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A remição de pena à luz da ressocialização do condenado

01/09/2000 às 00:00
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"Eis aí, pois, o que é justo: o proporcional; e o injusto é o que viola a proporção"

(Aristóteles)


De mínima abordagem na doutrina pátria é a questão do cálculo da remição de pena pelo trabalho do condenado. Vislumbram-se, dentre os parcos comentários sobre o assunto, duas interpretações do art. 126 da Lei de Execução Penal. A primeira exegese salienta que o tempo da pena remida deverá ser somado à pena privativa de liberdade cumprida, para fins de benefícios, tais como a progressão de regime, livramento condicional, indulto, etc.. O segundo entendimento, mais gravoso e amplamente adotado, diz respeito ao abatimento do lapso remido no total da condenação imposta, sendo que dessa "nova pena" calcular-se-ão os prazos para os benefícios assegurados pela legislação.

Numa visão superficial do assunto, pelos mais afoitos poderia ser dito, erroneamente, que se trata de discussão estéril, meramente acadêmica, sem reflexos práticos.

Todavia, é importantíssima a correta exegese da remição de pena pelo trabalho, interpretação essa que nunca deveria ser relegada a segundo plano, como vem sendo tratada pela doutrina e jurisprudência. Releva destacar que a lei de regência silencia completamente sobre o assunto.

À guisa de exemplificação, consideremos um condenado à reclusão por 5 anos e 6 meses, ou sejam, 66 meses, a serem cumpridos, inicialmente no regime semi-aberto. Assim, para que fosse atingido o prazo necessário para a progressão ao regime aberto de cumprimento de pena, deveria o sentenciado cumprir 1/6 da reprimenda que lhe foi imposta, isto é, 11 meses de reclusão, consoante lhe garante o art. 112 da Lei de Execução Penal.

Considere-se, ainda, que o mesmo tenha conseguido remir 60 dias de sua pena, através de 180 dias trabalhados, visto que o § 1.º do art. 126 da LEP assevera que será remido um dia de pena à razão de três dias trabalhados.

1 – Partindo dessas premissas e adotando o entendimento de que o tempo remido será somado à pena efetivamente cumprida, o reeducando atingiria o tempo necessário à progressão de regime após cumpridos 9 meses de reclusão, visto que possui dois meses de pena remida pelo trabalho.

2 – Adotando o entender contrário, mais severo, de que o tempo remido será descontado do total da sanção imposta, para que esta pena resultante seja tomada como base para eventuais benefícios, infere-se, na hipótese em pauta, que a pena restante passará a ser de 5 anos e 4 meses de reclusão, ou 64 meses, haja vista terem sido descontados os dois meses remidos; desse total a sexta parte necessária para a progressão ao regime aberto de cumprimento de pena seria atingida quando se completassem, tão-somente, 10 meses e 20 dias de reclusão. Destaque-se, por pertinente, que a grande maioria dos nossos Pretórios adota tal posição, possivelmente por desconhecimento dos benefícios que podem trazer o entender mais benéfico (posição n.º 1).

Nesse exemplo, tão comum nos presídios, a diferença entre os entendimentos obrigaria o sentenciado a permanecer 50 dias a mais no regime semi-aberto.

Forçoso convir, então, que, adotando-se o segundo entendimento, o condenado que desempenhou seu trabalho em jornada integral teria em benefício pelos seus 180 dias trabalhados, apenas 10 dias a menos no regime semi-aberto, pois, sem a remição de pena, necessitaria tal penitente cumprir 11 meses para alcançar o prazo exigido para a progressão de regime. Dessa forma, a cada 18 dias de árduas atividades, conseguiu abreviar um único dia apenas no regime mais rigoroso.

Registre-se, ainda, que a jornada trabalho do preso, apta a lhe permitir a remição, não poderá ser inferior a 6 horas diárias, consoante a exigência do art. 33 da Lei de Execução Penal.

E mais. Aos sábados e domingos, via de regra, não é permitido o trabalho aos detentos. Assim, tais dias não são considerados, pois, além de determinar a Lei descanso semanal, nesses dias há deficiência de vigilância, visto que não há expediente normal nos presídios. Consequentemente, resta ao sentenciado o trabalho apenas nos dias-úteis, ou seja, aproximadamente 20 dias em cada mês.

Conclui-se, destarte, que o apenado deverá trabalhar por quase um mês (18 dias-úteis) para abater apenas um singelo dia no tempo necessário à progressão de seu regime de cumprimento de pena.

Dessa forma, 180 dias trabalhados não se equivalem a 6 meses, pois, como já discorrido, descontam-se os dias não-úteis. Havendo, em média, 20 dias-úteis em cada mês, necessitaria o condenado trabalhar por 9 meses seguidos para conseguir abreviar apenas 10 dias no prazo para a progressão de regime.

Desestimula-se, por completo, o desempenho de qualquer labor no cárcere, gerando a perniciosa e indigna ociosidade. Não se pode negar o fundo de verdade do chavão: "cabeça vazia, oficina do diabo".

Levando-se em conta o entender de que o lapso remido deverá ser somado à pena cumprida, interpretação mais adequada e em consonância com os fins da condenação, o reeducando abaterá realmente um dia a cada três trabalhados, conforme lhe garantido pela Lei de Execução Penal, vendo diminuir efetivamente o tempo que deverá permanecer recluso.

Poder-se-ia alegar que tal interpretação é muito liberal, beneficiando, sobremaneira, alguns condenados que não fazem jus à benesse, entretanto, inúmeros motivos afiançam essa exegese:

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1) Se porventura algum recluso, já tendo conquistado alguns dias remidos, mostrar-se não condizente com a oportunidade, vindo a cometer falta grave, poderia o Magistrado, simplesmente, lançar mão do recurso lhe facultado pelo art. 127 da LEP, determinando a perda dos dias já remidos.

2) Nas prisões, de modo geral, o trabalho não é proporcionado a todos os reclusos, desempenhando-o, tão somente, aqueles que fazem por merecer tal benefício; assim, só os que possuem méritos suficientes são autorizados a laborar. Dessa maneira, auxilia-se a direção do presídio a manter a ordem e disciplina tanto dos que trabalham, como dos que não laboram, pois, os primeiros, receiam perder a oportunidade que lhes foi confiada, visto haver inúmeros interessados em assumir seu posto, enquanto os segundos, vendo que o benefício é efetivo, podendo diminuir sua permanência no cárcere, desejam trabalhar, demonstrando terem méritos para tanto.

3) Muito embora, nos dias de hoje, falar em ressocialização nas nossas prisões possa soar como discurso utópico, alheio ao cenário atual de nosso sistema carcerário, não se pode perder de vistas que ela é uma das funções do encarceramento – senão a mais importante – permitindo ao recluso que se readapte à vida em sociedade, onde o trabalho é tido como fundamental, engrandecendo e dignificando o homem. Tamanha a importância do trabalho, que, paradoxalmente, em liberdade, o ato de entregar-se habitualmente ócio, sendo válido para o labor, e sem meios para garantir sua subsistência, é considerado uma figura delitiva penal, tipificado no art. 59 da Lei das Contravenções Penais !

4) Digno de transcrição o brilhante magistério de Arminda Bergamini Miotto que demonstra a relevância do trabalho na prisão: "Se o condenado, antes da condenação, já tinha o hábito do trabalho, depois de condenado, recolhido a estabelecimento penal, o trabalho que ele exercer manter-lhe-á aquele hábito, impedindo que degenere; se não o tinha, o exercício regular do trabalho, conforme às suas aptidões contribuirá para ir gradativamente disciplinando-lhe a conduta, instalando-se na sua personalidade o hábito da atividade disciplinada."

E vai além a preclara Autora: "se o condenado não trabalhar na prisão, ou, pelo menos, não o fizer regularmente, ao recuperar a liberdade não será capaz de fazer o esforço, que às vezes é verdadeira luta, para obter um trabalho e manter-se nele; ainda que o serviço social lhe consiga trabalho, ele talvez não saiba ou não queira fazer o esforço para manter-se na atividade. Não será de admirar-se que, nessas condições, ele venha a reincidir no delito."(1)

5) Permitimo-nos acrescentar que, além do hábito da atividade disciplinada que o labor na prisão pode criar, pode também permitir ao recluso, principalmente ao jovem, o desenvolvimento de uma qualificação profissional – ou manter e desenvolver a que já possui – possibilitando-lhe adquirir uma formação que lhe será útil quando deixar a prisão.

6) Também é oportuno o pensamento de Rui Medeiros, o qual ora é trazido a colação, pois demonstra, de forma clara e inequívoca, os benefícios inerentes ao trabalho no cárcere: "A laborterapia é a pedra de toque de toda a moderna Penalogia. O trabalho acaba com a promiscuidade carcerária, com os malefícios da contaminação dos primários pelos veteranos delinquentes, e dá ao condenado a sensação de que a vida não parou e ele continua a ser um ser útil e produtivo, além de evitar a solidão, que gera neuroses, estas, por sua vez, fator de perturbação nos estabelecimentos penais e fermentos de novos atos delituosos." (2)

7) Ademais, como já salientado, a LEP é omissa sobre o assunto, e, dentro de toda a sistemática adotada por nossa legislação, cabendo duas interpretações, inconcebível seria adotar o entender que prejudique notoriamente o condenado.

O trabalho, não se pode negar, gera o sentimento de responsabilidade, não sendo exagero conceituá-lo como o pilar do processo reeducativo do apenado, objetivo maior da reclusão, devendo, portanto, ser estimulado. E a forma mais simples e sensata de estimulá-lo é premiar adequadamente o trabalhador por suas atividades, de acordo, obviamente, com os ditames do Direito e da Justiça, gerando no sentenciado a sensação de que o trabalho realmente compensa.


Notas

  1. "in" Curso de direito penitenciário, v. 2, Saraiva, 1975, págs. 495/496.
  2. "apud" Paulo Lúcio Nogueira, Comentários à Lei de Execução Penal, Saraiva, 1996, pág. 40.
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Sobre o autor
Marcelo Polachini Pereira

acadêmico de Direito na PUC/Campinas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Marcelo Polachini. A remição de pena à luz da ressocialização do condenado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1093. Acesso em: 23 abr. 2024.

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