Vistos, etc.
O ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO em exercício nesta Comarca, por sua ilustre representante, com fulcro nas disposições da Lei nº 7.347/85, promoveu a presente Ação Civil Pública contra o município de SÃO JOÃO DA CANABRAVA, retro qualificado, aduzindo em resumo: que, o matadouro municipal do referido município se acha em condições precárias de funcionamento e higiene com relação aos animais que ali são abatidos, fato este que vem comprometendo a saúde dos moradores e consumidores de carne da região, o que nos termos da perícia realizada pela vigilância sanitária ficou comprovado a inviabilidade do seu funcionamento com a recomendação de que o mesmo deva ser interditado; que, a saúde da referida população encontra-se em risco de epidemia e vulnerável à propagação de doenças, enquanto a administração representada pelo Poder Executivo nenhuma providência adota para remediar ou minimizar tais riscos, requerendo diante do exposto e em face da iminência de dano irreversível e de difícil reparação, seja concedida medida liminar para determinar a imediata interdição do mencionado matadouro.
A inicial foi instruída com os documentos de fls. 08/19.
Regularmente notificado o requerido para manifestar-se sobre o pedido de liminar, adveio a petição de fls. 23/24 subscrita por advogado, o qual, deixou de juntar aos autos, nos termos do prazo assinado, o competente instrumento procuratório (fls. 25/28).
Era o quanto bastava relatar.
D E C I D O
Preliminarmente, convém acentuar que a manifestação da parte requerida em tais ações é de natureza personalíssima, e a exemplo, das informações em mandado de segurança, estas devem ser fornecidas e assinadas pelo próprio demandado, e não apenas, por advogado.
Aliás, esta é a expressa recomendação do art. 2º, da Lei nº 8.437/92.
Por outro lado, registre-se, que não ratificada referidas informações pela juntada de poderes outorgados a tais fins, constitui-se tal peça em inexistente, consoante o mandamento do parágrafo único, do art. 37, do Código de Processo Civil, e via de conseqüência, inviabilizada é a sua apreciação.
Cuida-se o caso vertente de ação civil pública, a qual, é de legitimidade inquestionável o Ministério Público na defesa dos direitos difusos e coletivos, dentre os quais se destacam a defesa à saúde, ao consumidor e ao meio ambiente.
O caso de que se ocupa a demanda enseja gravidade inominável ante o descaso com que é tratado o local de abate de animais e da carne destinada ao consumo da população de São João da Canabrava, fato este objeto de preocupação, inclusive do próprio Poder Legislativo municipal, quando, através de expediente e do abaixo assinado de fls.17/19, remete e cobra das autoridades imediatas e saneadoras providências.
Dessume-se dos autos, que no referido matadouro, o que falta de cuidados na higiene e segurança, sobra em desrespeito ao meio ambiente. Ali, segundo a autoridade sanitária, as paredes estão danificadas, telhas e azulejos estão quebrados, o piso da sala de matança não possui o necessário declive para o escoamento de água, sangue e outros dejetos, a seringa por onde o animal penetra para ser abatido não oferece condições de proteção para quem pratica tal ato, inexiste estrutura para sustentação dos animais abatidos, a esfola e a retirada de vísceras é realizada no chão, sem qualquer condição de higiene, o ambiente interno é contaminado pela presença de cães e suínos na sala de matança, existe acúmulo externo de esterco, chifres, unhas, cabeças de animais abatidos e outros de conteúdo ruminal, favorecendo a constante atração de moscas, urubus, cães e suínos em volta do citado logradouro, concluindo, que a sua interdição é providência que se impõe necessária em face dos constantes riscos que se apresentam para a saúde pública municipal.
Ora, devidamente comprovadas tais irregularidades, oriundas de manifesta, senão evidente omissão da autoridade administrativa municipal, não há negar que a saúde pública e o meio ambiente de São João da Canabrava estão agressivamente expostos; de um lado a disseminar e favorecer doenças, e de outro, a macular o bom habitat daquele local, que violentamente atingido, tornou-se motivo de reclamação do povo e da sua edilidade .
O matadouro, como é de sabença geral, não é um prédio que demanda maiores dispêndios para sua construção e manutenção, ao contrário de outras obras, pela sua simplicidade e muitas vezes pelo seu aspecto rústico, pode se dizer que é facilmente construído e administrado quando se tem como norte a qualidade de vida, o respeito a saúde, ao consumidor, aos próprios animais e ao meio ambiente.
Neste diapasão, não é bom raciocínio o daqueles que dizem ou venham a imaginar que eventual interdição só venha a aumentar ainda mais o problema, ante o fato de que o consumo de carne e o abate de animais se torne clandestino ou qualquer coisa assemelhado. Tal assertiva, não verdadeira, apenas evidencia aquiescência com estado de caos implantado pela omissão, comprova a conduta retrograda e de permissividade e em nada contribui para a percepção de valores como dignidade e respeito à vida, aos semelhantes e ao meio ambiente.
A perdurar tal raciocínio qualquer caos está bom e até mesmo mudanças que se apresentem alvissareiras e de melhoria se tornam contestadas. Essa tem sido a história da humanidade e do comportamento pusilânime de alguns dos seus segmentos desde as mais priscas eras.
O progresso e o bem estar maior, aqui representado pelo gozo de inefável saúde, jamais poderão ser postergados, ao contrário, cuida-se de providência vital, de respeito e de dignidade, a qual, nada é permitido transigir e todos aqueles investidos da função de administrar devem estar conscientes.
Foi com esse propósito, registre-se, que a Carta Magna atribuiu ao município zelar pela saúde (art. 23, II), determinou sê-la direito de todos com a garantia assegurada de riscos e de outros agravos (art. 196).
A questão da saúde pública, passa, também, por está percepção - não basta apenas prever a possibilidade da doença, urge que esta seja evitada. Tal desiderato só se faz com consciência, respeito às leis e enérgica postura preventiva, sob pena de todo um trabalho de incentivo e de erradicação tornar-se inócuos.
"Onde há vontade há um caminho", eis a milenar sabedoria a comprovar, que quando se quer, se faz. A população de Canabrava não pode ficar a mercê do alvedrio e da veleidade dos seus órgãos, nem se vitimar pela fragilidade da iminência de doenças e agressões ao meio ambiente.
Às portas do terceiro milênio, causa espécie, que a saúde pública e o respeito ao cidadão passem tão desapercebidas e ignoradas. Um matadouro como tal, e na forma como se encontra, por si, já demonstra o estado de subdesenvolvimento em que estamos imersos.
Não se espera, ressalte-se, que ali sejam adotadas providências sofisticadas de abate, mas ao menos que o produto final não se misture com estercos, não seja tratado no próprio chão em meios aos outros dejetos e ante constante e disputada presença de cães e porcos. O que não se pode imaginar, entretanto, é que restos de animais, como cabeças, unhas, chifres e vísceras sejam competidos por outros animais e se transforme em lixo daquele próprio local, que por sua natureza, deve ser limpo e higiênico, ante a precípua finalidade de ali se produzir alimentação destinada à coletividade.
Olvidados tais critérios, assiste ao Ministério Público razão ao propugnar o deferimento de medida liminar, mormente, quando se tem presentes e inegáveis os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. O direito vilipendiado restou sobejamente comprovado pela legislação invocada, configurando manifesto gravame à coletividade de São João da Canabrava, enquanto, real e indene de dúvidas é iminência de irreversível dano e sua difícil reparação à saúde, ao consumidor e ao meio ambiente do referido município.
Ex positis, tendo em vista o que mais dos autos consta e considerando o disposto no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, c/c o art. 6° da Lei Complementar n° 75/93, art. 5° , da Lei n° 7.347/85 e art. 461, do Código de Processo Civil, DEFIRO a pleiteada medida liminar para determinar a suspensão das atividades do matadouro do município de São João da Canabrava ao tempo que fixo desde já o prazo de 90 (noventa) dias para que seja restabelecida as condições necessárias a garantia de saúde e segurança da sua atividade, tudo sob pena de execução específica e multa diária no valor de 02 (dois) salários mínimos com acréscimo da corresponde correção monetária.
Cite-se o réu para, querendo, no prazo legal, oferecer contestação.
Expeça-se o competente Mandado de Interdição, a fim de que, procedam as Oficiais de Justiça deste Juízo ao lacre e fechamento do mencionado matadouro.
Intimações e comunicações necessárias.
Bocaina, 10 de junho de 1999.
Dr. Carlos Hamilton Bezerra Lima
Juiz de Direito