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Cidadania italiana e a grande naturalização brasileira

Cidadania italiana e a grande naturalização brasileira

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A grande naturalização, embora pouco disseminada, é um tema polêmico e por vezes presente em processos de reconhecimento da cidadania italiana.

Quem está pesquisando ou buscando informações sobre cidadania italiana eventualmente já ouviu falar da grande naturalização. Mas você sabe o que é e como pode afetar no seu processo de cidadania?


Conceito e contexto legislativo da grande naturalização

A grande naturalização foi uma naturalização tácita, ou seja, sem a vontade dos estrangeiros, que se deu por imposição legal do Estado brasileiro.

A grande naturalização refere-se ao decreto n° 58-A, de 14/12/1889, editado pelo Brasil, no qual determinava que todos os estrangeiros residentes no país a 15 de novembro de 1889, seriam considerados cidadãos brasileiros, exceto declaração em contrário feita perante a municipalidade, no prazo de seis meses da publicação do referido decreto.

O objetivo imediato era possibilitar que os estrangeiros residentes no país pudessem participar do cenário político, podendo votar e concorrer a cargos públicos, com exceção a chefe de Estado, que é privativo de brasileiro nato.

Com isso, em 08/02/1890, foi promulgado o regulamento eleitoral, decreto n° 200-A, que estabelecia, em seu artigo 1°, quem eram os cidadãos considerados brasileiros. E, o inciso VI do referido artigo fazia referência aos cidadãos estrangeiros abrangidos pelo decreto 58-A.

Em 15 de maio de 1890, foi editado o decreto n° 396, que alargava o atendimento onde poderiam ser feitas as declarações pelos estrangeiros que não desejassem ser considerados cidadãos brasileiros. A partir desta data, poderiam ser prestadas as declarações também em qualquer delegacia ou subdelegacia de polícia, bem como os agentes diplomáticos e consulares.

Ainda, o decreto n° 479, de 13 de junho de 1890, prorrogou o prazo para as declarações dos estrangeiros até 31 de dezembro de 1890.

Neste ponto é importantíssimo recordarmos que a Itália só reconheceu a soberania do Estado Brasileiro em dezembro de 1890 e, portanto, nenhum destes decretos teriam validade perante o Estado Italiano.

A espelho do regulamento eleitoral (decreto n° 200-A, de 08/02/1890), a Constituição de 1891, em seu artigo 69, 4°, também elencou os estrangeiros que residiam no Brasil à data de 15/11/1889 como cidadãos brasileiros, salvo declaração prestada em contrário.


Qual a consequência da grande naturalização para os requerentes à cidadania italiana?

A Itália só reconheceu a dupla cidadania com a Lei n° 555, de 13/06/1912. Todos os estrangeiros residentes no Brasil e que não tivessem prestado a declaração contrária, teriam sido naturalizados brasileiros.

Isso significa que, perante a Itália, esta naturalização brasileira teria substituído a cidadania italiana original, passando a ser exclusivamente brasileiros.

Em decorrência disto, os filhos também seriam brasileiros, impossibilitando a transmissão da cidadania italiana.


O que ocorreu na realidade?

Os imigrantes italianos, em sua maioria, eram analfabetos e não tinham qualquer domínio sobre a língua portuguesa. Somados a isso, é sabido que estes imigrantes italianos chegavam ao país para trabalhar nas fazendas, em regiões rurais e de difícil acesso.

Muito embora tenha havido um prazo para que os estrangeiros se manifestassem e se declarassem contrários à naturalização, fato é que estes sequer tomaram conhecimento da existência de tais leis e decretos.

Isso fica ainda mais evidente nos registros civis destes estrangeiros, que mesmo após 1891, continuaram se autodeclarando e sendo registrados como estrangeiros. Além disso, nem os próprios consulados tomaram conhecimento, pois continuaram a emitir passaportes aos seus cidadãos, que supostamente estariam abrangidos por esta legislação.


Entendimento jurisprudencial

Não obstante alguns juízes italianos defenderem a validade da grande naturalização, inúmeros são os julgados que defendem que só é possível a perda da nacionalidade italiana por manifestação expressa do interessado. Não podendo o silêncio deste ser interpretado de forma tácita para perda da nacionalidade, pois viola os direitos civis do cidadão e a sua liberdade de escolha, que é protegida pela legislação de ambos os países.


Autor

  • Karina Cavalcante Gomes Caetano Sasso

    Advogada inscrita na OAB/SP e na Ordem dos Advogados de Portugal e atuante nas principais cidades do Brasil e em Portugal, com vasta experiência em retificações de registros civis e registros tardios de nascimento, casamento ou óbito, homologações de sentenças estrangeiras no Brasil e em Portugal e cidadania portuguesa. Consultora de proteção de dados e privacidade - LGPD e GDPR

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