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Artigo 475-J do CPC e sua aplicação no processo do trabalho

16/07/2007 às 00:00
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Até onde as reformulações legais pontualmente firmadas no processo civil, principalmente no campo executivo das condenações em dinheiro, podem ser estendidas a outras searas processuais, como o processo trabalhista?

"O juiz não é mais a boca da lei, como queria Montesquieu, mas sim o projetor de um direito que toma em consideração a lei à luz da Constituição e, assim, faz os devidos ajustes para suprir as suas imperfeições..."

– Luiz Guilherme Marinoni –


            As recentes alterações firmadas no âmbito do CPC têm feito irromper na mente de muitos operadores do Direito uma relevantíssima discussão: até onde essas reformulações legais, pontualmente firmadas no processo civil, podem ser estendidas a outras searas processuais, como o processo trabalhista?

            É tema verdadeiramente tormentoso.

            A propósito de tais modificações, já firmei, noutra oportunidade, que:

            "cônscio de que os escopos da jurisdição não estavam sendo alcançados, o legislador moderno se arvorou a, ousadamente, repensar conceitos, rediscutir institutos, redefinir idéias, tencionando, com isso, através de uma ação na esfera legislativa, propiciar à esfera judicial um material de trabalho apto a dar maior agilidade, racionalidade e eficiência à sistemática processual" [01].

            Dentre tantas novidades, peculiar relevo advém sobre o artigo 475-J do CPC, assim redigido pela Lei n. 11.232/2005:

            "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".

            O que se percebe, primo ictu oculi, da leitura do próprio texto normativo, é uma profunda reformulação no campo executivo das condenações em dinheiro, através (1) da eliminação da figura do mandado de citação e (2) da majoração do montante da dívida em 10% (dez por cento), na hipótese de descumprimento.

            A medida – há que se dizer – por certo veio à baila para densificar os valiosos princípios da efetividade e da duração razoável do processo (Lex Fundamentalis, artigo 5°, inciso LXXVIII [02] – EC 45/2004).

            Agora, a resposta ao questionamento consignado alhures, no particular do processo do trabalho, vai exigir do operador jurídico um requintado manuseio das famosas disposições celetistas que tratam da comunicação entre fontes normativas diversas: os sempre citados artigos 769 [03] e 889 [04].

            Inicialmente, registro não se poder olvidar que tais comandos legais foram gerados em um especial momento histórico em que o processo trabalhista era apresentado ao mundo jurídico como um sistema mais célere, dinâmico e eficaz, em contraponto ao sistema até então engendrado pelo processo civil.

            Esse o motivo pelo qual, inteligentemente, apresenta-nos o texto celetário, a rigor, com relação à possibilidade de aplicação subsidiária de outras normas em seu bojo, os mais que pertinentes filtros legais da "omissão" e "compatibilidade", o que demonstra a elogiável cautela do legislador em tentar evitar ao máximo que a então lenta e ineficaz legislação processual civil viesse porventura influenciar negativamente na tão alvissareira processualística laboral.

            Esse é um primeiro ponto – inexorável, irrefragável.

            Mas é preciso admitir, também, que há outra nuança, também de cariz implacável: tal panorama, de prevalência axiológico-normativa da CLT, pelo menos em parte, já não mais se impõe....

            Deveras, é de conhecimento geral que nos últimos anos o Código de Processo Civil tem sofrido constante reformulação legal e principiológica, no desiderato de modelar suas regras em consonância com os anseios constitucionais de efetividade da jurisdição.

            Por outro lado, tem se percebido, também, no legislador celetista, infelizmente, uma terrível lentidão em atualizar suas normas, de tal modo que, hodiernamente, resta patente o profundo descompasso normativo entre ambos os sistemas [05], a ponto de se poder afirmar que algumas disposições do CPC, hoje, são mais compatíveis com os princípios do processo do trabalho que muitas disposições da própria CLT.

            Então, o que fazer?

            Como resposta, ouso afirmar, de pronto, que para a solução desse problema não há que se esperar uma possível atuação legislativa (de lege ferenda), que ninguém sabe quando e de que forma ocorrerá.

            A solução, de fato, no meu sentir, está em uma inteligente atuação judicial, à luz dos princípios constitucionais e de uma postura criativa, manuseando com responsabilidade, à evidência, as ferramentas que o ordenamento jurídico hoje nos coloca à disposição (de lege lata) [06].

            Penso mais: urge suplantar, ainda, os aparentes obstáculos legais (lex) que possivelmente venham a atrapalhar esse intento, avançando-se para uma aplicação pró-ativa do direito, considerado como um todo (jus), medida que se concretizaria através de uma harmoniosa comunicação das diferentes fontes normativas em prol do alcance do modelo constitucional de processo célere e eficaz [07].

            Nessa linha de idéias, há de se conferir, então, interpretação adequada às referidas regras celetistas [08], cujos conteúdos, hoje, não mais podem ser lidos de forma a frustrar o alcance da própria finalidade para a qual foram criados, a saber: a manutenção da celeridade, dinamicidade e eficiência como tônicas marcantes do processo do trabalho [09].

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            De fato, se, para tanto, antes, essas regras sempre eram usadas para impedir o ingresso de normas no sistema, nada obsta que, hoje, para o alcance desse objetivo, elas agora sejam utilizadas para autorizar a própria admissão de normas outras dentro desse mesmo sistema.

            Trata-se, creio – e não canso de repetir –, de enxergar mais do que simplesmente o texto, mas sim o contexto da lei, partindo-se, sempre, de uma visão necessariamente comprometida com a Carta Constitucional [10].

            Logo e na esteira de todo o exposto, conferindo interpretação teleológica aos artigos em destaque, bem como partindo de uma ótica baseada no princípio da duração razoável do processo (CF, artigo 5º, inciso LXXVIII), e convencido, ainda, da força normativa que subjaz na Constituição Federal [11], penso que se afigura plenamente aplicável, no âmbito do processo laboral, o disposto no artigo 475-J, do CPC (Lei n. 11.232/2005).

            De minha parte, aquando da prolação de sentenças líquidas, ao longo da atividade judicante, já tenho me valido de tão importante novidade legislativa, desde logo cientificando a devedora, no bojo da própria decisão, de que deverá pagar o valor da condenação dentro de 15 (quinze) dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de acréscimo à conta da multa de 10% (dez por cento) e imediata penhora de bens, de ofício (CLT, artigo 878, caput [12] – princípio inquisitivo ou da incoação do juiz), independentemente de mandado de citação, com prévio encaminhamento dos autos ao setor de cálculos, para os fins de direito (CLT, artigos 765 [13] e 832, § 1º [14]).

            Aliás, já registro, também, na mesma ocasião, que o credor, tão-logo transitado em julgado o decisum e constatado o não cumprimento do título no prazo apontado, desde logo poderá indicar bens passíveis de constrição, já contando com futura possibilidade de adjudicação (CPC, artigo 475-J, § 3º [15]), sem embargo, é claro, do cumprimento da escala legal de penhorabilidade (CLT, artigo 882 [16]), por parte do juízo executório, tudo com vistas à efetividade da jurisdição e à celeridade do processo (CF, artigo 5º, inciso LXXVIII).

            Os resultados? Extremamente estimulantes.

            Basta citar, v.g., o ocorrido nos autos do processo 738-2007-005-08-00-0, que logrou uma das tramitações mais céleres do TRT da 8ª Região: entre a data da autuação, instrução, prolação da sentença – proferida em audiência e com planilha de cálculos anexa - e cumprimento efetivo do comando sentencial, decorreram tão-somente incríveis 19 (dezenove) dias [17].

            Eis aí um bom sinal...


Notas

            01

MARANHÃO, Ney Stany Morais. Prescrição Ex Officio e Processo do Trabalho. Revista LTr, vol. 71, n. 04, abril de 2007, p. 391.

            02

CF, artigo 5º, inciso LXXVIII: "A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

            03

CLT, artigo 769: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título".

            04

CLT, artigo 889: "Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal".

            05

"Se durante um bom tempo o Direito Processual do Trabalho serviu (e, em muitos aspectos ainda serve) de inspiração ao movimento de reforma do processo comum, hoje já é mais do que perceptível algum descompasso entre ambos, pelo menos no que toca a esse esforço na busca por institutos mais adequados às atuais demandas jurisdicionais" (CHAVES, Luciano Athayde. A Recente Reforma no Processo Comum e seus Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. 2ª Edição, São Paulo : LTr, 2006, p. 27).

            06

"Do ponto de vista ideológico é inconcebível um processo civil mais simples que o processo laboral, tendo em vista que este ramo da processualística foi construído para concretizar um direito material de índole tuitiva. A atividade criadora do intérprete, portanto, deve incidir para afastar essa inaceitável contradição reinante em nossos dias" (CORDEIRO, Wolney de Macedo. Da releitura do método de aplicação subsidiária das normas de direito processual comum ao processo do trabalho. In Direito Processual do Trabalho: Reforma e Efetividade. Organizador: Luciano Athayde Chaves. São Paulo : LTr, 2007, p. 34).

            07

Essa postura de se pautar o raciocínio jurídico à luz de um modelo constitucional de processo também é exercitada, entre outros, por Scarpinella Bueno (BUENO, Cassio Scarpinella. A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil – Volume 1. 2ª Edição, São Paulo : Saraiva, 2006, na introdução da obra).

            08

"... insta conferir interpretação conforme à Constituição ao modelo principiológico constitucional do processo e à técnica da heterointegração do processo civil no ramo trabalhista, significando, primeiramente, realçar a insuficiência e o equívoco dos reflexos deitados sobre a leitura isolada dos elementos componentes da aplicação subsidiária no processo laboral (existência de omissão e compatibilidade da heterointegração), bem como a necessidade de buscarem resultados compatíveis com a maior efetividade da tutela jurisdicional, preocupação tão presente na processualística moderna" (COSTA, Marcelo Freire Sampaio. Reflexos da Reforma do CPC no Processo do Trabalho – Leitura Constitucional do Princípio da Subsidiariedade. São Paulo : Método, 2007, p. 33).

            09

"O processo do trabalho não pode ficar apático a tais mudanças. Deve, igualmente, buscar regras que facilitem a realização do direito material, quando estas forem mais adequadas à solução eficaz dos litígios, muito mais porque lida com crédito trabalhista, que merece tratamento superprivilegiado na ordem jurídica como um todo" (Juíza Maria Zuila Lima Dutra, Titular da MM. 5ª Vara do Trabalho de Belém (PA), em sentença prolatada nos autos do processo 605-2007-005-08-00-3, datada de 18.05.07).

            10

Não sem razão - e com inteira pertinência -, Marinoni afirma: "O juiz não é mais a boca da lei, como queria Montesquieu, mas sim o projetor de um direito que toma em consideração a lei à luz da Constituição e, assim, faz os devidos ajustes para suprir as suas imperfeições ou encontrar uma interpretação adequada...". (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil - volume 1: Teoria Geral do Processo. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006, fl. 54).

            11

Sobre os temas força normativa da constituição e pós-positivismo, ver, dentre muitos: HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre : Sergio Fabris, 1991; BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura, Ano 1, n. 2, outubro de 2006, Brasília : ENM, 2006, p. 26-72; BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, Teoria Crítica e Pós-positivismo). A Nova Interpretação Constitucional – Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas, Luis Roberto Barroso (coordenador), 2ª Edição, Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 01-48.

            12

CLT, artigo 878, caput: "A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio, pelo próprio juiz ou presidente ou tribunal competente, nos termos do artigo anterior".

            13

CLT, artigo 765: "Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas".

            14

CLT, artigo 832, § 1º: "Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento".

            15

CPC, artigo 475-J, § 3º: "O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados".

            16

CLT, artigo 882: "O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código de Processo Civil".

            17

A respeito, confira-se a seguinte notícia: "A Justiça do Trabalho é considerada uma das mais rápidas no Poder Judiciário Brasileiro. A cada dia, a busca pela eficiência é crescente. Os magistrados trabalhistas utilizam as atualizações legais como meios para favorecer o cidadão e dar efetividade às decisões. Na 5ª Vara do Trabalho de Belém, um bom exemplo pode ser dado. Um cidadão conseguiu, em apenas 19 dias, entrar com a ação e receber o pagamento resultante da sentença judicial. O juiz substituto Ney Stany Morais Maranhão instruiu e julgou o processo de forma líquida na mesma audiência, e aplicou o art. 475-J do CPC, que determina o pagamento da condenação em até 15 dias do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa de 10% e penhora dos bens. O resultado foi melhor que o esperado, a sentença foi proferida dia 29 de maio, e em 01 de junho o depósito já havia sido efetuado. Em ofício enviado à Corregedoria, a juíza titular da 5VT, Maria Zuila Lima Dutra, registrou o trabalho realizado também pelos servidores, pois só a combinação de bons juízes e servidores, sentença líquida e penalidade (em dinheiro) para quem não cumpre imediatamente decisão judicial resulta em eficiência e celeridade processual" (fonte: www.trt8.gov.br/cn).
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Sobre o autor
Ney Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney. Artigo 475-J do CPC e sua aplicação no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1475, 16 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10145. Acesso em: 23 nov. 2024.

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