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Serviço de mototáxi:

postura do Ministério Público

07/09/2007 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO

            Este estudo visa à análise d’uma "invenção de mercado" [01] denominada mototáxi, decompondo-a como fenômeno sócio-econômico e, via de conseqüência, suas implicações jurídicas para, finalmente, diante do perfil constitucional do Ministério Público, notadamente dos Estados e do Distrito Federal, apontar uma postura reflexiva dessa instituição frente às possíveis configurações daquela atividade.

            Primeiramente, far-se-á um breve retrato da popularização da motocicleta como meio de transporte no Brasil, e verificar-se-á o fenômeno da atividade mototáxi, demonstrando-se as razões de sua difusão. Em seguida, analisar-se-á o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do serviço de mototáxi. Num terceiro tópico, será apresentado um paralelo entre a visão do STF e a realidade nacional. Por fim, verificada uma desarmonia entre a visão judicial e um fenômeno social, propor-se-á a adoção de uma postura ao Ministério Público, especialmente dos Estados e do Distrito Federal, visando prevenir aumento de conflitos urbanos.


2. POPULARIZAÇÃO DA MOTOCICLETA NO BRASIL E O FENÔMENO DO MOTOTÁXI

            É fato de ciência comum a popularização da motocicleta no Brasil. De acordo com os dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Motonetas, Bicicletas e Similares - ABRACICLO, o veículo consolidou-se como meio de transporte popular no país. O presidente da entidade atribui esse fenômeno a questões econômicas (custo e manutenção) e a dificuldades do transporte coletivo. E apresenta dados surpreendentes: nos últimos oito anos, a frota existente na região Norte do país cresceu 590%, na região nordeste 372%, na região centro-oeste 280,3% e na região sudeste 191% (RODRIGUES, 2007).

            Analisar a composição da frota de veículos no Brasil mostra-se também importante. As motocicletas e motonetas representam entre 20 e 21% da frota de veículos (dados de fevereiro de 2007). Note-se que no percentual restante, estão os automóveis, camionetas, caminhonetes e caminhões, o que revela a significância do percentual de motos. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007).

            Relevante, ainda, é mostrar o perfil do comprador de motocicletas. 76% são do sexo masculino. 38% têm entre 21 e 30 anos, embora 26% tenham mais de 40 anos. 57% são casados. 80% adquirem para uso próprio. 40% justificam a compra como meio de substituir o ônibus/metrô, enquanto 16% como instrumento de trabalho e 16% para o lazer. O local de uso de 93% dos adquirentes é a cidade. 76% têm a finalidade de usá-la para condução trabalho/escola. As formas de pagamento usuais são o financiamento (40%) e o consórcio (36%) (ABRACICLO, 2007).

            Dessas informações, é possível concluir que a motocicleta, no Brasil, representa um meio de transporte socialmente relevante para a população urbana, especialmente para a classe trabalhadora, que a utiliza, direta ou indiretamente, na sua vida diária – trabalho e escola. O seu custo acessível, inclusive de manutenção, a torna um instrumento, ainda que indireto, de profissionalização do trabalhador, contribuindo-lhe em mobilidade social, haja vista (e aqui estamos diante de uma conclusão óbvia) que o transporte coletivo, com destaque para o ônibus, apresenta uma limitação para conciliar trabalho e escola: a lentidão do sistema.

            Num desenvolvimento lógico de idéias, não é difícil afirmar que a facilidade de aquisição da motocicleta, o baixo de custo de manutenção e a economia com combustível, aliado a fatores como desemprego, falta de profissionalização do trabalhador brasileiro e, ainda, as conhecidas deficiências do transporte coletivo, criaram um ambiente propício para o desenvolvimento de um serviço alternativo de transporte: o mototáxi.

            Fonseca, em sua dissertação de mestrado intitulada "Sobre duas rodas: o mototáxi como uma invenção de mercado", esclarece que,

            Finalmente, por invenções de mercado são entendidas profissões ou ocupações que oferecem a jovens pobres condições de desenvolver e aprimorar seus talentos, reforçam sua auto-estima, ampliam seus circuitos e redes de trocas e os fazem se sentir socialmente úteis e reconhecidos. Profissões e carreiras que inserem o jovem na zona de coesão social, por uma inscrição de trabalho valorizada e pelo fortalecimento de laços de pertencimento (2007, p.30).

            Acentua-se na dissertação, ainda:

            Independentemente do tamanho das cidades, o mototáxi surge como alternativa informal, clandestina, a um transporte coletivo precário ou mesmo inexistente. Apresentando vantagens como rapidez e preços reduzidos, ele atende sobretudo às demandas das classes de renda mais baixa, ao aliviar o peso do "transporte" em seu orçamento doméstico e ao garantir acesso a lugares não atendidos por ônibus, seja pela falta de pavimentação ou violência desses lugares, seja pela baixa lucratividade que oferece às empresas formais (2007, p.56).

            Mostra-se de forma clara que o mototáxi é resultado de um quadro socioeconômico negativo, excludente, do qual jovens pobres e desempregados, "sem opção", procuram desenvolver uma atividade lucrativa e até prazerosa, alcançando uma ocupação no "mercado de trabalho". E Fonseca observa, mais uma vez,

            Neste sentido, o serviço de mototáxi, que surgiu como alternativa de transporte, se transformou também em alternativa de trabalho ou solução para o desemprego de muitos jovens. Ser mototáxi tornou-se uma forma de inserção socioeconômica. [...] Falta de opção! Essa é a frase que sintetiza a primeira e mais expressiva razão alegada pelos entrevistados para começarem a trabalhar como mototáxi (2007, p.64; 85).

            Realidade de fácil verificação, surgida na clandestinidade, o serviço de mototáxi proliferou-se pelo país inteiro, em cidades de vários portes, das regiões sul a norte, em menos de 10 anos. Não foram poucos os municípios que tentaram proibi-lo (sem êxito) e os que editaram leis, regulando a atividade, inclusive alguns estados da federação seguiram a mesma iniciativa. O tema sempre revelou-se polêmico, recheado de argumentos favoráveis, apegados à questão social, e contra, associando-o à insegurança do transporte, acidentes, ao favorecimento da criminalidade, inclusive na facilitação do tráfico de entorpecentes.


3. A VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

            O Supremo Tribunal Federal, em três ações diretas de inconstitucionalidade, examinou o tema, julgando-as procedentes, ao reconhecer reserva legislativa da matéria à União.

            Na ADI 3135/PA, Relator Ministro Gilmar Mendes, em ação proposta pela Confederação Nacional do Transporte – CNT, à unanimidade, o Plenário do STF declarou, em decisão publicada no Diário da Justiça de 08/09/2006, a inconstitucionalidade de Lei do Estado do Pará, que regulava o serviço de transporte individual de passageiros prestado por meio de ciclomotores, motonetas e motocicletas (o conhecido mototáxi), afirmando a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI, CF). A fundamentação do voto do Relator foi extraída do parecer da Procuradoria-Geral de Justiça – "A questão constitucional versada nos presentes autos parece não suscitar maiores dúvidas. A Constituição de 1988 reserva privativamente à União a competência para legislar sobre trânsito e transporte..."

            Em julgamento proferido em 01/08/2006 (data também da decisão da ADI 3135/PA), publicado no Diário da Justiça de 10/11/2006, o STF, agora na ADI 3136-8/MG, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, requerente Confederação Nacional do Transporte – CNT, por unanimidade, reconheceu a inconstitucionalidade da lei mineira 12.618/97, que dispunha sobre o licenciamento de motocicletas destinadas ao transporte remunerado de passageiros. O fundamento é no sentido da competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte, bem como de inexistência de lei complementar federal autorizando a delegação do poder normativo sobre a matéria ao Estado (conforme parágrafo único do art. 22), precisamente quanto ao transporte remunerado de passageiros por motocicleta.

            O acórdão chama a atenção por dois motivos. Um, a falta de divergência entre os ministros. Dois, a menção de um fato "importante" pelo Ministro Sepúlveda Pertence – "...é uma realidade que se vê hoje em todo país, o chamado ‘mototáxi’. Tão real quanto as nossas carroças, que transitam pela via por trás do Tribunal a arrecadar papel das repartições..." (ADI 3136-8/MG).

            Nota-se, todavia, que o julgamento paradigmático foi na ADI 2.606-2/SC, publicado no Diário da Justiça de 07/02/2003, Relator Maurício Corrêa e também requerente a Confederação Nacional do Transporte - CNT, em que se regulava o licenciamento de motocicletas destinadas ao transporte remunerado de passageiros. Afirma-se ali a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte e a necessidade de autorização em lei complementar para que a unidade federada pudesse exercer tal atribuição. Diz-se paradigmático porque foi ali a primeira declaração de inconstitucionalidade de norma estadual que autorizava a exploração de serviços de transporte remunerado de passageiros realizados por motocicleta.

            Naquele acórdão da ADI 2.606-2/SC, chama a atenção algumas considerações metajurídicas:

            Convém ressaltar a incontroversa situação de perigo relacionada a esse meio de transporte, dependente que é do equilíbrio do condutor em apenas duas rodas, bem como em face da ausência de proteções estruturais, ativas e passivas, contra quedas e colisões. Submeter os potenciais usuários desse serviço a riscos com o aval do Estado, sem prévio e minucioso estudo realizado pelas autoridades federais competentes, é providência por demais temerária.

            Uma situação é a pessoa, por iniciativa própria e a convite do condutor da motocicleta, submeter-se espontaneamente aos perigos decorrentes. Outra, de extrema gravidade, é permitir-se que a população, necessitando de um meio de transporte mais barato ou acessível, possa, com o beneplácito estatal, correr sérios riscos de vida ou de lesões físicas.


4. DO SUPREMO À REALIDADE NACIONAL

            Das decisões do Supremo Tribunal Federal, pode-se afirmar, sem a mínima hesitação, que o Estado não pode legislar sobre serviço de mototáxi, nem mesmo o Município, em virtude da fundamentação de que cabe à União legislar sobre trânsito e transporte, ressalvada autorização específica, em lei complementar, para que os estados pudessem exercer tal atribuição. Mas não é somente isso que se pode verificar. Nota-se a completa falta de divergência entre os ministros, que menos parece ser de convicção e mais de pouco ou nenhum aprofundamento da matéria. Sim. É isso, senão observemos: a argumentação do Ministro Maurício Corrêa de que é "incontroversa a situação de perigo relacionada a esse meio de transporte, dependente que é do equilíbrio do condutor em apenas duas rodas, bem como em face da ausência de proteções estruturais, ativas e passivas, contra quedas e colisões", não pode ser recebida como uma crítica ao mototáxi, mas sua visão subjetiva sobre o uso de motocicleta. Ora, a moto é um veículo previsto no Código de Trânsito brasileiro, do qual inexiste qualquer apontamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Veículo disseminado no país, contra o uso do qual nada há na legislação, salvo normas de proteção e congêneres. Ainda segundo Maurício Corrêa, da mesma forma, "Submeter os potenciais usuários desse serviço a riscos com o aval do Estado, sem prévio e minucioso estudo realizado pelas autoridades federais competentes, é providência por demais temerária", parece desconhecer a popularidade do uso da moto no Brasil, seu aspecto legal, e que dar carona de moto é permitido...

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            Com um pouco de ousadia, é possível sustentar que o discurso do Ministro Maurício Corrêa revela-se carregado de preconceito, como daquele pai que diz ao filho que "prefere vê-lo morto a andar de moto", relacionando esse veículo a "coisa do Demo"...

            A situação parece que deve ser vista com outros olhos, aqueles que são forçados a enxergar o dia-a-dia das ruas e dos brasileiros.

            Não há mais espaço para preconceitos ou discursos no plano do ideal, do perfeito, vive-se numa sociedade complexa, pós-moderna, temperada com milhões e milhões de pessoas excluídas do mínimo existencial, humilhadas pela falta de oportunidade, de educação (ao menos de razoável qualidade), saúde etc.

            Prova maior não existe e pode ser constatada em todo país, especialmente naqueles em que tiveram suas leis declaradas inconstitucionais, de que o fenômeno do mototáxi não se preocupou com as decisões do Supremo Tribunal Federal. Nada mudou, nada mudou!!!. Numa linguagem bem popular, "não se pode tapar o sol com a peneira!".


5. O QUE FAZER?

            Constatada a flagrante divergência entre o quanto proclamado pelo Supremo Tribunal Federal e a realidade das ruas, resta indagar – o que fazer? A pergunta, como sugere o título deste artigo, é destinada aos membros do Ministério Público, notadamente dos Estados e do Distrito Federal, considerando que não se evidencia interesse direto da União nessa questão tipicamente urbana e local, a legitimar a atuação do Ministério Público Federal.

            É possível pensar em duas formas de atuação do Ministério Público, ambas na defesa de interesses difusos. Uma, visando ao combate do mototáxi, sob a idéia de que a atividade depende de autorização do poder público municipal e, se existente, estaria maculado pela inconstitucionalidade, preocupando-se, ademais, com os riscos da atividade aos consumidores do serviço; e outra, tolerando-o.

            Quanto ao combate, pode-se instaurar inquérito civil e: 1- provocar o Município a coibi-lo, através de fiscalização administrativa; 2- ajuizar ação civil pública para que o faça, visando cassar eventuais autorizações eventualmente concedidas, além de proibi-lo de fazê-lo. 3- ajuizar, perante o Tribunal de Justiça do Estado, ação direta de inconstitucionalidade, caso haja norma regulando o serviço. Basicamente, seria isso.

            Em outra banda, agora preocupado com questões metajurídicas, "tolerá-lo", sob o fundamento de sua realidade instalada nos municípios brasileiros, inclusive cumprindo uma nítida função social, na medida em que garante ocupação e renda para jovens brasileiros, além de atender ao interesse de pessoas que precisam de um transporte rápido e acessível. Ademais, não se trata de um serviço referencial ou estratégico para o transporte de massa, que inviabilizaria aquele prestado pelas empresas de ônibus, até porque seu crescimento decorre, ao menos em parte, da dificuldade desse sistema tradicional em atender aos interesses de parcela de consumidores de serviços de transporte.

            É necessário, entretanto, esclarecer o que aqui se entende por tolerância. Esta não significa "fechar os olhos" para o serviço de mototáxi, ou seja, simplesmente aceitá-lo sem nada fazer, mas, sobretudo, encará-lo para diagnosticar, em cada localidade, de acordo com as suas características territoriais e populacionais, sua extensão e repercussão, a fim de não só acompanhar-lhe, mas propor e efetivar, por exemplo, ao longo do tempo, melhorias no transporte tipicamente de massa (preço, qualidade, eficiência, atendimento a determinados bairros e ruas, através, muitas vezes, de veículos menores e apropriados) e, concomitantemente, fiscalizar o uso de motocicletas, aplicando a legislação existente, notadamente o Código de Trânsito Brasileiro, para evitar que pessoas dirijam e/ou sejam transportadas desprovidas de capacete e os demais itens obrigatórios de segurança.

            5.1 Ainda o que fazer – o caminho jurídico da tolerância

            Sem dúvida, a postura de tolerância é polêmica, não só pelas críticas ao serviço de mototáxi, como transporte coletivo urbano, mas, ainda, numa análise jurídica, pelos efeitos vinculante e erga omnes das decisões do Supremo Tribunal Federal no exercício do controle abstrato de constitucionalidade. É possível, todavia, contrariar essa impressão de afronta às decisões do STF.

            A eficácia erga omnes "significa que a decisão tem força geral, contra todos, que ela alcança todos os indivíduos que estariam sujeitos à aplicação da norma impugnada" (PAULO; ALEXANDRINO, 2006, p. 91). Isso quer dizer, aplicando-se aos casos analisados (ADI’s relativas às leis estaduais do Pará, Minas Gerais e Santa Catarina), que toda pessoa potencial ou efetivamente beneficiada com a regulação do serviço de mototáxi naqueles Estados, será atingida, ou seja, não poderá utilizar-se da prerrogativa legal para buscar autorização para o exercício da atividade, licenciar sua motocicleta com eventual benefício fiscal, etc.

            Quanto ao efeito vinculante, "significa que a decisão terá que ser observada pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal" (ibidem). Assim, naqueles Estados, o Poder Judiciário, em processo presentes e futuros, terá que acatar a decisão da Corte para impedir os efeitos de lei ou ato normativo, municipal ou estadual, direta ou indiretamente regulador da atividade de mototáxi. Da mesma forma, a Administração Pública, direta ou indireta, não poderá aplicar a legislação maculada pela inconstitucionalidade.

            Em relação aos demais Estados da Federação, é preciso identificar se houve lei ou ato normativo estadual ou municipal contestado em face da Constituição Estadual e declarado inconstitucional, com matéria idêntica ou semelhante à analisada. Se houve lei ou ato normativo estadual declarado inconstitucional [02], toda pessoa potencial ou efetivamente beneficiada com a regulação do serviço de mototáxi naquele Estado será atingida, ou seja, não poderá utilizar-se da prerrogativa legal para buscar autorização para o exercício da atividade, licenciar sua motocicleta com eventual benefício fiscal, etc, em decorrência da decisão do Tribunal de Justiça local ostentar os efeitos erga omnes e vinculante. Entretanto, se houve lei ou ato normativo municipal declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça, em ação de constitucionalidade, no âmbito daquele município também todos serão afetados.

            Caso não exista, porém, lei ou ato normativo estadual ou municipal declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça [03], acerca do serviço de mototáxi, e considerando, obviamente, que aquele estado-membro não teve lei ou ato normativo estadual declarado inconstitucional pelo STF, embora nem um pouco recomendável [04], ante o claro fundamento da inconstitucionalidade proclamada pela referida Corte, "nada impede", juridicamente, que se edite legislação, seja no âmbito municipal ou estadual, sobre o serviço de mototáxi, permitindo, por exemplo, autorizações para o exercício da atividade. O significado da expressão "nada impede" é porque, a despeito de não ser recomendável, não ofenderia, formalmente, a decisão do STF [05], embora numa demanda ulterior pudesse ser invocada a teoria da transcendência dos motivos determinantes [06].


6. CONCLUSÃO

            O que fazer, portanto? Qual a postura, pois, do Ministério Público? Ora, se determinado estado-membro ou município não está formalmente atingido pela decisão do STF e não lhe sendo recomendável legislar sobre o serviço de mototáxi, poderá "tolelar" tal atividade, desde que reconheça isso conveniente pelas particularidades daquele estado-membro ou município. E aqui entra o Ministério Público como órgão articulador e facilitador dessa "tolerância", que não significa, como já dito, "fechar os olhos" [07], mas acompanhar o caso, formalizando ajustamentos de condutas, por exemplo, evitando-se um mal ainda maior, ou seja, jovens abandonados, sem emprego, marginalizados, aptos a aumentar as estatísticas da violência urbana.

            A "tolerância" pode significar audiências públicas, negociações, ajustamentos de conduta para que as centrais de mototáxi subsidiem a necessária obediência à legislação de trânsito, assegurem direitos aos usuários do serviço etc., uma série de iniciativas, a despeito da polêmica que podem causar, capazes de reconhecer a realidade, deixando, simplesmente, de ignorá-la ou tratá-la com lamentável preconceito.

            Dessa "tolerância" pode-se extrair a consciência de que as raízes dos problemas do trânsito e do transporte são mais profundas e perversas do que o "incômodo" vivenciado pelos motoristas de automóveis, com "seus espaços" disputados pelos mototaxistas, ou do descontentamento das empresas de ônibus, sujeitas a uma "concorrência desleal" por quem não oferece segurança, conforto, higiene... [08]


BIBLIOGRAFIA

            ABRACICLO. Disponível em: www.abraciclo.com.br/perfil.html. Acesso em 06 ago 2007.

            MINISTÉRIO DAS CIDADES. Disponível em: www.cidades.gov.br. Acesso em 10 ago 2007.

            CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. Salvador: Edições JusPodivm, 2006.

            PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de constitucionalidade. 4.ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

            FONSECA, Natasha Ramos Reis da. Sobre duas Rodas: o mototáxi como uma invenção de mercado. Dissertação – Programa de pós-graduação em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas ENCE/IBGE, 2005, 113p. Disponível em http://www.ence.ibge.gov.br/pos_graduacao/mestrado/dissertacoes/pdf/2005/natasha_reis_da_fonseca_TC.pdf. Acesso em 30 jul 2007.

            RODRIGUES, Petterson. Motocicleta se consolida como meio de transporte popular. In: Agência Brasil. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/07/05/materia.2007-07-05.0260527334/view. Acesso em 05 jul 2007.

            SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2.ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2006.

            DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo: teoria e casos práticos. 2.ª ed., São Paulo: Madras, 2005.


NOTAS

            01

O conceito de invenção de mercado está explicitado no texto.

            02

Trata-se do controle abstrato/concreto de constitucionalidade.

            03

Considerando, outrossim, que não há, naquele estado-membro, lei ou ato normativo estadual declarado inconstitucional pelo STF.

            04

Não se pode recomendar o que contraria a Constituição Federal e que facilmente será declarado inconstitucional..

            05

Pela falta de incidência, no caso, dos efeitos erga omnes e vinculante.

            06

Teoria que consagra que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição, quando realizada pelo STF, em controle abstrato, devem ser observados por todos os tribunais e autoridades.

            07

Aliás, como se faz com a infração penal do jogo do bicho.

            08

É a costumeira argumentação dos setores econômicos descontentes.
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Sobre o autor
Márcio José Cordeiro Fahel

promotor de Justiça em Itabuna (BA), professor universitário, especialista em Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAHEL, Márcio José Cordeiro. Serviço de mototáxi:: postura do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1528, 7 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10386. Acesso em: 28 mar. 2024.

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