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Transgênicos:

sentença em cautelar impede cultivo e comércio

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01/11/1999 às 01:00
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Sob outro ângulo, há de ver-se que a empresa MONSANTO DO BRASIL LTDA. busca instalar, em nosso país, um autêntico monopólio, com a dominação do mercado de sementes de soja transgênica (round up ready), agredindo princípios básicos de nossa ordem econômica e social, tais como da soberania nacional, da livre concorrência, da defesa do consumidor e da defesa do meio ambiente (CF, art. 170, incisos I, IV, V e VI).

A Constituição da República Federativa do Brasil, porém, repudia tais práticas, quando ordena ao Parlamento Nacional que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico, que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros" (CF, art. 173, § 4º).


VI

          Observe-se, ainda, o total desacerto da alegação da União Federal, quando afirma que, por força da norma do inciso XIV do art. 2º do Decreto nº 1.752/95, o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) é uma faculdade da CTNBio e não um poder-dever, por isso que essa Comissão solicitará o aludido estudo em casos concretos que, a juízo de seus membros, entenda, sob o ponto de vista científico, necessária a obtenção de subsídio para deliberar.

Constata-se, de plano, que o mencionado Decreto nº 1.752/95, em seu art. 2º, inciso XIV, extrapolou os lindes da Lei regulamentada nº 8.974/95, estabelecendo uma discricionariedade administrativa nela não prevista.

A propósito do tema, leciona Guilherme Marinoni, na fala de que "é importante ressaltar que, da dicção do art. 225 da Constituição Federal, ressai, claramente, que não há qualquer discricionariedade para a administração pública, quanto a exigir ou não o estudo de impacto ambiental, na hipótese de pedido de licenciamento de atividade ou obra potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente; sempre que o administrador se encontrar diante de pedido de licença para atividades ou obras com estas características, não haverá espaço para qualquer subjetividade de sua parte quanto a exigir ou não o estudo. Trata-se, portanto, de atividade administrativa de conteúdo vinculado." (grifos nossos) (...)

A Resolução 001/86 do CONAMA enumera, no seu art. 2º, as obras e atividades que são consideradas capazes de causar significativa degradação do meio ambiente. Este rol, segundo a doutrina, é meramente exemplificativo, cabendo ao administrador apreciar in concreto se a atividade ou a obra para a qual se requer o licenciamento apresenta-se como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente" (grifo nosso). (...)

É fácil concluir, portanto, que há violação de legalidade na hipótese em que o órgão licenciador do meio ambiente dispensa o estudo de impacto ambiental perante obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, esteja a obra ou atividade contida ou não no rol do artigo 2º da Resolução 001/86 do CONAMA. Nesta hipótese, estando, v.g., uma indústria para se instalar, ou mesmo pronta para começar a operar, cabe a tutela inibitória. O mesmo ocorre quando o estudo de impacto ambiental não atende ao preceituado nos arts. 5º e 6º da Resolução nº 001/86 do CONAMA. De acordo com a doutrina, vale para o Brasil, nesse último caso, ? a lúcida orientação da jurisprudência dos tribunais administrativos franceses: um EIA que não contempla todos os pontos mínimos do seu conteúdo, previstos na regulamentação, é um estudo inexistente; e um EIA que não analisa de forma adequada e consistente esses mesmos pontos é um estudo insuficiente . E tanto num caso (inexistência do EIA) quanto no outro (insuficiência do EIA) o vício que essas irregularidades acarretam ao procedimento do licenciamento é de natureza substancial. Conseqüentemente, inexistente ou insuficiente o estudo de impacto, não pode a obra ou a atividade ser licenciada, e, se, por acaso, já tiver havido o licenciamento, este será inválido.’

Se o estudo de impacto ambiental não vincula a administração, pode esse estudo concluir, por exemplo, que um empreendimento não deve ser implantado e a autoridade administrativa ainda assim conceder a licenciamento solicitado. É claro que o administrador terá de justificar muito bem a sua decisão, demonstrando as razões pelas quais não acatou o estudo científico. Se a licença é concedida, e inicia-se a fase de implantação, é óbvio que, em tese, podem ser causados danos ao meio ambiente. Se tais danos forem provocados, responde o empresário objetivamente, pouco importando se obteve a licença ambiental para exercer a sua atividade.

Entretanto, se no plano do direito ambiental deseja-se a prevenção, e não a reparação, não é de grande valia teorizar-se a respeito da responsabilidade do poluidor, sendo muito mais relevante pensar-se na tutela inibitória do ato lesivo ao meio ambiente.

Como lembra Antonio Herman V. Benjamin, 'a tutela do meio ambiente, através de longa evolução, ultrapassou a fase repressivo-reparatória, baseada fundamentalmente em normas de responsabilidade penal e civil, até atingir o estágio atual em que a preocupação maior é com o evitar e não com o reparar ou reprimir’. (Antonio Herman V. Benjamin, A principiologia do estudo prévio de impacto ambiental e o controle da discricionariedade administrativa. Estudo prévio de impacto ambiental. São Paulo: RT, 1993, p. 77).

O estudo de impacto ambiental é um requisito procedimental do ato administrativo de licenciamento ambiental, tendo grande importância para a sua motivação; este estudo contém as razões que devem ser levadas em conta pelo administrador no momento do licenciamento. Como já foi dito, se o administrador diverge da conclusão do estudo de impacto ambiental, ele terá de demonstrar as razões que o levaram a optar por uma solução diversa. É a motivação do ato que, quando em desacordo com a finalidade da norma, abre oportunidade para a impugnação judicial do licenciamento e, destarte, à tutela inibitória.

Se o processo de licenciamento tem como escopo a preservação e a conservação do meio ambiente (ar. 2º, caput, da Lei nº 6.938/81), a atuação dos órgãos administrativos não pode conduzir a um fim dele distinto. Havendo um efetivo descompasso entre a decisão administrativa e a finalidade da norma - que é a preservação e a conservação do meio ambiente - é cabível a tutela inibitória, já que o ato administrativo concessivo da licença está acoimado de vício de desvio de poder." (Marinoni, Luiz Guilherme, in "Tutela Inibitória" (individual e coletiva) - RT/SP - 1998 - págs. 81/86).


VII

          Desenganadamente, o "Parecer Técnico Conclusivo" da CTNBIO - que, na época da intimação da decisão de fls. 1.372/1.415, estranhamente, encontrava-se acéfala, conforme se lê na certidão de fls. 1.434, confirmada pela publicação oficial de fls. 1.435, destes autos, - não substitui, sequer palidamente, o necessário e prévio Estudo de Impacto Ambiental, a que está obrigado exigir o Poder Público, por força de comando constitucional expresso (CF, art. 225, § 1º, IV).

A respeito do tema, a Resolução nº 001/86 - CONAMA, assim se expressa:

"Considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota (flora e fauna); as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente, e a qualidade dos recursos ambientais."

O ilustre Prof. Nelson Nery Júnior, na qualidade de Chefe do Departamento de Direitos Humanos, Difusos e Coletivos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, afirma que "conceituada entidade científica européia a Physicians and Scientists for Responsible Application of Science and Technology - PSRAST (Médicos e Cientistas pela Aplicação Responsável da Ciência e da Tecnologia) afirma que não há comprovação científica de que os alimentos geneticamente modificados sejam seguros do ponto-de-vista da saúde humana e ambiental.

Alertam os cientistas para os riscos incalculáveis para o meio ambiente, os efeitos desconhecidos para a saúde humana, decorrentes do consumo de alimentos transgênicos, além dos problemas de dependência econômica que resultarão para os agricultores. Não se encontra, ainda, unanimemente segura a comunidade científica, sobre os efeitos dos transgênicos nos seres vivos e no meio ambiente, sugerindo evidências de que os transgênicos causam impactos maléficos à saúde humana e ao meio ambiente. (Jeremy Hifkins, economista norte-americano especialista em biotecnologia, em seu recém-lançado livro no Brasil denominado O Século da Biotecnologia. Ed. Makron, 1999)." (...)

Ao introduzir genes de uma espécie em outra, episódio que raramente ocorre na natureza, é possível que se desencadeiem processos sobre os quais os cientistas não tenham qualquer controle, e que, dificilmente, possam corrigir, já que os genes têm a capacidade de se reproduzir autonomamente.

          No que se refere à saúde humana, teme-se que alimentos produzidos com organismos geneticamente modificados possam aumentar, intencional ou inadvertidamente, o nível de toxinas naturais já existentes em muitas plantas, produzindo enfermidades diversas, assim como provocar novas alergias, gerar resistência a antibióticos (usados nessas plantas transgênicas) ou mesmo alterar o valor nutricional e o gosto dos alimentos. Há, também, efeitos indiretos, como a maior presença de resíduos de herbicidas ou pesticidas nos alimentos, produzidos a partir de plantas que tornaram-se resistentes a esses herbicidas, em razão da própria engenharia genética." (Fls. 1.472 e 1.483). (Grifos nossos)

Merecem ser transcritas, aqui, as sábias lições do eminente Prof. José Afonso de Silva sobre a necessidade imperiosa de estudo de impacto ambiental em casos que tais, nos tópicos seguintes:

         "O estudo de impacto tem por objeto avaliar as proporções das possíveis alterações que um empreendimento, público ou privado, pode ocasionar ao meio ambiente. Trata-se de um meio de atuação preventiva, que visa evitar as conseqüências danosas, sobre o ambiente, de um projeto de obras, de urbanização ou de qualquer atividade.

       2. Fundamento constitucional

         O estudo prévio de impacto ambiental é um pressuposto constitucional da efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tem fulcro no art. 225, §1º, IV, da Constituição de 1988, que incumbe ao Poder Público exigi-lo nas hipóteses de instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Prescreve, ainda, que dele se dê publicidade. Mas já era uma previsão legal como um expressivo instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 9º, III) e pressuposto para o licenciamento de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento e atividades capazes de causar degradação ambiental.

       O instituto veio do direito americano que, já em 1969, exigia um relatório de impacto ambiental anexo aos projetos de obras do governo federal que pudessem afetar a qualidade do meio ambiente. Ressalta Despax que, no direito americano como no francês, o estudo prévio de impacto ambiental tem por objeto conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação do meio ambiente. Assim também deve ser entendido entre nós, pois, como já observamos: compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico constitui um dos princípais objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 4º, I). (...)

       4. Natureza procedimental do instituto

         O estudo de impacto ambiental é um instrumento da política de defesa da qualidade ambiental. Realiza-se mediante um procedimento de direito público, cuja elaboração há que atender a diretrizes estabelecidas na legislação e nas que, em cada caso, forem fixadas pela autoridade competente.

       O procedimento compreende elementos subjetivos e objetivos. Os primeiros consistem no proponente do projeto, a equipe multidisciplinar e a autoridade competente. Os segundos são a elaboração das diretrizes, os estudos técnicos da situação ambiental, o relatório de impacto ambiental - RIMA e avaliação do órgão competente.

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       5. Proponente do projeto e equipe multidisciplinar

       Proponente do projeto, que pode ser pessoa física ou jurídica pública ou privada, é o titular da obra ou atividade, para cuja licença se exige a realização de estudo de impacto ambiental, e por conta de quem correm todas as despesas e custos com a coleta e aquisição dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo, análise de laboratório, estudos técnicos e científicos, acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do RIMA e fornecimento de pelo menos cinco cópias (Resolução 001/86 - CONAMA, art. 8º).

       O proponente do projeto não executa, por si, o estudo de impacto ambiental, que será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, e é a constituída de técnicos de variada formação acadêmica. A qualificação técnica dos membros da equipe depende muito da natureza do empreendimento, mas, por certo, hão de ter habilitação relacionada com os fatores e recursos ambientais, biólogos, botânicos, engenheiros, arquitetos, arqueólogos, químicos, economistas, sociólogos, geógrafos, advogados especialistas em meio ambiente. Nem todos são necessários em todos os projetos, mas alguns talvez sejam indispensáveis sempre. Equipe habilitada há de ser entendida aquela que se compõe de titulares de, no mínimo, habilitação acadêmica da área de conhecimento considerada e melhor ainda se, além dessa habilitação, possuírem experiência no manejo de situação ambiental.

       A equipe multidisciplinar responde tecnicamente pelo conteúdo do RIMA. Não pode ser formada por empregados ou subordinados do proponente do projeto nem do órgão público competente para a avaliação do RIMA. Há de ter independência suficiente para não deixar-se influenciar nem por um nem por outro, pois deverá produzir um relatório que poderá ser a favor ou contra o projeto, com recomendação, se for o caso, de alternativas. Não é preciso unanimidade, mas a maioria deverá subscrever a solução vencedora. "O RIMA - diz bem Paulo Affonso Leme Machado - deverá dar um parecer favorável ou desfavorável ao projeto (incluindo as alternativas), mas isto não significa que não possa haver divergência de pontos de vista entre os membros da equipe. Havendo dissenso de opiniões, não pode o mesmo ser ocultado, devendo constar do RIMA as opiniões da maioria e minoria acaso existentes". (...)

       7. Fases do procedimento de estudo de impacto ambiental

       O procedimento do estudo de impacto ambiental desenvolve-se basicamente em quatro fases: a) a primeira é a fase preliminar do planejamento da atividade, quando o proponente do projeto manifesta sua vontade de realizar o empreendimento e procura o Poder Público, para obter diretrizes e instruções adicionais, sendo o caso, e a respectiva Licença Prévia, referida, hoje, no art. 19, I, do Decreto 99.274/90, que substituiu o de n. 88.358/83; b) a segunda fase é a das atividades técnicas da equipe multidisciplinar, quando se realiza o estudo de impacto ambiental propriamente dito, sendo, pois, a fase nuclear do procedimento, que se desenvolve em diversos passos; c) a terceira fase é a da elaboração do relatório de impacto ambiental - RIMA, que traduz o resultado das atividades técnicas, a dizer, do estudo de impacto ambiental; d) a quarta fase é a da apreciação do órgão competente, que julgará da viabilidade ambiental do projeto ou de alternativas propostas, concluindo por aprová-lo com a outorga da Licença de Instalação, facultando o início da implantação da obra ou atividade, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado, conforme estatui o art. 19, II, do citado Decreto 99.274/90; e) a quinta fase já não é de elaboração do estudo de impacto ambiental, mas de sua execução e aplicação, a partir da Licença de Operação, possibilitando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação, seguindo-se a execução do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos elaborado na fase das atividades técnicas.

       8. Elaboraçáo das diretrizes

       A Lei 6.938/81 (art. 9º, III) qualifica o estudo de impacto ambiental como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Quer isso dizer que sua função primordial consiste em aplicar, nos projetos de obra e atividades potencialmente causadores de degradação ambiental, os princípios e objetivos definidos naquela lei como necessários à preservação da qualidade ambiental e à manutenção do equilíbrio ecológico.

       O art.5º da Resolução 001/86-CONAMA dispõe que, além de atender à legislação, em especial aos princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, o estudo de impacto ambiental terá que conter ainda o seguinte:

       I - contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução;

       II - identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;

       III - definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;

       IV - considerar os planos e programas governamentais e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

       Não é só. Pois ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental, o órgão estadual competente, ou o IBAMA ou, quando couber, o Município fixará as diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias, inclusive os prazos para a conclusão e análise dos estudos.

       A regra geral, portanto, é a de que a determinação do estudo de impacto ambiental, sua avaliação e aprovação e outorga da respectiva licença caibam ao órgão estadual ambiental. Mas o art. 8º, II, da Lei 6.938/81, com a redação da Lei 8.028/90, reservou essas atribuições ao CONAMA no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, nas áreas consideradas Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, ou seja: na Floresta Amazônica, na Mata Atlântica, no Pantanal Mato-Grossense e na Zona Costeira (art. 225, §4º). Por regra também o IBAMA só tem competência supletiva nessa matéria. Contudo, o licenciamento de obras e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional é incumbência sua (Lei 6.938/81), art. 10, §4º, com redação da Lei 7.804/89).

       9. Fase das atividades técnicas

       Esta fase se desdobra em vários passos. No mínimo, importará nas seguintes atividades técnicas: a) Diagnóstico ambiental da área; b) Análise dos impactos ambientais do projeto e suas alternativas; c) Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos; d) Elaboração de programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos.

       Diagnóstico ambiental da área - Trata-se de estudar e definir a área de influência do projeto, os limites geográficos da área a ser direta ou indiretamente atingida pelo projeto, com descrição e análise completa dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:

       a) o meio físico: subsolo, águas, ar e clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos de aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrográfico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;

       b) o meio biológico e os ecossistemas naturais: a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;

       c) o meio sócio-econômico: o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.

       Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas - Uma das diretrizes gerais impostergáveis do estudo de impacto ambiental consiste em identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade. Por isso, a equipe multidisciplinar terá que analisar os impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através da identificação, da previsão da magnitude e da interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos (benéficos) e negativos (adversos) diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas (associação de fatores que se coordenam para o resultado); a distribuição dos ônus e benefícios sociais.

       Definição de medidas mitigadoras - Não basta identificar e avaliar os impactos ambientais negativos do projeto. Cumpre à equipe multidisciplinar proceder à identificação das medidas mitigadoras desses impactos negativos, entre as quais se incluem a análise dos equipamentos de controle e os sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. A propósito, cabe a lição de Paulo Affonso Leme Machado: "A equipe multidisciplinar deverá apontar os equipamentos de controle que existam no mercado nacional como em outros países. Muitas vezes, membros da equipe multidisciplinar terão que se deslocar para outros países para verificarem a eficiência desses equipamentos. Avaliar a eficiência não é só reproduzir o que consta na bibliografia. Além disso, essa avaliação de eficiência deverá levar em conta a área do projeto, pois um mesmo equipamento poderá não ser adequado para localidade diversa de onde foi testado. A administração pública ambiental não está jungida a adotar os equipamentos ou os sistemas, mas para não exigi-los deverá motivar sua decisão. A expressão "medida mitigadora dos impactos negativos" da Resolução 001/86-CONAMA deve obedecer ao sentido superior da norma da Lei 6.803/80 (art 10, §3º) quando diz lei "... avaliações de impacto, que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada". Confiabilidade da solução é mais que mitigar o impacto, é tentar evitar o impacto negativo, ou sendo impossível evitá-lo, é procurar corrigi-lo, recuperando o ambiente. A recuperação não é uma medida que se possa afastar do EIA".

       Programa de acompanhamento - A elaboração de programa de acompanhamento e de monitoramento dos impactos positivos e negativos é parte integrante do estudo de impacto ambiental, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados, entre os quais se encontram os planos e programas governamentais e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade. Trata-se de atividade ínsita no estudo de impacto ambiental, com o objetivo de, na sua avaliação, se ter também em mente os acontecimentos ambientais que possam decorrer da execução do projeto, do funcionamento do empreendimento, e a previsão das condições e meios necessários ao manejo de seus efeitos.

         10. Relatório de impacto ambiental

       O relatório de impacto ambiental - RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental. Por ele, a equipe multidisciplinar oferece seu parecer sobre a viabilidade do projeto, seu impacto no meio ambiente, as alternativas possíveis e convenientes, assim como a síntese das atividades técnicas desenvolvidas no estudo. Requer, por isso, que seja apresentado de forma objetiva e adequada à sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possa entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação.

       Seu conteúdo conterá, no mínimo: os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas governamentais; a descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias-primas, a mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnicas operacionais, os prováveis efluentes, emissões de resíduos e perdas de energia, os empregos diretos e indiretos a serem registrados; a síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambientais da área de influência do projeto; a descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo da incidência dos impactos e indicando os métodos e técnicas e critérios adotados para sua identificação, quantificação e interpretação; a caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua realização; a descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado; o programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos; a recomendação quanto à alternativa mais favorável, conclusões e comentários de ordem geral.

       11. Participação do público

         O estudo de impacto ambiental, como dissemos, é um procedimento público, não valendo como tal qualquer estudo privado por mais categorizado que seja.

       A Constituição, por isso mesmo, exige que se lhe dê publicidade. A Lei 6.938/81 (art. 10, §1º), por seu lado, dispõe que o pedido de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação. A Constituição vai além, quer que o próprio estudo de impacto ambiental tenha publicidade, o que é mais do que a simples publicação do pedido de licenciamento da atividade.

       A participação popular no procedimento de estudo ambiental é uma exigência da natureza mesma do patrimônio ambiental. Se este é um bem de uso comum do povo, como diz o art. 225 da Constituição, nada mais coerente do que esse povo ter acesso a um instrumento da política de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. A legislação não foi insensível a isso, tanto que o Decreto 99.274/90 (art. 17, §3º) estatuiu que, respeitado o sigilo industrial, solicitado e demonstrado pelo interessado, o RIMA, devidamente fundamentado, será acessível ao público. Suas cópias permanecerão à disposição dos interessados, nos centros de documentação ou biblioteca do Ministério do Meio Ambiente, em que foi transformada a SEMAM/PR, e do órgão estadual de controle ambiental correspondente, inclusive durante a análise técnica. Assim, o órgão estadual competente, o MINISMAM ou, quando couber, o Município, ao determinar o estudo de impacto ambiental e na apresentação do RIMA, determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais interessados e promoverá a realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA (Res. CONAMA 1/86, art. 11, §2º, com redação da Res. 9/87).

       A audiência pública tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do respectivo RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito. Pode ser determinada pelo órgão licenciador ou solicitada por entidade civil, Ministério Público, cinqüenta ou mais cidadãos ou órgãos do meio ambiente, no mínimo em quarenta e cinco dias a contar da data do recebimento do RIMA. Será convocada pelo órgão licenciador através de correspondência registrada aos solicitantes e divulgação nos órgãos da imprensa local. Ocorrerá em local acessível aos interessados, será dirigida pelo órgão licenciador. Será lavrada ata de cada audiência pública, que, com seus anexos, servirá de base, juntamente como o RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto (Res. CONAMA 9/87)." - In "Direito Ambiental Constitucional - Malheiros Editores - 1994 - págs. 196/206.

O Poder Público não cumpriu a ordem constitucional, pelo visto, no caso em exame, quanto à exigência de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para liberação do plantio, com fins comerciais, da soja transgênica (Round up ready).

Apresentou-se, apenas, com um simples "Parecer Técnico" da CTNBIO, para atender ao pleito monopolista e ganancioso da MONSANTO DO BRASIL LTDA. e suas subsidiárias, sem atentar para a gravidade do princípio da prevenção, garantidor do direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Por isso que se lhe impõe, aqui e agora, juntamente com toda a coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput), sem as interferências do abuso do poder econômico, dominador de mercados, repudiadas pela Constituição (CF, art. 173, § 4º).


VIII

Com todas estas considerações, donde resultam, com evidência, os requisitos do fumus boni juris (em processo de mutação acelerada para o fenômeno da lux boni juris) e do periculum in mora, na espécie dos autos, julgo procedente a presente ação cautelar, para determinar, em caráter mandamental-inibitório, que:

          I - as empresas promovidas, MONSANTO DO BRASIL LTDA e MONSOY LTDA apresentem Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na forma preconizada pelo art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, e mediante a formação de equipe multidisciplinar, competente e imparcial, pelo Poder Público, via IBAMA, observando-se os trâmites regulamentares da Resolução nº 001/86-CONAMA, como condição indispensável para o plantio, em escala comercial da soja round up ready, no Brasil.

          II - ficam impedidas as referidas empresas de comercializarem as sementes da soja geneticamente modificada, já produzidas, até que seja regulamentada e definida, pelo poder público competente, as normas de biossegurança e de rotulagem de organismos geneticamente modificados, no País.

          III - fica suspenso o cultivo, em escala comercial do referido produto, sem que sejam suficientemente esclarecidas, no curso da instrução processual, as questões técnicas suscitadas por pesquisadores de renome, a respeito das possíveis falhas apresentadas pela CNTBio em relação ao exame do pedido de desregulamentação da soja round up ready, o que, certamente, ocorrerá, com a apresentação do Estudo Conclusivo de Impacto Ambiental, já referido. Enquanto se realiza tal Estudo, o plantio da soja transgênica será restrito ao necessário, para realização de testes e do próprio EIA/RIMA, em regime monitorado e em área de contenção, delimitada e demarcada, com a proibição de serem comercializados os frutos obtidos com os aludidos testes, nas diversas fases que integram a feitura do EIA/RIMA.

          IV - O cumprimento da diligência, ordenada e não cumprida, até o momento, conforme determinação do item V da decisão de fls. 1.372/1.415, fica diferido para a instrução do feito principal, se ainda, assim, entender necessário este Juízo.

          V - sejam intimados, pessoalmente, os Srs. Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde, para que não expeçam qualquer autorização às promovidas, antes de serem cumpridas as determinações judiciais, aqui, contidas, ficando suspensas as autorizações que, porventura, tenham sido expedidas, nesse sentido, mantendo-se, assim, os efeitos da tutela cautelar, antecipadamente deferida (fls. 1.372/1.415).

          VI - fica estabelecida e mantida a multa pecuniária de 10 (dez) salários-mínimos, por dia, a partir da data do descumprimento destas medidas, a ser aplicada aos agentes infratores, públicos ou privados (Lei nº 7.347/85, art. 11), conforme consta da decisão de fls. 1.372/1.415, em referência.

          VII - Condeno as promovidas no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), cada qual, a título de honorários advocatícios e no reembolso das custas processuais expendidas.

          VIII - Oficie-se à eminente Juíza Relatora dos Agravos de Instrumento, a que se referem as peças de fls. 1.502/1.550 e 1.560/1597, destes autos.

          IX - Traslade-se, para os autos principais e para os autos da Ação Civil Pública nº 97.34.00.036170-4, fotocópia autêntica deste decisum.

          X - Publique-se. Intimem-se a União Federal e o Ministério Público Federal.

Brasília (DF), em 10 de agosto de 1999.

Antônio Souza Prudente

Juiz Federal Titular da 6ª Vara
Seção Judiciária do Distrito Federal
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Transgênicos:: sentença em cautelar impede cultivo e comércio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16336. Acesso em: 19 abr. 2024.

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