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ISS. Tributação de sociedade de profissional legalmente regulamentada.

Desenquadramento do regime de tributação fixa com efeito retroativo

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05/02/2009 às 00:00
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Da inconstitucionalidade do desenquadramento da Consulente por absoluta incompetência das Leis Municipais ns. 10.423/87 e 13.701/03 para legislar sobre a base de cálculo do ISS

Ainda que se reconheça que a Consulente não é uma sociedade uniprofissional, o que se admite apenas a título argumentativo, deverá ser enfrentada a questão da inconstitucionalidade dessa exigência.

Com efeito, conforme art. 146, III, ‘a’ da Constituição Federal anteriormente transcrito, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária em relação aos impostos nela discriminados e as suas bases de cálculo.

À medida em que a Constituição Federal atribui competência privativa à Lei Complementar para legislar sobre determinado assunto, retira, ipso fato, a possibilidade de se legislar sobre aquele mesmo assunto por qualquer outro instrumento normativo que não seja a lei complementar. E mais, uma vez instituída a referida lei complementar, somente outra lei, de mesma natureza jurídica, poderá alterá-la, em razão da necessidade de quorum especial para a sua aprovação.

Por meio de simples confronto do § 3º, do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, lei materialmente complementar, e do art. 4º, § 1º da Lei municipal nº 10.423/87 com redação dada pela Lei nº 13.473/2002 e do § 15, § 1º da Lei nº 13.701/03, verifica-se que a Municipalidade, ao regulamentar o disposto no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei nº 406/68, invadiu a esfera de competência legislativa conferida pela Carta Magna à lei complementar, ao inovar o conceito de base de cálculo das sociedades profissionais.

Ora, o § 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, anteriormente transcrito, assegura que os serviços de engenheiro e arquitetos e de outros profissionais liberais, prestados por sociedades, sujeitam-se ao imposto calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

Em nenhum momento o referido dispositivo exige que essas sociedades sejam uniprofissionais, ou mesmo que o trabalho seja prestado sob forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o que, aliás, só seria possível no caso contemplado no próprio § 1º, quando o contribuinte é o profissional autônomo, e não, sociedade de profissionais.

Nunca é demais transcrever de novo o referido § 3º do art. 9º in verbis:

‘Art. 9 º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

........................................................................

§ 3 º - Quando os serviços a que se referem os itens 1 [36], 4 [37], 8 [38], 25 [39], 52 [40], 88 [41], 89 [42], 90 [43], 91 [44] e 92 [45] da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1 º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.’ (Redação dada pela LC nº 56, de 15-12-87)

Como se vê, o § 3º do art. 9º sob comento exige, tão somente, que os serviços prestados pela sociedade sejam aqueles taxativamente elencados em seu bojo e que os profissionais assumam responsabilidade pessoal pelos serviços, nos termos da legislação aplicável.

Dessa forma, eivada de inconstitucionalidade a exigência da uniprofissionalidade dos sócios contida no § 1º do art. 4º da Lei nº 10.423/87 com redação dada pela Lei nº 13.473/2002 e no art. 15, § 1º da Lei nº 13.701/2003, pois a lei ordinária municipal deve obediência à lei complementar em matéria reservada constitucionalmente a essa espécie normativa, cuja aprovação exige o quorum especial.

Comentando sobre essa questão, já tivemos a oportunidade de acentuar:

‘Mais: de um lado, manteve a inconstitucionalidade da legislação anterior ao vedar a inclusão de pluriprofissionais na sociedade, contrariando lei de regência da matéria (§ 3º do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68) e a jurisprudência tranqüila da Corte Suprema (RREE ns. 220.323-MG e 236.604-PR).’ [46]

Exatamente nesse sentido a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal:

‘Ementa.

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. SOCIEDADE CIVIL. PROFISSIONAIS DE QUALIFICAÇÕES DIVERSAS. BENEFÍCIO FISCAL. DECRETO-LEI 406/68, ART.-9., PAR-3 (REDAÇÃO DO DECRETO-LEI 834/69). O ART-9, PAR-3. C/C O ART-1 DO DL. 406/68 (REDAÇÃO DO DL 834/69) ASSEGURA A TRIBUTAÇÃO DO ISS, NA FORMA FIXA, QUER AS SOCIEDADES UNIPROFISSIONAIS, QUER AS PLURIRPOFISSIONAIS. PRECEDENTES DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.’ (Re nº 96.475-SP, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 04-06-82, p. 05463).

‘Ementa

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE PRESTADORA DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS: BASE DE CÁLCULO. D.L. 406, de 1968, art. 9º, §§ 1º e 3º. C.F., art. 150, § 6º, redação da EC nº 3, de 1993. I. - As normas inscritas nos §§ 1º e 3º, do art. 9º, do DL 406, de 1968, não implicam redução da base de cálculo do ISS. Elas simplesmente disciplinam base de cálculo de serviços distintos, no rumo do estabelecido no caput do art. 9º. Inocorrência de revogação pelo art. 150, § 6º, da C.F., com a redação da EC nº 3, de 1993. II. - Recepção, pela CF/88, sem alteração pela EC nº 3, de 1993 (CF, art. 150, § 6º), do art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL. 406/68. III. - R.E. não conhecido.

..........................................................................................................

VOTO

.........

O caput do art. 9º do DL 406, de 1968, estabelece que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço. O preço do serviço, portanto, é a base de cálculo do ISS.

Disciplinando a matéria, prescreve o § 1º do mesmo art. 9º que, ‘quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho’.

O que está na lei é isto: se se tratar de prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, tendo em vista a natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

E o § 3º do citado art. 9º acrescentou que, ‘quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa’ – no caso a autora-recorrida presta serviços relacionados com a elaboração de projetos de arquitetura, engenharia e demais projetos de áreas correlatas – ‘forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.’ (redação dada pela Lei Complementar 56, de 15.12.87).

Com propriedade, lecionou, a respeito do tema, no Tribunal de Justiça de Minas, o eminente Desembargador Sérgio Lellis Santiago – lição transcrita nas contra-razoes do recorrido, fls. 264/268:

‘(...)

As disposições de artigo 9º, §§ 1º e 3º, do DL nº 406/68, definem a base de cálculo para determinado tipo de serviço, qual seja, aquele prestação sob a forma de trabalho pessoal, por contribuinte autônomo ou sociedade de profissionais liberais. Tais dispositivos não cuidam de isenções, ou de redução de base de cálculo, como entende o Poder Executivo Municipal, e não há como cogitar em incompatibilidade com os artigos 151, III, e 150, § 6º, da CF. A regrado DL nº 406/68 trata de incidência de tributo, não de isenção. As diferentes bases de cálculo não implicam uma ser mais favorável que a outra. Trata-se de bases de cálculo distintas para duas situações distintas e é por isso que nenhuma delas representam um benefício a uma categoria de contribuintes.

...........................................................................................................Não há como considerar constitucional lei municipal que, extrapolando os limites de sua competência, insere-se na competência de lei complementar hierarquicamente superior, alterando-lhe dispositivos e legislando sobre matéria que só a ela compete.

(...)’ (fls. 264/265)

Perfeito o raciocínio.

Não há falar em redução da base de cálculo do ISS pelos §§ 1º e 3º, do DL 406, de 1968, senão que, disciplinando a matéria, citados dispositivos legais definiram base de cálculo para certo tipo de serviço, o prestado de forma pessoal, por contribuinte autônomo ou sociedade de profissionais liberais. Não há falar, também, que citados dispositivos concedem isenções, conforme deixamos claro no voto que proferimos no RE 236.607-PR, supra transcrito. O que se tem, no caso, são bases cálculo diferentes, para serviços diferentes, ou, noutras palavras, que os citados distintos, no rumo do estabelecido no caput do art. 9º.

Do exposto, não conheço do recurso." (RE nº 220.323-3/ MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 18-5-2001, p. 449)

Face ao exposto, tendo os sócios da Consulente (engenheiros e arquiteto) idêntica habilitação para a realização das mesmas atividades não há como deixar de aplicar o regime especial de tributação por alíquotas fixas.

Ainda que se considere, apenas para argumentar, que a Consulente é uma sociedade pluriprofissional, impõe-se a observância do regime especial de tributação por alíquota fixa, por força do disposto no § 3º do Decreto-Lei nº 406/68 ainda em vigor.

Por tais razões, não pode a Prefeitura Municipal de São Paulo desenquadrar a Consulente do regime especial de tributação sob o fundamento de que seus sócios possuem habilitações diversas.


Da ilegalidade do desenquadramento retroativo

O despacho que determinou o desenquadramento da Consulente do regime especial de tributação por alíquota fixa o fez retroativamente a 04/04/2003.

Ocorre que, tendo sido a Consulente constituida nos idos de 1993, desde sua adesão ao regime especial de tributação de sociedade de profissionais por alíquota fixa anos atrás, sempre foi notificada para pagamento do tributo lançado de ofício pela Prefeitura Municipal de São Paulo de forma fixa. Esses lançamentos sempre foram realizados pela Municipalidade, com base exclusivamente nos critérios por ela adotados, sem qualquer interferência da consulente, que sempre se limitou a pagar o tributo lançado, confiando no lançamento que era realizado pela Municipalidade.

Como a situação jurídica da Consulente em nada se alterou desde quando houve sua opção pelo regime de tributação em questão, claro é que o desenquadramento da Consulente da condição de sociedade sujeita ao regime especial de recolhimento do ISS ocorreu em razão de mudanças de critérios ou do ponto de vista adotado anteriormente pelo fisco, que até então, sempre promoveu o lançamento de ofício de imposto fixo.

Daí a impossibilidade de retroação do desenquadramento, face ao disposto no art. 146 do Código Tributário Nacional, que assim prescreve:

‘A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.’

De acordo com o disposto no mandamento legal acima transcrito, tendo o desenquadramento da Consulente ocorrido em razão da mudança dos critérios jurídicos utilizados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, no final do exercício de 2008, ele somente poderá surtir efeito a partir de Janeiro de 2009.

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Coaduna com o nosso entendimento a jurisprudencia do Colendo Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto, abaixo colacionada:

‘EMENTA.

TRIBUTÁRIO. MERCADORIA IMPORTADA. ICMS. MOMENTO DO FATO GERADOR. ARTIGO 155, § 2º, IX, "A", DA CF/88. ARTIGO 34, § 3º, DO ADCT. CONVÊNIO 66/88. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDADO EM MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE INFRACONSTITUCIONAL. ENTENDIMENTO DO STF CONSOLIDADO NA SÚMULA N.º 661. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 577/STF LIMITADA AOS FATOS GERADORES ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

1. O recolhimento prévio do ICMS como condição para desembaraço aduaneiro de mercadoria importada passou a ser exigido após a promulgação Constituição Federal de 1988, nos termos na Súmula n.º 661, do STF ("Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro"), não mais se justificando, a partir de então, a incidência da Súmula n.º 577/STF ("Na importação de mercadoria do exterior, o fato gerador do imposto de circulação de mercadorias ocorre no momento de sua entrada no estabelecimento do importador")

2. "A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução" (art. 146, do CTN)

3. "O artigo 146 do CTN positiva, em nível infraconstitucional, a necessidade de proteção da confiança do contribuinte na Administração Tributária, abarcando, de um lado, a impossibilidade de retratação de atos administrativos concretos que implique prejuízo relativamente à situação consolidada à luz de critérios anteriormente adotados e, de outro, a irretroatividade de atos administrativos normativos quando o contribuinte confiou nas normas anteriores". (Leandro Paulsen, in Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 8ª ed., Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2006, pág. 1.086)

...............................................................................................

6. Recurso especial da Fazenda Nacional provido.’ (Resp nº 810565/SP, Rel. Min. Luix Fux, DJe de 03-03-2008)

No mesmo sentido Recurso Especial nº. 826.333/PE, DJe de 03-04-2008, de relatoria do Min. Luiz Fux.

Assim sendo, ilegal se mostra a retroação do desenquadramento efetuado pela Prefeitura Municipal de São Paulo a 04/04/2003.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. ISS. Tributação de sociedade de profissional legalmente regulamentada.: Desenquadramento do regime de tributação fixa com efeito retroativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2045, 5 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16879. Acesso em: 18 mai. 2024.

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