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Renúncia de receita

interpretação e aplicação do § 1° do art. 14 da LRF

Renúncia de receita: interpretação e aplicação do § 1° do art. 14 da LRF

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Sumário: 1. Introdução; 2. Convênios no âmbito do CONFAZ; 3. Ratificação legislativa; 4. Conceito de não-geral; 5. Considerações Finais.


RESUMO:

            Para interpretação e aplicação do §1°, do art. 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal é preciso esclarecer que os convênios celebrados no âmbito do CONFAZ não são instrumentos suficientes à concessão de benefícios fiscais, que o Poder Legislativo Estadual não pode delegar sua competência legislativa em matéria de concessão de benefício fiscal, incentivo ou isenção para o Poder Executivo e que o sentido de uma isenção não-geral está ligado não só àquele concedido para determinada pessoa/contribuinte.


1. INTRODUÇÃO

            A problemática da renúncia de receita reside em três pontos especificamente. O primeiro consiste em saber se os Convênios celebrados no âmbito do CONFAZ são instrumentos suficientes à concessão de benefícios fiscais, incentivos e isenções de ICMS pelos Estados e Distrito Federal como prevê a LC nº 24/75, ou se é necessário a edição de lei específica para regular a matéria como prevê a CF/88. O segundo, em saber se uma Lei Estadual pode autorizar o Poder Executivo a ratificar os convênios celebrados no âmbito do CONFAZ mediante decreto. E o terceiro consiste em conceituar, no que tange ao ICMS, o que é isenção de caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado, para que se possa caracterizar corretamente as renúncias de receita.


2. CONVÊNIOS NO ÂMBITO DO CONFAZ

            No que tange à compatibilidade entre a LC nº 24/75 e CF/88, temos a LC n.º 24/75, que dispõe que as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, as reduções de base de cálculo e as prorrogações serão concedidas e revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelo Estados e pelo Distrito Federal, através de decreto Executivo. Senão vejamos:

            "Art. 4º Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados dapublicação dos convênios no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados, considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado neste artigo." (grifos aditados)

            O § 6º, do art. 150, da CF/88, que prevê:

            "Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g." (grifos aditados)

            E a alínea "g", do inciso XII, do art. 155, da CF/88, que atribui à lei complementar competência para "regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados".

            Com efeito, após a CF/88, não foi editada outra lei complementar para regular a concessão e revogação de benefícios fiscais, estando vigente a LC n.º 24/75, porém, não em sua totalidade, uma vez que seu art. 4º afronta o § 6º, do art. 150, da CF/88, hierarquicamente superior e cronologicamente posterior.

            Assim, a situação posta é a de saber se a ratificação dos convênios, firmados no âmbito do CONFAZ, se dá por lei específica ou por decreto executivo. De antemão, ressalta-se que, diversamente do quanto asseverado pela SEFAZ, a questão da compatibilidade entre a LC n.º 24/75 e a Carta Magna não é pacífica na melhor doutrina e jurisprudência pátria. Senão vejamos:

            Segundo o Professor Celso Ribeiro Bastos, há uma corrente dos que defendem a tese "(...) de que seria o convênio o instrumento adequado, necessário e suficiente à concessão de isenção de ICMS, independentemente de aprovação legislativa ulterior (é o sistema que tem sido praticado pelos Estados-Membros, com a só exceção do Rio Grande do Sul)." E uma outra corrente que "(...) agasalha a tese de que o convênio, para gerar os seus efeitos, dependerá de ratificação posterior pelas Assembléias Legislativas Estaduais (...)." [01]

            Para nós, a segunda posição é que melhor se aplica aos interesses da sociedade, uma vez que a participação da casa legislativa em assuntos de concessão ou revogação de benefícios fiscais é exigida pela CF/88, inclusive com a finalidade de resguardar a receita pública.

            Paulo de Barros Carvalho, também defende essa posição:

            "A isenção tem de ser veiculada por lei. Nem poderíamos imaginá-la, no contexto de sua fenomenologia, se assim não fosse. Seria aberrante inconstitucionalidade depararmos com uma regra isencional baixada por decreto do executivo. Di-lo muito bem o art. 176 do Código Tributário que a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão (...)." [02]

            Logo, para ele, o art. 4º da LC nº 24/75, atualmente, não mais se aplica. E ele não está só. O Professor Hugo de Brito Machado assim preleciona:

            "A isenção é sempre decorrente de lei. Está incluída na área da denominada reserva legal, sendo a lei, em sentido estrito, o único instrumento hábil para sua instituição (CTN, art. 97, VI).

            (...)

            A Constituição anterior, em face dos problemas que decorreriam da outorga de isenções do ICM pelos Estados, estabeleceu que tais isenções seriam concedidas ou revogadas nos termos fixados em convênios celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar (CF, art. 23, § 6º). E a Lei Complementar n. 24, de 7.1.1975, disciplinou a celebração desses convênios.

            Tinha-se, nesse particular, verdadeira anomalia jurídica. Na verdade, o comando contido na Constituição era no sentido de que os Estados somente concederiam ou revogariam isenções nos termos fixados em convênios. Não no sentido de que tais convênios fossem o instrumento pelo qual seriam concedidas ou revogadas as isenções do ICM. Conceder ou revogar isenção é matéria da reserva legal, nos termos do art. 97, inciso VI, do CTN. Assim, o instrumento pelo qual os Estados devem conceder ou revogar isenções há de ser a lei. Os convênios que celebrem uns com os outros devem funcionar como limitações ao Poder Legislativo de cada qual, mas não como instrumento para disciplinar as relações entre o fisco e o contribuinte." [03]

            Não se quer defender que a lei ordinária estadual ou distrital pode criar ou extinguir benefícios de ICMS. Esse assunto deve ser regulado por meio de convênio entre as entidades tributantes (os Estados e o Distrito Federal). Porém, tal convênio só surtirá efeitos internamente após ser aprovado por meio de decreto legislativo (da Assembléia Legislativa de cada Estado e da Câmara Legislativa do Distrito Federal).

            Vejamos o ensinamento do ilustre Professor Roque Carraza sobre esse assunto:

            "A forma de deliberação interestadual para a concessão de isenções, em matéria de ICMS é o convênio. Vejamos:

            Os Estados e o Distrito Federal podem conceder (ou revogar) isenções em matéria de ICMS, não por meio de lei ordinária, mas de decreto legislativo, ratificando convênio entre eles firmado. Só após aprovados, legislativamente, os convênios que concedem isenções de ICMS passam a ter eficácia. Tal aprovação deve ser feita por meio de decreto legislativo.

            A Constituição exige que todos os Estados-membros da Federação, bem assim o Distrito Federal, se coloquem de acordo, mediante convênio, para que as isenções de ICMS surjam ou venham abolidas. Este ditame visa evitar a "guerra fiscal" entre as diversas regiões do País, que são muito díspares, já que, algumas, são industrializadas, outras não; poucas são prósperas; a maioria, nem tanto. Só o consenso entre todas as pessoas políticas interessadas – consubstanciado no convênio – abre caminho à outorga ou retirada de isenções de ICMS.

            Portanto, para que isenções de ICMS surjam validamente, é preciso que os Estados e o Distrito Federal celebrem entre si convênios, que, ao depois, para se transformarem em Direito interno de cada uma destas pessoas políticas, deverão ser por elas ratificados. O instrumento idôneo da ratificação, longe de ser o decreto do Governador, é o decreto legislativo (estadual ou distrital, conforme o caso)." [04]

            Nunca é demais esclarecer que decreto legislativo é lei em sentido material e que decreto do executivo não passa de um ato administrativo.

            Então, os Estados e o Distrito Federal devem, para conceder benefícios de ICMS, sempre firmar entre si convênios. Mas não são estes, que os fazem nascer. Apenas integram o processo legislativo necessário à concessão destas desonerações tributárias. A celebração dos convênios interestaduais, no âmbito do CONFAZ, é levada a efeito através dos representantes do Poder Executivo, e sua ratificação deve ser feita pelos representantes do Poder Legislativo. Afinal, convênio não é lei e nem o CONFAZ é órgão legislativo.

            Segundo Alcides Jorge Costa, citado por Roque Carraza: "Os convênios são uma fase peculiar do processo legislativo, em matéria de isenções de ICMS. Fase que limita a competência das Assembléias Legislativas, mas que não pode eliminá-la." [05]

            Portanto, os convênios não concedem isenções de ICMS, só autorizam que o Legislativo de cada Estado e do Distrito Federal venha a concedê-la. Somente assim é que as isenções farão parte do ordenamento jurídico interno dos Estados e do Distrito Federal - após serem aprovados pelas respectivas Casas Legislativas. O convênio é mero pressuposto para a concessão da isenção do ICMS. Esta surgirá, apenas, após a publicação do decreto legislativo que confirma o convênio.

            Nesse sentido, Geraldo Ataliba, também citado por Roque Carraza: "(...) o convênio não dá nem tira direito a nenhuma Fazenda e a nenhum contribuinte. Não cria direito de natureza tributária nem em benefício, nem em detrimento de ninguém. É mero pressuposto de exercício eficaz da competência isentadora dos legisladores ordinários estaduais." [06]

            Dessa forma, conclui-se que o art. 4º da LC n.º 24/75 constitui afronta à CF/88, não sendo o convênio celebrado no âmbito do CONFAZ instrumento formal suficiente à concessão de benefícios fiscais. Este artigo ofende o § 6º, do art.150, da CF/88 e o princípio da reserva legal, positivado pelo art. 97, do CTN. A lei complementar que regula os convênios interestaduais não pode suprimir o controle das casas legislativas dos Estados e do Distrito Federal. As isenções autonômicas – concedidas por lei ordinária ou por decreto executivo – são manifestamente inconstitucionais e, a qualquer tempo, podem ser contestadas, perante o Supremo Tribunal Federal - STF (art. 102, I, "f", da CF), pelas unidades federativas que se sentirem prejudicadas. Além disso, embora não tenha sido objeto de questionamento, vale dizer que se só a lei pode isentar o ICMS, também só através dela se poderá prorrogar um benefício e excluir uma isenção, mandando novamente tributar, inclusive porque, neste caso, estar-se-á diante de nova hipótese de incidência do tributo.


3. RATIFICAÇÃO LEGISLATIVA

            Quanto ao segundo ponto, de plano, é possível assegurar que o disposto no caput do art. 49, da Lei Estadual nº 7.014/96, que autoriza o Poder Executivo a ratificar os convênios celebrados no âmbito do CONFAZ, é completamente inconstitucional, porque o Poder Legislativo não pode delegar matéria de sua competência privativa, como é o caso.

            Diz do mencionado artigo:

            "Art. 49. Fica o Poder Executivo autorizado a celebrar e ratificar convênios para concessão e revogação de isenção, redução de base de cálculo, manutenção de crédito, concessão de crédito presumido e demais favores, incentivos ou benefícios fiscais de deliberação sujeita à competência do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ)." (grifo aditado)

            Foi deferida, em 14/06/1995, pelo STF, por votação unânime, medida cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.296, contra Lei Estadual n.º 11.205/95, do Estado de Pernambuco, cujo Relator foi o Ministro Celso de Mello, suspendendo a eficácia dessa lei, que outorga ao Poder Executivo a prerrogativa de dispor, normativamente, sobre matéria tributária, por ofensa ao princípio da reserva absoluta de lei em sentido formal.

            Conveniente transcrever alguns excertos desse acórdão:

            "A essência do direito tributário – respeitados os postulados fixados pela própria Constituição – reside na integral submissão do poder estatal a rule of law.

            A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustável aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária.

            (...)

            O legislador, em conseqüência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo – que constitui instância juridicamente inadequada – o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas como: (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo tributária, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal.

            Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae – tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil – só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo."

            Diante do exposto, o Poder Legislativo Estadual jamais poderia delegar sua competência legislativa em matéria de concessão de benefício fiscal, incentivo ou isenção para o Poder Executivo.


4. CONCEITO DE NÃO-GERAL

            Atendendo ao terceiro ponto suscitado, vejamos o que dispõe o § 1º, do art. 14, da LRF, que conceitua renúncia de receita, in verbis:

            "Art. 14.

            (...)

            § 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado."

            O dispositivo citado configura 07 (sete) hipóteses que devem ser consideradas como renúncia de receita, sendo que para as 04 (quatro) primeiras situações – anistia, remissão, subsídio e crédito presumido – a Lei não impõe qualquer condição para que elas integrem o conceito de renúncia; já para as 03 (três) últimas hipóteses – isenção, redução de alíquota e base de cálculo e outros benefícios – o legislador impôs adjetivação específica, considerando como renúncia, apenas, as isenções em caráter não geral, a alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições (isenções parciais) [07], e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. Nestas hipóteses é fácil perceber que a intenção do legislador não foi outra, senão a de restringir a incidência da norma.

            Ou seja, somente caracterizarão renúncia de receita, as hipóteses que privilegiem e beneficiem individualmente certo contribuinte.

            A questão é saber se os três adjetivos - "não geral, discriminada e diferenciado" - constantes do § 1º, do art. 14, da LRF, utilizados pelo legislador, significam a mesma coisa. Consultando o dicionário HOUAISS [08], temos:

            "diferenciar. v. 1 discernir: separar (d. uma coisa de outra) 2 reconhecer: identificar (de longe não consegue d. as letras) sin. geral: diferençar, discriminar, distinguir; ant. geral: confundir, misturar.

            discriminar. v. 1 distinguir: diferenciar, discernir, separar (d. o certo do errado)  confundir, misturar 2 especificar: arrolar, determinar, listar (d. os artigos em falta) 3 segregar: apartar, isolar, separar (d. os negros é crime) congregar, irmanar.

            generalizar. v. difundir, divulgar, estender, propagar, universalizar, vulgarizar  especializar, especificar, individualizar, particularizar, singularizar.

            geral. adj. 2g. 1 comum: coletivo, generalizado, genérico, global, universal (lei g.)  especial, específico, individual, particular, próprio, singular 2 extenso: abrangente, extensivo, genérico, largo, lato (sentido g. de uma palavra)  limitado, restrito 3 total: completo, generalizado, global, integral (greve g.) (anestesia g.) parcial 4 vago: abstrato, genérico, impreciso, indeterminado, indistinto, superficial (deu-lhe uma visão g. do ocorrido)  exato, certo, justo, perfeito, preciso, rigoroso."

            Nota-se, então, que os três adjetivos são sinônimos, todos exprimem a idéia do que é especial, específico, individual, particular e singular, ou seja, traduzem a idéia oposta do que é geral. E não poderia ser diferente, afinal, o equilíbrio entre receitas e despesas é o princípio básico da LRF.

            Entretanto, nem todo benefício fiscal que privilegie determinado contribuinte deve ser, para fins desta lei, considerado renúncia de receita, sendo acompanhada de estimativa do impacto orçamentário. Para caracterizar renúncia fiscal é preciso analisar-se, além do enquadramento do benefício à adjetivação legal, o caso concreto, o mérito, a relevância social e a política pública que está associada à concessão. Afinal, só será considerado como renúncia, aquele benefício que privilegie certo contribuinte em detrimento dos demais integrantes do mesmo segmento socioeconômico, não havendo por trás da concessão nenhuma política pública relevante.

            A concessão de benefícios fiscais (isenções totais ou parciais) é instrumento político para a promoção da justiça fiscal, através da ponderação dos princípios da capacidade contributiva, redistribuição de rendas, razoabilidade e desenvolvimento econômico.

            Para o ilustre doutrinador, Paulo de Barros Carvalho:

            "O mecanismo das isenções é um forte instrumento de extrafiscalidade. Dosando equilibradamente a carga tributária, a autoridade legislativa enfrenta as situações mais agudas, onde vicissitudes da natureza ou problemas econômicos e sociais fizeram quase que desaparecer a capacidade contributiva de certo segmento geográfico ou social. A par disso, fomenta as grandes iniciativas de interesse público e incrementa a produção, o comércio e o consumo, manejando de modo adequado o recurso jurídico das isenções. São problemas alheios à especulação jurídica, é verdade, mas formam um substrato axiológico que, por tão próximo, não se pode ignorar. A contingência de não levá-los em linha de conta, para a montagem do raciocínio jurídico, não deve conduzir-nos ao absurdo de negá-los, mesmo porque penetram a disciplina normativa e ficam depositados nos textos do direito posto. O intérprete do produto legislado, ao arrostar as tormentosas questões semânticas que o conhecimento da lei propicia, fatalmente irá deparar-se com resquícios dessa intencionalidade que presidiu a elaboração legal." [09]

            Assim, a isenção de ICMS, por exemplo, a depender da situação, pode ou não indicar um privilégio individual dado a um contribuinte, a depender do contexto social, da política pública que está sendo implementada pelo Estado no momento da concessão. Por exemplo, a concessão de isenção de ICMS nas operações com medicamentos é uma isenção de caráter geral, enquanto que a mesma isenção dada a um medicamento específico, por exemplo o "viagra", é não geral, uma vez que somente uma empresa será beneficiada, porém, a isenção do ICMS para os medicamentos de combate a AIDS, embora fabricado por uma mesma empresa, pode ser uma isenção de caráter geral, a depender da política pública que o Estado esteja efetuando e, também da relevância social do motivo da concessão.

            Vejamos o que reza o CTN sobre isenções não concedidas em caráter geral, doutrinariamente classificadas como especiais:

            "Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão."

            Poder-se-ia querer restringir, então, a aplicação das isenções não gerais tratadas pelo § 1º, do art. 14, da LRF como somente aquelas efetivadas, por despacho da autoridade administrativa, mediante requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. Porém, não foi só isso que o legislador da LRF intencionou. Na verdade, nem toda isenção não geral dependerá de requerimento do interessado, como também, nem toda isenção determinada, específica, discriminada, particular, individual será não geral, pois poderá estar atrelada a alguma política pública, sendo portanto geral.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Diante do exposto é possível concluir que:

            a) O art. 4º da LC n.º 24/75 constitui afronta ao § 6º, do art.150, da CF/88, não estando mais vigente em nosso ordenamento. Logo, após a celebração dos convênios no âmbito do CONFAZ, necessário se faz que o Poder Legislativo dos Estados e o Distrito Federal editem lei específica para conceder benefícios fiscais;

            b) O art. 49, da Lei Estadual n.º 7.014/96, que autoriza o Poder Executivo a ratificar os convênios celebrados no âmbito do CONFAZ, é completamente inconstitucional, porque o Poder Legislativo não pode delegar matéria de sua competência privativa;

            c) Os três adjetivos constantes do § 1º, do art. 14, da LRF - "não geral, discriminada e diferenciado" – são sinônimos;

            d) As isenções não gerais são aquelas concedidas (particularmente, especificamente, discriminadamente) a determinado contribuinte/empresa, bem como aquelas concedidas mediante requisição do interessado como prevê o art. 179, do CTN.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1991.

            CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

            CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

            FIGUEIREDO, Carlos Maurício Cabral; FERREIRA, Cláudio Soares de Oliveira; TORRES, Fernando Raposo Gameiro; BRAGA, Henrique Alselmo da Silva e NÓBREGA, Marcos Antonio Rios da. Comentários à lei de responsabilidade fiscal. São Paulo: Editora Nossa Livraria, 2002.

            MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003.


Notas

            01 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 260.

            02 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 493/494.

            03 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 202 e 343.

            04 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 777/778.

            05 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 197/198.

            06 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 198.

            07 Neste sentido, CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 492.

            08 HOUAISS, Antonio. Dicionário de sinônimos e antônimos da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.

            09 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 493.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Morgana Bellazzi de Oliveira. Renúncia de receita: interpretação e aplicação do § 1° do art. 14 da LRF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1071, 7 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8484. Acesso em: 26 abr. 2024.