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Aspectos conceituais da liberdade de expressão e o inquérito das “fakes news”

Aspectos conceituais da liberdade de expressão e o inquérito das “fakes news”

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Reflexões acerca do inquérito das fake news e o direito à liberdade de expressão, à luz do STF.

INTRODUÇÃO:

É de extrema importância traçar o que seria o direito à liberdade de expressão para que se possa fazer uma análise do caso em comento. Sendo a liberdade de expressão um conceito para que as pessoas possam expressar as suas ideias sem serem coagidas.

A liberdade de expressão é premissa para qualquer governo democrático na atualidade.

Mas não significa dizer que, para expressar as opiniões, não se tenha que respeitar alguns limites. Para se viver em harmonia é preciso estar atento sobre declarações que possam ofender outras pessoas.

A liberdade de expressão possui lugar na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), documento que norteia a garantia de direitos e liberdades fundamentais para todos, devido a sua grande importância. Trazendo em seu artigo 19 que, Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

Estando prevista na Constituição Federal, a liberdade de expressão é um direito fundamental e é tida como uma garantia básica para a dignidade humana e para o funcionamento da estrutura democrática do Estado.

No âmbito da estrutura democrática do Estado, a liberdade de expressão protege a pluralidade de posicionamento de diferentes vertentes políticas e ideológicas dentro dos limites da Constituição.

Uma das formas de saber se está sendo protegido o direito à liberdade de expressão nos países é por meio do Relatório Global de Expressão, uma publicação anual realizada pela ONG.

Na pesquisa atual publicada em 2020, o relatório confirmou uma realidade que já vinha aparecendo nos últimos anos.

Desde 2015, o Brasil passou um país com sua democracia em crise, deixando para trás um dos melhores índices da pesquisa. E as fake news têm colaborado para a queda do Brasil no ranking de liberdade de expressão.

A Constituição Federal, em seu Art. 5º, inciso IV, traz o seguinte texto sobre a liberdade de expressão: é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

No Art. 200 da CF, a lei reafirma a liberdade de expressão ao trazer que: a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Os indivíduos que participam das decisões políticas, que afetam a nação, precisam ter liberdade para adquirir conhecimento, comparar informações e embasar suas escolhas em dados confiáveis.

Assim, a liberdade de expressão é um dos alicerces da democracia, pois dá capacidade para que o povo seja empoderado, ao mesmo tempo em que permite que suas opiniões sejam ouvidas.

Ser livre para se manifestar, sem censura, é um dos aspectos que condicionam à construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Mas ter liberdade de expressão não implica na admissão de ofensas, calúnias, invasões, danos materiais ou morais sem uma punição.

Nossa Carta Magna veda o anonimato e exige que, quando expressar seu pensamento, o autor se identifique, pois além de garantir os créditos sobre uma opinião, essa medida serve também para que o autor seja responsabilizado em caso de exceder os limites e cometer crimes como calúnia e injúria contra outras pessoas.

Assim, é possível concluir que, no Brasil, a lei não admite censura, apenas responsabilização punitiva em função de ações posteriores à divulgação de um pensamento que viole direitos alheios.

Um estado democrático não deve restringir ideias, mas deve responsabilizar aquele que viole o direito dos demais.

A mídia tem tido um papel importante para liberdade de expressão, principalmente no combate às fakes news.

Ainda que o ambiente virtual possa dar a falsa impressão de anonimato, tanto a liberdade de expressão quanto seus limites, são válidos também nessa esfera online. Assim, quem usar as redes para proliferar insultos, discursos de ódio e mentiras, estará sujeito às punições que estão previstas no nosso ordenamento jurídico.

METODOLOGIA:

Para o tema Aspectos conceituais da liberdade de expressão e o inquérito das fakes news, serão utilizados, como referencial teórico, artigos acerca do assunto e nossa Constituição Federal.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O interesse de abordar o referido tema nesse trabalho surgiu a partir de uma situação específica, em que o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a instauração, de ofício, de investigação de ataques sofridos pela Corte, por uma rede de fake news que contaria com a participação organizada de uma série de empresários, políticos e ativistas de redes sociais.

Direito à liberdade de expressão ou notícias falsas para gerar caos no âmbito jurídico?

Trataremos sobre o que seria direito à liberdade de expressão e o que seria fakes news envolvendo o Supremo Tribunal Federal.

O inquérito investiga a existência de uma organização criminosa, que articula ataques contra membros do STF, Congresso e a democracia.

A medida também foi tomada devido ao aumento expressivo de notícias falsas ou deturpadas sobre decisões e sobre os próprios ministros.

Como o ministro Dias Toffoli já mencionou, em um dos seus discursos, as campanhas de desinformação querem promover o caos e essa atitude seria incompatível com o direito à liberdade de expressão.

O ministro já declarou que a abertura do inquérito das fakes news foi a decisão mais difícil que já precisou tomar durante o seu mandato.

Foi a decisão mais difícil da minha gestão a abertura desse inquérito. Mas ali já vínhamos vivendo algo que vinha ocorrendo em outros países, o início de uma política de ódio plantada por setores que queriam e querem destruir instituições, que querem o caos, disse Toffoli, em entrevista após um balanço de sua gestão.https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-09/abrir-inquerito-das-fake-news-foi-decisao-mais-dificil-diz-toffoli

Dias Toffoli acredita que há segmentos que buscam uma ruptura, mesmo não tendo visto atitudes do governo que contribuíssem para isso:

Evidentemente que pode haver realmente segmentos de pessoas que se identificam com o governo, mas querem que vá além. Isso foi combatido, está sendo combatido e vai ser combatido, porque não podemos deixar o ódio entrar na nossa sociedade. Não podemos deixar nossas instituições caírem, afirmou. (https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-09/abrir-inquerito-das-fake-news-foi-decisao-mais-dificil-diz-toffoli)

Para anunciar a abertura do inquérito pelo STF, sem provocação de outro órgão, o ministro Dias Toffoli afirmou que não existe um estado democrático de Direito, nem democracia, sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre.

É possível observar, diante das referidas declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que ele acredita que as fakes news tem o objetivo de enfraquecer o âmbito jurídico e criar o caos, sendo esta a justificativa da abertura do inquérito para averiguar possíveis notícias, achando o mesmo nada ter a ver com o direito à liberdade de expressão.

É importante abordar nesse tópico, também, sobre a liberdade de imprensa, que encontra seu respaldo no art. IVIX e XIV e no art. 220§ 2ª, da CF/88.

Lei de Imprensa tem por objetivo regulamentar a liberdade de manifestação do pensamento e de informação.

O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o direito à liberdade de imprensa, acreditando que esta tem uma missão democrática e com fundamento ma CF, protegendo o direito de exercer crítica a qualquer pessoa, incluindo as autoridades judiciárias:

RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e real alternativa à versão oficial dos fatos (BRASIL, ADPF 130, 2009).

A conduta tomada pelo ministro da Suprema Corte também representa um precedente perigoso no âmbito jurídico, pois muitos juízes, inspirados em tal episódio, poderiam perseguir e prejudicar desafetos que os critiquem publicamente, achando estes estarem amparados no artigo , incisos IV e IX, e artigo 220, todos da CF/88:

(...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Mesmo a liberdade de expressão não sendo absoluta em nosso território nacional, ela assegura o direito à crítica, mesmo que ácida, especialmente contra os gestores de cargos público do Estado, porquanto nesse caso, a crítica encontra fundamento não só na liberdade de manifestação, mas também, no princípio republicano.

Por isso, o inquérito também viola a liberdade de expressão e de crítica política.

O Ministro Dias Toffoli, em contrapartida, justifica que o que se investiga nesse inquérito vai muito além de manifestações ou críticas contundentes contra a corte. Trata-se de uma máquina de desinformação que se utiliza de robôs, de financiamento e de perfis falsos para desacreditar as instituições democráticas republicanas e seus agentes.

Toffoli também defende que seja criada uma regulamentação com o objetivo de inibir a propagação das fake news. Em algumas de suas declarações sobre o caso, ele acredita que não se pode normalizar, condescender e aceitar as fake news como um fenômeno inevitável. Não se pode aceitar como algo que seja impossível de combater ou que seja algo que se tornará natural no dia a dia.

Segundo o ministro, as campanhas de desinformação buscam criar o "caos" e não seria essa a finalidade do direito à liberdade de expressão.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

.https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-09/abrir-inquerito-das-fake-news-foi-decisao-mais-dificil-diz-toffoli

Constituição Federal de 1988.

ADPF 130,  Brasil, 2009.



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