Parecer jurídico sobre nepotismo

24/10/2022 às 10:35
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PARECER JURÍDICO SOBRE NEPOTISMO FRENTE A NOMEAÇÃO DE PARENTE DE SERVIDOR COMISSIONADO POR OUTRO SERVIDOR OCUPANTE DE CARGO ELETIVO

Consulente: Sr. XXXXX, doravante designado como Consulente.

Objeto da consulta: aferição jurídica acerca da legalidade da nomeação de seu filho, para o cargo comissionado de Assessor Parlamentar de Informatização e Editoração de Audiovisual (Símbolo: CO-APIEAV), efetivada por parlamentar (vereador) municipal da municipalidade de XXXXXX, que não guarda relação de parentesco com o Consulente e com o parente Nomeado (sic.).

EMENTA: NOMEAÇÃO DE FILHO DE OCUPANTE DE CARGO COMISSIONADO NO MESMO ÓRGÃO. NOMEAÇÃO EFETIVADA POR OCUPANTE DE CARGO ELETIVO. NOMEAÇÃO PARA CARGO DE ASSESSORIA COMISSIONADO. ASSESSORIA E SUBORDINAÇÃO DIRETAS AO NOMEANTE. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO FUNCIONAL OU DE SUBORDINAÇÃO COM O PROGENITOR DO NOMEADO. CONSULENTE SEM PODER DE NOMEAÇÃO. NOMEADO QUALIFICADO PARA O CARGO. INEXISTÊNCIA DE INFLUÊNCIA DO PAI OCUPANTE DE CARGO COMISSIONADO. AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE NEPOTISMO.

I - INTRODUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

Em razão de consulta jurídica formulada pelo Consulente, com o fito de melhor esclarecer inquietação pessoal acerca da nomeação de seu filho, por vereador, para cargo comissionado, como assessor direto da autoridade parlamentar nomeante, em cuja casa de leis o Consulente também é ocupante de cargo comissionado com a mesma rubrica e símbolo, quis saber o Consulente, se à luz do Direito Pátrio, se a novel nomeação, de seu filho, se adequa aos contornos e características ilegais objetivas de nepotismo.

a) Considerando que, apesar da semelhança entre os cargos comissionados, de pai e filho, junto ao mesmo órgão de Poder serem da mesma natureza,

b) Considerando que, a autoridade parlamentar nomeante não possui nenhuma relação de parentesco com o servidor nomeado e com o seu progenitor, ora Consulente,

c) Considerando que, o Consulente, pelas características e símbolo de seu cargo em comissão, não detém nenhum poder de nomeação, designação de servidores ou de gestão sobre o Erário municipal,

d) Considerando que o Consulente não detém relação funcional direta ou indireta de subordinação ou de superioridade com o seu filho nomeado,

Este Consultor passa a tecer considerações iniciais e introitas acerca do caso concreto trazido à baila (sic.), para, ao final, relatar e concluir acerca da consulta, conforme esposado a seguir.

II - DAS CONSIDERAÇÕES GERAIS E PARTICULARES DE NEPOTISMO

No ordenamento jurídico brasileiro, o diploma legal balizador do nepotismo reside no Decreto nº 7.203/2010, que estabelece, no âmbito federal, todos os contornos diretos e indiretos do nepotismo, inclusive do nepotismo cruzado.

Insta registrar que a grande maioria das unidades federativas e municípios seguem o balizamento do referido decreto ou adotam elementos de legislação local bastante alinhados com os seus preceptivos legais.

A Controladoria Geral da União define de forma didática e bastante direta o que, lato sensu, significa o nepotismo:

Podemos conceber o conceito de nepotismo como a prática pela qual um agente público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um ou mais parentes, sejam por vínculo da consanguinidade ou da afinidade, em violação às garantias constitucionais de impessoalidade administrativa. (www.cgu.gov.br. Consulta em 16 jan, 2017).

A jurisprudência pátria é farta, no sentido de que a situação concreta, para ser caracterizadora de nepotismo, há de se alinhar ou se ajustar a critérios objetivos previstos na legislação. Não há espaço para avaliações meramente objetivas para apontar ou presumir situações de nomeações de servidores como casos de nepotismo. Eis alguns excertos de jurisprudência, verbi gratia:

Ementa: EMENTA Reclamação. Constitucional e administrativo. Nepotismo. Súmula vinculante nº 13. Distinção entre cargos políticos e administrativos. Procedência. 1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo deve ser analisada caso a caso, a fim de se verificar eventual troca de favores ou fraude à lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do Poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13. 4. Reclamação julgada procedente. (STF, Reclamação 7590-PR, 30-9-2014). (grifo nosso).

Na mesma colenda Corte Suprema, v.g., há diversos elementos de jurisprudência nessa mesma esteira de pensamento, orbitando a esfera de requisitos objetivos como elemento inicial de maior peso para a indicação de situações de nepotismo, conforme se infere, ex vi do excerto infra:

[...]. Logo, não haverá nepotismo na nomeação de parente de servidor que não possui poder de nomeação, que não foi por ela nomeado, tampouco, de secretários municipais, em razão destes ocuparem cargos políticos, excluídos da vedação contida na Súmula Vinculante n° 13, por se tratarem de componentes do primeiro escalão, ligados de forma indissociável à orientação e à função política do governo (STF - AgRg em MC em RCL n°6650).

Após reiteradas decisões e divergências de julgamento no âmbito do Poder Judiciário, em sua grande maioria não alinhadas com pensamentos dos órgãos do Ministério Público Federal e Estaduais, a Suprema Corte Brasileira, no afã de pacificar os diversos entendimentos, editou a Súmula Vinculante nº 13, com o seguinte teor temático:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Mutatis mutandi, após a edição da Súmula Vinculante nº 13, o Supremo Tribunal Federal editou vários elementos de jurisprudência, verbi gratia, no sentido de esclarecer os elementos objetivos constantes da referida súmula, evitando, por certo, a subsistência de paradigmas estranhos à vontade daquela Corte quando de sua edição. Eis alguns excertos indispensáveis para a quebra de paradigmas jurídicos surreais quanto à interpretação da Súmula Vinculante nº 13, in verbis:

" (...) a vedação do nepotismo consubstanciada no enunciado vinculante indicado como paradigma de confronto nesta reclamação tem o condão de resguardar a isenção do processo de escolha para provimento de cargo ou função pública de livre nomeação e exoneração. Ao editar a Súmula Vinculante nº 13, embora não se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios objetivos de conformação, a saber: a) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo, de provimento em comissão ou função comissionada; b) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; c) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada; d) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante. Mantenho a conclusão exarada na decisão monocrática: (...). Tendo em vista a estrutura do Poder Judiciário, em especial a discricionariedade do membro da magistratura na escolha de servidor para lhe assessorar, respeitados os limites legais e constitucionais, não há como presumir ascendência hierárquica da servidora de referência (...). No caso, portanto, o reclamante não logrou comprovar a existência de elemento essencial para a configuração objetiva do nepotismo, qual seja, a participação - potencial ou efetiva - do servidor de referência no processo de escolha da pessoa para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento. (...). Não há, também, qualquer referência à hipótese de 'troca de favores' entre as autoridades envolvidas." (Rcl 19529 AgR, Relator Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, julgamento em 15.3.2016, DJe de 18.4.2016). (grifo nosso).

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Ementa: EMENTA. Mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional de Justiça. Competência reconhecida para fiscalizar os princípios que regem a Administração Pública. Servidor não efetivo ocupante de cargo de nomeação e exoneração ad nutum que é cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, de servidor efetivo do mesmo órgão. Ausência de prova concreta de subordinação entre os dois servidores ou entre a autoridade nomeante e o servidor de referência para a configuração objetiva do nepotismo. Nepotismo não configurado. Segurança concedida. 1. Competência do Conselho Nacional de Justiça para promover a fiscalização dos princípios constitucionais da Administração Pública consagrados pelo art. 37, caput, da Constituição Federal, entre eles os princípios da moralidade e da impessoalidade, os quais regem a vedação ao nepotismo. 2. A norma depreendida do art. 37 , caput, da CF/88 para a definição de nepotismo, em especial os princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência - não tem o condão de diferenciar as pessoas tão somente em razão de relação de matrimônio, união estável ou parentesco com servidor efetivo do poder público, seja para as selecionar para o exercício de cargos de direção, chefia ou assessoramento no âmbito da Administração Pública, seja para excluir sua aptidão para o desempenho dessas funções. 3. Ausência de prova concreta de subordinação entre os dois servidores ou entre a autoridade nomeante e o servidor de referência para a configuração objetiva do nepotismo. 4. Segurança concedida para anular a decisão do CNJ na parte em que determinou a exoneração da impetrante. (STF - MS nº 28485-SE, DE 03/12/2014).

A jurisprudência dos diversos tribunais de justiça dos Estados também é uníssona no sentido de valorar os elementos objetivos legais apontadores, em determinados casos concretos, de situações caracterizadoras de nepotismos. De excerto do TJ-SC, abaixo transcrito, v.g., pode se inferir tal tendência jurisprudencial, litteris:

Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - NOMEAÇÃO PARA CARGO COMISSIONADO - ASSESSOR PARLAMENTAR MUNICIPAL - ESPOSA DO PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES - ATO DE NEPOTISMO - PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE LEI VEDANDO A CONTRATAÇÃO DE PARENTES - DESCARACTERIZAÇÃO DE ATO QUE IMPORTE EM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Enquadrar o nepotismo como uma infração à Lei de Improbidade Administrativa, é um trabalho bastante tortuoso, uma vez que a própria lei não traça diretrizes para que se possa delimitar seu alcance em referência aos atos praticados pelos administradores para enquadrar, em específico, a imoralidade administrativa. Ocorrendo a prática do nepotismo, deve-se levar em consideração as causas, o preenchimento dos requisitos do cargo, a remuneração compatível recebida por quem foi nomeado e o cumprimento do dever por possuir o nomeado aptidão para a profissão que desempenha. "A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a possível inadequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de improbidade" (Emerson Garcia). - (TJ-SC, Ap. 255583 SC 2003.025558, DE 24/11/2005).

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Como se pode extrair dos preceptivos jurisprudenciais pátrios, nota-se, estranhamente, que em nosso País, nomeações de parentes para cargos políticos, a exemplo recorrente de prefeitos que nomeiam suas esposas, filhos, irmãos e sobrinhos para cargos de secretários municipais não são considerados casos de nepotismo. Reafirmamos que a jurisprudência é notória e farta em excluir esses casos recorrentes do manto da Súmula vinculante nº 13 do STF. Mas, por outra novel ótica, o STF e o STJ têm relativizado esse posicionamento e primado pela consideração de requisitos objetivos caracterizadores do nepotismo, além de exigir, pelo seus modus operandi, que os critérios subjetivos ou pessoais devem ser apontados e apurados, em respeito, por óbvio, ao due process of law, balizador de todos os demais direitos e garantias constitucionais fundamentais. Tem-se, verbi gratia, o exemplo, não isolado, da decisão e de trecho de notícia abaixo transcritas:

Prefeito que nomeia parente para cargo político exclusivamente em virtude de sua relação com ele fere os princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve decisão que condenou a prefeita do município de Pilar do Sul (SP) pela prática de nepotismo. (REsp 1.516.178 - STJ).

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Decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, na última segunda-feira 15, esclarece que a nomeação de parentes sem qualificação técnica para cargos políticos, isto é, de primeiro escalão, caracteriza prática de nepotismo, vedada pela Súmula vinculante nº 13 da Corte. (www.atual7.com / consulta em 17 jan, 2017).

Para corroborar e dar continuidade a esse novel pensamento interpretativo, o STF mantém em curso, para análise, deliberação e decisão, a proposta da Súmula Vinculante nº 56 que terá, possivelmente, objetivo de proibir que agentes políticos venham nomear parentes para cargos políticos sob suas subordinações e sem qualificação compatível para o exercício do cargo.

III - RELATÓRIO COGNITIVO

Da análise acurada dos elementos carreados para o bojo preambular e introdutório do presente parecer, é notório e não se pode furtar, que do ponto de vista puramente abstrato e jurídico, extrai-se a seguinte resenha da atual configuração jurídica do nepotismo na atualidade:

1) É inegável reconhecer que, do ponto de vista da hermenêutica, a Súmula Vinculante nº 13 do STF possui dois elementos ou elementares inarredáveis à interpretação teleológica de seus preceptivos: dois gêneros de possíveis autoridades nomeantes, a ocupante de cargo político e a autoridade comissionada (cargo ou função de chefia, direção ou assessoramento). Para corroborar tal posicionamento, vale lembrar que algumas autoridades não ocupantes de cargos políticos também, por lei ou por delegação de competência, possuem poder de nomeação ou de designação de servidores, de forma objetiva (concursados) ou de forma subjetiva (ad nutum).

Daí, então, forçoso e inegável entender que a nossa Suprema Corte pretendeu alcançar as nomeações viciosas, ilegais e temerárias, estendendo o viés proibitivo a todos os cargos de autoridades com poder de nomeação ou designação.

De resto, fica patente e claro, segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, que o poder de nomeação do parente nomeante é indispensável para a caracterização de nepotismo, assim como, também, que haja legalmente o mesmo poder nomeante por parte do parente do nomeado que por este não foi nomeado, mas sim por outra autoridade do mesmo Poder ou órgão. Esta situação daria azo ou seria potencialmente temerosa para a ocorrência do chamado nepotismo cruzado.

2) A relação de parentesco do nomeado para cargo administrativo com o nomeante caracteriza de forma absoluta o nepotismo. Se o cargo do parente for considerado cargo político, exclui-se a abrangência dos ditames da Súmula Vinculante nº 13 do STF, respeitante opiniões da mesma Corte em sentido contrário, que já começam a ganhar terreno no campo de suas decisões.

3) Se no seio do órgão público no qual o nomeado irá ser investido houver parente investido em cargo de comissão, para afastar possível nepotismo, não poderá haver entre ambos relação de subordinação ou de ascendência funcional.

4) Se restar provado que o nomeado, que possui parente no âmbito de um órgão público, já exercendo cargo ou função comissionados, não possui as qualificações técnicas ou experiências profissionais compatíveis para o exercício do cargo, fica evidenciado, por notoriedade, que a sua nomeação se deu meramente por influência de seu parente já ocupante de cargo público em comissão naquele órgão. Insta registrar que até mesmo para nomeação a cargos políticos, o novel posicionamento do STF é no sentido de caracterização de nepotismo.

5) Frise-se que, segundo o perfil da jurisprudência dominante, as alegações meramente subjetivas ou supostamente fáticas no sentido de ocorrência de nepotismo não são aceitas pelas cortes jurisdicionais brasileiras como nepotismo, quando apontadas e não provadas de per si, em obediência ao Devido Processo Legal (due process of law). Se as autoridades competentes partirem em viés procedimental contrário, valorando suposições, achismos ou outras alegações falaciosas com visíveis indumentárias de interesses meramente político-partidários, estariam essas autoridades (magistrados, gestores, controladores e MP) criando precedentes perigosos em sede de insegurança jurídica.

Insta relembrar, no campo do Direito Constitucional, que direitos e garantias constitucionais não podem e não devem ser atingidos ou colocados em situação de vulnerabilidade, diante de interpretações constitucionais extensivas in malam partem ou em prejuízo do administrado.

Quando se alega nepotismo, não se deve olvidar que, por outra via, está se alegando a prática de uma espécie do gênero corrupção. Esta situação se amolda ou se adequa a tipos penais descritos em nosso arcabouço jurídico de Direito Penal, além de caracterizar, também, em determinadas situações adjetivas, a improbidade administrativa. Registre-se que nenhuma autoridade com poder de jurisdição ou de julgamento, mesmo que administrativo, pode imputar tais condutas a alguém sob o manto e a escusa tão somente da presunção. Portanto, o nosso ordenamento jurídico pátrio exige que se prove todo o iter criminoso que subsumiu na nomeação nepotista, como por exemplo o pedido do parente já funcionário público como um favor ao agente público, a promessa de praticar algum ato criminoso que traga vantagens para o nomeante, etc.

O que se alega e não se prova não existe no mundo do processo.

6) Segundo um histórico e velho brocardo do Direito Romano, verba cum effectu, sunt accipienda (a lei não contém palavras inúteis ou desnecessárias). Isto, em termos de hermenêutica, nos conduz ao velho e clássico ensinamento acadêmico de que não se deve extrair normativas de elementos jurídicos de forma extensiva para prejudicar alguém. Recomendam-se a cautela e a reserva à interpretação puramente literária. Ao confeccionar um dispositivo legal, o legislador ou outra autoridade equivalente, deve ter o cuidado de relatar detalhadamente todas as situações proibitivas que limitam direitos e criem obrigações. A ordem interpretativa, segundo as técnicas de hermenêutica jurídica, apontam que a interpretação puramente literal se encontra em um terreno pantanoso que nem sempre revela ou retrata com fidelidade a vontade do legislador. Por isso, recomenda-se, no mínimo, a interpretação suplementar voltada para interpretação sistemática. Com isso, permite-se ao exegeta conciliar ou mitigar o sentido de certos elementos normativos aos demais ramos do Direito ou de outros diplomas legais em sentido amplo.

Nesse sentido, imperioso interpretar o elemento ....ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento,.... de forma restrita do ponto de vista sistemático como uma qualidade de servidor que, assim como a autoridade comum nomeante (que recorrentemente são os ocupantes de cargo de Poder Público constituído), eventualmente tenha poder legal de nomeação.

Nesse mesmo diapasão, merecedora de destaque o didático magistério da lavra do eminente ministro do STF, Marco Aurélio de Melo, in verbis:

"Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. (RE n.397.762/BA, Rel. o Min. Marco Aurélio, no Informativo STF519/2008).

IV - PARTE CONCLUSIVA

Do que foi até o presente ponto colacionado da legislação, da jurisprudência e da doutrina, frente à situação concreta do Consulente, conclui-se que

- O Consulente é pai de pessoa que foi recentemente nomeada como assessora técnica em matéria de informática e editoração audiovisual por um parlamentar (vereador), para prestar serviços exclusivos ao mesmo;

- O Consulente exerce a mesma função em cargo comissionado no mesmo órgão legiferante há mais de 11 anos e não é concursado, tampouco possui atribuições legais naquela casa de leis com autonomia para nomeação de pessoas em cargos ou funções;

- A autoridade nomeante não possui nenhuma relação de parentesco com o nomeado (filho do Consulente);

- No desempenho das funções administrativas e técnicas de ambos, Consulente e filho, não existe relação de subordinação, nem de ascendência de cargos;

- O nomeado foi contratado pelo parlamentar em razão de sua experiência e qualificação técnica singulares para o exercício do cargo (sic.);

- O Consulente, em razão da nomeação de seu filho por parlamentar, não ofereceu, não garantiu, não prometeu favores, recompensas ou outras dádivas em prol do parlamentar, nem exerceu outro tipo de influência que fosse fator predominante para a nomeação (sic.).

In summo, constatadas todas essas situações concretas arvoradas no presente item, em conformidade com o que fora relatado pelo Sr. Consulente e com os elementos jurídicos perfilados na presente análise jurídica, somos de parecer inequívoco que a referida nomeação não configura, in totum, situação de nepotismo em face da Administração Pública ou, sequer, encontra-se em rota de colisão com os preceptivos jurídicos ou morais dos princípios basilares da Administração Pública elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal.

É o parecer, sub censura.

Jataí, GO, 01 de janeiro de 2017.

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GERSON SANTANA ARRAIS - Prof. M.Sc.

OAB/GO 39.392

Sobre o autor
Gerson Santana Arrais

Advogado, professor universitário, mestre em Direito das Relações Internacionais, doutorando em Ciências Jurídicas, coordenador do curso de Direito da Faculdade de Gestão e Inovação (FGI), polo Jataí-GO, autor de livros e artigos jurídicos, associado da European Society of International Law, membro da Academia Jataiense de Letras, palestrante na área do Direito, intérprete da língua inglesa no âmbito do Exército Brasileiro (Nível "A").

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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