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Aumentos abusivos da prestação da casa própria

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II) DO DIREITO


           A Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964, foi recepcionada pela constituição vigente como lei materialmente complementar, criando-se o Sistema Financeiro Nacional, preconizando, em seu artigo 5º, que todas as vezes que o salário-mínimo fosse alterado, haveria o reajustamento das prestações mensais de amortização com a conseqüente correção do valor monetário da dívida, ou seja, do saldo devedor do financiamento.

           O §1º do artigo 5º estabelece o seguinte:

           "§ 1º. O reajustamento será baseado em índice geral de preços mensalmente apurado e adotado pelo Conselho Nacional de Economia que reflita adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda nacional."

           Com a expedição do Decreto-lei n.º 19/66, a norma do art. 5º só foi revogada em parte, no sentido de autorizar o antigo BNH a expedir instruções reguladoras de atualização monetária afastando então a atribuição do Conselho Nacional de Economia, não afetando, no entanto, a regra de que os saldos devedores dos financiamentos seriam corrigidos por índice que refletisse adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda.

           Assim, verifica-se que até 1991, os saldos devedores deveriam, por imposição legal, serem corrigidos por índices oficiais, tais como a ORTN, OTN, UPC, IPC, e outros, que sempre refletiram a depreciação do valor da moeda frente ao processo inflacionário que atingia o país.

           Houve um avanço na forma de corrigir as prestações da casa própria com a edição do Decreto-lei 2.164, de 19 de setembro de 1984, que instituiu, em seu art. 9º o PES/CP - Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional, estabelecendo que o reajuste das prestações dos contratos firmados através do SFH - Sistema Financeiro de Habitação, devem ser proporcionais à periodicidade e aumento salarial da categoria profissional do mutuário, norma esta que está em plano vigor em nosso ordenamento.

           Assim dispõe o artigo 9º do Decreto-lei 2.164/84:

           "Art. 9º - Os contratos para aquisição de moradia própria, através do SFH, estabelecerão que, a partir do ano de 1985, o reajuste das prestações neles previsto corresponderá ao mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional a que pertencer o adquirente".

           A partir do Decreto-lei supracitado, a jurisprudência se firmou no sentido que o único reajuste capaz de se impingir ao trabalhador que adquire a casa própria através do SFH, é o da equivalência salarial. Nesse sentido vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:

           Ementa: "RECURSO ESPECIAL - MUTUÁRIOS DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA - REAJUSTAMENTO DAS PRESTAÇÕES - ADOÇÃO DO PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL - PRECEDENTES DO TRIBUNAL"

           Consoante interpretação emprestada à legislação pertinente, os contratos destinados à aquisição da moradia própria, através do Sistema Financeiro Habitação, devem seguir o plano de equivalência salarial, reajustando-se as prestações no mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional do mutuário. (S.T.J. Resp nº 19.238-0-DF - Relator SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN - DATA: 25.03.92)

           Ainda decisões do STJ:

           "SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL - APLICAÇÃO

           É pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de admitir, em casos como o presente, a aplicação do Plano de Equivalência Salarial para o reajustamento da prestação da casa própria. precedentes do STJ

           Ofensa ao art. 7º, do Decreto-Lei nº 2.291, de 21.11.86, ao artigo 1º do Decreto-Lei nº 19, de 30.08.66, e ao art. 1º da Lei nº 6.423, de 17.06.77, não caracterizada. Dissídio pretoriano não configurado." (S.T.J. Resp nº 39.435-0 - ES - j. 24/11/93).

           "Ementa: "SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - PRESTAÇÃO DA CASA PRÓPRIA - CRITÉRIO DE REAJUSTE - ÍNDICE DE CORREÇÃO DOS SALÁRIOS - PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL"

           Com a instituição do Sistema Financeiro da Habitação pela Lei nº 4.380/64, foi adotado o princípio de que a prestação da casa própria deve ser reajustado por índices equivalentes aos adotados para a correção dos salários dos mutuários.

           Tal critério, imprescindível à manutenção do equilíbrio econômico do contrato e previsto expressamente em sucessivas resoluções do Banco Nacional de Habitação e no Decreto-Lei nº 2.283/86, não foi afastado pela legislação superveniente - DL nº 19/66, Lei nº 5.107/66, Lei nº 6.205/75 e Lei nº 6.423/77.

           Este Tribunal tem consagrado o pensamento de que a tese adotada pelo Supremo Tribunal no julgamento da Representação nº 1.288-DF não afasta a equivalência dos índices de correção da prestação da casa própia com os percentuais de reajustes dos salários dos mutuários."(no mesmo sentido: Emb. Divergência no Resp. nº 3.279/AM) (S.T.J. - Resp nº 38.327-7 - ES - j.24.10.93).

           Não é outro o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

           "RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA LEGAL - PREQUESTIONAMENTO - CONTRATO DE FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES"

           O extraordinário, cujo processamento busca-se alcançar, foi interposto com alegado fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra o acórdão de folhas 13 a 18, assim sintetizado:

           "SFH - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES - CRITÉRIO.

           1. O entendimento da Turma é o de que as prestações dos mútuos hipotecários deverão ser reajustadas segundo a variação salarial de cada mutuário;

           2. Apelação do Agente Financeiro e Remessa Oficial improvidas. Provido o apelo do Impetrante." (S.T.F. - Agravo de Instrumento nº 188.963-2-RS - Relator MINISTRO MARCO AURÉLIO - de 18.09.96).

           "ADMINISTRATIVO - S.F.H. - CONTRATO DE FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA - ÍNDICE DO REAJUSTAMENTO DAS PRESTAÇÕES - DECRETO-LEI Nº 19/66 - LEI Nº 4.380/64 (ART. 5º) - LEI Nº 5.107/66 (ART. 1º) - DECRETOS-LEIS NºS 2.065/83, E 2.164/84"

           I - A revogação das normas do art. 5º, da Lei nº 4.380/64, pelo Decreto-Lei 19/66 (STF - Representação nº 1.288-3/DF), não impedia o BNH, por meio de atos normativos, adotar o sistema de reajustamento das prestações com base na variação do salário mínimo (Decreto-Lei 19/66, art. 1º).

           II - Os Decretos-Leis nº 2.045/83, 2.065/83 e 2.164/84, embora aparentassem benefícios ao mutuário, a rigor, desvirtuaram o Plano de Equivalência Salarial - PES.

           III - persistência, conforme contratualmente estabelecido, do reajustamento das prestações dentro do plano de Equivalência Salarial.

           IV - Precedentes da Corte

           V - Recurso Improvido".

           Conforme conclusão tirada de brilhante estudo desenvolvido pelo Ministério Público Paulista, através do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça do Consumidor, é totalmente improcedente a aplicação de outro índice de reajuste a não ser a equivalência salarial.

           Apesar da existência de todos esses entendimentos legal e jurisprudencial, a ré continua a fazer o reajuste das prestações pelo FCVS e a majoração do saldo devedor pela TR.

           No que se refere ao saldo devedor, o que se busca é bem demonstrado pelo Ministro Paulo Brosard, no julgamento da ADIn. 493-0/DF:

           "Ora, não é necessário exame profundo para concluir que a remuneração em causa não será equivalente à correção monetária, mas há de ser superior a ela.

           Por conseguinte, aplicar a TR como sucedâneo da correção monetária (...) importaria em agravar as obrigações pactuadas de maneira unilateral. Tenho como certo que a TR, prevista no art. 1º da Lei 8.177, não pode ser tomada como índice de correção monetária. É claro que na taxa referencial estará contida a correção, mas, à evidência, transcenderá o seu índice, por isso não pode ser sucedâneo da correção".

           Ressalte-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade, ataca o vício da lei em sua raiz, e tem o condão de expurgar do sistema jurídico os efeitos do elemento legislativo defeituoso. A coisa julgada material tem autoridade "erga omnes", obrigando o Poder Judiciário como a todos dos demais poderes - Legislativo e Executivo - sendo que nem o próprio STF pode modificar seus efeitos ulteriormente.

           Fato é que o réu continua livremente a calcular o saldo devedor pela "TR" incorporada na caderneta de poupança nos contratos firmados até 1º de março de 1991, desrespeitando os direitos dos mutuários que foram reconhecidos pelo STF, quando do julgamento da ADIn. 493-0/DF.

           A aplicação mensal do índice da poupança (TR + 1%) para fazer o reajuste do saldo devedor, resulta na capitalização de juros sobre juros, por força do reajuste ser feito mensalmente, o que é vedado pelo ordenamento jurídico vigente, como dispõe o artigo 4º, do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, "in verbis":

           "Art. 4º. É proibido contar juros dos juros (...)."

           No mesmo sentido é a súmula 121 do Supremo Tribunal Federal:

           "É vedada a capitalização de juros ainda que expressamente convencionada".

           Quanto a mudança unilateral do contrato, que ocasionou o desequilíbrio contratual, cita-se o artigos 6º, IV e VI; 39, X e XI; e 51, IV, X e XIII, os quais deixam claro que a postura da ré é abusiva e que as modificações por ela propostas não tem nenhuma eficácia jurídica, são cláusula tidas como não escritas, posto que são consideradas nulas de plano direito:

           Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:

           (....);

           IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

           V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

           Artigo 39 - É vedado ao fornecedor de produtos e serviços:

           (...)

           X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços

           XI - aplicar índice ou fórmula de reajuste diversos do legal ou contratualmente estabelecido;

           Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

           (...)

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           IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

           X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação de preço de maneira unilateral;

           XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou qualidade do contrato, após sua celebração;

           Na verdade, a atitude da ré constitui crime previsto na Lei n.º Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.

           Art. 6º. Constitui crime da mesma natureza:

           I - vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço, por preço superior ao oficialmente tabelado, ao fixado por órgão ou entidade governamental, e ao estabelecido em regime legal de controle;

           II - aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente;

           III - exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidente sobre qualquer contratação; Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, ou multa."

           O mínimo que a ré poderia ter feito era respeitar o contrato original, não tomando atitudes que não se coadunam com o Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido manifesta-se Maria Helena Diniz:

           "Isto é assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu. Á idéia da auto-regulamentação dos interesses dos contratantes, baseada no princípio da autonomia da vontade, sucede a da necessidade social de proteger a confiança de cada um deles na observância da avença estipulada, ou melhor, na subordinação à lex contratus. O contrato é intangível, a menos que ambas as partes rescindam voluntariamente ou há escusa por caso fortuito ou força maior (Código Civil, art. 1.058, parágrafo único). Fora dessas hipóteses, ter-se-á a intangibilidade ou imutabilidade contratual. Esse princípio da força obrigatória funda-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, desde que estipulado validamente (RT, 543/243, 478/93), com observância dos requisitos legais" (Maria Helena Diniz, in Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, 9ª ed. 3/30).

           Oportuno é o comentário do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello:

           "Não se compreende uma lei, não se entende um norma, sem entender qual o seu objetivo. Donde, também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de sintonia com o escopo por ela visado. Implementar uma regra de Direito não é homenagear exteriormente sua dicção, mas dar satisfação a seus propósitos. Logo, só se cumpre a legalidade quando se atende sua finalidade. Atividade administrativa desencontrada com o fim legal é invalida e por isso prejudicialmente censurável." (in Elementos de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 1992, 3ª. Ed., p. 27)."

           A Carta Política de 1988, ao tratar em seu Título VII, da Ordem Econômica Financeira, é clara ao estabelecer quais são as finalidades que deverão nortear a política econômica nacional.

           O art. 170, "Caput", estabelece o seguinte:

           "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre concorrência, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, (....)."

           Deve-se lembrar que o projeto financiado pelo réu é um projeto social, que visa o financiamento da aquisição da casa própria para a população de baixa renda, não um financiamento particular para a construção de uma residência.

           O Estado brasileiro garante a todos os direitos sociais, ressaltando-se que o artigo 7º, IV da Constituição Federal, estabelece o seguinte:

           "IV - o salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e as de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim".

           Depreende-se deste inciso da Lei Maior que o salário do trabalhador deve ser suficiente para supri as suas necessidades de moradia, e este é o objetivo da Lei n.º 4380/64, que através de seus recursos financeiros o trabalhador possa satisfazer suas necessidades básicas de moradia.

           Note-se que mesmo em sendo feito o reajuste do saldo devedor por um índice que reflita as perdas inflacionárias, ainda assim o mutuário estaria sendo lesado, posto que se houver uma inflação, por mínima que seja, incidindo sobre o saldo devedor estaria colocando em desequilíbrio o contrato, em razão do fato do salário do mutuário sofrer qualquer reajuste acerca de 3 (três) anos.

           Evidente é o fato de que há um desequilíbrio econômico dantesco nos contrato firmado entre o PREVISUL e os mutuários, de forma que a desestruturação do sistema, prejudica os direitos dos mutuários, inviabilizando a solução para o problema da carência de moradias no país.

           Cabe salientar finalmente que os reajustes tanto das parcelas quanto do saldo devedor, se não estivesse presente a necessidade de se obedecer a equivalência salarial, só poderiam ser feitos anualmente, vedada a ocorrência de resíduos, como dispõem a lei e a jurisprudência atual.

           A Lei 9.069 de 29/06/1995, que dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, Estabelece as Regras e Condições de Emissão do REAL e os Critérios para Conversão das Obrigações para o REAL e a Medida Provisória 1.171 de 27 de outubro de 1995, estabelecem de forma clara a referida proibição em seus artigos 28, § 1º, e 2º, § 1º, respectivamente, "in verbis":

           "ART. 28 - Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual.

           § 1 - É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetário cuja periodicidade seja inferior a um ano."

           "Art.2º - É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

           § 1 - É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano."

           A jurisprudência a respeito do resíduo dispõe:

           "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Construção civil - Resíduo inflacionário - Nulidade da cláusula que o estabeleceu. (TJRJ, Proc. N. 7.305/96 - 1.ª Vara de Falências e Concordatas, Rio de Janeiro, j. em 05.07.1996, Juiz Hélio Augusto Silva de Assunção").

           Em relação ao mau atendimento do mutuário e a falta de informação, deve-se dizer que o consumidor, nos termos do Artigo 4º, "caput" do Código de Defesa do Consumidor, tem direito ao respeito a sua dignidade, bem como é seu direito a informação precisa a respeito do preço e qualidade do produto e serviço, sendo vedado qualquer método coercitivo ou desleal e cobranças vexatórias, que exponha o consumidor a ridículo (Artigo 6º, incisos III e IV; 55, § 1º; e 66, "caput").

           No que concerne a imposição de obstáculo, inclusive com cobrança abusiva de taxa de transferência, por parte do réu para que o mutuário transfira o seu imóvel para terceiro, há de se deixar claro que o Poder Judiciário pode e deve impedir a continuidade desse ato sumamente lesivo ao consumidor.

           A exigência de qualquer valor em virtude de transferência de imóvel para terceiro constitui-se em cobrança abusiva, posto que a toda contra-prestação pecuniária deve corresponder a uma prestação de serviço ou produto, o que não ocorre no caso em análise. Essa cobrança só vem prejudicar, ainda, mais o consumidor, que, em geral, quer transferir o imóvel porque se encontra em grave situação financeira e não mais consegue fazer frente aos pagamentos das prestações.

           É essa uma forma clara de enriquecimento ilícito e um meio de impedir o direito legal do mutuário de usar, gozar e dispor do que é seu. Tal obrigação é daquelas que o inciso IV do artigo 51 do CDC considerada iníqua, abusiva e que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo incompatível com a boa-fé e com a eqüidade.

1) DA COMPETÊNCIA DESSE JUÍZO
PARA CONHECER E JULGAR A PRESENTE CAUSA:


           Em sendo os danos e prejuízos aqui tratado de âmbito regional e tendo o réu sua sede nesta Capital, competente é o Juízo desta Comarca para conhecer e julgar a presente causa. É nesse sentido que dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

           Artigo 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

           I - (....);

           II - no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

2) DO CABIMENTO DE LIMINAR


           Prescreve o § 3º do Artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor que

           "Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu."

           Frente a ilegalidade que ora se instala, devido ao fato do reajuste das parcelas das casas não respeitarem o princípio da eqüivalência salarial, inviabilizando o pagamento das mesmas por parte do mutuário e diante da aplicação do art. 18 "caput" e §§ 1º e 4º da Lei 8.177/98 para a feitura do reajuste do saldo devedor das casas, em total desconsideração à declaração da inconstitucionalidade feita pelo Supremo Tribunal Federal, através da ADIn. n.º 493-0/DF, de 25 de junho de 1992, e à previsão do § 5º do Artigo 27 da Lei n.º 9.069, de 29/06/1995, não resta dúvida sobre a relevância do fundamento da demanda, que tem por finalidade exigir que o réu reveja o valor das parcelas de todos os mutuários e refaça os cálculos do saldo devedor das casas.

           Evidencia-se também, no presente caso, o risco da ineficácia do provimento jurisdicional, se a tutela não for concedida liminarmente. Como é natural, o desfecho final da ação demandará tempo relativamente longo, suficiente o bastante para que inúmeros consumidores sejam levados à inadimplência, sejam despejados, não consigam mais pagar suas prestações, ter seu saldo devedor por demais alto e não consigam reaver os valores pagos a mais. Não se podendo esquecer que muitos estão pagando as prestações de sua casa com prejuízo da própria subsistência e de seus filhos, para não serem chamados de caloteiros pelo sistema selvagem que se implantou.

           A concessão imediata da antecipação da tutela daria sono tranqüilo a muitas famílias que a muito não dormem, com medo de não conseguirem honrar seus compromisso ou com medo do vexame de terem contra si um mandado judicial de despejo. A sua negação, ao contrário, daria a oportunidade de serem jogados ao vento muitos anos de esforços, trabalho, luta e sacrifício de muitos trabalhadores para se manterem honestos e cumpridores do seu dever.

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Sobre os autores
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido ; ARINOS, Alessandro A. S.. Aumentos abusivos da prestação da casa própria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16021. Acesso em: 7 mai. 2024.

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