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O princípio do informalismo moderado no processo administrativo disciplinar

Resumo:


  • O informalismo moderado no processo administrativo prioriza o conteúdo sobre a forma, permitindo flexibilidade desde que não prejudique os direitos dos administrados.

  • Irregularidades formais podem ser supridas se não houver prejuízo ao processo ou à defesa, e a presença espontânea do acusado pode validar atos que teriam vícios formais.

  • O princípio não dispensa o cumprimento de formalidades essenciais e não pode ser usado para justificar atos que prejudiquem o exercício do direito de defesa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. Introdução e idéia geral

O princípio do informalismo moderado significa, no processo administrativo, a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados (art. 2º, par. único, IX, Lei federal n. 9.784/99), de maneira que o conteúdo deve prevalecer sobre o formalismo extremo, respeitadas as formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados (art. 2º, par. único, VIII, Lei Federal 9.784/99).

No processo administrativo, não deve imperar a sacralidade das formas, mas sim a instrumentalidade delas, de sorte que os atos processuais produzem efeitos jurídicos regulares se, apesar de não observada certa procedimentalidade, a finalidade a que destinados tenha sido alcançada.


2. Reflexos in concreto do princípio do informalismo moderado no rito do processo administrativo disciplinar

Por exemplo, a despeito do vício da citação ou intimação, realizada sem a observância das formalidades e dos prazos legais pertinentes, o comparecimento espontâneo do interessado ou acusado supre os defeitos do ato cientificatório (art. 26, § 5º, Lei Federal 9.784/99).

A Procuradoria-Geral do Distrito Federal assentou em caso concreto por ela examinado:

Conquanto informado pelas garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o processo administrativo disciplinar segue o princípio do informalismo, de maneira que as formalidades processuais não são um fim em si próprias, mas um meio de se chegar à justa e melhor solução jurídica do feito. Não vigora a sacralidade, mas a instrumentalidade das formas na seara disciplinar, de maneira que a citação/notificação/intimação do acusado pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado, consoante as regras da Lei Geral de Processo Administrativo do Distrito Federal, subsidiariamente aplicável ao processo administrativo disciplinar (art. 26, § 3º, c.c. art. 69, Lei Federal 9.784/99). [01]

José dos Santos Carvalho Filho finca: "Significa que se deve considerar válida a intimação mesmo que a forma empregada não tenha sido a prevista na lei; o que importa, sim, é que o destinatário tenha tomado ciência do ato ou da providência a ser cumprida." [02]

Não se deve decretar, em virtude do princípio do informalismo moderado, a nulidade do processo administrativo disciplinar se os atos contaminados de defeitos procedimentais não alteram a valia de outros atos essenciais e desde que o julgamento não tenha sido afetado pelos vícios apontados.

Se uma prova foi colhida sem a presença do acusado, como uma audiência para inquirição de testemunha, mas o julgamento em nada refere os fatos hauridos do ato probatório defeituoso, antes se fundamenta em outro meio de instrução (como a prova documental, ou diligência, validamente produzidas), não há que se proclamar a desvalia de todo o procedimento, se o decisão final sancionadora não se embasou no conteúdo dos atos preparatórios viciados.

Por isso que se alicerçou o princípio de que não se decretam nulidades, em regra, se não houver prejuízo processual inequívoco para o acusado, como já sobejamente sedimentado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, Regionais Federais e Estaduais brasileiros.

Lembre-se de que o Supremo Tribunal Federal chegou, no julgamento de mandado de segurança recente impetrado por Deputado Federal contra a cassação de seu mandato por quebra de decoro, a considerar que o julgamento de processo ético-disciplinar contra membro do Poder Legislativo não seria viciado pelo defeito na produção de prova colhida depois do oferecimento da defesa escrita, desde que o relatório final do parlamentar relator da matéria suprimisse qualquer alusão ao teor do meio probatório eivado de vício. Nada mais se trata de que pura aplicação do princípio do informalismo moderado.

As formas se prestam a assegurar segurança e previsibilidade aos administrados e ao processo administrativo. Pelo princípio do informalismo moderado, um processo deve privilegiar os fins, e não as formas. Não se pode sacrificar a verdade para, por exemplo, atender a um prazo cuja fatalidade não seja relevante.

Enfatize-se. O princípio afasta o sistema da sacralidade das formas processuais para antes sedimentar a desconsideração dos defeitos formais quando ausente prejuízo à Administração e ao particular.

A Procuradoria-Geral do Distrito Federal opinou contra a decretação de nulidade do processo administrativo disciplinar, ao fundamento de suposto cerceamento de defesa, invocado por ex-servidor público, ao argumento de que desconhecera o conteúdo do feito:

Grife-se que a ciência acerca do teor do feito é confessada pelo próprio acusado, quando da instrução do processo administrativo disciplinar, de maneira que cerceamento de defesa não houve em virtude da questionada inexistência de citação pessoal ou por edital, porquanto o objetivo do ato citatório seria dar ciência ao acusado do teor do feito punitivo, resultado que é provado na leitura do pedido de exoneração formalizado pelo servidor. Demais, o comparecimento espontâneo do acusado ao feito, mediante peça escrita de defesa (acompanhada de uma confissão), supre a eventual falta ou irregularidade nos atos citatórios (art. 26, § 5º, c.c. art. 69, da Lei Federal 9.784/99). [03]

Odete Medauar explicita: "O princípio do formalismo moderado se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto a formas, para evitar que estas sejam vistas como um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo." [04]

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3. Princípio do informalismo moderado e prejuízo à defesa

Impende ressaltar, contudo, que o princípio do informalismo moderado não pode servir de escudo para que a comissão processante prejudique, dolosa ou mesmo culposamente, o pleno exercício do direito de defesa pelo acusado, em virtude do princípio do devido processo legal, que enuncia o dever de observância das formas e solenidades legalmente estipuladas, tanto que são critérios fundamentais de atuação no processo administrativo, grife-se, a observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados e a adoção de formas simples, mas suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados (art. 2º, par. único, VIII e IX, Lei federal n. 9.784/1999).

Pertinente a lição de Miguel Seabra Fagundes no sentido de que a forma concerne ao conjunto de solenidades com que a lei cerca a exteriorização do ato administrativo, em nome da boa ordem do serviço público e como proteção do administrado contra decisões precipitadas, mal estudadas, errôneas e injustas, de maneira que, preteridas formalidades ou mal observadas, poderá residir vício de invalidade do ato caso se trate de forma expressamente exigida por lei e por esta declarada indispensável. [05]

O princípio do informalismo moderado não exclui, todavia, o dever de respeito àquelas formalidades consideradas essenciais para os direitos dos administrados, como a observância de prazos mínimos de antecedência nas notificações para a prática de atos processuais, salvo se não houver prejuízo para a defesa e o fim do ato for satisfeito, apesar do defeito procedimental.

Nesse particular, se o advogado do servidor processado recebe intimação não por via de mandado, mas por telefone, com pouco mais de uma hora de antecedência de audiência de inquirição de testemunha, deve o causídico se recusar a comparecer ao ato processual, se entender que há prejuízo para a defesa (provavelmente ocorrerá), em face da falta de tempo para elaborar a estratégia e a preparação tática defensória para o ato processual, para a coleta de elementos junto ao cliente acusado ou acerca de quem seja o depoente e sua relação possível com os fatos objeto de apuração no processo administrativo disciplinar.

Calha pontuar que, se o defensor comparece ao ato processual para o qual foi irregularmente notificado ou sem o respeito ao prazo legal de antecedência de 3 dias úteis, a presença da defesa suprirá os vícios e impedirá, posteriormente, argüição de nulidade ou cerceamento acerca da mesma irregularidade, motivo por que deve haver cautela do advogado sobre o comparecimento ou não.

Do ponto de vista da comissão processante, é de bom alvitre que seja elaborado um calendário de audiências em bloco, com larga antecedência dos atos processuais, a fim de facilitar o curso processual e de evitar intimações e notificações de último hora ou individuais, o que previnirá impugnações defensórias a esse teor.

Por sinal, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região anulou, por considerar ofensivo à garantia do devido processo legal, processo administrativo disciplinar instaurado por acumulação ilegal de cargos públicos em virtude da redução pela metade do prazo para a servidora acusada apresentar sua defesa. [06]

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou no mesmo sentido: "Forma inusual do procedimento, com estranhável rapidez, demonstra que a decisão de condenar já existia a priori, da qual o processo administrativo serviu apenas de mero instrumento." [07]


4. Conclusão

A aplicação dos princípios do formalismo moderado e da instrumentalidade das formas e a rápida e eficaz solução do processo administrativo, portanto, de um lado, não podem resultar na violação das garantias inerentes ao contraditório e à ampla defesa, como o dever de motivação, o respeito a prazos e o deferimento do direito de formular alegações e defesa, enquanto, de outro, o controle da regularidade formal do feito punitivo disciplinar não poderá imputar nulidades, como regra geral, sem prova de efetivo prejuízo para a defesa, evitando-se a sacralidade procedimental, mas sim a instrumentalidade como parâmetro de aferição em torno de apreciação de vícios processuais.


Notas

01 Processos n. 278.000.001/2002 e 060.001.906/2005.

02 FILHO, José dos Santos Carvalho. Processo administrativo federal: comentários à Lei 9.784 de 29/1/1999. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 163.

03 Processos n. 278.000.001/2002 e 060.001.906/2005.

04 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11ª ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 203.

05 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 4a. ed. atual., Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 81.

06 AGTAMS 47598, Processo: 200151010248203/RJ, 4ª Turma, decisão de 20.05.2003, DJU de 1º.08.2003, p. 537, relator o Desembargador federal Fernando Marques.

07 AC – 199701000222060, Processo: 199701000222060/GO, 1ª Turma, decisão de 17.11.1998, DJ de 22.03.1999, p. 77, relator o Desembargador federal Aloísio Palmeira.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. O princípio do informalismo moderado no processo administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1611, 29 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10703. Acesso em: 23 dez. 2024.

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