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Comissão legislativa de inquérito municipal

Comissão legislativa de inquérito municipal

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Sumário:Conceituações – CLI municipal - Fundamentos do poder de investigar – Poderes da Comissão – Criação da Comissão – Funcionamento da Comissão – Unilateralidade das investigações - Conclusão dos trabalhos.


Conceituações

            Os países democráticos adotam costumeiramente como forma de governo a república ou a monarquia e como sistema de governo o parlamentarista ou o presidencialista.

            O Brasil, como definido na Constituição de 1988, é uma República presidencialista, onde o Poder Legislativo, em nível federal, é exercido pelo Congresso Nacional (Senado e Câmara), pelas Assembléias Legislativas, em nível estadual e pelas Câmaras Municipais, em nível municipal.

            Saliente-se que a Carta Federal de 1988, embora tenha estabelecido no corpo do Art. 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias que, através de plebiscito, seriam definidos a forma de governo (republicano ou monarquista) e o sistema de governo (parlamentarista ou presidencialista), antes mesmo dessa definição plebiscitária, de forma incongruente, fala em funcionamento parlamentar, em decoro parlamentar, em bloco parlamentar ou em mandato parlamentar, assim como, pela mesma orientação legislativa, em comissão parlamentar de inquérito, quando deveriam ter usado, em razão do sistema presidencialista adotado, os adjetivos congressual, congressional ou, para generalizar, legislativo. Os constituintes, ao que tudo indica, preparavam uma Constituição parlamentarista, tanto que alguns poderes deferidos do Congresso Nacional são próprios desse sistema de governo. O plebiscito preferiu o sistema presidencialista, mas a Constituição permaneceu a mesma.

            Convém ressaltar que nos países que adotam o sistema parlamentarista de governo, como a Inglaterra, as Casas Legislativas recebem a denominação de Parlamento, todavia, nos que preferem o sistema presidencialista, o Poder Legislativo é conceituado como Congresso, como ocorre nos Estados Unidos da América do Norte e também no Brasil. É de verificar-se que, em nenhum momento, a Constituição dos EEUU ao definir a abrangência do congressional power of investigation ou em qualquer outra norma constitucional fala em funcionamento parlamentar, em decoro parlamentar, em bloco parlamentar, em mandato parlamentar ou comissão parlamentar de inquérito. Ali se usa o adjetivo congressista e não parlamentar para indicar os membros do Poder Legislativo, enquanto este último é usado na Inglaterra, que adota o sistema parlamentarista.

            Registre-se que os dicionários apontam os adjetivos congressista e parlamentar como sinônimos de legislador, todavia, a sua aplicação correta deve levar em conta o sistema de governo adotado em cada País.1 Cumpre observar que a Constituição de 1891, que teve a revisão cuidadosa de Rui Barbosa, em nenhum momento usou os vocábulos parlamento ou parlamentar. Todavia, a Constituição de 1946 adotou a expressão decoro parlamentar e a Lei nº 1.579/52, editada sob a égide da mesma Constituição, dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito. Convém ser ressaltado que alguns doutrinadores brasileiros, entre eles Oliveira Baracho, emprega constantemente a expressão "funções congressionais" em lugar de "funções parlamentares".

            Corretamente, uma grande maioria das Câmaras Municipais, nas legislações locais, adotam a denominação de Comissão Legislativa de Inquérito, mais condizente com o sistema de governo por nós adotado, em lugar da tradicional Comissão Parlamentar de Inquérito, em que pesem as disposições normativas insculpidas na Constituição e na legislação federal infraconstitucional.

            Comissão Legislativa de Inquérito é o organismo criado pela Câmara Municipal, composto exclusivamente de membros desta, com a incumbência determinada de apuração de fato determinado alusivo a abusos ou ilegalidades da Administração relacionados com questões vinculadas às atividades do Poder Legislativo.


CLI municipal

            Normatiza o Art. 49, inciso X, da Constituição Federal ser da competência exclusiva do Congresso Nacional fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, inclusive os da Administração direta e indireta. Essas atividades são desempenhadas através de Comissões, que são constituídas e funcionam, em nível federal, na forma prescrita nos Regimentos de cada uma das Casas do Congresso.

            Das disposições normativas contidas no Art. 58, § 3º, da Constituição Federal extrai-se, numa exegese meramente literal, que a competência para a instituição de Comissões de Inquérito seria somente do Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados). Todavia, o Art. 18 da mesma Carta de Leis federal estabelece que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos. Por autonomia entende-se a faculdade de se governar ou de se reger por leis próprias. Assim, tanto as Constituições dos Estados (Art. 25 da CF) quanto as Leis Orgânicas dos Municípios ou do Distrito Federal (arts. 29 e 32 da CF), respeitadas as normas definidas na Constituição Federal (Art. 58, § 3º) podem regulamentar a criação de comissões estaduais ou municipais com o mesmo objetivo de investigação, dentro dos limites da competência de cada ente federativo.

            Dispõe o Art. 29 da Constituição Federal que o Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nas Constituição do respectivo Estado e o Art. 30 da mesma Carta, em seu inciso II, estabelece competir ao Município suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

            Assinale-se, todavia, que não se discute a possibilidade de criação de Comissões de Inquérito pelas Assembléias Legislativas e pelas Câmaras Municiais. Assim, pode o Congresso Nacional investigar questões relacionadas com a esfera federal, as Assembléias Legislativa com raio de ação circunscrito aos interesse do Estado e as Câmaras Municipais que hão de limitar-se às questões de competência do Município.2

            O STF, através de jurisprudência cristalizada, reconhece o direito às Câmaras Municipais de instituírem Comissões de Inquérito, todavia não lhes delega a competência definida no Art. 3º da Lei nº 1.579/52 (caput e § 1º) e Art. 218 do Código de Processo Penal, para compelir estranhos a sua órbita de indagação.3

            A Comissão Legislativa de Inquérito tem como objetivo apurar matérias de interesse do Município, de fato determinado e prazo certo, com poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. A CLI é criada pela Câmara Municipal, mediante requerimento de 1/3 de seus membros e será composta de tantos membros quantos definirem o Regimento Interno. Os membros (vereadores) são designados pelo presidente da Câmara – após indicação das bancadas. O prazo de funcionamento de uma Comissão é de 90 dias, prorrogável por mais 90 desde que o Plenário aprove.

            A comissão pode tomar depoimentos de autoridades municipais, intimar testemunhas e inquirí-las sob compromisso. Também pode proceder a verificações contábeis em livros, papéis e documentos de órgãos da administração direta, indireta e fundacional.

            Convém ressaltar que o poder convocatório da CLI municipal é limitado por não poder compelir particulares a comparecer diante dela para qualquer ato relacionado com suas atribuições investigatórias, mas pode convidá-lo. Todavia, em se tratando de servidores públicos municipais ou agentes políticos, pode ocorrer a intimação, bem como pessoas físicas ou representantes de pessoas jurídica que tenham relações contratuais com o Município.


Fundamentos do poder de investigar

            O poder de investigar os fatos e atos da vida pública, tanto nos Países de tradição romana, quanto germânica, tem pertencido ao Poder Legislativo. Cabe ao Poder Legislativo, como atribuições institucionais, as funções de legislar, de fiscalizar e de julgar. É de ser observado que o poder ou a faculdade de investigação é inerente ao Poder Legislativo, tanto no sistema presidencialista, quanto no parlamentarista.

            Para fiscalizar e julgar, muitas vezes, é necessário investigar, estando a atuação de investigação incluída, por esta razão, nas competências fiscalizadora e julgadora. Através dos mecanismos de investigação realiza o Poder Legislativo o controle dos atos dos demais Poderes, estabelecendo o equilíbrio necessário às instituições democráticas.

            A Constituição Federal, as Constituições dos Estados e as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios outorgam ao Poder Legislativo as funções representativa, legislativa, fiscalizadora e julgadora, estando implícita nas duas última a função de investigar.

            As funções do Estado, exercidas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em presença do princípio da separação tripartite vinculada à teoria de Montesquieu, não são exercidas de forma absoluta, daí o imperativo da harmonia consubstanciado na norma fundamental do Art. 2º da Constituição da República, de onde nasce a limitação recíproca.

            A harmonia impõe a necessidade de que o poder detenha o poder, como orienta o mesmo Montesquieu: "temos a experiência eterna de que todo homem que tem em mãos o poder é sempre levado a abusar dele, e assim irá seguindo, até que encontre algum limite". Daí o estabelecimento, nos regimes democráticos, do sistema de checks-and-couterchecks (freios e contrapesos) adotado pela Constituição de 1988, que orientam o funcionamento dos órgãos públicas.

            Cumpre observar que o congressional power of investigation, ou o poder de investigar das Casas Legislativas, não se inscreve como regra, por ter um caráter excepcional, estando presente tão somente como uma faculdade operacional necessária ao dever de fiscalizar e julgar.

            É sobremodo importante assinalar que o poder de investigar outorgado às Casas Legislativas não se inscreve como ato de intervenção de um Poder em outro Poder, posto que se estabelece em razão das atribuições de fiscalização, controle e julgamento, que se inscrevem como atribuições do Poder Legislativo. Esse poder alcança não só os órgãos e servidores da Administração Pública, mas também qualquer pessoa física ou jurídica que esteja vinculada às atividades administrativas, respeitados os direitos e as garantias individuais.

            As Constituições brasileiras, desde o Império, outorgaram às Casas Legislativas o poder de investigar. A Constituição do Império ou a Carta de Lei de 25 de março de 1824, através de disposição normativa albergada em seu Art. 47, definia ser atribuição exclusiva do Senado conhecer dos delitos individuais, cometidos pelos membros da Família Imperial, ministros de Estado, conselheiros de Estado e senadores; e dos delitos dos deputados, durante o período da legislatura e, também, conhecer da responsabilidade dos secretários e conselheiros de Estado. Também assegurava a todo cidadão o direito de apresentar reclamações ou queixas, com pedido de responsabilidade dos infratores. Todavia, a prerrogativa de constituição de comissões de inquérito veio com a Constituição de 1934.

            Com mais objetividade, a Constituição de 1988, em seu Art. 58, § 3º, estabelece que as comissões parlamentares (sic) de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,4 além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.5 Todavia, se a investigação versar sobre procedimento de vereadores, a conclusão deve ser encaminhado à Mesa da Câmara, para decisão do Plenário.

            Somente o relatório conclusivo dos trabalhos da Comissão deve ser enviado ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal por infrações apuradas.6

            A Constituição Federal, no § 3º do seu artigo 58, dispõe que as conclusões da Comissão de Inquérito, "se for o caso", serão encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores. Ora, somente a comissão poderá decidir se se verifica, ou não, a hipótese do referido encaminhamento das conclusões, o que não implica, necessariamente, que sejam elas acompanhadas dos documentos sigilosos.7

            É de ser ainda esclarecido que a Comissão de Inquérito se destina a apurar fatos relacionados com a administração (...). Não se destina a apurar crimes nem a puni-los, da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se, no curso de uma investigação, vem a deparar fato criminoso, dele dará ciência ao Ministério Público, para os fins de direito, como qualquer autoridade, e mesmo como qualquer do povo." (...) Em caso de desacato, à entidade ofendida cabe tomar as providências devidas ato contínuo, sem prejuízo do oportuno envio das peças respectivas ou do auto correspondente ao Ministério Público para a instauração do processo criminal.8

            Tendo as Comissões de Inquérito poderes próprios das autoridades judiciais, os seus membros assumem as funções que se poderá comparar à dos juízes de instrução. Todavia, como juízes não poderiam participar dos atos de acusação ou de defesa das pessoas físicas ou jurídicas investigadas, o que efetivamente não ocorre. Cumpre, entretanto, ser lembrado que a Comissão apenas apura, ela não julga. Cumpre ser realçado que os poderes próprios das autoridades judiciais se circunscrevem objetivamente à convocação e recebimento de depoimentos de testemunhas, requisição de documentos e diligências necessárias.

            Cumpre ser observado que o Supremo Tribunal Federal tem concedendo liminares para afirmar a garantia contra a auto-incriminação. Ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, daí porque o indiciado não fica obrigado a confessar ou até mesmo a falar perante a Comissão Legislativa de Inquérito. Quanto às testemunhas, todavia, por não produzirem provas contra si mesmas, ficam obrigadas a prestar os esclarecimentos necessários.9

            O indiciado ou qualquer cidadão diretamente interessado tem o direito de petição, objetivando obter informações sobre o andamento dos trabalhos da Comissão de Inquérito, como garantia constitucional.

            Constitui crime impedir ou tentar impedir, mediante violência, ameaça ou assuadas, o regular funcionamento de Comissão de Inquérito, ou o livre exercício das atribuições de qualquer de seus membros, assim como fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante a Comissão.10


Poderes da Comissão

            O poder de investigação da Comissão Legislativa de Inquérito é, necessariamente, limitado às atribuições deferidas pela Lei Orgânica e pelas Constituições federal e estadual à Câmara Municipal, embora fique investida com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais dentro dos limites territoriais do Município, como já visto.

            A Comissão Legislativa de Inquérito atua de forma independente, porém funciona como instituição do Câmara Municipal, dentro, portanto, da circunscrição do Município, estando os seus atos sujeitos à fiscalização do Plenário da Câmara e ao controle do Poder Judiciário, em presença do princípio da limitação constitucional dos Poderes.

            A Comissão de Investigação tem as suas atribuições limitadas à competência da Câmara Municipal. O sistema constitucional brasileiro, objetivando impedir os abusos ou controlar o exercício do poder, além da competência legalmente atribuída a cada um dos Poderes, deferiu ao Poder Judiciário competência para conter os excessos, daí serem os atos da Comissão de Investigação passíveis de controle jurisdicional. Cumpre ser lembrado que os poderes da Comissão Legislativa de Inquérito encontram-se vinculados ou subordinados ao principio constitucional da legalidade.

            Por disposição constitucional o Poder Legislativo dispõe de instrumentos legais para a vigilância, de natureza política, sobre toda a máquina do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que podem ser acionados objetivando o saneamento das atividades administrativas. Entre tais dispositivos destaca-se a prerrogativa de investigação, que se desenvolve através da ação das Comissões de Inquérito.


Criação da Comissão

            A CLI é criada, na forma definida na Lei Orgânica do Município, mediante requerimento de um terço dos membros da Câmara Municipal, independentemente de deliberação do Plenário,10 podendo, todavia, quando não tenha ocorrido requerimento de sua criação, ser instituída por deliberação do Plenário. O requerimento ou a decisão do Plenário deve indicar um fato determinado a ser investigado, não podendo ser genérico.

            Na criação de uma Comissão Legislativa de Inquérito, em cumprimento das disposições legais, devem ser atendidos três pressupostos básicos: requerimento de 1/3 no mínimo dos membros da Casa Legislativa (pressuposto formal), apuração de fato determinado (pressuposto substancial) e prazo certo (pressuposto temporal).

            O número mínimo de vereadores que deve subscrever o requerimento, como pressuposto formal, é de 1/3 dos membros das Câmara Municipal, todavia, um único vereador pode requerer à Mesa da Câmara a instituição de uma Comissão de Inquérito, para apuração de fato determinado, devendo o seu requerimento ser submetido ao Plenário da Câmara, que tem poderes para decidir.

            Sendo o requerimento firmado por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa Legislativa, o Presidente, verificando que o objeto é determinado, independentemente de pronunciamento do Plenário, no prazo de quarenta e oito horas publicará obrigatoriamente resolução de sua constituição, especificando o fato a ser investigado, os Vereadores que a constituirão, observada a composição partidária, e o prazo de sua duração que não deverá ser superior a noventa dias, prorrogáveis a juízo do Plenário. Não sendo o fato determinado o Presidente pode indeferir a constituição da Comissão, devolvendo o requerimento ao primeiro signatário. O fato determinado deve ser especificado no requerimento. São passíveis de investigação pela Câmara Municipal todo e qualquer fato que esteja enquadrado dentro da competência funcional da Câmara Municipal

            Os membros da Comissão são designados pelo Presidente, por indicação expressa e proporcional dos partidos com representação na Casa. Não havendo providências por parte do Presidente, proceder-se-á como definido no Regimento Interno, restando, ainda, aos requerentes o apelo ao Poder Judiciário.

            A Comissão é criada, em nível municipal, na forma da Lei Orgânica, tendo como parâmetro as disposições fundamentais da Constituição Federal. Tem ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar o fato determinado que deu origem à sua formação.

            A incumbência da Comissão de Inquérito termina com a sessão legislativa anual em que tiver sido constituída, salvo deliberação em contrário do Plenário, prorrogando-se dentro da legislatura em curso.11 Convém lembrar que sessão legislativa é o período anual de reunião da Câmara Municipal e legislatura é o período de duração do mandato dos Vereadores, isto é, quatro anos.

            Em presença da valiosidade e das responsabilidades da Comissão é de conveniência que os seus integrantes sejam escolhidos entre vereadores, tanto quanto possível, conhecedores do assunto a ser tratado, não se dispensando o assessoramento pelo Departamento Jurídico da Câmara.

            Em razão da norma constitucional, deve ser assegurada, na constituição de cada Comissão a representação proporcional dos partidos, bancadas ou blocos políticos que integrem a Câmara Municipal, como um direito público subjetivo, todavia, a expressão "tanto quanto possível", presente no corpo do § 1º, do art. 58, da Constituição Federal, tem levado a maioria a desprezar o direito das minorias de participação, quando elas, muitas vezes, são as maiores interessadas. Somos que o Regimento Interno das Câmaras Municipais deveria, na composição das Comissão de Inquérito, que podem ser instituídas a requerimento de 1/3 de seus membros, resguardar a presença obrigatória de parcela dos requerentes.

            É de salutar importância que a Lei Orgânica do Município ou a lei regulamentadora poderá limitar a criação de Comissões Legislativas de Inquérito, definindo o número máximo que poderá existir em um determinado período legislativo.12


Funcionamento da Comissão

            É importante assinalar que a Constituição Federal define serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.12 Também são invioláveis o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, das comunicações telefônicas, salvo ordem judicial motivada.13

            Como dispuser o Regimento Interno da Câmara, a Comissão Legislativa do Inquérito poderá requisitar técnicos especializados para realizar as perícias indispensáveis ao completo esclarecimento do assunto.

            No exercício de suas atribuições a Comissão poderá, dentro e fora da Câmara, observada a legislação específica, diligenciar, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, requisitar informações e documentos, requerer a convocação de Secretários Municipais e tomar depoimento de quaisquer autoridades.

            Para a quebra possível dos direitos constitucionais relacionados com o sigilo bancário ou telefônico, quando necessários à apuração dos fatos, deve a Comissão municipal, através de requerimento fundamentado, solicitar essa providência ao Poder Judiciário.15 Qualquer ato da Comissão que venha a ferir irregularmente referidos direitos abre ao interessado o direito à impetração de mandado de segurança ao Poder Judiciário.

            A Comissão deverá atuar em obediência às normas definidas na legislação específica, conforme o caso a apurar, podendo indiciar testemunhas e intimá-las de acordo com as prescrições estabelecidas na legislação penal.

            Os indiciados, como também as testemunhas, poderão fazer-se acompanhar de advogados,14 que terão livre acesso aos autos nas dependências da Câmara Municipal, sendo-lhes permitido, para formalização da defesa ou justificação, obter cópia integral dos autos da acusação.15

            A Comissão Legislativa de Inquérito terá como dispositivos subsidiários para a sua atuação, no que for aplicável, os Códigos Penal e de Processo Penal.

            É de ser observado que, mesmo não pertencendo à Comissão, qualquer Vereador poderá comparecer às reuniões, mas sem participação nos debates e, desejando esclarecimento de qualquer parte, requererá ao Presidente da Comissão, sobre o que pretende seja inquirida a testemunha ou o indiciado, apresentando, se entender conveniente, quesitos.


Unilateralidade da investigação

            Os atos administrativos, em geral, revestem-se de caráter unilateral. A investigação legislativa não foge à regra, à semelhança do que ocorre no âmbito da investigação penal. Cabe advertir que a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere à Comissão o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes determinados direitos e garantias, especialmente a prerrogativa contra a auto-incriminação.

            A unilateralidade das investigações da Comissão, todavia, não autoriza o desrespeitar às garantias jurídicas que assistem ao indiciado e às testemunhas, sujeitos de direitos que dispõem de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes públicos, pode gerar a nulidade dos atos praticados no curso da investigação.

            Se a atuação da Comissão se reveste de caráter unilateral o mesmo não ocorre com o Plenário da Câmara. Concluídos os trabalhos investigatórios e enviados ao Plenário, via Mesa Diretora, abre-se a obrigatoriedade do contraditório e da ampla defesa.


Conclusão dos trabalhos

            A Comissão redigirá, ao final de seus trabalhos, relatório, que concluirá por projeto de resolução, se a Câmara for competente para deliberar a respeito, ou por conclusões a serem encaminhadas ao Ministério Público, se for o caso, sempre através de Resolução.15


NOTAS

            1 – Sinônimo é a palavra ou locução que tem quase a mesma significação que outra, mas, muitas vezes, não representa o mesmo sentido e, por esta razão, nem sempre deve ser empregado como substituto. Impende ser observado que nenhum jornalista escreveria, por exemplo: "Os parlamentares americanos e os congressista ingleses aprovaram o convênio", todos escreveriam: "Os congressistas americanos e os parlamentares ingleses aprovaram o convênio".

            2 – HC 71.039, voto do Min. Paulo Brossard, j. em 7-4-94, DJ 6-12-96.

            3 – RE 96.049, Rel. Min. Oscar Corrêa, j. em 30-6-83, DJ de 19.8.83.

            4 – As amplas prerrogativas deferidas às Comissões de Investigação do Poder Legislativo não afastam, necessariamente, as limitações constitucionais, nem admitem o desrespeito ao princípio da separação dos Poderes, além de subordinar todos os seus atos ao respeito ao direito do contraditório e da ampla defesa.

            5 – Ver Lei nº 10.001/2000, que estabelece prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público a respeito das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito.

            6 - MS 25.707, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 1º-12-05, DJ de 13-12-05)

            7 - MS 23.970-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, decisão monocrática, julgamento em 29-5-01, DJ de 5-6-01.

            8 - HC 71.039, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 7-4-94, DJ de 6-12-96.

            9 - "Quero dizer: não tenho como razoável a presunção de que uma instituição parlamentar que se investe numa das dimensões da judicatura venha a forçar qualquer depoente a se privar do desfrute de direitos e garantias conferidos a ele, depoente, pelo ordenamento jurídico. Avultando, dentre tais situações jurídicas ativas, o direito constitucional da não-auto-incriminação. Que se traduz, sabidamente, na faculdade de alguém não produzir provas contra si mesmo, ainda que para isso tenha que optar pelo silêncio puro e simples. O silêncio como relevante aspecto da própria garantia constitucional da ampla defesa. (...) Daqui se percebe que não basta reconhecer à paciente a titularidade dos direitos e garantias por ela invocados, para que se lhe conceda a liminar requerida. Isso porque essa requestada concessão depende de pressupostos constitucionais que, no caso, e num juízo sumário que é próprio dos provimentos cautelares, não me parecem ocorrentes." (HC 88.163-MC, Rel. Min. Carlos Britto, decisão monocrática, julgamento em 6-3-06, DJ de14-3-06).

            10 – Art. 4º da Lei nº 1.579/52.

            10 – Ver Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952.

            11 - § 2º do Art. 5º da Lei nº 1.579/52.

            12 - "A restrição estabelecida no § 4º do artigo 35 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que limita em cinco o número de CPIs em funcionamento simultâneo, está em consonância com os incisos III e IV do artigo 51 da Constituição Federal, que conferem a essa Casa Legislativa a prerrogativa de elaborar o seu regimento interno e dispor sobre sua organização. Tais competências são um poder-dever que permite regular o exercício de suas atividades constitucionais." (ADI 1.635, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 19-10-00, DJ de 5-3-04).

            12 - Art. 5º, X, da Constituição Federal.

            13 - Art. 5º, XII da Carta Federal.

            15 - "Nem se diga, de outro lado, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e tribunais na esfera de atuação do Poder Legislativo. Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem nem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República. Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado – situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo – é imune à força da Constituição e ao império das leis. Uma decisão judicial – que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis – não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo (...)." (MS 25.617-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 24-10-05, DJ de 3-11-05).

            14 - § 2º do Art. 3º, da Lei nº 1.579/52, acrescentado pela Lei nº 10.679/2003.

            15 - "A participação do advogado perante a comissão parlamentar de inquérito. Impende assinalar, de outro lado, tendo em vista o pleito deduzido em favor do ora paciente — no sentido de que se lhe assegure o direito de ser assistido por seu advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a ‘CPMI dos Correios’ —, que cabe, ao advogado, a prerrogativa, que lhe é dada por força e autoridade da lei, de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do munus de que se acha incumbido, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional. (...) O advogado — ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado — converte a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação (Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário), ao advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas – legais ou constitucionais — outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e o direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse, observando-se, desse modo, as diretrizes, previamente referidas, consagradas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Se, não obstante essa realidade normativa que emerge do sistema jurídico brasileiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito — ou qualquer outro órgão posicionado na estrutura institucional do Estado — desrespeitar tais direitos que assistem à generalidade das pessoas, justificar-se-á, em tal específica situação, a intervenção, sempre legítima, do advogado, para fazer cessar o ato arbitrário ou, então, para impedir que aquele que o constituiu culmine por auto-incriminar-se. O exercício do poder de fiscalizar eventuais abusos cometidos por comissão parlamentar de inquérito contra aquele que por ela foi convocado para depor traduz prerrogativa indisponível do advogado no desempenho de sua atividade profissional, não podendo, por isso mesmo, ser cerceado, injustamente, na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele que lhe outorgou o pertinente mandato." (HC 88.015-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 14-2-06, DJ de 21-2-06).

            15 – Art. 5º da Lei nº 1.579/52.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAZ, Petrônio. Comissão legislativa de inquérito municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1161, 5 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8894. Acesso em: 4 maio 2024.