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A Federação como cláusula pétrea

01/10/2000 às 00:00
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"Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático." (Walter Burckhardt)


Considerações preliminares

O estudo da Federação assume papel relevante na busca de soluções para os problemas estruturais dos Estados. Entre as funções essenciais do federalismo, estão a divisão do poder e a integração de sociedades heterogêneas, com a simultânea independência sociocultural e a autonomia dos entes federados. Sua consolidação se dá através de uma Constituição escrita e rígida, na qual deverão estar em sintonia com o princípio federativo os conteúdos do ordenamento, o tipo de garantias jurídico-constitucionais para sua existência, os princípios que conduzem e definem o processo político, assim como a divisão e interligação das tarefas estatais entre os entes federados.

Neste sentido, apresenta-se o federalismo como modo de preservar a particularidade no âmbito de uma união estatal maior, mantendo o equilíbrio entre a soberania da nação como um todo e a autonomia dos entes federados, concomitantemente à sua interdependência. O sistema federativo regula e administra os conflitos entre as esferas de governo, através do modo institucional que mais se adapte às condições locais, garantindo a autonomia de cada ente através da distribuição do poder. Essa harmonia e o equilíbrio entre os entes federados é a base do pacto federativo.


1- Federação e o poder constituído de reforma constitucional

As razões que levam um país a adotar a estrutura federal, variam de acordo com as peculiaridades locais. Portanto, as características presentes em determinado Estado federal poderão não se apresentar de forma uniforme em outra Federação. A descentralização é uma

das marcas do sistema. Não há subordinação à autoridade superior em matérias e espaços territoriais de competência administrativa, legislativa ou jurisdicional. Na Federação, a descentralização não é apenas administrativa: ela se dá também no campo político, incluindo a capacidade de auto-organização e autogoverno.

Nessa concepção a implementação do federalismo cria um ordenamento dinâmico, na medida em que a resolução de tarefas é mais eficiente em pequenas do que em grandes unidades. Com o poder de decisão mais próximo, em comunidades menores, facilita-se a solução dos problemas e o atendimento dos anseios do povo. Da mesma forma, através do federalismo, é assegurada e fortalecida a liberdade individual pela divisão vertical do poder e se promove a democracia pela participação da população na vida política da nação.

A primeira Federação se consolidou nos Estados Unidos da América. O objetivo desse pacto entre os "Estados soberanos" foi alterar a situação confederativa para dar origem a um novo poder que garantisse a unidade das ex-colônias inglesas frente às potências externas e o exercício da autoridade sobre o território americano. O pacto entre os Estados americanos deu origem à Constituição dos Estados Unidos, com a consagração da autonomia dos entes federados e a igualdade de participação entre os estados integrantes.

Inspirado na experiência americana, o Brasil implanta esse modelo, porém em outras circunstâncias e por motivos diversos. O país constituía-se em um Estado Unitário, quando, a partir de 1891, o poder político foi dividido formalmente entre as províncias, mantendo, porém, o poder central. Portanto, o modo de constituição do federalismo brasileiro(segregação) deu-se de forma contrária à americana(agregação). Atualmente, o princípio federativo é um dos suportes do ordenamento constitucional brasileiro, juntamente com o republicano. Dada é a sua significação que o texto constitucional o relaciona entre os conteúdos classificados como cláusulas pétreas.

Por cláusula pétrea, entende-se o dispositivo que impõe a irremovibilidade de determinados preceitos. Esse sentido obtém-se a partir do significado de seus signos lingüísticos: "duro como pedra". Na Constituição são as disposições insuscetíveis de ser abolidas por emenda, imodificáveis e não possíveis de mudança formal, constituindo o núcleo irreformável da Constituição, impossibilitando o legislador reformador de remover ou abolir determinadas matérias. Esses preceitos constitucionais possuem supremacia, paralisando a legislação que vier a contrariá-los.

Ao criar esse núcleo imutável, o legislador objetiva impedir inovações temerárias em assuntos cruciais para a cidadania e para o próprio Estado. Referindo-se ao assunto, Karl LOEWENSTEIN (1970, p.189-190) aponta a existência e a importância de dispositivos intangíveis nas Constituições, a fim de evitar a modificação de normas constitucionais. Esta limitação à possibilidade de alteração, segundo o autor, tem por fim proteger as instituições constitucionais e serve para garantir determinados valores fundamentais presentes na ordem constitucional. Entre as intangibilidades articuladas, inclui a estrutura federal. Cita como exemplo a Lei Fundamental de Bonn que proíbe taxativamente emendas constitucionais que afetem a organização da Federação.

Carl J. FRIEDRICH(1975, p. 295-296) considera a existência de limites ao poder de reforma da Constituição. Exemplifica indicando a França, cuja Constituição de 1884, previa a imutabilidade da forma republicana, e os Estados Unidos, onde não pode privar-se a representação de forma igualitária dos Estados no Senado, sem o seu próprio consentimento, e acrescenta:

" Cualquiera que sea el valor último de estas teorías y disposiciones, el caso es que con ellas hay más probabilidad de que se originen revoluciones violentas, ya que limitam las oportunidades de que los cambios "revolucionários"se produzam de un modo gradual. Por ejemplo, Poicaré insitía - hablando del carácter vinculante de la prohibición antes citada - en que "cualquier revision que tuviera por objeto sustituir el sistema republicano por el monárquico sería ilegal y revolucionaria". Obligando de este modo a un posible nuevo poder constituynte a recurrir a una revolución violenta, tales prohibiciones tienen el efecto político de restar al poder de enmienda una parte de su función esencial de prever la aparición revolucionária del poder constituynte."

Como se percebe, o poder constituído, responsável pela reforma constitucional, ao contrário do poder constituinte originário, é um "poder instituído e derivado", implementando mudanças no texto da Lei Maior, sempre considerando as delimitações estabelecidas pelo poder que o originou. Essas limitações constituem o centro de imputação, cujo fim é assegurar "a permanência das decisões políticas fundamentais reveladas pelo poder constituinte originário" (HORTA, 1995, p. 124). São as cláusulas pétreas que limitam a matéria do órgão reformador, visando a assegurar a integridade constitucional, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profundas mudanças de identidade no ordenamento constitucional, garantindo, na medida do possível, sua estabilidade.

Indistintamente, em nível mundial, há tendência de reservar a determinadas matérias a qualidade de núcleo inalterável. Muitos países reservam a qualidade de cláusula pétrea à forma federativa de Estado. Entre eles, conforme cita Celso Ribeiro BASTOS e Ives Gandra MARTINS (1988, p. 357), encontram-se Angola (art. 38), Costa Rica (art. 195), Cuba (art. 141), Dinamarca (art. 42 e 88), Espanha (art. 167 e 168), Filipinas ( art. IX, seção 1.4), Finlândia (art. 95), Noruega (art. 73) e Suriname (art.72).

Seguiu essa linha o tratamento dispensado pela primeira Constituição republicana brasileira (1891), uma vez que já contemplava limitação à alteração do princípio federativo. O artigo 90, parágrafo 4o., trazia expresso o impedimento à mudança das matérias tendentes "a abolir a forma republicana federativa, ou igualdade da representação dos estados no Senado". Por este dispositivo, verifica-se a importância dada à Federação, uma vez que, além de constar expressamente como matéria imodificável, ainda é reforçada pela exigência da manutenção da igualdade da representação dos estados no Senado. O texto de 1934 prevê, igualmente, no seu artigo 178, parágrafo 5o, que "não serão admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a forma republicana federativa". Mesmo tratamento se verifica na Constituição de 1946, artigo 217, parágrafo 6o., e no texto de 1967/69, artigo 47, parágrafo 1o.

Com a Constituição de 1988 não foi diferente. Ditos preceitos estão relacionados no artigo 60, parágrafo quarto: a forma federativa de Estado; a separação dos poderes; o voto direto, secreto, universal e periódico e os direitos e garantias individuais. São classificadas como um leque de matérias que representam o cerne da ordem constitucional, furtadas a disponibilidade do poder de revisão. São as chamadas limitações materiais explícitas ao poder de reforma, manifestação do poder constituinte originário, ao elaborar um novo texto, através da possibilidade de exclusão de modo expresso, certas matérias e conteúdos do poder instituído (J. J. CANOTILHO, 1998, p. 942).

Como se constata, a Federação figura entre os limites materiais à reforma, uma vez que representa ponto de sustentação e, juntamente com os demais, não pode ser objeto de alteração. Verifica-se que esse texto constitucional veio reforçar a idéia de Estado federal, mantendo a autonomia dos entes federados e visando ao desenvolvimento harmonioso entre eles. Dito de outro modo, com a Constituição de 1988, estados e municípios tiveram suas competências ampliadas, caracterizadas pela capacidade de legislar, de auto-organização, de auto-governo e de auto-administração, através da repartição das competências e na igualdade de representação entre os estados no Senado Federal. Emenda que retire deles parcela dessas capacidades, por mínima que seja, indica "tendência" a abolir a forma federativa de Estado e, por conseguinte, não poderá ser matéria de reforma constitucional. Notadamente a liberdade concedida aos entes federados deve observar os princípios constantes na Constituição Federal(supremacia constitucional). Nas considerações de Ivo DANTAS(1996, p. 177):

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"(...) não é necessário que a proposta de emenda traga, em si, diretamente, uma ameaça de alcançar os princípios citados.

Suficiente será apenas que esteja marcada por uma tendência à abolição de qualquer um dos incisos que compõem o art. 60, parágrafo 4.º, para que não possa, nem ao menos, ser proposta."

É importante salientar a dimensão do signo "Federação" da forma como se apresenta inserido no texto constitucional. Trata-se de um princípio norteador do ordenamento constitucional, que de forma explícita ou implícita, contudo muito ampla, serve de base a outros artigos, uma vez que, além dos limites expressos, existem os limites não expressos que são deduzidos do próprio sistema constitucional. O seu conteúdo vincula-se ao quanto expresso e elaborado constitucionalmente. A sua obrigatoriedade tem o mesmo grau e idêntica força quanto ao definido para os limites expressos, o que vale não apenas para o órgão competente para realizar a reforma, mas para o órgão ou poder encarregado de controlar sua realização.

Um exame dos princípios constitucionais que informam o nosso ordenamento jurídico poderá servir de auxílio na compreensão do problema. Os princípios são como alicerce que sustentam as estruturas das normas. São fundamentos que definem e caracterizam a orientação política do Estado; definem a forma de Estado, sua estrutura, o regime político e os elementos caracterizadores da forma de governo, da organização política adotada; são normas matrizes, relacionadas a valores políticos e sociais do Estado, explicitadas pelo legislador constituinte originário. Para HORTA( 1995, p. 124), fazem parte desse conjunto de limitações implícitas:

(...) os fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1.º, I, II, III, IV, V); o povo como fonte de poder (artigo 1.º, parágrafo único; os objetivo fundamentais da República Federativa (artigo 3.º, I, II, III, IV); os princípios das relações internacionais (artigo 4.º, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, parágrafo único), os direitos sociais (artigo 6.º); a autonomia dos Estados Federados (artigo 25); a autonomia dos Municípios (artigo 29, 30, I, II, III); a organização bicameral do Poder Legislativo (artigo 44); a inviolabilidade dos Deputados e Senadores (artigo 53); as garantias dos Juízes (artigo 95, I, II, III); a permanência institucional do Ministério Público (artigo 127) e de suas garantias (artigo 128, I, a, b, c); as limitações do Poder de Tributar (artigo 150, I, II, III, a, b, IV, V, VI, a, b, c, d, artigo 151); e os princípios da ordem econômica (artigo 170, I a IX, parágrafo único).

Tais preceitos constitucionais não podem ser alvo de reforma. A reforma deve objetivar um aperfeiçoamento do texto constitucional, visando a tornar plena a sua realização, mantendo-se fiel aos seus princípios basilares sem alterar ou suprimir a base em que se funda o Estado Democrático de Direito.

E, pelas palavras de Carl SCHMIDT(1982, p. 348-350), tem-se a confirmação da abrangência da Federação quando a define como uma união permanente, baseada em livre acordo e a serviço de todos os membros, mediante o qual os Estados-Membros abdicam da totalidade de seu status político em atenção ao fim comum. E conclui: a Federação contém todo Estado-Membro em sua existência total como uma unidade política, e o acopla como um todo em uma associação politicamente existente, no qual o pacto federal é consagrado constitucionalmente e tem por finalidade uma ordenação permanente. A Constituição Federal contém sempre, ainda que não expressamente, a garantia da existência política de cada um de seus membros, o que significa que o sistema federativo é cláusula pétrea, mesmo que o texto não o traga expresso.

Maria Helena DINIZ (1997, p. 95), desenvolvendo estudo sobre o tema, indica a dificuldade de precisar até que ponto a reformulação do art. 60 poderia ocorrer, sem que se configure a "tendência a abolir" os princípios consagrados como cláusulas pétreas. Como resposta indica duas posições possíveis :

a) O art. 60 não poderia ser emendado por nenhum processo, mas apenas pelo fato social de que a comunidade aceita outra Carta Magna como pedra angular da ordem jurídica. Todavia essa solução deveria, por razões óbvias, ser afastada, já que requer a mutação de todo o sistema jurídico.

b)O art. 60 poderia ser reformado pelo procedimento especial que ele mesmo prevê, pelas autoridades que ele mesmo constitui, porém isso poderia ser afastado por implicar auto-referência genuína e parcial, que deve ser excluída como algo tido, logicamente, como um absurdo, por representar evidente contradição.

No mesmo sentido, Luiz Alberto David ARAÚJO(1997, p. 152) indica duas possibilidades de interpretação do artigo 60, parágrafo 4.º, inciso I. A primeira é aquela que qualquer alteração para mudar o pacto federativo seria inconstitucional, porque tenderia a abolir o pacto existente. Por exemplo, alterar a competência dos Estados-Membros, municípios e União representa tendência a abolir o pacto federativo. Assim considerado, o texto constitucional estaria engessado, entretanto seria mais respeitado e a Federação mais valorizada, resultando em inconstitucional toda a alteração no regime federativo. A segunda interpretação, segundo o autor, é a que busca "apenas princípios da forma federativa de Estado". Essa interpretação indica a necessidade de manutenção dos princípios federativos. Nas suas observações:

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"É verdade que, nesse caso, teríamos uma grande dose de julgamento subjetivo, que moldaria a decisão de conformidade com a realidade que se pretendesse proteger.

Quantas competências seriam necessárias para manter a autonomia estadual? A busca da solução matemática certamente não seria correta. Mas até que ponto é possível diminuir a autonomia estadual, sem ferir o princípio federalista. (...)

São duas as possibilidades, gerando problemas diversos. A primeira, mais antipática, mais radical, mas garantidora dos valores garantidos pelos constituintes. A segunda, mais móvel, menos ortodoxa, mas que permitiria uma redução do grau de autonomia pactuado quando do ajuste federalista de 1988."

Em que pese a Constituição prever a possibilidade de emendas, a implementação dessas deverá seguir procedimentos especiais e respeitar os limites constitucionais. Só o Poder Constituinte Originário, representante do poder do povo(SIEYES), é que pode inscrever as mudanças fundamentais na estrutura e organização do Estado brasileiro. Nessa linha, Maria Helena DINIZ( 1997, p. 96) comenta: "Diante do princípio da indivisibilidade do poder constituinte, não há como dividi-lo, só há um poder constituinte, unitário e indivisível, e a revisão ou a emenda são entregues a um de seus poderes (Legislativo e Executivo) apenas dentro do processo especial previsto constitucionalmente". O poder constituinte é a expressão da supremacia do povo. O produto da vontade do povo é expresso pelos constituintes, que elaboram o texto constitucional e também estabelecem as normas que deverão ser observadas para a mudança do texto da Lei Maior.

Norberto BOBBIO(1997, p. 53) assim expõe sobre as limitações materiais ao poder de reforma constitucional: "Quando um órgão superior atribui a um órgão inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Ao atribuir esse poder, estabelece também os limites entre os quais pode ser exercido (...)".

No mesmo sentido, Raul Machado HORTA(1995, p. 124) argumenta:

"O poder de emenda é poder instituído e derivado, instrumento da mudança constitucional de segundo grau, submetido ao ‘centro comum de imputação’, que assegura a permanência das decisões políticas fundamentais reveladas pelo Poder Constituinte Originário."

Postos esses preceitos, a dúvida surge quando se questiona que tipo de alterações poderão ser implementadas sem ofender o princípio federativo. Certamente que o Brasil, como Estado Federal, não poderá transformar-se em Estado Unitário, assim como a autonomia dos entes federativos não pode se ampliar ao ponto da Federação transformar-se em Confederação.

Deixando de lado esses extremismos, é importante que se analise matérias objeto de emenda constitucional que se apresentam cotidianamente, como por exemplo, a Proposta de Reforma Tributária. A análise da PEC que pretende promover alterações significativas no Sistema Tributário Nacional, leva a questionar-se se a sua implementação poderá resultar em "abalo" ao princípio federativo, uma vez que o ponto principal dessa Proposta é a unificação de impostos (ICMS e IPI), com a conseqüente redução da competência legislativa estadual, devido à transferência/compartilhamento do novo imposto sobre o consumo entre a União e os Estados-Membros.

Ora dificilmente atenderão ao preceito constitucional emendas que possuam como objetivos alterar/reduzir a competência dos entes federativos. É de se ponderar também que a Federação subsiste se os Estados possuírem autonomia, correspondendo ao poder de auto-organização, de autogoverno e de auto-administração. A Federação é um pacto permanente e decorre da Lei Maior do país

Todo o estudo realizado aponta para a inconstitucionalidade da reforma pretendida, tendo em vista que as mudanças retiram dos estados a competência exclusiva de auto-regular a imposição do ICMS. Em outras palavras, reduzem a autonomia dos Estados-Membros, que é o ponto fundamental na configuração do Estado Federal(HORTA, 1995, p. 423).


Considerações finais

Em síntese, é necessário considerar o princípio federativo em toda a sua extensão. Como pilar do Estado brasileiro, não pode ser alvo de reforma. Deve-se ter presente que as reformas devem objetivar o aperfeiçoamento do texto constitucional, visando a tornar plena a sua realização, mantendo-se fiel aos seus princípios basilares sem alterar ou suprimir a base em que se funda o Estado Democrático de Direito.

Infere-se, enfim, que as limitações explícitas e implícitas funcionam como garantias da manutenção dos direitos fundamentais dos cidadãos, como obstáculo aos interesses imediatos de maiorias eventuais de proceder alterações em detrimento a valores de longo prazo. A Constituição brasileira atribui ao Congresso Nacional a possibilidade de implementar reformas, contudo não lhe confere autoridade para alterar o texto constitucional sem maior cerimônia. Sua atividade legislativa é uma mera delegação, recebida dos cidadãos e, portanto, limitada. Seria absolutamente ilógico e contrário à democracia que os representantes pudessem alterar a extensão dessa delegação, alcançando-se à posição de autêntico poder constituinte, capaz de realizar uma profunda revisão constitucional, o que se traduziria num simples ato de usurpação da soberania popular.


Referências bibliográficas:

BASTOS, Celso ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários á constituição do Brasil. São Paulo : Saraiva, 1988. V.4. tomo I.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10 ed. Brasília : UNB, 1997.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria constitucional. 2.ed. Coimbra : Almedina, 1988.

DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro : Renovar, 1996.

FRIEDRICH, Carl. Gobierno constitucional y democracia. Trad. Augustín Gil Lacierr. Madrid : IEP, 1975. v.1.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. 2.ed. Trad. Alfredo Gallego Anabitante. Barcelona : Ediciones Ariel, 1970.

HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte : Del Rey, 1995. p. 124.

ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Constituição e mudança constitucional: limites ao exercício do poder de reforma constitucional. In: Revista de Informação Legislativa, ano 30, n. 120, p. 173, 1993.

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Sobre a autora
Salete Oro Boff

professora de Direito da UNIJUÏ e URI-Santo Ângelo (RS), mestre em direito público pela UNISINOS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOFF, Salete Oro. A Federação como cláusula pétrea. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100. Acesso em: 19 nov. 2024.

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