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Ministério Público e poder investigatório criminal

01/06/2000 às 00:00
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O tema em epígrafe diz respeito a uma das mais importantes atribuições do Ministério Público, em fase anterior ao processo criminal e, muitas das vezes, de fundamental importância para a persecução criminal.

Nada obstante opiniões em contrário, o certo é que tal atribuição transparece suficientemente clara à luz dos textos constitucionais, além de outros textos legais, como procuraremos demonstrar a seguir.

Com efeito, diz o art. 129, da Constituição Federal que são funções do Ministério Público, dentre outras:

"II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia." (grifo nosso).

"VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva." (grifo nosso).

"VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

"IX - exercer outras funções que lhe sejam conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas." (idem).

Como se nota pelo inciso II, supra referido, a Carta Magna nos permite que promovamos as medidas que sejam necessárias para a garantia dos direitos assegurados pela própria CF/88, que não estejam sendo respeitados pelos Poderes Públicos e pelos serviços de relevância pública; assim, por exemplo, quando um agente público, abusando de poder ou de autoridade, transgride o direito à liberdade de um cidadão, verbi gratia, prendendo-o ilegalmente, é evidente que a nós é permitido constitucionalmente "promover medidas necessárias para a garantia do direito à liberdade", ora desrespeitado pelo agente do Poder Público.

Já no inciso VI, o mesmo dispositivo constitucional, complementando as atribuições do parquet, refere-se expressamente à expedição de notificações "nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los."; pergunta-se: para que serviriam tais notificações ou as informações e os documentos requisitados, se não fossem para instruir procedimento administrativo investigatório? É evidente que nenhuma lei traz palavras ou disposições inúteis (é regra de hermenêutica), muito menos a Lei Maior.

Comentando este inciso, afirma o ínclito Marcellus Polastri Lima:

"Trata-se, à saciedade, de coleta direta de elementos de convicção pelo promotor para elaborar opinio delicti e, se for o caso, oferecimento de denúncia, uma vez que, como já asseverado, não está o membro do Ministério Público adstrito às investigações da Polícia Judiciária, podendo colher provas em seu gabinete ou fora deste, para respaldar a instauração da ação penal.

          "Portanto, recebendo o promotor notícia de prática delituosa terá o poder-dever de colher os elementos confirmatórios, colhendo declarações e requisitando provas necessárias para formar sua opinio delicti." (in Ministério Público e Persecução Criminal, Lumen Juris, 1997, p. 88).

Que não se diga tratar-se tal procedimento administrativo do inquérito civil preparatório para a ação civil pública, pois desta matéria já cuidara o anterior inciso III; portanto, este outro dispositivo (VI), ao se referir a "procedimentos administrativos" não faz alusão ao inquérito civil (que também é um procedimento administrativo), este já tratado no item anterior; neste mesmo sentido caminha Mazzilli, para quem "se os procedimentos administrativos a que se refere este inciso (VI) fossem apenas em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inciso III. O inquérito civil nada mais é que uma espécie de procedimento administrativo ministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure na esfera cível; atinge também a área destinada a investigações criminais." (Regime Jurídico do Ministério Público, Saraiva, 1996, p. 239).

Obtempere-se, do mesmo modo, com o inciso VIII, a seguinte indagação: se podemos o mais (requisitar diligências investigatórias), como não podemos o menos, id est, nós próprios fazê-las.

Se não bastassem tais preceitos, há ainda o quarto deles, consubstanciado no inciso IX, este a nos permitir o exercício de funções outras que forem atribuídas ao Ministério Público e que sejam compatíveis com suas finalidades: a Lei Federal n.º 8.625/93 e a Lei Complementar Estadual n.º 11/96 concede-nos instaurar procedimentos administrativos investigatórios, como veremos adiante.

Antes, note-se a Constituição Estadual, art. 138, II e VI.

Efetivamente, a Lei n.º 8.625/93, no seu art. 26, poder o Ministério Público (os grifos são nossos):

"I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: (omissis);"

"II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;"

"V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;"

Comentando este artigo (mais especificamente o seu inciso V), assim se pronunciou o eminente Professor Pedro Roberto Decomain, Promotor de Justiça em Santa Catarina:

"Trata-se de todas as providências preliminares que possam ser necessárias ao subseqüente exercício de uma função institucional qualquer. Providências administrativas de âmbito interno poderão ser de rigor para o melhor exercício de alguma função institucional, em determinadas circunstâncias. Por força deste inciso, está o Ministério Público habilitado a tomá-las. Aliás, nem poderia ser diferente. É claro que a Instituição está apta a realizar todas as atividades administrativas que sejam indispensáveis ao bom desempenho de suas funções institucionais. Tal será uma direta conseqüência do princípio de sua autonomia administrativa, que orienta não apenas o funcionamento global da Instituição, mas também a sua atuação em cada caso concreto que represente exercício de suas funções institucionais." (Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Obra Jurídica Editora, ps. 204/205, grifado por nós).

Adverte, Polastri, dirimindo dúvidas:

"A exemplo do disposto na CF/88, entendemos que o estabelecido no item I do art. 26 da Lei 8.625/93, refere-se não só aos inquéritos civis, como a quaisquer outros procedimentos, sendo a expressão pertinente atinente a medidas e procedimentos condizentes com as funções do Ministério Público, e não somente aos inquéritos civis, conforme estabelecido no caput do art. 26." (idem, p. 90),

E, continuando a análise da Lei Federal, temos no seu art. 27, verbo ad verbum (por nós sublinhado):

"Art. 27 - Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:

          "I - pelos poderes estaduais e municipais;

          "II - pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou indireta;

          "(omissis).

"Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências:

          "I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas;

          "II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos;

          "(omissis)."

A nossa Lei Complementar Estadual, basicamente, repete os dispositivos acima elencados, pelo que nos furtaremos a transcrevê-los, bastando, apenas, indicá-los; desta forma, leia-se o seu art. 73, I, II e V.

Porém, há um outro preceito nesta Lei Estadual que explicita, ainda mais, esta atribuição institucional que ora procuramos delinear; estamos a falar do art. 92, XIV, verbum pro verbo:

"XIV - expedir notificações e requisições e instaurar procedimentos investigatórios nos casos afetos à sua área de atuação;"

Vemos, destarte, que não há dificuldades em admitir-se a instauração de procedimentos administrativos investigatórios no âmbito do Ministério Público, desde que haja a necessidade da apuração de determinado fato que, por sua vez, enquadre-se no leque institucional das atribuições ministeriais.

Portanto, não podemos conceber, em que pese a autoridade dos que pensam contrariamente (o que do ponto de vista dialético é salutar), que se diga ser defeso ao Ministério Público a investigação e a coleta de provas para o Processo criminal, pois a nós isto é permitido perfeitamente, principalmente levando-se em conta a lição doutrinária amplamente conhecida, segundo a qual o inquérito policial é peça prescindível à instauração da ação penal, conclusão esta retirada do próprio Código de Processo Penal, arts. 4º., parágrafo único, 12, 27, 39, § 5º. e 46, § 1º.

Com razão afirma Mazzilli:

"Tanto na área cível como criminal, admitem-se investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado. Para fazê-las, não raro se valerá de notificações e requisições." (ob. cit., p. 239). E, complementa: "Em matéria criminal, as investigações diretas ministeriais constituem exceção ao princípio da apuração das infrações penais pela polícia judiciária; contudo, há casos em que se impõe a investigação direta pelo Ministério Público, e os exemplos mais comuns dizem respeito a crimes praticados por policiais e autoridades." (idem, p. 400)

Costuma-se opor ao entendimento acima esposado o art. 144, § 4º., da CF/88, cuja dicção diz caber à Polícia Civil a apuração de infração penal, exceto a de natureza militar, ressalvada, também, a competência da União.

Ocorre que esta atribuição constitucional não é exclusiva da Polícia Civil, sendo esta a melhor interpretação deste dispositivo constitucional.

Não se deve interpretar um dispositivo constitucional isoladamente, mas, ao contrário, devemos utilizar o processo sistemático, segundo o qual cada preceito é parte integrante de um corpo, analisando todas as regras em conjunto, a fim de que possamos entender o sentido de cada uma delas.

"Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio." (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Freitas Bastos, 1961, p. 165).

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Aliás, segundo Luiz Alberto Machado, professor de Direito Penal e Processual Penal da UFPR, "o criminalista ortodoxo pensa e age, sem confessar e até dizendo o contrário, como se coexistissem dois ordenamentos jurídicos: um ordenamento jurídico-criminal e outro ordenamento para as demais ciências jurídicas." (in Estudos Jurídicos em Homenagem a Manoel Pedro Pimentel, Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 239).

Partindo-se desse pressuposto, pensamos que não deu a Constituição exclusividade na apuração de infrações penais a apenas uma Instituição; observa-se que um outro artigo da mesma Carta (art. 58, § 3º.), dá poderes à Comissão Parlamentar de Inquérito para investigação própria e, adiante, como já demonstrado, concede a mesma prerrogativa ao Ministério Público.

A esse respeito, em sua mais recente obra, editada bem depois da nossa Constituição, pensa o ínclito Tourinho Filho:

"O parágrafo único do art. 4º. (CPP) deixa entrever que essa competência atribuída à Polícia (investigar crimes) não lhe é exclusiva, nada impedindo que autoridades administrativas outras possam, também, dentro em suas respectivas áreas de atividades, proceder a investigações. As atinentes à fauna e flora normalmente ficam a cargo da Polícia Florestal. Autoridades do setor sanitário podem, em determinados casos, proceder a investigações que têm o mesmo valor e finalidade do inquérito policial." (CPP Comentado, Vol. 1, Saraiva, 1996, p. 16).

Da mesma forma pensa o já citado Marcellus Polastri Lima:

"Obviamente, não sendo a Polícia Judiciária detentora de exclusividade na apuração de infrações penais, deflui que nada obsta que o MP promova diretamente investigações próprias para elucidação de delitos.

          "Como já salientamos, de há muito Frederico Marques defendia que o MP poderia, como órgão do Estado-administração e interessado direto na propositura da ação penal, atuar em atividade investigatória.

"O art. 4º. do CPP já dispunha, em seu parágrafo único, inteiramente recepcionado pela nova ordem constitucional, que a atribuição para apuração de infrações penais não exclui a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a função." (ob. cit., p. 84, grifo nosso).

E não se diga que, sendo parte, não pode o Promotor de Justiça ser considerado autoridade para efeito de instauração de procedimento administrativo, na forma permitida pelo parágrafo único, do art. 4º., do CPP; tal descalabro também é rebatido pelo autor por último citado, ao afirmar, depois de apoiar-se nas lições de Hely Lopes Meirelles, que:

"Não resta dúvida que, estando o Ministério Público regido por lei orgânica própria, detendo funções privativas constitucionalmente e possuindo seus agentes independência funcional, além de preencher os demais requisitos elencados pela doutrina, os seus membros são agentes políticos, e como tal exercem parcela de autoridade.", concluindo:

"Portanto, indubitavelmente, exerce o MP parcela de autoridade e, administrativamente, pode proceder às investigações penais diretas na forma da legislação em vigor." (ob. cit. págs. 85 e 87).

Mirabete não pensa diferente:

"Os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, entretanto, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando expressamente a lei a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas (art. 4º., do CPP). Não ficou estabelecido na Constituição, aliás, a exclusividade de investigação e de funções da Polícia Judiciária em relação às polícias civis estaduais. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder investigações e diligências, conforme determinarem as leis orgânicas estaduais." (Processo Penal, Atlas, 1997, p. 77), citando várias hipóteses em que outras autoridades administrativas, que não Delegados de Polícia, podem e devem proceder a investigações (Lei de Falências, arts. 103 e segs.; as já referidas CPI’s; Lei 4.771/65, art 33, b; art. 43, do Regimento do STF).

Espínola Filho, por sua vez, já advertia:

"Que o inquérito não é atribuição exclusiva da autoridade policial, é ponto assente, muito comuns sendo os inquéritos administrativos.

"O Código de processo penal, no art. 4º., parágrafo único, ressalva, do modo mais claro, a pertinência desses inquéritos extrapoliciais, acentuando que a competência dada no inquérito à polícia judiciária, exercida por autoridades policiais, não exclui a de autoridades administrativas, para promoverem inquéritos, quando a isso legalmente autorizadas." (cfr. CPP Anotado, Borsoi, 1960, p. 248).

O Superior Tribunal de Justiça assim já se manifestou:

"Como procedimento meramente informativo que é, o inquérito policial pode ser dispensado se o titular da ação penal dispuser de elementos suficientes para o oferecimento da denúncia." (DJU, 08/06/92, p. 8.594).

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu:

"A inexistência de inquérito policial não impede a denúncia, se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a formulação da demanda penal – Existência, no caso, de indícios suficientes para afastar a alegação de falta de justa causa para a denúncia. Habeas Corpus indeferido." (STF, Habeas Corpus n.º 70.991-5, Rel. Min. Moreira Alves).

Especificamente sobre o poder investigatório do Ministério Público, veja-se:

"O MP tem legitimidade para proceder a investigações ou prestar tal assessoramento à Fazenda Pública para colher elementos de prova que possam servir de base a denúncia ou ação penal. A CF/88, no art. 144, § 4º., não estabeleceu com relação às Polícias Civis a exclusividade que confere no § 1º., IV, à Polícia Federal para exercer as funções de Polícia Judiciária." (RT, 651/313).

Para encerrarmos as argumentações, objetamos o seguinte: mesmo em se admitindo que as Leis Orgânicas do Ministério Público Estadual (Lei Federal e a Lei Complementar Estadual) não nos permitissem as investigações criminais (o que, absolutamente, não é verdade), ainda assim, por força do art. 80, da referida Lei Federal poderíamos utilizar, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar Federal nº. 75/93), que "não deixa margem de dúvidas quanto a operacionalização das investigações criminais diretas no âmbito do Ministério Público", como argumenta Polastri, no livro aludido (p. 91), referindo-se, com certeza (ainda que não o diga expressamente), aos arts. 7º., I e 8º., VII, in verbis:

"Art. 7º. - Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:

          "I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos correlatos."

"(omissis)."

"Art. 8º. - Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

          "(omissis)."

"VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar."

Ressalvamos que não entendemos necessário lançarmos mão da supra referida Lei Complementar n.º 75/93, para embasarmos nossas idéias, tendo isto sido feito apenas para esgotarmos o assunto.

Há vários sistemas jurídicos alienígenas que, ao priorizar em suas reformas processuais penais o fortalecimento do Ministério Público, passaram a permitir de maneira ampla a investigação criminal pelo parquet.

No Direito comparado observamos a existência de dois sistemas principais: o inglês (a Polícia detém o poder de conduzir as investigações preliminares) e o continental (o Ministério Público conduz a investigação criminal).

Neste segundo sistema, encontramos, por exemplo, países como a Itália, Alemanha, França e Portugal, como veremos a seguir:

Na Alemanha, lê-se no Código de Processo Penal:

"StPO § 160: (1) (omissis)

"(2). A Promotoria de Justiça deverá averiguar não só as circunstâncias que sirvam de incriminamento, como também as que sirvam de inocentamento, e cuidar de colher as provas cuja perda seja temível.

"(3). As averiguações da Promotoria deverão estender-se às circunstâncias que sejam de importância para a determinação das conseqüências jurídicas do fato. Para isto poderá valer-se de ajuda do Poder Judicial.

"StPO § 161: Para a finalidade descrita no parágrafo precedente, poderá a Promotoria de Justiça exigir informação de todas as autoridades públicas e realizar averiguações de qualquer classe, por si mesma ou através das autoridades e funcionários da Polícia. As autoridades e funcionários da Polícia estarão obrigados a atender a petição ou solicitação da Promotoria."

Na Itália não é diferente no seu "Codice di Procedura Penale":

"Art. 326 – O Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal."

"Art. 327 – O Ministério Público dirige a investigação e dispõe diretamente da Polícia Judiciária."

Em Portugal, "os órgãos de polícia criminal coadjuvam o Ministério Público no exercício das suas funções processuais, nomeadamente na investigação criminal que é levada a cabo no inquérito, e fazem-no sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional (arts. 56 e 263). (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. I, Editorial Verbo, Lisboa, 1996).

Ainda em solo lusitano, a Lei Orgânica do Ministério Público, no seu art. 3º., diz que compete ao Ministério Público "dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades" e " fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia criminal."

Em França não é diferente; vejamos o art. 41 do respectivo Código de Processo Penal:

"O Procurador da República procede ou faz proceder a todos os atos necessários à investigação e ao processamento das infrações da lei penal. Para esse fim, ele dirige as atividades dos oficiais e agentes da polícia Judiciária dentro das atribuições do seu tribunal."

Diante de tudo quanto foi exposto, pode e deve o Promotor de Justiça, quando isto lhe é faticamente possível, investigar diretamente fatos criminosos, principalmente quando se tratar de abuso de autoridade (a título de exemplo); é bom que se diga não ter o Ministério Público, muitas das vezes, condições de, motu proprio, levar adiante uma investigação criminal, até por carência de material, seja humano (investigadores, por exemplo), seja físico (viaturas, espaço físico apropriado, etc); quando houver dificuldades, nada nos impede, ao contrário, tudo indica, que requisitemos a instauração de inquérito policial (ou termo circunstanciado na forma da Lei nº. 9.099/95) à autoridade policial respectiva, atentando-se para o fiel cumprimento da requisição e adotando-se as medidas criminais em caso de não atendimento (pode-se estar configurado, por exemplo, o delito de prevaricação), além da possibilidade de se configurar ato de improbidade administrativa (art. 11, II, da Lei nº. 8.429/92)

Apenas ressalte-se a impossibilidade de que o mesmo Promotor de Justiça (ou os mesmos profissionais ou a mesma equipe) que investigue possa, depois, valorando a prova por ele próprio colhida, oferecer denúncia. Não cremos ser isso possível.

Vejamos a respeito as observações de Antonio Evaristo de Morais Filho, citando Altavilla:

"Este fenômeno foi muito bem estudado por Altavilla, em sua famosa ‘Psicologia Judiciária’ (Porto, 1960, v. 5, p. 36-39), onde dedicou dois verbetes aos perigos das hipóteses provisórias, que podem ‘seduzir o investigador, de maneira a torná-lo daltônico nas apreciações das conclusões de indagações ulteriores’. Adverte o mestre italiano que, uma vez internalizada na mente do policial, do promotor ou do juiz, a procedência da hipótese provisória, cria-se em seu espírito a necessidade de demonstrar o que considera verdade, ‘à qual ele liga uma especial razão de orgulho’, como se a eventual demonstração da improcedência de sua hipótese ‘constituísse uma razão de demérito’. E assim, intoxicado por sua verdade, sobrevaloriza todos os elementos probatórios que lhe forem favoráveis e diminui ‘o valor dos contrários, até o ponto de não serem tomados em consideração num ato." (Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 19, p. 106).

Afinal de contas, nas veias do Promotor de Justiça também corre o sangue dos pobres mortais...

A jurisprudência, nesse sentido, também é encontrada:

"Ministério Público. Impedimento de seus órgãos. Nulidade da denúncia. 1) O membro do Ministério Público que atua na fase inquisitorial, apurando pessoalmente os fatos, torna-se impedido para oficiar como promotor da ação penal (inteligência dos arts. 252, I e 258, CPP). Nula, portanto, é a denúncia ofertada, se inobservado esse aspecto." (EJTJAP, v. 1, n. 1, p. 91).

Interessante, a título de ilustração, a observação feita por Renê Ariel Dotti:

"(...) forçoso é reconhecer que o sistema adotado em nosso país deixa muito a desejar quanto à eficácia e agilidade das investigações. E o maior obstáculo para alcançar estes objetivos decorre da falta de maior integração não somente das categorias funcionais da Polícia Judiciária e do Ministério Público como também de seus integrantes. Observa-se, lamentavelmente e em muitas circunstâncias, a existência de um processo de rejeição que parece ser genético." (cfr. O Ministério Público e a Polícia Judiciária - Relações formais e desencontros materiais, in Ministério Público, Direito e Sociedade, Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 135).

Atentos à observação supra (verdadeira e preocupante), esclarecemos que tais considerações, longe de representarem obstáculos à atuação policial, são apenas elucidações que devem ser feitas a respeito das prerrogativas do Ministério Público, nunca olvidando-se da importância da Polícia Judiciária, aliás, sem a qual, impossível se tornaria o cumprimento de nossos misteres.

Devemos, na lição do maior de todos os Promotores de Justiça, "no trato com as autoridades policiais (...), além do respeito devido às prerrogativas daqueles colaboradores e não subordinados, pugnar pelo prestígio que advém da sua correção." (ROBERTO LYRA, Teoria e Prática da Promotoria Pública, Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 121).

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Ministério Público e poder investigatório criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1055. Acesso em: 22 nov. 2024.

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