso, as sociedades ocidentais, com base na representação popular, acabam organizadas em torno de partidos políticos. Porque há crescente diferenciação política e ideológica na base social.

Ao passo que as chamadas sociedades primitivas podem obter níveis de interatividade e socialização muito mais elaborados. Nossas instâncias de poder tendem a se centralizar (a despeito das tentativas de democratização), enquanto aquelas mantêm o poder difuso – até mesmo porque muitos são nômades, percorrendo grandes extensões territoriais, e não são sedentários como nós. Há certa sofisticação do Estado, da sociedade que o criou e, portanto, do Direito que provenha desse mesmo Estado.

Em suma, indica que o Estado deve gerir as diferenças sociais a fim de que o próprio aparato estatal seja capaz de absorver tais mudanças sociais e culturais.

e) Possibilidade de, em qualquer sociedade humana, emergir o Estado, desde que sejam verificados certos pressupostos.

Não há unanimidade quanto a este aspecto, uma vez que as já referidas sociedades antigas ou nações indígenas (muito mais antigas do que a inspiração ocidental que originou o estágio atual do nosso Estado) não se coloca(ra)m esta perspectiva – aliás, está completamente fora de seu imaginário elaborar um repertório estatal baseado na burocracia e/ou institucionalização, como nós construímos. Portanto, pressupostos são entendidos aqui como além de meras condições, são na verdade pré-condições no sentido de que sejam condições elementares, fundamentais, essenciais.

f) Correspondência entre formas de organização política, formas de civilização e formas jurídicas.

Vemos aí a indicação clara de que política (economia), cultura e Direito formam um tripé, uma relação convergente e inseparável – a não ser nos momentos revolucionários em que muitas dessas forças estão em choque, em confronto. Esta base de correspondência nos permite debater, por exemplo, porque se denominava a Alemanha Nazista de Estado Social (e não apenas os Estados Democráticos da época). De modo simples, porque o Estado alemão era social para os alemães de origem não-judia.

Via de regra, há uma nítida correlação entre Sociedade, Estado e Direito, mas pode ocorrer que haja disparidades, como nos casos de conflitos ou beligerâncias difusas que se vêem nas guerras civis ou em revoluções sociais. Há uma adaptação ideológica do Direito às forças políticas determinantes. No entanto, raras serão as vezes em que o Direito será insurgente contra o próprio Estado, a exemplo do que se pode averiguar ao longo de todo o processo histórico do direito à revolução.

g) Tradição no âmbito das idéias de Direito e nas regras jurídicas do processo de formação de cada Estado em concreto (Miranda, 2000, p. 45).

Tradição é diferente de tradicionalismo e indica a observância de valores, de crenças, de práticas sociais reiteradamente, mas com a ressalva de que sejam aceitas, partilhadas e não impostas aos grupos sociais – são válidas, legítimas e dialogadas por meio da cultura. Já o tradicionalismo implica no uso de meios conservadores ou até violentos de imposição de certos valores e das práticas sociais decorrentes. Pode-se dizer que o tradicionalismo é a tradição imposta pela coerção, sob pena de sanção – o que já exclui a aceitação pacífica e o compartilhamento.

Isto é, apesar de sempre se destacarem muitos aspectos gerais ou comuns aos Estados, de forma teórica e até mesmo especulativa, temos de analisar essas categorias em conformidade (ou comparativamente) com as experiências concretas por que passa(ra)m as sociedades políticas: a teoria confrontada à prática. Novamente, trata-se de narrar a história do Estado e do seu Direito de modo concreto, real, não especulativo.

Há que se lembrar ainda dos elementos da tradição, da cultura que migram constantemente para o interior do Direito, e esta é só uma das possíveis conexões entre Direito e Moral. Veja-se o exemplo de que se busca no Direito certo equilíbrio entre ação e razão, do mesmo modo que o Direito pode/deve ser um caminho reto/correto – ou o mais curto -, entre o conflito de interesses e a prestação da Justiça. O Direito é reto porque não deve fazer curvas, não deve se desviar do foco, e porque se houver desvios isso indica que se deu mais atenção a privilégios de alguns em detrimento da satisfação das necessidades da maioria. É por isso que, por mais estranho que pareça, nos dias atuais, e sob a vigência dos Estados Constitucionais, ainda vemos a elaboração de leis injustas ou anti-sociais.

De todo modo, não é possível que o Estado seja soberano se algumas características não forem permanentes e determinantes, como veremos a seguir.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Fundamentos institucionais do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1067, 3 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8453. Acesso em: 22 nov. 2024.

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