Capa da publicação Fraude à execução trabalhista: Súmula 375 do STJ e Lei 14.825/2024
Capa: DepositPhotos

Discussão sobre a aplicação da Súmula nº 375 do STJ nas execuções trabalhistas e a entrada em vigor da Lei nº 14.825/2024

08/04/2024 às 17:35
Leia nesta página:

A nova Lei n.º 14.825/2024 garante a eficácia de negócios jurídicos envolvendo imóveis sem averbação de constrição judicial, afastando a presunção de fraude à execução.

A Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispõe que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

Na Justiça do Trabalho, existe discussão acerca da aplicabilidade ou não do referido entendimento quando da alienação de bens do devedor em demanda trabalhista.

Isso porque o artigo 889 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe que:

Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

Destaca-se a seguir julgado que sintetiza a controvérsia:

FRAUDE À EXECUÇÃO TRABALHISTA. APLICAÇÃO DO MICROSSISTEMA DE EXECUÇÕES FISCAIS. ART. 185. DO CTN. ENUNCIADO 74 DO FNPT. INSCRIÇÃO NO BNDT. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. No Processo do Trabalho, na fase de execução, é aplicável o microssistema de execução fiscal tal como previsto no art. 889. da CLT. Significa dizer que o entendimento contido na Súmula 375 do C. STJ, no sentido de que "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente", resta afastado, porque ao caso incide o disposto no art. 185. do CTN, por meio do qual "Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa". A presunção absoluta de fraude à execução fiscal que daí decorre se dá em razão da publicidade da dívida, por meio de sua inscrição na dívida ativa, mas também por conta da proteção que o crédito tributário goza, em vistas à tutela de um interesse público contra atos de dilapidação patrimonial por parte do devedor. De igual modo, o crédito trabalhista merece proteção contra atos de dilapidação do patrimônio pelo executado, de tal sorte que sobre a alienação do imóvel a terceiro adquirente recai a presunção absoluta de fraude à execução nos casos em que foi dada publicidade da dívida trabalhista, anterior à venda do imóvel, por meio da inscrição do devedor no BNDT, sem perder de vista a natureza privilegiada de que gozam os créditos trabalhistas. Agravo de Petição a que se dá provimento para declarar ineficaz a alienação do imóvel, pois feita em fraude à execução.

(TRT-2 00594001720025020317 SP, Relator: MARCIO MENDES GRANCONATO, 16ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 19/10/2020)

Observa-se do julgado o fundamento de que se aplica nas execuções trabalhistas o Código Tributário Nacional (CTN) por força do supracitado artigo 889 da CLT.

O artigo 185 do CTN prevê a presunção absoluta de fraude na alienação de bens do sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública e o artigo 186 estabelece a prevalência do crédito trabalhista sobre qualquer outro.

Do inteiro teor da decisão, extrai-se, ainda, como fundamento o julgamento do Recurso Especial n.º 1.141.990-PR pelo STJ, que decidiu pela não aplicação da Súmula 375 nas execuções fiscais, que teve, entre outros fundamentos, o seguinte:

[...] A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.

(STJ – RE: 1.141.990-PR, Relator Luiz Fux, Data do julgamento: 10/11/2010, DJe: 19/11/2010) (Grifou-se)

Observa-se que o fundamento para a diferença de tratamento entre fraude civil e fiscal está no interesse público, o que não é o caso do crédito perseguido na execução trabalhista, que apesar de se tratar de verba salarial, não serve à satisfação das necessidades coletivas.

Observa-se, ainda, sobre o artigo 186 do CTN, que a preferência lá prevista para os créditos trabalhistas, se aplica para definição da ordem de pagamento quando há uma concorrência de variados credores e créditos, como ocorre na falência. Não é razoável, no entanto, que tal preferência se sobreponha ao direito de propriedade do adquirente de boa-fé, que não possui qualquer relação com a dívida perseguida na execução.

O entendimento majoritário na Justiça do Trabalho é de aplicação da Súmula 375 do STJ para dirimir controvérsias envolvendo a configuração ou não de fraude à execução na seara trabalhista1.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é no sentido de que o reconhecimento da fraude à execução e a constrição de bem independentemente de existir comprovação da má-fé e registro da penhora à época da alienação, enseja em afronta ao direito de propriedade do terceiro adquirente2.

Recentemente entrou em vigor a Lei n.º 14.825/2024, acrescendo o inciso V ao artigo 54 da Lei n.º 13.097/2015, que prevê:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

[...]

V - averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Observa-se que a lei prevê a garantia de eficácia dos negócios jurídicos envolvendo imóveis que não possuem em suas matrículas averbação de qualquer tipo de constrição judicial.

A nova lei poderá ser utilizada como fundamento para defender o direito de propriedade de terceiros embargantes de boa-fé na seara trabalhista, reforçando a segurança jurídica obtida com a Súmula 375 do STJ e com a jurisprudência do TST e afastando o entendimento minoritário de presunção absoluta de fraude com base no CTN.


Notas

  1. Conforme julgamento do RR: 1000569-14.2020.5.02.0321, Relator: Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, Data de Julgamento: 06/12/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2023.

  2. Conforme julgamento do RR: 1000569-14.2020.5.02.0321, Relator: Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, Data de Julgamento: 06/12/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2023.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Ariany Cristini dos Santos

Advogada, OAB/SC 52.394

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos